segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Não ao arrocho tributário

O governo deve enviar nesta semana ao Congresso medida provisória que reajusta a tabela de imposto de renda das pessoas físicas. Há motivos de sobra para desonerar o contribuinte brasileiro: nunca antes na história o leão arrecadou tanto. Quem recolhe imposto na fonte terá chance de perceber isso na ponta do lápis nos próximos dias, quando estiver preenchendo a declaração de ajuste anual do IR.

A proposta da gestão Dilma Rousseff é reajustar a tabela do IR em 4,5% neste ano. É pouco, por quaisquer ângulos que se olhe. O parâmetro mais adequado para redefinir as faixas tributárias é a inflação verificada no período, mas o governo só aceita dar menos.

Em 2010, o IPCA, que mede a inflação oficial no país, fechou em 5,91%. Portanto, nada mais justo do que adotar este como o percentual mínimo de reajuste do IR, o que poderia assegurar, pelo menos, que o contribuinte não seria lesado. A projeção do IPCA para 2011 é de 5,8%, de acordo com Boletim Focus do Banco Central divulgado nesta manhã.

Isto significa que, mantida a proposta da gestão Dilma, o peso dos impostos sobre o salário dos brasileiros vai continuar aumentando. A oposição defende reajuste de pelo menos 5,91%; as centrais sindicais também querem aumento maior da tabela.

A tabela do IR já está defasada há muito tempo. Nos últimos oito anos, a diferença chega a 13%, de acordo com estudo feito pelo Sindifisco. Para uma inflação de 57% no período, os reajustes na tabela foram de apenas 39%. É aumento de carga na veia do trabalhador. Para o período de 15 anos desde 1995, a defasagem pula para 71%.

Ocorre que as condições da economia agora são muito mais propícias para corrigir a distorção do que eram outrora. A arrecadação de tributos bate recorde atrás de recorde, sem que o contribuinte mereça qualquer refresco por parte da Receita.

Em janeiro último, a arrecadação federal atingiu R$ 91 bilhões. Significa crescimento de 15% acima da inflação, na comparação com o primeiro mês do ano passado. Só o que o leão recolheu a mais em um mês – R$ 12,4 bilhões – é suficiente para pagar o Bolsa Família durante um ano para todos os 12,9 milhões de beneficiários.

Vale lembrar que, no ano passado, a arrecadação federal como um todo já havia se expandido 10% acima da inflação, atingindo R$ 806 bilhões. Quando se analisa especificamente a carga que recai sobre os trabalhadores, na forma de cobrança de imposto de renda, o aumento real em janeiro foi de 9,4%.

Não surpreende que em 2010 a carga tributária tenha batido mais um recorde, o sexto da era petista. União, estados e municípios recolheram R$ 1,3 trilhão dos contribuintes brasileiros, de acordo com estudo feito pelo IBPT. Com isso, a carga foi a 35,04% do PIB, a maior da história. Na média, cada brasileiro pagou R$ 6.772,38 ao Fisco no ano passado.

O mesmo instituto mediu a variação da arrecadação tributária nos últimos dez anos e chegou a uma conclusão estarrecedora: o aumento foi de 264% desde 2001. É quase o triplo da inflação no mesmo período (90%) e acima também da expansão do PIB (212%).

O sistema tributário brasileiro é caótico e perverso. Caótico porque congrega 83 tributos, taxas e contribuições – muitos dos quais o contribuinte nem sabe que paga. Perverso porque penaliza quem ganha menos: famílias que recebem até dois salários mínimos gastam 54% de sua renda na forma de tributos, enquanto na faixa acima de 30 salários a carga é de 29%.

Além da desoneração propriamente dita – seja pontual, como na correção da tabela do IR, seja por meio de uma reforma tributária mais robusta, que reduza, por exemplo, os tributos sobre a folha de salários – há outras medidas que deveriam ser tomadas imediatamente.

