sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Com a faca nos dentes

Partidos da base de apoio de Dilma Rousseff voltaram a expor a luta renhida que travam por nacos de poder. PT, PMDB, PSB e PP estão, novamente, envolvidos em casos escabrosos de disputa por porções do Estado para uso político-partidário. Pelo que, afinal, brigam tanto? Pelo bem do país é que não é.

A crise do momento foi detonada depois que um afilhado político do líder do PMDB na Câmara foi posto sob suspeita de malversação de dinheiro público. Trata-se de irregularidades milionárias cometidas de forma recorrente nos últimos anos no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), da alçada do Ministério da Integração Nacional.

Uma cabeça já rolou e outras estão ameaçadas de cair. Fala-se agora em mudar toda a estrutura subordinada à Integração, desde o Dnocs à Sudene, passando pela Codevasf. Mas o que poderia ser uma evolução em direção a uma maior eficiência da máquina pública revela-se mera briga por feudos. A sensação é de um regresso à era medieval.

Especificamente neste imbróglio, se engalfinham os peemedebistas, o PSB do ministro da Integração e o Planalto. Pouco interesse eles mostraram pelas falcatruas em si, tratadas como mero “fogo amigo”, percalços de um governo naturalmente fatiado. Pouco se interessaram em perceber que o órgão de obras contra as secas mal atua para atenuá-las.

O Globo mostra hoje a penúria em que vivem municípios nordestinos afetados pela falta d’água. Do Dnocs que tanta sanha provoca nos políticos aliados ao petismo, as populações pouca atenção recebem, na forma de esporádicos caminhões-pipa, se tanto. Enquanto isso, no extremo sul do país agonizam cidades gaúchas e catarinenses castigadas por estiagem severíssima, sem apoio algum.

Este é apenas “mais um capítulo da conhecida novela da degradação da administração pública causada pela norma lulopetista de barganhar cargos pela via do fisiologismo, do toma lá dá cá”, resume o jornal em editorial na edição de hoje.

Não é só na Integração Nacional que a barganha rola solta. Também na saúde, comensais do governo petista atracam-se na lama. Lá o que PT e PMDB disputam é o butim da Funasa. Os peemedebistas estão contrariados por perder poder desde que Alexandre Padilha assumiu o ministério. Melhorias efetivas no órgão de orçamento polpudo e alta capilaridade? São desconhecidas.

Neste caldo de enfrentamento, uma declaração do líder do PMDB, padrinho dos caciques do Dnocs defenestrados ou em processo de defenestração, resume bem os valores e o ânimo que movem este governo e seus “aliados”.

“O governo vai brigar com metade da República, com o maior partido do Brasil? Que tem o vice-presidente da República, 80 deputados, 20 senadores? Vai brigar por causa disso? Por que faria isso?”, disse Henrique Eduardo Alves à Folha de S.Paulo. Ele pôs a faca nos dentes para, em seguida, lembrar o envolvimento dos ministros petistas Fernando Pimentel e Paulo Bernardo em escândalos que o PMDB ajudou a abafar. Parece coisa de máfia, e é.

Assim como é mafioso o que acontece no Ministério das Cidades, novamente nas manchetes policiais. O caso da participação em negociações com empresários e lobistas interessados num projeto milionário da pasta, revelado pela Folha no fim de semana, resultou ontem na demissão do chefe de gabinete Cássio Peixoto. Ele estaria “desmotivado”. O que não dá para entender é como seu superior, o ministro Mário Negromonte, ainda continua lá.

A presidente da República prometeu para este início de ano uma reforma ministerial que se mostrou inexistente. Todas as trocas na sua equipe – com exceção, talvez, de Graça Foster na Petrobras – foram feitas de maneira reativa, para jogar ao mar mais um suspeito de corrupção denunciado pela imprensa.

Dilma Rousseff deve ter achado que agora poderia levar seu governo adiante, com cobranças apaziguadas após as primeiras baixas. Mas as primeiras semanas de 2012 deixaram claro que seu governo, em boa medida, está carcomido por interesses espúrios, por brigas comezinhas, por disputas menores – em síntese, sem rumo e sem alma.

São pecados de uma gestão que, até agora, não mostrou a que veio. Não se enxerga numa única disputa de poder protagonizada pelo PT e seus aliados o interesse público como motivação. Tudo gira em torno de brigas por estruturas paralelas, fontes sujas de receita, negócios escusos. Que projeto de país, afinal, nos oferecem?

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Indústria da seca

Foi no Nordeste que Dilma Rousseff foi proporcionalmente mais bem votada na eleição que a levou à Presidência da República, em 2010. Seu governo, porém, não reflete a atenção e os cuidados que a região esperava dela. Infelizmente, o semiárido continua a impulsionar uma indústria de escândalos nos órgãos federais.

O da vez envolve o centenário Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Novamente, um braço do Estado é usado para produzir benefícios privados e dividendos político-partidários. Repete-se lá uma tônica disseminada na gestão petista.

Ontem, O Globo divulgou os resultados de um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) apontando prejuízo de R$ 312 milhões na gestão de pessoal e em contratações irregulares feitas pelo órgão, subordinado ao Ministério da Integração Nacional.

“O relatório de 252 páginas revela uma sucessão de pagamentos superfaturados, contratos com preços superestimados e ‘inércia’ da direção do órgão para sanar irregularidades que prosperaram ao longo da última década”, informou o jornal. As contas do Dnocs de 2008, 2009 e 2010 também foram consideradas irregulares.

Repetindo o mesmo vício do ministro da Integração, o chefe do Dnocs também privilegiou um estado em detrimento dos demais na liberação de verbas. Se Fernando Bezerra desequilibrou os repasses em favor de Pernambuco, o diretor-geral do Dnocs, Elias Fernandes, superfaturou os recursos para o Rio Grande do Norte de seu padrinho político, o deputado Henrique Eduardo Alves, líder do PMDB na Câmara.

De 47 convênios firmados com municípios para ações de defesa civil, 37 contemplaram prefeituras potiguares, que ficaram com 43% dos recursos liberados. Segundo a Folha de S.Paulo, 20 dessas cidades no RN são administradas pelo PMDB. A maior parte dos contratos (23) tem irregularidades, envolvendo empresas de fachada, conforme aponta a CGU.

Um diretor do Dnocs já caiu e o chefe-geral equilibra-se no cargo. O noticiário político de hoje diz que os atritos produzidos na área detonaram uma rusga brava entre o PSB do ministro Bezerra e o PMDB dos apadrinhados de órgãos ligados à Integração Nacional – que incluem ainda Sudene e Codevasf, agora também sujeitos ao crivo do escovão.

