segunda-feira, 31 de maio de 2010

Bolívia: drogas, tô fora

As drogas estão no centro da agenda brasileira. É bom que seja assim: milhares de famílias estão sendo destroçadas em razão da crescente dependência, não apenas de jovens e adolescentes, da cocaína e de seu mais diabólico subproduto, o crack. Enfrentar este problema é prioridade para qualquer governo sério.

Hoje o debate em torno do combate à criminalidade está travado em função de um preceito constitucional: segurança pública, pelo texto aprovado em 1988, é papel dos estados e do Distrito Federal; a União fica fora. Chegou a hora de mudar isso. Todas as forças públicas de repressão devem ser direcionadas para fechar o quanto antes esta chaga.

Coube ao pré-candidato do PSDB à presidência, José Serra, botar o dedo na ferida. O governo federal, disse ele, deve embrenhar-se nesta luta renhida contra a criminalidade e, mais especificamente, contra as drogas. É direta a relação entre uma e as outras: a maior parte da violência em território brasileiro decorre hoje do tráfico. Para ficar num só exemplo: Juruena, no fronteiriço Mato Grosso, tem a assombrosa média de 139 homicídios por 100 mil habitantes, disparada a maior do Brasil.

E de onde vem a maior parte dos entorpecentes? Da Bolívia. Mas algo tão cristalino assim foi transformado pela chancelaria companheira numa protoceleuma diplomática. Não deveria. Basta consultar os informes da ONU para ver que está, sim, no país de Evo Morales o centro nevrálgico da produção de coca no mundo hoje.

Em seu World Drug Report 2009, as Nações Unidas informam que, em 2008, “pelo terceiro ano seguido” a área de cultivo na Bolívia cresceu. Já são 30,5 mil hectares, o que representa uma extensão duas vezes maior do que a ocupada em 2000.

Em queda constante, a área de pés de coca erradicada pelo governo boliviano em 2008 foi apenas metade da que se exterminou em 2002. Tudo somado, o país de Evo Morales é capaz de produzir 113 toneladas de cocaína, ou três vezes mais do que em 2000. Chapare e Yugas de La Paz são as principais áreas de cultivo. (Todos os dados são oficiais e foram reportados ou pelo Governo Plurinacional da Bolívia ou pelo Departamento de Estado Americano ou pela ONU.)

É verdade que a Bolívia já foi uma usina muita mais ativa de produção de coca. Graças à atuação conjunta com o Departamento Antidrogas dos EUA (DEA), em 2000 a produção declinou a menos de um terço do que era em meados dos anos 90. Mas, desde então voltou a crescer e, de 2005 para cá, a expansão não parou mais. (Evo assumiu a presidência boliviana em 25 de janeiro de 2006 e, logo depois, invocando a famigerada retórica antiimperialista, expulsou o DEA da Bolívia.)

Também é fato que a Bolívia é apenas o terceiro maior produtor mundial de cocaína, atrás, nesta ordem, de Colômbia e Peru. Mas há algumas razões para a preocupação específica do Brasil em relação ao cultivo boliviano. Em primeiro lugar, no principal produtor, a Colômbia, as áreas de plantio e produção estão caindo: 18% e 28%, respectivamente, em 2008, em comparação com o ano anterior. (No Peru houve uma discreta alta.)

Mas o mais relevante é que, considerada de menor qualidade e refutada entre consumidores dos Estados Unidos e Europa, a cocaína boliviana é que abastece o mercado brasileiro. Segundo a Divisão de Controles de Produtos Químicos da Polícia Federal, 80% da cocaína consumida no país vem da Bolívia, conforma mostrou a Folha de S.Paulo. Desde que Morales assumiu o poder, o tráfico cresceu exponencialmente nas rotas viárias que chegam ao Brasil, como informou a revista Veja em sua edição desta semana.

Além de ser considerado o segundo maior consumidor de cocaína no mundo, com cerca de 900 mil usuários, após os EUA, o Brasil também tem se consolidado como rota internacional de tráfico. Aeronaves de traficantes que partem da Bolívia são reabastecidas em fazendas remotas do Centro-Oeste e da Amazônia e seguem dali para África ou Europa.

Daí a preocupação em fechar, o quanto antes, este canal, antes que a disseminação da droga extermine o futuro de milhares de famílias brasileiras. Por que não aceitar esta verdade incômoda e começar a agir já?

quarta-feira, 26 de maio de 2010

À venda negócios sem riscos

O Brasil oferece hoje uma extensa carteira de oportunidades para quem pretende investir. Com imensas carências de infraestrutura, obra a ser feita é o que não falta. Tem para todos os gostos. Mas o governo Lula parece preferir as monumentais, altamente custosas e, num mundo encantado jamais sonhado por um capitalista, sem riscos para os empreendedores. O negócio do PT é fazer negócio.