Uma delas é a que determina que os impostos pagos no consumo sejam informados na nota fiscal. Mais consciente do confisco, é possível que o contribuinte brasileiro se mobilize para dar um basta à derrama, obrigando o Estado brasileiro a ser mais eficiente no trato dos recursos públicos.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

CPMF: onde há fumaça há fogo

O governo do PT prepara a ressureição da CPMF. A reunião de governadores do Nordeste ocorrida na última segunda-feira em Barra dos Coqueiros (SE) serviu para fornecer o pretexto que a gestão Dilma Rousseff queria para defender a necessidade de aumentar a carga de tributos imposta aos contribuintes. Tudo combinadinho.

Sob alegação de que a saúde pública caminha à míngua, alguns dos governadores nordestinos defenderam a (re)criação de um tributo vinculado ao financiamento do setor. Dilma, segundo relato de presentes, “não disse que sim nem que não”. Mas “deu sinal verde para que o debate sobre o assunto se aprofunde”, de acordo com O Globo. Ou seja, se colar, colou.

Pareceu jogo de cartas marcadas entre os governadores – majoritariamente alinhadíssimos a Dilma – e a presidente. E era. A discussão já vai muito mais à frente dentro do governo: a presidente já encomendou à FGV um estudo sobre a volta da CPMF, conforme revelou O Globo ontem.

“A presidente disse aos governadores do Nordeste que, se for identificado [pela FGV] que o investimento [em saúde] é baixo, ela terá argumentos para negociar com o Congresso e com a sociedade a volta do imposto”, informa a coluna Panorama Político. Já de acordo com a Folha de S.Paulo, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), “disse que a CPMF pode voltar com outro nome”. É bom já ir segurando a carteira.

Governos petistas têm verdadeira atração pelo aumento de impostos. Primeiro, porque acham que é justo cobrar cada vez mais de quem tem – mesmo dos que têm pouco, como é o caso brasileiro. Segundo, porque não conseguem administrar com eficiência os orçamentos públicos.

Logo que a “consolidação fiscal” foi anunciada, surgiu a desconfiança de que o mais provável era o governo Dilma elevar impostos para fechar a conta do superávit primário prometido para este ano. Até hoje não se sabe de onde virão os R$ 50 bilhões do arrocho, mas as pistas vindas de Barra dos Coqueiros são inequívocas: em vez de segurar o gasto, aumente-se o peso da canga tributária no pescoço do contribuinte.

A CPMF é um estorvo que penaliza o cidadão e o sistema produtivo. Não é a panaceia para a saúde que alguns querem fazer crer. Como dinheiro não tem carimbo, não há dúvida de que os recursos que vierem a ser arrecadados irão para o saco sem fundo do governo central. Nada muito diferente do que aconteceu nos anos de vigência do extinto imposto do cheque.

Entre 1997 e 2007, a CPMF arrecadou em torno de R$ 340 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. Historicamente, a saúde ficou com não mais do que 45% disso. Outros 18% tiveram como fim o caixa do Tesouro, ou, mais precisamente, o pagamento de juros. Previdência e ações de combate à pobreza dividiram o restante.

A CPMF foi extinta em dezembro de 2007, naquela que é considerada até hoje a maior derrota parlamentar imposta ao então presidente Lula. Arrecadava à época R$ 40 bilhões anuais, que não eram sequer compartilhados pela União com estados e municípios. Fato é que nem durante o tempo em que vigorou, nem com seus substitutos, o imposto do cheque resolveu o problema da saúde.

Mesmo sem a CPMF, a arrecadação federal nunca parou de subir, compensando com folga a sua eliminação. Apenas para se ter ideia, exatamente até hoje, 54º dia do ano, os brasileiros já terão deixado redondos R$ 200 bilhões nos cofres púbicos em tributos – ou praticamente o mesmo valor que se pagou ao longo de todo o ano de 2002. Até dezembro, R$ 1,4 trilhão serão arrecadados, o dobro do que se recolhia seis anos atrás.