É de indignar ver comandantes de instituições que deveriam se dedicar a buscar saídas para o semiárido engalfinhando-se em torno de cargos e não de propostas, programas e soluções para problemas que ainda afligem milhões de brasileiros.

O episódio atual não destoa, no entanto, da parca atenção efetiva que a gestão petista tem dado ao Nordeste. Há muita propaganda e oba-oba em torno de feitos supostamente “históricos” para a superação dos atrasos da região, mas a dura realidade difere bem disso.

Obras espetaculares como a transposição do rio São Francisco e a construção da Transnordestina serviram muito bem para abrilhantar os programas de TV da então candidata a presidente da República. Mas até hoje não produziram um benefício efetivo sequer para a população nordestina.

A mais longeva obra inconclusa do Nordeste, a ferrovia foi prometida para o fim do governo Lula. Hoje apenas 10% de seus 1.728 km estão prontos, mas, mesmo assim, só são utilizados para transportar material para a construção da própria Transnordestina. Se tudo correr bem, com pelo menos quatro anos de atraso a promessa será cumprida.

Outra promessa lulista, a transposição do São Francisco já encareceu 40% e sequer ficará pronta no governo atual. Parte da estrutura já feita, construída às pressas para figurar na campanha eleitoral de Dilma, hoje apodrece sob o sol inclemente. Nenhuma gota d’água chegou ao sertão.

O Nordeste vem apresentando taxas chinesas de crescimento nos últimos anos. Muito se deve ao empreendedorismo e ao esforço próprio de seu povo. O governo central pouco ajuda neste processo de superação. A região quer emancipação e progresso, e não continuar a servir de subterfúgio para que a política miúda siga produzindo escândalos em série.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Novos rumos na Petrobras?

Dilma Rousseff oficializou ontem a mudança no comando da maior empresa do país. A partir de fevereiro, a presidência da Petrobras será ocupada por Maria das Graças Foster, que ocupará o lugar que hoje é de José Sérgio Gabrielli. A alteração pode representar um alento para a companhia, que nos últimos anos vem sentindo o peso da ingerência política.

A Petrobras está em parafuso desde a megacapitalização da empresa, ocorrida em agosto de 2010. Foi o início de um período em que os preços de suas ações mergulharam, novos negócios e contratações se viram paralisados e o plano de investimentos da companhia – considerado “irrealista” pelo próprio governo – teve de ser várias vezes revisto e revisado.

Até 2015, a Petrobras deverá investir a montanha de US$ 224,7 bilhões. Mas as regras definidas para exploração do pré-sal têm dificultado a consecução do plano. A empresa tem de estar em todos os consórcios com participação mínima de 30%. Tem também de dar preferência a fornecedores com maior conteúdo local. Tudo isso vem retirando-lhe oxigênio e travando o setor como um todo no país.

O comportamento dos papéis da petrolífera no mercado acionário não é tudo, nem o principal; mas é indicador adequado e eficaz do desempenho empresarial da Petrobras neste ambiente dificultoso. No ano passado, ela foi a segunda companhia que mais se desvalorizou no mundo, atrás apenas do Bank of America.

Em 2011, a Petrobras não só perdeu US$ 72,4 bilhões em valor de mercado, segundo levantamento com mais de cinco mil empresas da base de dados da Bloomberg News, como também caiu duas posições no ranking das maiores petroleiras do mundo, para o quinto lugar.

Pelo segundo ano consecutivo, a companhia não conseguiu alcançar a meta de produção traçada. Em 2011, a produção de petróleo da Petrobras no Brasil ficou 3,7% abaixo da meta anual de 2,1 milhões de barris/dia. Analistas estimam que só haverá aumento significativo em 2013.

Desde a descoberta do pré-sal, a Petrobras perdeu mais de 30% de valor de mercado: evaporaram R$ 138 bilhões entre 2007 e o fim do ano passado. Pelo menos este início de ano tem sido mais venturoso para os papéis da companhia na bolsa: as ações preferenciais e ordinárias têm alta de quase 20%, o dobro do Ibovespa.

Outros fatores têm pesado no desempenho da Petrobras. Desde a gestão Lula, a empresa passou a ter de responder por incumbências exóticas como a participação na geração de energia elétrica e investimentos na produção de etanol, ao mesmo tempo em que os preços da gasolina que fabrica são garroteados para segurar a inflação. Muitas vezes a companhia também foi usada como instrumento da geopolítica companheira, para agrados dos petistas a aliados como a Bolívia, a Argentina e a Venezuela.

É esta, em linhas gerais, a empresa que Graça Foster herdará de José Sérgio Gabrielli. Indicativo de que o governo não está satisfeito com o que a Petrobras está entregando é o fato de que, além da presidência, quatro das seis diretorias atuais também deverão ser trocadas. Vai ter muita gente reclamando, já que cada naco de poder da empresa é comandado e explorado por partidos diferentes, como PT, PMDB e PP.

Graça é tão petista quanto Gabrielli, a ponto de ter estrelinhas do partido tatuadas no antebraço. Mas exibe credenciais que ele não tinha, como uma larga trajetória dentro da companhia, iniciada em 1978, e ampla vivência no setor de energia, com passagens por vários cargos importantes.

Seu perfil técnico pode representar uma esperança, mas seu nome não está livre de polêmicas. Quando ela já respondia pela diretoria de Gás e Energia da Petrobras, a firma do marido dela – a C.Foster – teve 20 contratos firmados sem licitação para fornecimento de componentes eletrônicos para a petrolífera. Entre 2007 e 2010, envolveram R$ 614 mil.

É positivo que a indicação de Graça Foster venha acompanhada da expectativa de que a gestão da maior companhia do país torne-se mais profissional e menos sujeita a politicagens. Por enquanto, isso é apenas uma possibilidade, que pode ou não se concretizar.

A lista de órgãos estatais que precisariam ser igualmente saneados é extensa. Apenas para citar alguns dos envolvidos nos escândalos do momento no fatiado Ministério da Integração Nacional, inclui o Dnocs, a Codevasf, a Sudene e tantos outros. A Petrobras pode ser o início de uma mudança, mas, dado o histórico de malversações das gestões petistas, pode ser apenas mais uma frustração. 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Saúde que pesa no bolso

O brasileiro é um dos que mais gasta com saúde em todo o mundo. A constatação vem no mesmo momento em que a presidente Dilma Rousseff impôs vetos à regulamentação da emenda constitucional n° 29 que resultaram em investimentos menores do governo federal no setor. Bom atendimento médico no país só tem quem paga.