Exemplo gritante é o que envolve a construção do trem-bala. É um emblema do PAC: tão grandiosa quanto empacada. Ninguém sabe quando a obra sairá do papel, mas já se sabe que ela pode vir a ser uma barbada para o investidor: empreendimento bilionário com risco assumido pelo Tesouro – ou melhor, bancado pelo meu, pelo seu, pelo nosso dinheiro de contribuinte.

Sabe-se agora, como mostra O Estado de S.Paulo, que dos R$ 34,6 bilhões previstos para a obra, o governo federal pode subsidiar uns R$ 8 bilhões. Isso porque, pelo escopo desenhado para reduzir riscos e atrair investidores, o custo do empréstimo para construir o trem-bala pode ser até três pontos percentuais menor que a TJLP – a taxa de juros de longo prazo usada pelo BNDES em seus financiamentos. Não é só. 60% do valor do investimento virá de uma linha de crédito a ser criada pelo BNDES.

O trem-bala deve unir Campinas ao Rio. De início previa-se que, nesta altura do campeonato, o edital já estaria na rua e o leilão a um passo de acontecer. Bom, isso no lindo mundo delirante petista, onde tudo é bem planejadinho, como defendeu dona Dilma diante dos empresários da CNI ontem, em Brasília.

Na vida real, o túnel é bem mais escuro. O processo do trem-bala não sai do lugar, rateia. Já se fala que para a Copa de 2014 – cronograma inicial para conclusão da obra – não estará pronto, quiçá em 2016, mesmo assim só um trecho. Parece que nem no fim da travessia há luz.

É por estas e outras que, ao delírio petista de que ressuscitou o planejamento estratégico no país, a oposição contrapõe o duro choque do real: que planejamento? Não é só o trem-bala que põe por terra a fantasia de dona Dilma. Não é necessário sair do campo ferroviário para chegar a uma imensa lista de obras frustradas, que só existem em letrinhas impressas em papel.

A começar pela Transnordestina, anunciada pelo presidente Lula como sua principal ação no Nordeste. O BNDES já pôs dinheiro na empresa privada responsável pela obra, o Orçamento já destinou R$ 4,5 bilhões para os trilhos, mas, até agora, nada. A ferrovia, que, de fato, é importantíssima para alavancar o desenvolvimento econômico em amplas áreas da região, só rende boas imagens em programas maquiados para a TV.

Tem mais: a ferrovia Norte-Sul, crucial para tornar os grãos produzidos no Centro-Oeste mais competitivos. Ao todo, dentro do PAC, a previsão de investimentos na ferrovia é de R$ 5 bilhões, dos quais, passados 40 meses de lançamento do programa, foram pagos tão-somente R$ 1,7 bilhão (ou 34% do previsto). Sem a Norte-Sul, os produtores rurais se ressentem de bancar fretes até Santos e Paranaguá tão caros quando se paga para levar o produto dos portos brasileiros à China.

Enquanto prepara-se para derramar toneladas de dinheiro público no trem-bala, o governo federal dá de ombros para obras sobre trilhos que, efetivamente e de imediato, mudariam a vida de milhões de pessoas que vivem em metrópoles. No metrô de São Paulo, não há dinheiro da União; o de Belo Horizonte, não sai do lugar; o de Fortaleza, há dez anos está parado; e o de Salvador, mesmo sem conseguir sair do papel, só fez encolher nos anos Lula.

Tem razão a oposição quando afirma que falta ao atual governo “planejamento, qualidade de gestão e capacidade para dar sequência aos investimentos”, como fez ontem o pré-candidato José Serra no mesmo evento promovido pela CNI em Brasília. Talvez seja conveniente para o petismo que seja assim: quando impera a barafunda, crescem as chances de fazer negócios. Ainda mais quando eles não envolvem risco algum para o investidor. Uma pechincha.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Como preparar e servir um embaraço mundial

Coloque em um caldeirão grandes doses de megalomania e um montante de vaidade. Junte com um pouquinho de boa intenção e um pacote grande de ingenuidade. Adicione a necessidade de aplausos. Não se esqueça de incluir uma protoditadura de terceiro mundo e a retórica esquerdista a la anos 60. Deixe esquentar e misture bem. Tempere com bastante soberba. Pronto, já está servido ao mundo um perfeito embaraço internacional.