A voracidade petista teima em não entender que a sociedade não tolera pagar mais impostos. Quer, isso sim, maior respeito pelo dinheiro suado que, cada vez mais, deixa com o leão sem receber em contrapartida a prestação de serviços públicos à altura. É o que acontece na saúde e não é a CPMF o melhor remédio para isso.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Nem tudo o que reluz é ouro

O governo Dilma promete anunciar nos próximos dias como executará o prometido ajuste nas contas públicas para fazer cumprir o corte de R$ 50 bilhões no Orçamento. Mesmo não sendo desejável que investimentos sejam afetados por medidas de arrocho, o caso atual está a suscitar conclusão distinta, tamanhos são os delírios petistas. 

Há uma longa lista de empreendimentos públicos sobre os quais pesam dúvidas consideráveis e que mereceriam, no mínimo, um reexame mais acurado. À frente desta composição, está o famigerado trem-bala. Mas a lista é longa e vai da hidrelétrica de Belo Monte às intervenções previstas para a Copa do Mundo de 2014.

O governo insiste em levar o bilionário trem-bala a leilão em abril, depois de ter adiado a oferta marcada para novembro passado. À época do adiamento, restou claro que não haveria concorrência se o certame fosse levado a cabo – só um único consórcio se articulara.

Passado três meses, a perspectiva é a mesma. Está mais que evidente que a obra do trem de alta velocidade, orçada em R$ 33 bilhões mas que deve custar pelo menos R$ 45 bilhões, só para em pé com muito subsídio e dinheiro público – tanto que a União agora quer jogar Correios e Eletrobrás no empreendimento descarrilhado.

Não se deve perder de vista que o investimento estimado no TAV daria para construir uns 100 km de linhas de metrô e trens urbanos, melhorando de forma incontestável a vida diária de milhões de brasileiros e não apenas saciando devaneios de consumo de uns poucos endinheirados.

A Copa do Mundo de 2014 engorda o rol de investimentos suspeitíssimos. Na semana passada, o TCU detectou um bocado de irregularidades e esquisitices nelas. Exemplos: as obras do novo estado da Fonte Nova, em Salvador, já custam quase o triplo do inicialmente orçado; o custo do VLT de Brasília saltou de R$ 364 milhões para R$ 1,55 bilhão.

Pelé, nossa maior celebridade global, disse outro dia que teme um vexame brasileiro daqui a três anos, tantos são os atrasos nas intervenções urbanas e nos estádios – um dos poucos com obras em dia é o Mineirão, sob a gestão tucana de Aécio e Anastasia. O pior é que o risco de fiasco provavelmente servirá como carta branca para que despautérios com o dinheiro público sejam cometidos à luz do dia.

Quase todos os maus negócios que o governo do PT entabula são cevados no cocho de fartos recursos públicos do BNDES, que acumula agora as funções de hospital de empresas e financiador de bizarrices.

Nos dois últimos anos, o banco recebeu sucessivos aportes que o vitaminaram em mais de R$ 180 bilhões. Com isso, funcionou, entre outros, como esteio da capitalização da Petrobras e centro oficial de maquiagem das contas públicas, sem esquecer o auxílio amigo a negócios suspeitos ou alquebrados, como os que envolvem frigoríficos falidos.

Sabe-se agora que o Tesouro pretende pôr mais R$ 50 bilhões no BNDES e também na Caixa Federal, talvez também para permitir que a instituição financeira de varejo continue a fazer negócios tão bons como o da compra do Panamericano...

Deve-se ter claro que, para injetar mais recursos no BNDES e permitir que ele continue a bancar negócios duvidosos, o Tesouro capta dinheiro no mercado (hoje à taxa média de 12% ao ano) e empresta cobrando em torno de 8%. Quem paga a conta da diferença somos nós – haja vista a imposição do salário mínimo-mínimo de R$ 545 na semana passada.

Nem tudo o que reluz é ouro. Não basta apenas ser investimento para escapar do rigor que deve orientar a aplicação dos recursos públicos; tem de ser investimento benéfico para a sociedade. Os acima citados ainda não provaram sê-lo.