Pela primeira vez, o IBGE mediu quem efetivamente banca as despesas de saúde no Brasil. Constatou que é o contribuinte quem arca com a maior parcela dos gastos, diferentemente do que acontece em quase todas as economias mais desenvolvidas do mundo.

Os brasileiros gastam 29% mais que o Estado para cuidar de sua saúde. São R$ 835 por pessoa ao ano, enquanto o sistema público aplica apenas R$ 645, na mesma base de comparação. Como consequência, 55,4% das despesas totais do setor de saúde no país são bancadas pelas famílias, enquanto 43,6% são cobertas pela administração pública.

A situação brasileira difere muito da do resto do mundo. Na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o gasto governamental em saúde está em torno de 72% do total, patamar que vem se mantendo nos últimos 20 anos.

Apenas nos Estados Unidos as famílias gastam tanto em saúde quanto no Brasil. A diferença é que lá funciona um robusto sistema privado de saúde, em que planos contratados cobrem todas as despesas, inclusive as com medicamentos.

Os dados divulgados ontem pelo IBGE referem-se ao ano de 2009. Mas a situação não tem se alterado muito ao longo do tempo. A maior parte das despesas particulares destina-se a serviços, como consultas e internações (53%), seguidos de compra de medicamentos (36%) e contratação de planos de saúde (9%).

Os achados do IBGE traduzem em números o que os brasileiros já estão cansados de saber: ainda estamos longe de dispor de um sistema público de saúde realmente universalizado, como estabelece a Constituição. O Sistema Único de Saúde está distante de cumprir seus objetivos.

O setor de saúde alimentava a expectativa de começar a mudar esta situação a partir da regulamentação da emenda constitucional n° 29, que tramitou por 11 anos no Congresso. Mas os vetos apostos ao texto pela presidente da República na segunda-feira sepultaram as esperanças.

O governo federal não irá colocar nenhum centavo além dos atuais na saúde. Um dos vetos presidenciais evita, inclusive, que a evolução real do PIB seja integralmente incorporada à correção do orçamento da saúde do ano seguinte, como prevê a Constituição.

Aportes adicionais no setor caberão unicamente a estados e municípios, já estrangulados em suas finanças. Diferentemente da União, que não tem vinculação alguma, eles terão de destinar 12% e 15%, respectivamente, de suas receitas para a saúde. Estima-se que terão de aplicar mais R$ 3 bilhões para cumprir a lei.

Durante a votação da regulamentação no Congresso, o governo do PT atuou firmemente para impedir que fosse aprovada emenda prevendo que a União destinaria 10% de suas receitas ao setor. Hoje este percentual oscila entre 6% e 7%, sem nenhuma perspectiva de se alterar.

Diante da posição intransigente do governo petista, coroada com os arrogantes vetos presidenciais, duas entidades de classe anunciaram ontem que irão insistir na luta pelo aumento dos investimentos públicos em saúde no país.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Médica Brasileira (AMB) vão propor projeto de lei de iniciativa popular que eleve os recursos para o setor. “A ideia é buscar o apoio de outras entidades, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), partidos e parlamentares, e colher um milhão de assinaturas ao projeto”, informa O Globo.

Saúde é o assunto que lidera as preocupações dos brasileiros hoje. A insatisfação é patente: pesquisa divulgada pela CNI na semana passada indicou que 61% da população considera o sistema público do país “ruim” ou “péssimo”. 85% disseram que não perceberam avanços no setor nos últimos três anos.

O Brasil desfila hoje como patinho feio do mundo no quesito saúde. Os contribuintes nacionais são superonerados e o sistema que deveria ser público e universal não funciona. Mesmo assim, o governo do PT recusa-se a cuidar melhor do atendimento médico da população: nem põe mais dinheiro, nem aprimora a gestão dos recursos que já investe. Assim, não há risco de melhorar.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Barato que sai caro

Sem nenhum alarde, o governo do PT dá prosseguimento hoje a suas privatizações. De forma quase envergonhada, levará a leilão mais um trecho da BR-101. Mas o que deveria mesmo constranger a gestão petista é a necessidade de evitar que fiascos de concessões feitas nos últimos anos voltem a se repetir agora.

No leilão desta manhã, será concedida a exploração de um trecho de 476 quilômetros da rodovia entre o Espírito Santo e a Bahia. No modelo do PT, o investidor privado nem precisa pagar para explorar o patrimônio público. Vence a disputa quem se dispuser a cobrar a menor tarifa de pedágio – com teto de R$ 0,06237 por quilômetro.

O edital exige investimento de R$ 2,1 bilhões ao longo dos 25 anos de contrato. Uma das obrigações é duplicar este trecho da estrada, uma das mais movimentadas do país. Por ela trafegam diariamente centenas de caminhões que servem, principalmente, as indústrias de papel e celulose da região. Muitos acidentes com morte acontecem ali, todos os dias.

Mas quem vencer o leilão não precisará se preocupar muito com as obrigações contratuais, nem tampouco em mudar rapidamente o estado deplorável da BR-101. Os prazos dados pelo governo do PT para o concessionário da rodovia são de pai para filho – ou, para ser mais preciso, na atual conjuntura, de mãe para filho.

O vencedor do leilão terá até 2022, ou seja, dez anos, para duplicar 207 km, isto é, menos da metade do trecho. Toda a extensão da rodovia entre o Espírito Santo e a Bahia só precisará estar em pista dupla no longínquo ano de 2035, como mostrou a Folha de S.Paulo em outubro.

A postergação de melhorias concretas nas condições da BR-101, e da obtenção de benefícios efetivos para quem trafega por ela, foi a fórmula encontrada pelo governo do PT para tentar manter baixas as tarifas de pedágio – embora, desta vez, elas correspondam ao dobro das hoje vigentes nas concessões feitas à época da gestão Lula.

Repete-se, portanto, um equívoco. O modelo petista propugna tarifas baratinhas, mas não entrega as contrapartidas necessárias. As rodovias que foram privatizadas pelo PT sob este arcabouço não têm apresentado as melhorias que resultariam em maior segurança e mais qualidade nos deslocamentos rodoviários.