Conduzido por cozinheiros como o chanceler Celso Amorim e o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e com o aval “secreto” do chef Barack Obama, o aprendiz Lula levou o Brasil a servir o maior constrangimento de sua história diplomática. Em busca da paz mundial, fechou um acordo com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad. Apresentado em meio a slogans para ser eterno, o trato não resistiu a um dia sequer de realpolitik.

Firmado na semana passada, no papel o tratado é gracioso. Foi até estimulado por Obama. Para evitar reprimendas da Organização das Nações Unidas, o Irã deveria trocar 1,2 tonelada de urânio de sua propriedade por 120 quilos do mesmo metal enriquecido na Turquia. Como é sabido, enriquecer urânio é necessário para uso médico, mas, no extremo, também pode levar à fabricação da bomba atômica. No final das contas, seria até emocionante a imagem de Lula e Ahmadinejad, de mãos dadas, comemorando o trato “histórico”. Mas a pantomima durou pouco.

No dia seguinte, o choque. Desconfiado do Irã, Obama tinha abandonado o barco, que começara a naufragar. A secretária de Estado americano, Hillary Clinton, até elogiou a atitude do Brasil, e coisa e tal. Mas anunciou sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU. Aconteceu o que o Brasil queria evitar. A esperança verde-amarelo era de que China e Rússia rechaçassem a proposta de Hillary, pois, em tese, eram “nossos amigos”. Pura ilusão.

Todos os grandes fecharam com os EUA. Até nossos hermanos mexicanos preferiram seguir a orientação do Norte. Foi como se o governo de Obama dissesse ao Brasil e à Turquia: “Pronto, meninos, agora saiam do tanque de areia para que nós, os grandes, possamos brincar”. Ficou a incômoda impressão de que Lula agiu como garoto de recados de Obama, que mudou de ideia mais tarde. Haja brejeirice.

Os próprios iranianos também surpreenderam os brasileiros. Também no dia posterior ao acordo, anunciaram que não iriam parar de enriquecer seu urânio – os estoques cresceram no período. Em meio à perplexidade, talvez tenha faltado avisar nossos diplomatas de que no Irã o presidente é quase um adereço. Quem tem poder de fato é o aiatolá Ali Khamenei, chefe da chamada Guarda Revolucionária, instituição que funciona independentemente do exército do país. E são os paramilitares chefiados pelo líder religioso que podem impedir ou não a construção da bomba.

Parece que as potências sabiam bem disso ao isolar o Brasil sem maiores explicações. Com o estrago já feito, a única coisa que nossos diplomatas podem fazer para diminuir o vexame é torcer para que o Conselho de Segurança da ONU reverta a decisão anunciada.

Mas o contratempo iraniano não significa que o Brasil deve colocar o rabo entre as pernas e deixar de lado a luta para ser um protagonista mundial. Ao contrário. O desenvolvimento brasileiro exige tal papel. Ocorre que, hoje, essa batalha está sendo travada por meio de lentes distorcidas, que incluem um contraditório antiamericanismo da boca para fora, sujeição a Obama nos bastidores e mão na cabeça de ditadores que soltem grunhidos contra os ianques.

Nessa toada meio biruta de aeroporto, a diplomacia tupiniquim tem sido omissa em relação aos avanços autoritários do coronel Hugo Chávez e não perde a oportunidade de abençoar a carcomida ditadura dos irmãos Castro. Enquanto isso, o Brasil só conseguiu assinar um tratado comercial em toda a gestão petista, com Israel. Ou seja, o blábláblá ainda se dá em detrimento de uma política externa realmente efetiva.

O Brasil faria melhor para conquistar o devido respeito se também apoiasse firmemente a democracia no mundo, sobretudo entre os vizinhos. Há tarefas urgentes a serem feitas por aqui, na América do Sul. O governo não dá a devida prioridade à escalada do protecionismo argentino; não liga tanto assim para conflitos envolvendo guerrilheiros na Colômbia e no Paraguai, e suas ramificações com a droga que assola o país; não vê relevância nas disputas marítimas entre Chile e Peru; e sai de fininho nas querelas comerciais com Argentina e Uruguai.

Se atuasse nesses pontos, quem sabe, a almejada cadeira definitiva no Conselho de Segurança da ONU seria mais merecida. Mas o PT deve achar que isso tudo é coisa pouca. Na ansiedade de servir um bom prato para os ricos, a quem gosta de criticar apenas para fazer tipo, o “Itamaraty do B” é desleixado com a fome de conciliação e democracia de alguns colegas mais pobres.