Enquanto o governo do PT não define como fará o necessário ajuste nas contas públicas – desfiguradas pela irresponsabilidade da gestão Lula e pela complacência da hoje presidente da República – esta manada de elefantes brancos passeia livremente por aí, comendo recursos da sociedade que nem capim.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Por um mínimo máximo

A Câmara dos Deputados vota hoje a proposta de reajuste para o salário mínimo. Embora o governo aferre-se ao valor de R$ 545 proposto pela presidente Dilma Rousseff, há evidências suficientes para sustentar que o novo mínimo pode mais.

As fontes para bancar um aumento mais digno para o salário que é pago a 29,1 milhões de trabalhadores formais e 18,6 milhões de beneficiários da Previdência existem. Vão desde cortes em despesas de custeio à reestimativa de receitas. O inchaço que a gestão Lula, com beneplácito de Dilma, promoveu na máquina pública nos últimos anos fornece muita gordura para queimar.

Alguns exemplos: diminuição dos astronômicos dispêndios do Banco Central para acumular reservas em dólar; reexame de investimentos duvidosos, como o trem-bala; redução dos custos financeiros dos subsídios de crédito do BNDES; e, principalmente, o controle mais estrito das despesas de custeio da máquina pública.

Os gastos do governo federal cresceram muito acima da inflação ao longo dos anos Lula. Apenas entre 2006 e 2010, eles aumentaram R$ 212 bilhões em termos reais, dos quais 25% com pessoal, segundo cálculos da Convenção Corretora citados por O Globo. Há, evidentemente, muito o que cortar, começando, por exemplo, com a desenfreada expansão do número de cargos de livre provimento gostosamente ocupados pela companheirada.

A oposição está no seu papel ao propugnar um salário mínimo mais alto do que quer o governo de Dilma. Mantém-se coerente com o valor apresentado e defendido por José Serra na campanha eleitoral do ano passado e que não encontrou qualquer contestação por parte da então candidata do PT: R$ 600.

O PSDB tem histórico e autoridade para falar em concessão de ganhos reais para o mínimo. Afinal, foi na gestão de Fernando Henrique Cardoso que a política de valorização do piso salarial teve início no país. Entre 1995 e 2002, o ganho real, ou seja, acima da inflação, foi de 44%. Lula deu continuidade a esta linha exitosa, para o bem dos brasileiros mais pobres.

Estivesse o PT na oposição, é possível que, a esta altura, o partido de Dilma estaria brandindo palavras de ordem em torno de um mínimo irrealista. Uma boa pista é o valor que o Dieese estima que deveria ser o piso nacional: mais de R$ 2.227. Alguém duvida disso?

O PSDB apresenta uma proposta factível, realista e, mais que isso, diz de onde os recursos podem vir. Faz oposição responsável, tendo como foco o brasileiro mais carente. Muito diferente do que faz o governo de Dilma ao defender o mínimo-mínimo de R$ 545.

Em defesa de sua proposta, o governo exibe as garras e as regras do jogo espúrio da repartição de nacos de poder. Como mostra O Estado de S.Paulo, usará a lista com o nome dos deputados que votarem a favor da proposta oficial para o mínimo para definir a distribuição de cargos públicos. As razões do governismo ancoram-se, pois, em chantagem e fisiologismo da pior espécie.

“O dinheiro orçamentário que deixar de ser consumido pelo ajuste do salário mínimo e das aposentadorias – ou parte – estará disponível para apoiadores do governo fazerem política de olho na reprodução do próprio poder e dos mandatos”, desnuda Alon Feuerwerker na edição do Correio Braziliense de hoje.

É preciso, sim, fazer um ajuste nas contas públicas, para que o dinheiro do contribuinte seja mais bem empregado. Trata-se de algo que a oposição vem alertando há meses, e que encontrou, em resposta, ouvidos moucos de Lula e também de Dilma.

Com a água agora chegando ao nariz, o governo do PT apela para o sacrifício dos mais pobres. A conta da bilionária irresponsabilidade petista não pode sobrar para quem faz toda a diferença ter alguns poucos reais a mais no bolso no fim do mês.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Um ajuste rudimentar nas contas públicas

Já deixou de ser novidade: governos do PT sempre começam fazendo tudo ao contrário do que seus candidatos pregam em cima dos palanques. Com Dilma Rousseff não foi diferente. Na semana passada, a equipe econômica da presidente anunciou que fará o ajuste fiscal que ela, quando ainda estava em campanha, dizia ser to-tal-men-te desnecessário.