No ano passado, O Estado de S.Paulo mostrou que o barato do modelo petista saiu muito caro para a sociedade. Passados quatro anos desde a privatização de um lote de 2,6 mil km de rodovias federais, quase  metade dos investimentos previstos na melhoria delas não havia sido realizada.

“As grandes obras previstas nos contratos de concessão das sete rodovias federais, leiloadas em outubro de 2007 pelo governo Lula, continuam no papel. (...) Projetos que deveriam ser entregues no ano que vem [2012], por exemplo, foram prorrogados para 2015. Outros ainda nem têm previsão de início ou término das obras”, informou o jornal na ocasião.

Logo depois, O Globo também foi verificar o que havia acontecido com as rodovias de pedágios a preço de banana concedidas pelo PT. O jornal tentou ouvir o governo, que se recusou a fornecer dados atualizados. Mas conseguiu confirmar com a própria concessionária que explora cinco dos sete lotes leiloados em 20007 que menos de um terço das obras prioritárias previstas para os primeiros anos de concessão haviam sido feitas até o fim de 2010.

Sobre a morosidade das obras prometidas, mas nunca entregues, disse um procurador do Ministério Público Federal à Folha, em outubro: “Todos os anos eu entro com ação, porque mando fazer perícia e verifico que não foram feitas obras previstas para aquele período”.

Os atrasos, porém, não rendem penalidades para as concessionárias. A única forma de impor-lhes sanções seria reduzir os reajustes tarifários. Mas não foi isso o que aconteceu nos últimos anos: desde 2007 até o ano passado, os pedágios haviam subido de 22% a 39%, para uma inflação acumulada no mesmo período de 19% a 22%.

Atualmente há 4.763 km de rodovias federais concedidas à iniciativa privada. A maior parte o foi sob a gestão do PT. No Plano Plurianual 2012-2015 enviado pelo governo Dilma Rousseff ao Congresso no ano passado, há a previsão de conceder mais 2.234 quilômetros à iniciativa privada – além do trecho leiloado hoje, a BR-116 e a BR-040. Oxalá isso aconteça.

Mas, mais importante do que enterrar um dogma petista que tanto atrapalhou e atrasou o desenvolvimento do país, a retomada das privatizações rodoviárias deve assegurar benefícios efetivos para os usuários. O que não adianta é bradar que saiu tudo baratinho para os motoristas, sem que as melhorias apareçam. Pechinchas assim são péssimo negócio.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Gastar é fácil; o difícil é investir

O governo prepara para as próximas semanas o anúncio de cortes no Orçamento, num valor que pode chegar a R$ 60 bilhões. Assim como aconteceu no ano passado, a promessa é de que os investimentos sejam poupados. Assim como aconteceu no ano passado, é possível que o compromisso não seja cumprido. É sempre mais fácil deixar de investir com critério do que não gastar desmesuradamente.

Em 2011, a gestão Dilma Rousseff obteve um resultado fiscal bastante positivo. O número final será conhecido até o fim do mês, mas é certo que o superávit ficará próximo a 3% do PIB. O problema é como esta economia foi alcançada: mais uma vez aumentando a carga de impostos e, mais uma vez, cortando os investimentos.

Segundo a ONG Contas Abertas, os investimentos caíram 6,2% no ano passado: passaram de R$ 44,7 bilhões em 2010 para R$ 41,9 bilhões. Se for considerado apenas o que foi aplicado do Orçamento de 2011, o governo Dilma só conseguiu transformar 24,6% da dotação autorizada para o exercício em obras e compra de equipamentos.

A dificuldade da presidente, eleita como “gestora eficiente”, em provar suas credenciais é evidente. O que ainda engorda os números dos investimentos são os restos a pagar de orçamentos anteriores: foram R$ 25,3 bilhões no ano passado, ou seja, mais que os R$ 16,7 bilhões de investimentos específicos do Orçamento de 2011 pagos no exercício.

Em contrapartida, cresceram no ano passado todas as demais modalidades de gastos. E muito. “As despesas com pessoal e encargos sociais, por exemplo, cresceram R$ 13,2 bilhões [7,2%], passando de R$ 183,4 bilhões no ano retrasado para R$ 196,6 bilhões em 2011. Outras despesas correntes aumentaram os dispêndios em R$ 84,5 bilhões [ou seja, 14,6%] e chegaram à cifra de R$ 664,6 bilhões no ano passado”, informa a ONG.

Para governo que padece de ineficiência, é sempre mais fácil meter a tesoura no Orçamento e a faca no contribuinte. A carga tributária continuou crescendo em 2011, o nono ano de gestão petista e o sétimo em que a tônica se repetiu. Deve subir 1,5 ponto percentual, para 36,5% do PIB, segundo estima José Roberto Afonso.

Pelo que se soube até agora, os impostos cresceram 12% acima da inflação de 2011 – para fechar o ano, falta conhecer os resultados de dezembro. Tudo tem limite. Novos aumentos na já insuportável carga tributária é algo inaceitável para a sociedade brasileira.

O governo tem dito que pretende manter o compromisso com a austeridade fiscal, o que é ótimo. Mas nada indica que os ajustes necessários serão feitos de forma sadia, como, por exemplo, com contenção de despesas correntes, hiperturbinadas nos anos Lula.

A dificuldade de bem gerir o Orçamento da União fica escancarada quando se sabe que só metade das verbas para ações de enfrentamento à criminalidade foram aplicadas em 2011, como mostrou O Globo ontem. E também quando se constata que, no Ministério da Integração Nacional, os investimentos caíram 44% no ano passado, como indica o levantamento da Contas Abertas.

Não surpreende que um governo que tenha tanta dificuldade para transformar os recursos arrecadados junto aos contribuintes brasileiros em benefícios palpáveis para a sociedade tenha retalhado o texto da regulamentação da emenda constitucional nº 29, impedindo que mais recursos fossem investidos na melhoria do atendimento de saúde no país.

As novas regras, publicadas ontem no Diário Oficial, fixam parâmetros extremos para a aplicação dos recursos por estados e municípios, mas afrouxam o controle sobre os dispêndios da União e sequer garantem que a evolução do PIB como indexador dos gastos federais em saúde seja efetivamente respeitada.

Em matéria de contas públicas, é sempre mais fácil passar a conta para quem mais precisa dos recursos do governo: a população. Cortar investimentos, não gastar na melhoria de serviços essenciais e cobrar mais impostos. Os governos do PT são contumazes em seguir nesta trilha. Em 2012, não parece que vá ser diferente.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Muito a explicar

O Ministério da Integração Nacional está devendo, e não é de agora. Não é apenas nas atuais tragédias de verão que a pasta tem mostrado pouca eficiência e repetido vícios nefastos da política. Também tem falhado em ações estruturantes, que deveriam servir para apoiar estados e municípios em suas fragilidades e aplacar desigualdades regionais.