Fiquemos com a precisa definição de Andres Oppenheimer para este caso de megalomania: “O Brasil não pode ser um anão diplomático em sua própria região e tentar ser um gigante longe de casa”.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

CPMF no bolso dos outros é refresco

Dilma Rousseff tem uma visão bastante particular do que seja pagar e recolher tributos. Acha que cobrá-los a menos não faz a menor diferença para quem paga, só para quem arrecada. Deve ser por isso que ela, em entrevista à rádio CBN na segunda-feira, tenha dito que o fim da CPMF não trouxe "resultados práticos no que se refere ao bolso do consumidor". Qualquer um de nós, contribuintes, sentiu a diferença; será que só ela não?

A CPMF rendia R$ 40 bilhões à União por ano - frise-se que era apenas à União, nada a estados e municípios. Como se trata de uma contribuição social, no arcabouço legal brasileiro ela compete apenas ao governo federal e não é compartilhada com os demais entes subnacionais, que participam apenas da repartição de alguns impostos, como o de renda e o IPI.

A CPMF foi derrubada em votação no Senado Federal em fins de 2007, coroando uma renhida luta da oposição pela diminuição dos tributos no país. Na época, o governo Lula alertou para a necessidade de "cortar na carne" para compensar a diminuição dos recursos disponíveis. A saúde, dizia-se, seria a maior prejudicada. A oposição mostrou que bastava gastar melhor para fazer mais com os mesmos recursos. Não estava errada.

No ano seguinte, já sem CPMF, a arrecadação tributária alcançou seu pico no país: 35,16% do PIB, nos cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Recorde absoluto. Foram R$ 1,056 trilhão, com alta predominante dos tributos federais. Em 2009, os cofres continuaram a encher: foram mais R$ 36 bilhões, ainda que a carga tenha caído em proporção do PIB. Cada brasileiro pagamos, em média, R$ 5.706,36 em tributos no ano passado. Ai meu bolso!

Mas não é preciso voltar tanto no tempo. Basta ver o que está ocorrendo neste ano mesmo. Entre janeiro e abril, a arrecadação federal cresceu 12,5% acima da inflação medida pelo IPCA, segundo resultado divulgado ontem pela Receita Federal. Transformemos isso em moeda sonante: foram R$ 39,4 bilhões a mais do que no mesmo período do ano passado. Ou seja, em apenas quatro meses recolheu-se a mais exatamente o valor da extinta CPMF de um ano todo! Será que dona Dilma acha mesmo que está faltando dinheiro?

Se a preocupação da candidata do PT é com o financiamento da saúde, é louvável. Mas a saída não é cobrar mais tributos dos cidadãos. Há uma solução tão singela quanto efetiva na agenda parlamentar: regulamentar a emenda constitucional nº 29, que define percentuais mínimos de aplicação de recursos em ações e serviços públicos de saúde por União, estados e municípios.

A proposta chegou ao Congresso no bojo de uma ampla mobilização catalisada pelo então ministro da Saúde, José Serra. Foi aprovada em 2000, com largo apoio dos mais diversos partidos. Mas, para vigorar, a emenda demanda legislação complementar. Disso dispõe o PLS 121/2007 do senador Tião Viana (PT-AC), em tramitação no Congresso, mas que o governo Lula recusa-se a votar.

A aplicação da emenda 29 já poderia estar gerando recursos mais robustos para o financiamento da saúde em todo o país. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) fez alguns cálculos. De acordo com tais estimativas, neste e nos últimos dois anos teriam sido investidos mais R$ 57,7 bilhões na melhoria do sistema público, caso a nova legislação já estivesse em vigor.

O mais curioso é que quem mais tem ficado a dever é justamente o governo federal. Desde o início da gestão Lula, se a EC 29 tivesse sido obedecida, a União teria aplicado mais R$ 13,4 bilhões em saúde. Mais significativo ainda é que no período 2000-2002, ou seja, nos dois primeiros anos após a aprovação da emenda e ainda no governo tucano, a União gastou até mais do que previam as novas regras: foram R$ 1,7 bilhão adicionais.

Quando o cobertor encurta, a solução é saber gastar melhor. O ex-governador Aécio Neves tem uma boa orientação para situações assim: gastar menos com o próprio governo, com a burocracia, para poder investir mais nas pessoas, na população. Mesmo tendo anunciado, lá em 2007, que seria necessário "cortar na carne", o que o governo do PT fez foi justamente o contrário: abriu as torneiras das benesses salariais. Agora fica sem saber como fazer para atender melhor a população. Pelo visto já está mirando o bolso dos contribuintes.