No mínimo, os cortes orçamentários agora anunciados – de R$ 50 bilhões, ou 0,6% do PIB – equivalem a admitir que o governo passado soltara, irresponsavelmente, as rédeas dos gastos. Dilma é fiadora direta desta má herança, por algumas razões.

Primeiro, como “gerente” da lojinha de Lula, não apenas deu carta branca para que os gastos decolassem, como também bombardeou iniciativas para freá-los: quem não se recorda de quando ela chamou de “rudimentar” o plano de Antonio Palocci para zerar o déficit num prazo de dez anos?

Segundo, porque Dilma deve sua eleição, em grande medida, à generosidade fiscal que marcou os dois últimos anos do governo passado. Em sua edição de ontem, O Globo mostrou que, já descontada a inflação do período, os gastos do governo federal cresceram R$ 282 bilhões ao longo dos anos Lula. Apenas entre 2006 e 2010, eles subiram R$ 212 bilhões. A conta da eleição de Dilma nos chega agora, amarga, na forma de arrocho e, pior ainda, inflação.

Só as despesas com pessoal aumentaram R$ 52 bilhões acima da inflação no segundo mandato de Lula. Agora, para tentar conter a pressão dos salários, a equipe econômica de Dilma anuncia que congelará a contratação de funcionários e a realização de concursos públicos – exatamente o que, sordidamente, acusava a oposição de planejar fazer. Nos cargos de confiança, porém, não se mexe, porque a companheirada não é de ferro...

Mas, entre a intenção de ajustar as contas e a prática, ainda vai longa distância. Ninguém sabe ao certo como o governo pretende executar o ajuste bilionário. Como tem nas costas um histórico de artimanhas e malabarismos contábeis, Guido Mantega não desponta como o melhor fiador de um compromisso desta magnitude.

Diante disso, é exagero ver nos cortes anunciados pela equipe econômica de Dilma Rousseff uma prova inconteste de austeridade dada pelo novo governo. O que existe até agora é uma mera carta de intenções. A prova dos nove ainda está por vir. Há quem diga que cortar apenas em custeio, como promete o governo, é matematicamente impraticável.

Excluindo despesas de custeio com educação, saúde e gastos sociais, o governo teria um bolo de R$ 53,7 bilhões de onde precisaria tirar os anunciados R$ 50 bilhões, calcula Mansueto Almeida, do Ipea. “Esqueçam o corte anunciado de R$ 50 bilhões concentrado apenas em custeio, sem sacrificar investimentos e gastos sociais. Simplesmente não é possível”, escreve.

Na sexta-feira, o Valor Econômico mostrou que os cortes anunciados apenas atenuam a tendência de alta dos gastos federais. Mesmo subtraindo os bilhões divulgados, as despesas federais subirão neste ano 3,7% acima da inflação, na comparação com 2010. Uma possibilidade de ajuste, comenta o jornal hoje, está no aumento de 0,5 ponto na carga tributária.

Como se vê, a lista de intenções anunciada pelo governo está longe de poder dar conta de esfriar a economia e conter a escalada inflacionária. Não são meros anúncios que conseguirão domar um fera cevada irresponsavelmente a pão de ló ao longo de anos. O que se viu até agora foi rudimentar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Lá vem a inflação subindo a ladeira

Começou bem o governo da presidente Dilma Rousseff: a inflação voltou a subir forte no primeiro mês da nova gestão. O IPCA (que serve de referência para o regime de metas) atingiu 0,83% em janeiro. Foi a maior alta desde abril de 2005, igualando a marca de novembro passado.

O que está ruim deve piorar e a inflação mensal pode superar 1% neste mês de fevereiro. Atingir a meta prevista para este ano já é dado como missão impossível – o IPCA acumulado em 12 meses já está em 5,99% e deve furar o teto da margem de tolerância do sistema em meados deste ano. O fogo do dragão está incinerando a renda do brasileiro.