O exemplo mais gritante são as obras da transposição do rio São Francisco. De responsabilidade da Integração, foram apresentadas na campanha eleitoral de 2010 como espécie de cartão de visitas da “gestora” Dilma Rousseff. Hoje, muito antes de levar uma gota d’água ao sertão nordestino, estão em escombros.

Neste início de ano, a pasta de Fernando Bezerra admitiu, depois de negar seguidas vezes no passado, que a bilionária obra vai sair bem mais caro que o previsto. O custo deve saltar de R$ 5 bilhões para, pelo menos, R$ 6,9 bilhões. Ou seja, módicos 40% mais. O cronograma também será esticado: uma parte pode ficar pronta no fim do governo Dilma, outra só depois. A previsão inicial era começar a funcionar em 2010.

A Integração Nacional tem um padrão insatisfatório de desempenho. E não é de hoje. Quando trata de desastres e tragédias originadas em causas climáticas, sua tônica tem sido remediar a prevenir. Foi assim desde o início do governo Lula, quando a pasta era um feudo do PMDB.

Nos últimos oito anos, as dotações autorizadas pelo Congresso para “prevenção e preparação para desastres” somaram R$ 2,8 bilhões, mas apenas R$ 695 milhões foram investidos. Em contrapartida, desde 2003 o país gastou sete vezes mais em “resposta a desastres e reconstrução”, ou seja, R$ 5,9 bilhões, nas contas de Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas.

A estrutura pública de prevenção a desastres climáticos ainda é inacreditavelmente acanhada para um país de dimensões continentais e que vive às voltas com intempéries, como o Brasil. O centro de alertas contra temporais só entrou em operação no fim de 2011 e cobre apenas 20% dos municípios considerados de maior risco – todos no Sul e Sudeste do país.

A Defesa Civil é outra das fragilidades da Integração, que é responsável por ela – ou deveria ser. Além de estar desaparelhada, o ministério não tem autoridade administrativa sobre suas congêneres estaduais e municipais. Consequentemente, não há uma estratégia para enfrentar as crises provocadas pelas inundações; a reação se dá sempre em cima de fatos e tragédias consumadas.

“Não há governança, e sem governança não há uma política de defesa civil, e sem a política não há gestão. Consequentemente não há a verba necessária para atender de forma adequada e proporcional as necessidades das populações das cidades atingidas. (...) O problema das enchentes exige gestão”, comentou o Valor Econômico em editorial na edição de ontem.

Os vícios na Integração são de longa data, mas há também os equívocos próprios de Fernando Bezerra. Como o privilégio a parentes: seja na liberação de verbas a rodo para o filho deputado e candidato a prefeito, mostrada pela Folha de S.Paulo, seja na prática de nepotismo, com acolhimento de familiares em cargos de confiança.

Há, também, o flagrante desequilíbrio na aplicação de verbas públicas relacionadas a calamidades. Tanto em 2011, quanto neste ano, Pernambuco, o estado-natal do ministro, receberá a maior parte dos recursos, a despeito de não ter nenhuma cidade classificada entre as 56 de maior risco de desastres naturais no país.

Há, ainda, o privilégio a empresas amigas na contratação de obras e na liberação de dinheiro. Assim como a baixa execução orçamentária, que fez da Integração Nacional uma das pastas de pior desempenho em 2011: aplicou 41% dos R$ 19 bilhões previstos, como mostrou o Estado de Minas na semana passada.

Das verbas para “prevenção e preparação para desastres”, menos de um terço foi aplicado no ano passado. Foram os mais baixos investimentos nesta finalidade desde 2007. Ao mesmo tempo, o gasto com respostas a desastres ocorridos foi dez vezes maior, mostra Ribamar Oliveira hoje no Valor.

Fernando Bezerra terá hoje uma tropa de choque governista a blindá-lo em depoimento que dará ao Congresso: apenas quatro dos 25 integrantes da comissão representativa são da oposição. Mas o ministro tem muito a explicar. Não pode deixar de ser creditado ao governo ao qual ele serve o saldo trágico que, só neste verão, já chega a 37 mil brasileiros desabrigados, 33 mortos, centenas de municípios sob estado de emergência e um desamparo sem fim.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Puxadinho no FGTS

O governo tem um fundão bilionário na mão e trata seus correntistas com a malvadeza de um usurário digna da época medieval. O FGTS serve bem a privilegiados, mas atende mal quem é seu efetivo detentor: o trabalhador brasileiro. A nova linha de financiamento para material de construção anunciada ontem é um destes presentes de grego.

O Conselho Curador do FGTS aprovou linha de crédito especial para a compra de material de construção, com foco na classe média. Quem tomar emprestado até R$ 20 mil terá juros de 12% ao ano e 120 meses para pagar. Serão disponibilizados R$ 300 milhões, podendo chegar a R$ 1 bilhão conforme a demanda.

À primeira vista, parece um excelente negócio para o trabalhador. Olhando pelas condições praticadas pelos bancões comerciais, é mesmo: a taxa oficial equivalerá à metade do que o mercado oferece, em média. Mas a conclusão positiva só seria válida se o dinheiro financiado não pertencesse ao próprio tomador do empréstimo.

Sob este prisma, o trabalhador vai é pagar caro por um dinheiro que é seu e é remunerado a taxas bem menores do que os juros que lhe serão cobrados no financiamento. É como se alguém tivesse R$ 20 mil aplicados num fundo de investimentos e recorresse a um banco para pegar os mesmos R$ 20 mil pagando pelo empréstimo o triplo do que recebe para manter seu dinheiro investido.

No ano passado, os depósitos no FGTS renderam 4,2%. Neste ano, com perspectiva de alguma melhora na inflação, e consequentemente de queda na taxa referencial (TR), a remuneração deve ser ainda menor. Os 12% que o governo oferece são um negócio da China... para os bancos.

Os cotistas do FGTS são obrigados a deixar seu dinheiro depositado em suas contas vinculadas. Só podem sacar em condições especiais, como demissão sem justa causa, doença grave, aposentadoria e aquisição de casa própria.

Como regra, a grana do FGTS fica guardada na Caixa, remunerada à exuberante taxa de 3% ao ano mais TR. É o pior negócio do mercado. Não é surpresa que o rendimento do dinheiro do trabalhador apanhe, recorrentemente, da inflação: aconteceu de novo no ano passado, quando o custo de vida foi de 6,5% e o fundo rendeu pouco mais de 4%.

Entre 2002 e 2010 as perdas geradas pelo descompasso entre a remuneração do FGTS e a inflação chegavam a R$ 72,7 bilhões, segundo o Instituto FGTS Fácil. Por isso, há várias propostas para melhorar o rendimento do fundo, dinheiro que, frise-se, pertence ao trabalhador e não ao governo.

Uma delas é permitir que os cotistas apropriem-se de metade do lucro gerado pelas operações financeiras feitas com os recursos do FGTS. Outra é alterar o indexador das contas, trocando a miúda TR por um índice de inflação, o que pelo menos as protegeria da corrosão de que são vítimas mensalmente. A equipe econômica do PT é contra ambas.

Mas o melhor mesmo seria que o trabalhador pudesse dispor como bem entendesse de um dinheiro que é seu. Hoje sua renda é expropriada em favor de quem tem acesso privilegiado às linhas de financiamento baratas custeadas pelos recursos do FGTS. Perde o trabalhador, ganham os amigos do rei.

O economista Pérsio Arida tem sugerido que os financiamentos feitos com dinheiro do FGTS sejam emprestados a taxas de mercado, repassando o ganho da remuneração para o trabalhador.

Em entrevista concedida ao Valor Econômico em dezembro, ele fez as contas: “Um real depositado em uma conta do FGTS em 1994, quando o Plano Real foi lançado, vale hoje R$ 4,12. O mesmo R$ 1 aplicado no CDI (Certificado de Depósito Interbancário) valeria R$ 21,40 [líquido de impostos]. Ou seja, a rentabilidade acumulada de mercado foi mais de cinco vezes a rentabilidade do FGTS”.

Se quer tratar melhor o trabalhador, seja ele de que classe for, o governo deveria começar a examinar propostas mais sérias de aproveitamento dos bilionários recursos do FGTS. Só ações ousadas têm capacidade de mudar profundamente a realidade e alterar para muito melhor as perspectivas econômicas do país. Remendos só servirão como puxadinhos.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Ação retardada

Depois de dezenas de mortes e centenas de desabrigados, o governo Dilma resolveu agir. Criou ontem uma “força-tarefa” para fazer frente aos problemas causados pelas chuvas deste verão. Assim como no enfrentamento a calamidades, o padrão de baixa eficiência se repete em várias áreas da administração federal.

A ação chega de novo com atraso. Muitas das medidas agora anunciadas são as mesmas prometidas no início de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff mal havia tomado posse e foi pôr os pés na lama no trágico janeiro da serra fluminense, quando morreram 900 pessoas. Comprometeu-se então com obras, prevenção, ajuda. Quase nada aconteceu.

Em alguns casos, como em Nova Friburgo, milhares de moradias que seriam construídas como parte do Minha Casa, Minha Vida só agora estão tendo contrato de obras assinado. Pontes e obras de contenção de encostas não saíram do papel. E o sistema de alerta contra temporais é uma piada de mau gosto.

Para lidar com chuvas que, queiramos ou não, irão se repetir sempre e com intensidade crescente, em função das mudanças climáticas, o que o poder público pode fazer é precaver-se. É o mínimo que se pode esperar de um gestor atento. Mas não é esta a tônica da gestão petista.

No início de 2011, foi anunciada a criação de um centro de monitoramento e alertas contra desastres naturais, algo há muito esperado por populações indefesas diante de calamidades. Acontece que o primeiro escritório só entrou em funcionamento em dezembro passado e outros dois foram instalados na semana passada.

Como resultado, apenas um em cada cinco municípios com risco elevado de desastres naturais é supervisionado pelo sistema. De 251 municípios, 56 – e apenas das regiões Sul e Sudeste – contam com a análise e o mapeamento de possíveis riscos para as populações locais, mostrou O Globo no sábado.

Mesmo esta parca estrutura opera de forma improvisada, sem perfeitas condições. Uma das medidas anunciadas ontem foi estender o funcionamento do centro às 24 horas do dia, adequando a burocracia à realidade, já que chuva não marca hora nem local para cair.

Mas não é só no enfrentamento a calamidades que falta eficiência às ações do governo do PT. O Estado de S.Paulo listou uma série de obras de infraestrutura que não funcionam adequadamente porque faltam ações complementares. Em muitos casos, o dinheiro recolhido do contribuinte foi aplicado em obras que apodrecem antes de funcionar direito.

É o que acontece, por exemplo, nas linhas de transmissão que irão trazer a energia gerada nas usinas do rio Madeira para o sistema elétrico nacional. As primeiras turbinas entrarão em operação um ano antes de a interligação estar concluída, impossibilitando o escoamento e o aproveitamento da energia pelo resto do país.

Também ocorre com o porto de Itapoá, em Santa Catarina. Moderníssima obra privada, não funciona a pleno vapor porque falta o poder público construir um trecho de uma estrada de acesso. Já as eclusas da usina de Tucuruí, essenciais para a navegabilidade no Pará e a despeito de terem consumido R$ 1,6 bilhão, só podem operar a pleno vapor durante a cheia do rio Tocantins.

Engrossam a lista os canais das obras da transposição do rio São Francisco que, sob o sol inclemente do Nordeste, viraram estilhaços de concreto sem levar água a lugar algum e agora serão objeto de bilionários aditivos contratuais para serem reparados e, quem sabe, concluídos.

O padrão de eficiência da gestão dos recursos públicos pelo governo do PT, seja o de Lula, seja o de Dilma, é sofrível. Há casos em que a incompetência ainda tem remédio, ainda que custe bem mais caro à sociedade. Em outros, infelizmente, os remendos chegam tarde demais para reparar vidas perdidas. Não pode ser assim; não deve ser assim.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A catastrófica política das ‘porteiras fechadas’

Dilma Rousseff decidiu interromper suas férias em função das calamidades que assolam o país. Calamidades tanto climáticas quanto orçamentárias – com o agravante de que estas contribuem para piorar aquelas. Não se deve esperar, porém, que os “critérios técnicos” agora prometidos para orientar a aplicação dos recursos públicos endireitem as ações do governo.

A distorção na execução do Orçamento está na raiz da construção do condomínio de governo petista. Faz parte da regra do jogo da partilha de poder exacerbada por Lula e mantida intacta por Dilma. É a face visível da política de “porteiras fechadas” que vigora na Esplanada – e que no ano passado rendeu farta safra de corrupção.