Para quem quer que tenha que fazer uma compra de supermercado ou pagar o serviço de uma manicure, está mais que evidente que a inflação está voltando a ser um problema cotidiano no país. Não para Guido Mantega e a equipe econômica petista.

O ministro da Fazenda continua na sua ladainha de que o que o Brasil experimenta é o mesmíssimo processo que se espraia pelo mundo todo, valoriza o preço dos alimentos e puxa os índices de preços para cima. Seria tudo, portanto, um fenômeno global e uma onda passageira (sazonal). Entoando este loa, Mantega vai vendo a caravana passar. A chefe dele também assiste.

O triste é que os dados – estes estraga-prazeres – contradizem Mantega. A inflação de janeiro foi a maior para este mês do ano desde 2003, ou seja, não há sazonalidade. Os aumentos dos alimentos, também ao contrário do argumento oficial, foram bem menores agora do que haviam sido em novembro passado – outro mês de inflação igualmente nas alturas.

Em novembro, os alimentos subiram 2,22% e agora quase metade disso: 1,16%. Não é, portanto, o chuchu o vilão da inflação corrente, como sonha Mantega, talvez saudoso dos anos de chumbo quando desculpas como esta colavam.

Dos subíndices que compõem o IPCA, 70% aumentaram em janeiro – isto é, o movimento de alta é generalizado. Se no comércio a remarcação de preços corre solta, na prestação de serviços já virou epidemia: a inflação acumulada em 12 meses bateu em 7,88%, nível que não se observava no país desde 1997.

Para o ministro da Fazenda, segundo O Estado de S.Paulo, o importante é “evitar que se instale na economia um ‘pessimismo’ generalizado em torno da alta de inflação”. Assim, o sábio Mantega prefere investir na “comunicação” da posição do governo. Melhor faria se agisse, definisse logo como o governo vai reduzir gastos e administrar melhor o dinheiro do contribuinte.

O tempo urge, porque vem mais inflação por aí. O IGP-DI, que mede a inflação no atacado, mais do que dobrou: passou de 0,38% em dezembro para 0,98% em janeiro. Logo, logo esta onda também baterá no varejo e inchará ainda mais os índices ao consumidor.

Assustadas, as indústrias estão apertando a margem de lucros para não perder vendas, como mostra O Globo. Não demora, também terão de repassar os custos represados para os preços. Enquanto mantêm os ganhos menores, tendem a cortar investimentos. Neste ciclo, perde o trabalhador em renda e em emprego.

Segundo a Folha de S.Paulo, Dilma Rousseff avaliou como “ruim” o resultado da inflação de janeiro e considera que “o número reforça sua decisão de fazer um ‘forte’ ajuste fiscal neste início de governo”. A presidente pode alegar tudo, menos surpresa.

A escalada inflacionária foi denunciada pela oposição na campanha eleitoral do ano passado. Dilma negou-a. A necessidade de impor controle mais robusto sobre os gastos públicos foi defendida pela oposição no ano passado. Dilma negou-a.

Não pode agora é negar-se a fazer o que é preciso para preservar a maior conquista da sociedade brasileira na história contemporânea: a estabilidade da moeda, conquista esta que seu partido sempre se negou a apoiar.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Com Dilma, à luz de velas

Em outubro de 2009, numa entrevista à TV, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou: “Temos uma certeza: não vai ter apagão. É que nós voltamos a fazer planejamento”. Menos de duas semanas depois, o país mergulhou numa escuridão nunca antes vista. Na última sexta-feira, aconteceu de novo e todo o Nordeste afundou nas trevas. Onde nos levarão as certezas de Dilma?

Na madrugada de sexta-feira, 46 milhões de pessoas que estavam em oito estados nordestinos passaram até quatro horas no escuro. Para Edison Lobão, foi mera “interrupção temporária de energia”. Para a população, foi apagão mesmo e dos grandes.

Não se sabe ao certo o que causou o blecaute, mas avaliações preliminares apontam para uma falha no sistema de proteção de uma subestação operada pela Chesf em Pernambuco. Desta vez, pelo menos, não puseram a culpa em raios...