Dilma escalou assessores mais próximos para sugerir que está pondo ordem nas coisas e promovendo uma “intervenção branca” no Ministério da Integração Nacional, cujas verbas privilegiam, sempre, o estado de origem do ministro titular, seja ele quem e de onde for. Mas os atos da presidente não correspondem aos fatos.

Na área de prevenção a catástrofes, a execução orçamentária esteve tão desvirtuada nos últimos exercícios quanto estará também neste ano. Mostra hoje O Globo que Pernambuco, novamente, vai abocanhar a maior fatia dos recursos destinados a “gestão de riscos e resposta a desastres” previstos no Orçamento Geral da União para 2012.

O estado do ministro da Integração Nacional, a despeito de não ter um único município entre os 56 considerados mais vulneráveis a calamidades, deverá ficar com 11,6% do que a União prevê gastar em obras de contenção de enchentes e de desabamentos e na recuperação de danos causados pelas chuvas.

“O programa, que foi reestruturado e a partir de agora será tocado por cinco ministérios, tem uma programação de R$ 2,1 bilhões para serem distribuídos ao país inteiro este ano. O curioso é que 100% da verba que Pernambuco receberá para prevenção e recuperação de desastres naturais vêm do ministério chefiado por Bezerra”, sublinha o jornal.

Para comparar, o Rio de Janeiro – que tem 12 cidades em condições de maior vulnerabilidade, sofreu no ano passado e sofre neste verão com as chuvas – tem previsto 10,4% da verba federal para esta finalidade. E Santa Catarina, onde as cheias do rio Itajaí são tristemente frequentes, terá 4,4% do total.

Isso significa que o privilégio ao estado natal do ministro da Integração em 2011 não é um ponto fora da curva, justificado pelos ágeis projetos apresentados pelos pernambucanos – como Fernando Bezerra tentou argumentar ontem, em entrevista à imprensa.

A regra é a distorção e o desvirtuamento na aplicação das verbas públicas, em alguns casos até mesmo aproveitando-se de créditos destinados a outras regiões e a outros fins, como informa O Estado de S.Paulo.

“A construção de barragens em Pernambuco pegou carona numa autorização extraordinária de gastos destinada a combater os efeitos das enchentes nas regiões Sudeste e Sul. As obras nem sequer haviam sido autorizadas pela lei orçamentária de 2011, mas consumiram quase 90% dos pagamentos feitos no programa de prevenção de desastres”.

O ministério refuta as críticas. Mas suas próprias cifras dão a dimensão da distorção: oficialmente, Pernambuco recebeu R$ 98 milhões dos recursos destinados a ações de prevenção em 2011, o que representa 45% dos R$ 219 milhões distribuídos a todos os estados para esta finalidade pela Integração no ano passado. Dilma, garante Bezerra, sabia de tudo.

Não é só o direcionamento indevido que marca a aplicação das verbas federais. Há, também, a má gestão dos recursos, que joga no lixo tributos pagos pelo contribuinte. Enquanto as calamidades se repetem, dinheiro que poderia estar melhorando a vida das pessoas apodrece no cofre.

Segundo a Folha de S.Paulo, de R$ 2,75 bilhões previstos no Orçamento de 2011 para ações de prevenção de enchentes, desabamentos e deslizamentos no ano passado, R$ 529 milhões não chegaram a ser tocados.

Já o Estado de Minas faz uma conta mais ampla para mostrar que as pastas diretamente responsáveis pela execução de obras e ações de prevenção e recuperação de desastres ambientais estão entre as que têm mais baixa execução orçamentária na Esplanada.

Mostra o jornal que o Ministério da Integração Nacional aplicou R$ 7,9 bilhões (41%) dos R$ 19 bilhões previstos em 2011, enquanto o das Cidades foi ainda pior e gastou apenas R$ 2,3 bilhões (10%) dos R$ 22,5 bilhões orçados para 2011.

Desta profusão de números, o que salta aos olhos é que a lógica imposta pelo PT à aplicação dos recursos públicos obedece, fundamentalmente, a interesses político-partidários. O dinheiro não tem servido para bem atender a população, mas sim para amealhar votos e apoios que perpetuem este nefasto estado de coisas no poder.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

As tragédias e a política miúda

As tragédias que se abatem sobre as áreas castigadas pelas chuvas deste início de ano ilustram a distância que separa as intenções – no papel, sempre boas – das ações do governo. O (mau) uso político dos recursos públicos atropela as prioridades e deixa os interesses dos cidadãos à mercê das mesquinharias do poder.

Em dezembro, o Ministério da Integração Nacional, a quem cabe aplicar as verbas de prevenção e resposta a desastres naturais, definiu 56 municípios como prioritários para receber recursos de preparação às enchentes. Uma medida positiva, mas que, como sói acontecer na gestão petista, não correspondeu à realidade.

Noves fora ter sido tomada apenas no último mês do ano, já na antevéspera do verão, a definição de áreas mais vulneráveis a serem atendidas prioritariamente é correta. O diabo é que a prática politiqueira da Integração Nacional – de resto similar ao que acontece em toda a Esplanada na era Lula-Dilma – contradiz a regra fixada pelo ministério.

Das 56 cidades, apenas duas (Florianópolis e São Paulo) receberam verbas para obras de prevenção iniciadas em 2011. O valor (R$ 464 mil) corresponde a apenas 1,5% do total pago no Orçamento da União do ano passado para prevenção de desastres. “Os demais 54 municípios prioritários não receberam nenhum centavo de obras autorizadas neste ano [2011]”, ressalta hoje O Estado de S.Paulo.

Segundo as prioridades anunciadas pelo governo, os municípios em situação de maior risco estão localizados em sete estados: Rio de Janeiro (12), Santa Catarina (11), São Paulo (11), Espírito Santo (8), Minas Gerais (5), Rio Grande do Sul (5) e Paraná (4).

Na lista não há, como se pode ver, nenhuma localidade de Pernambuco, estado do atual ministro da Integração Nacional, nem da Bahia, domicílio eleitoral do ocupante anterior do cargo. Entretanto, é justamente para estes dois estados que foi enviado o grosso dos recursos para prevenção a desastres do Orçamento federal.