Quaisquer que sejam as conclusões, o diagnóstico já é mais ou menos conhecido: o sistema elétrico nacional padece de falta de investimentos em modernização e manutenção, notadamente na transmissão e na distribuição. Por que será?

A explicação está na lógica do modelo elétrico imposto ao país pela então ministra de Minas e Energia de Lula: sim, ela mesma, Dilma Rousseff. Desde 2004, todo o funcionamento deste complexíssimo setor foi orientada no sentido da chamada “modicidade tarifária”, ou seja, a perseguição da mais baixa tarifa de energia possível para o consumidor.

Visto desta maneira, isoladamente, o objetivo é louvável. Mas, num segmento da economia em que a necessidade de expansão é constante, as cifras de investimentos se contam em dezenas de bilhões e o prazo entre uma decisão e o início de operação ultrapassa o de governos, o planejamento precisa envolver uma gama de fatores bem mais intrincados. Em busca da modicidade, negligencia-se hoje a qualidade.

O apagão da semana passada não é evento isolado. Todos se lembram do megablecaute de novembro de 2009, quando 88 milhões de pessoas de 18 estados ficaram às escuras. (O incidente rendeu a Furnas uma multa de R$ 53,7 milhões até hoje não paga.) Também se recordarão dos seguidas interrupções no Rio no ano passado e do martírio que pesa sobre as indústrias da Zona Franca de Manaus, às voltas com apagões diários.

Mas há muito mais. Entre 2008 e 2010, o número de apagões graves no país cresceu 90%, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Foram registrados no ano passado 91 desligamentos superiores a 100 MW (o equivalente ao consumo médio de uma cidade com 400 mil habitantes). Em 2009 haviam sido 77 desligamentos e em 2008, 48, revelou a Folha de S.Paulo no sábado.

No Nordeste, onde o consumo cresce a um ritmo de 8% ao ano desde 2006, o índice de interrupções medido pela Aneel subiu de 18 para 27 horas entre 2008 e 2010. A pior situação foi verificada em Sergipe, onde a extensão dos apagões dobrou de 22 para 44 horas, segundo O Estado de S.Paulo.

O que vem ocorrendo é que, para garantir custos mais baixos, as empresas de energia têm negligenciado os investimentos em manutenção. Gasta-se cada vez menos para garantir linhas de transmissão em bom estado, estações de energia em perfeito funcionamento. Com isso, o sistema fica vulnerável, como restou mais uma vez comprovado na semana passada.

A expansão das linhas de transmissão também patina. Em 2010, foram agregados apenas 1.906 km às redes de energia no país. Significa menos da metade do que foi feito em 2003, quando maturaram os investimentos legados pelo governo Fernando Henrique, e uma queda de 37% sobre 2009.

O Planalto apressou-se a informar que a presidente ordenou que a Aneel “reforçasse a fiscalização preventiva” e também mandou o ministro Edison Lobão cobrar das empresas geradoras de energia “um reforço na manutenção do serviço”. Parece coisa séria, mas não é.

Para começar, as atividades de fiscalização da Aneel têm sido sistematicamente garroteadas pelo governo do PT. Parte das tarifas pagas pelos consumidores nas contas de luz serve para custear o trabalho dos fiscais, mas o Planalto bloqueou 55% dos R$ 1,68 bilhão arrecadados entre 2003 e 2009 pela Aneel com esta finalidade. Com isso, a qualidade do sistema – formado por 450 subestações e 90 mil quilômetros de linhas – desabou.

Quanto às empresas geradoras, a maior parte delas é estatal: Furnas, Chesf, Eletrosul, Eletronorte etc. Isso lhe sugere algo? Claro: é o setor onde se promove o mais deslavado loteamento de cargos que se tem notícia desde a invenção da luz elétrica. Dilma diz que agora implodirá os feudos. Como? Entregando-os a José Sarney e seus apaniguados. Quanta treva.