“O dinheiro de Prevenção e Preparação para Desastres destinado a Pernambuco, R$ 34,2 milhões, e à Bahia, R$ 32,2 milhões, supera o montante liberado em 12 meses para São Paulo, Santa Catarina, Ceará, Paraná, Paraíba e Alagoas”, informa O Globo. Ao Rio, que pela lista bem intencionada deveria ser prioridade máxima, só foram destinados 2,3% da verba orçamentária de 2011, deixando o estado como apenas o décimo mais bem aquinhoado.

O governo pode querer argumentar que olhar apenas a execução de 2011 é distorcer a realidade, já que nos últimos anos a desvirtuada prática corrente é executar orçamentos passados. Nem assim, porém, a situação muda.

“Considerado o pagamento de despesas antigas, feitas durante o governo Lula, o total gasto nos principais municípios em situação de risco alcançou 6,1% do total liberado pela Integração [em 2011]”, continua o Estadão. “O levantamento mostra ainda que, em 2011, a Integração gastou quase seis vezes mais para enfrentar efeito dos desastres naturais do que para preveni-los, apesar de [o ministro Fernando] Bezerra ter se comprometido a aumentar os gastos com prevenção”.

Diante de tamanha incompetência, não espanta que a mesma região serrana do Rio que no ano passado, no auge da catástrofe que deixou 900 mortos, recebeu a visita da presidente Dilma Rousseff, numa de suas primeiras incursões públicas no cargo, amargue agora os mesmos problemas, desprevenida e despreparada para enfrentar intempéries que são tão certas quanto as horas do dia.

Moradias prometidas pelo Minha Casa, Minha Vida, para Friburgo (RJ), por exemplo, não passaram de miragem, mostrou ontem O Globo. Dos R$ 452 milhões anunciados em obras do programa habitacional para reassentar famílias naquela cidade serrana fluminense, nenhum centavo foi pago até hoje.

O pouco que está sendo feito pelo governo federal o é de atropelo, na undécima hora. Como a implantação dos centros de monitoramento, que só ontem, e mesmo assim precariamente, entraram em operação no Rio e nem sequer ainda o foram em Minas Gerais e Espírito Santo – o que só deve acontecer ao longo desta semana.

Não adianta, pois, definir belas medidas no papel e não pô-las em prática. Assim como de nada valem pirotecnias midiáticas se aos gestos não correspondem as ações. O que está em jogo são vidas humanas, mas o desdém de Brasília continua o mesmo: prevalece, sempre, a politiquinha miúda do modo PT de governar.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Calamidades que se repetem

Tão regulares quanto os dias de um calendário, as tragédias decorrentes das chuvas de verão voltam a se repetir no Brasil. Todo começo de ano é assim, a despeito das reiteradas promessas das autoridades de que, “desta vez”, a prevenção chegará antes da reconstrução.

Neste 2012 que se inicia, as sirenes de alerta voltaram a soar na região serrana do Rio de Janeiro. Teme-se a repetição da catástrofe do ano passado, que matou mais de 900 pessoas. Em Minas Gerais, já são dezenas as cidades sob estado de calamidade.

Por incrível que possa parecer, as chuvas torrenciais, por mais previsíveis que sejam, pegam novamente as populações desprevenidas, desprotegidas, desamparadas. O muito que poderia ter sido feito ao longo do ano revela-se um nada diante dos riscos que voltam a assombrar os moradores.

Em janeiro de 2011, no auge do verão passado, o governo federal prometeu ações sem precedentes para evitar que as calamidades voltassem a assustar os habitantes de áreas mais vulneráveis. Muito, muito pouco foi feito, porém.

Menos de um terço das verbas destinadas no Orçamento Geral da União do ano passado para “prevenção e preparação para desastres” foi investida: foram autorizados R$ 508 milhões e pagos apenas R$ 155 milhões. Ou seja, nada menos que R$ 353 milhões ficaram guardados no cofre, como se as populações deles não necessitassem para preservar suas vidas.

Trata-se, contudo, de padrão recorrente. Nos últimos oito anos, as dotações autorizadas pelo Congresso para esta rubrica somaram R$ 2,8 bilhões, mas apenas R$ 695 milhões foram aplicados. “Em outras palavras, de cada R$ 4 previstos em orçamento, apenas R$ 1 foi gasto”, escreve Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, n’O Globo de hoje.

O PT de Lula e Dilma Rousseff prefere remediar a prevenir. Desde 2003, o país aplicou sete vezes mais em “resposta a desastres e reconstrução” – R$ 5,9 bilhões – do que em ações de “prevenção e preparação para desastres” – os R$ 695 milhões citados acima. O mal é que, para muitos, o remédio acaba, infelizmente, vindo tarde demais, sem mais nenhuma valia.

Muitas das providências anunciadas nos últimos anos – como a implantação do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres, cogitada desde 2004, mas hoje funcionando em condições de improviso e precariedade – só chegarão a tempo do verão de 2013, se é que chegarão.

Além disso, há o padrão nefasto das liberações politicamente endereçadas. Enquanto o Ministério da Integração Nacional foi ocupado por um político baiano na era Lula, a maior parte das verbas foi para a Bahia. Agora, o titular é um pernambucano e 90% das verbas vão para a terra do frevo e do maracatu.

“Dos gastos autorizados e pagos em 2011, Pernambuco recebeu 14 vezes mais do que o segundo colocado, o Paraná, onde chuvas fortes provocaram enxurradas e deslizamentos no ano passado”, relata hoje O Estado de S.Paulo, em manchete. O berço político do atual ministro – provável candidato a prefeito de Recife – recebeu R$ 25,5 milhões dos R$ 28,4 milhões pagos em obras autorizadas em 2011 para prevenção de desastres naturais.

Como se não bastasse, também com a regularidade de um relógio suíço, as imprevidências da gestão federal atingiram, novamente, as férias e o descanso de milhões de brasileiros que usaram, ou tentaram usar, os aeroportos para se deslocar nas festas de fim de ano.

Ontem, o dia foi de caos em alguns terminais, em especial o Santos Dumont e o Galeão, no Rio. Segundo balanço da Infraero, dos 2.339 voos domésticos programados para até as 19h desta segunda-feira, 560 atrasaram (24%) e 146 foram cancelados (6%). (Nesta madrugada, 23% dos voos – tanto domésticos quanto internacionais – atrasaram ou foram cancelados.)

O ano, infelizmente, começa com a repetição de exemplos de descaso das autoridades federais pela vida e pelo bem-estar dos brasileiros. Seria muito bom se 2012 marcasse uma mudança radical neste tipo de ocorrências. É difícil crer, mas não custa tentar.