O governo federal prometeu chamar os agentes às falas nesta segunda-feira para que expliquem por que o sistema elétrico falhou de novo. Se quiser chegar a alguma explicação, acabará topando com o nome de Dilma. Seja como ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil ou presidente da República, seu currículo está repleto de apagões. Tudo bem que à luz de velas é mais difícil perceber.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Pai dos pobres, mãezona dos ricos

Dilma Rousseff vai hoje ao Congresso entregar a “Mensagem ao Legislativo”, documento que lista as prioridades deste seu primeiro ano de gestão. A assessoria palaciana cuidou de antecipar para a imprensa o que seriam “pontos centrais” do discurso: num deles, diz-se que a presidente vai pregar a austeridade fiscal. Será cristã nova na matéria.

Segundo a Folha de S.Paulo, Dilma vai defender a “necessidade de melhorar a qualidade dos gastos governamentais e o compromisso fiscal do Executivo. O objetivo da mensagem é dividir responsabilidades com o Congresso na hora de aprovar aumento de despesas correntes”. Já o Valor Econômico diz que a presidente afirmará aos congressistas que seu governo “manterá a austeridade fiscal”.

Até agora, porém, o novo governo nada fez em favor de promover um maior rigor em relação ao mau uso do dinheiro do contribuinte. Dilma tenta negar o óbvio: que terá de fazer o ajuste fiscal que, durante a campanha eleitoral de 2010, afirmou ser totalmente dispensável. A conta da gastança está sendo cobrada.

A pouca ação de Dilma e seu governo até agora vem sendo lida como desejável discrição, em oposição benéfica ao fanfarronismo do antecessor. Mas o silêncio presidencial também começa a ensejar indisfarçável incômodo. Já se parece mais com imobilismo do que com predicado.

Neste um mês de governo, aumentou a ansiedade dos agentes econômicos em relação à falta de medidas fiscais mais claras, ao mesmo tempo em que a população em geral foi sentindo a inflação corroer-lhe o bolso. Alheio a tudo, o governo apenas assiste.

Com Dilma e seu governo imóveis, as expectativas econômicas pioram a olhos vistos. Se o governo não diz claramente o que fará para estancar os gastos que gostosamente inflou nos últimos anos para eleger a presidente, a conclusão que se tira é que o dragão da inflação terá, na forma de demanda superaquecida, o combustível que precisa para soltar fogo pelas ventas.

Desde a eleição de Dilma, em 31 de outubro, até agora, a expectativa de inflação medida pelo IPCA para este ano saiu de 4,99% para 5,64%, de acordo com o Boletim Focus do Banco Central. Já os prognósticos para a taxa básica de juros subiram de 11,75% ao ano para 12,5%, considerando-se a Selic vigente em dezembro próximo. Tem gente que acha tanto um quanto a outra otimistas demais e é difícil encontrar quem creia que, depois de dois anos cumprindo as metas fiscais apenas na base do faz-de-conta, o governo logre sucesso em 2011.

Se não agir decididamente para brecar este processo, o governo Dilma manterá o padrão da gestão Lula: pode até ser pai dos pobres, mas será uma mãezona para os ricos. Que o digam os que vivem de renda no país: no ano passado, o Brasil torrou R$ 195,4 bilhões com pagamento de juros. Nunca antes na história se gastou tanto com tão poucos: o valor equivale a cerca de 15 vezes o que é destinado por ano ao Bolsa-Família, que atende cerca de 50 milhões de brasileiros.

Tamanha exorbitância deve-se ao fato de sermos o país campeão mundial de taxas de juros, ao mesmo tempo em que nos mantemos altamente criativos em relação a como expandir os gastos públicos e mascará-los contabilmente.

Diante disso, mostra O Estado de S.Paulo em sua edição de hoje, não espanta que a dívida pública tenha dobrado nos anos Lula, anos em que Dilma pontou como gerente da lojinha e, portanto, é tão sócia do resultado quanto o ex-presidente.

Não será com meros discursos como o que fará hoje que Dilma Rousseff conseguirá colocar ponto final na desordem que herdou e ajudou a criar. Precisa, sobretudo, agir. Escalada inflacionária e descontrole fiscal são como fogo de morro acima e água de morro abaixo: quando se alastram, ninguém segura.