quinta-feira, 31 de março de 2011

Menos crescimento e mais inflação

O governo Dilma Rousseff desistiu de ter uma inflação comportada no país neste ano. A meta para o custo de vida definida para 2011 foi oficialmente sepultada ontem pelo Banco Central, sem nenhuma honraria. Também estão moribundos o crescimento do PIB e, pior de tudo, a estabilidade da moeda. É um estrago e tanto para quem apenas acaba de completar três meses de gestão.

No “Relatório de Inflação” publicado ontem, o BC indicou que a inflação deste ano deverá ficar em 5,6%, bem distante, portanto, da meta de 4,5% definida pelo Conselho Monetário Nacional. Em contrapartida, as projeções oficiais para a expansão da economia recuaram de 4,5% para 4%. Em suma, o que Dilma nos oferece até agora é isso: mais inflação com menos crescimento. Uma mistura indigesta.

A inflação no Brasil já vai muito alta: no acumulado em 12 meses, bate 6%. Numa lista com 14 países, “o Brasil aparece com a segunda maior taxa de inflação acumulada até fevereiro, atrás apenas da Índia”, informa a Folha de S.Paulo. Além disso, as autoridades monetárias brasileiras têm sido mais tolerantes quanto ao comportamento dos preços: a meta de inflação adotada no país é uma das mais altas entre as nações que seguem igual regime no mundo.

O risco agora é passarmos a conviver naturalmente com uma inflação tão elevada – e que em alguns setores já chega a dois dígitos, como é o caso de serviços, aluguéis, energia e comunicações.

Com a atitude agora oficializada, o BC de Dilma chancela altas generalizadas de preço num patamar acima dos 5,8% agora aceitos como naturais para a inflação brasileira deste ano. Ou seja, o que era meta vai acabar virando piso. “O BC pode criar um problema de enrijecimento da própria inflação. O quadro é potencialmente perigoso”, avalia O Globo hoje em editorial.

Os efeitos deletérios vêm em cadeia, uma vez que remanesce na economia brasileira um pernicioso mecanismo de indexação, herança dos tempos pré-Plano Real. O próprio BC admite tais riscos numa das 144 páginas do “Relatório”: “Existem mecanismos regulares e quase automáticos de reajustes, de jure e/ou de facto, que contribuem para prolongar, no tempo, pressões inflacionárias observadas no passado. (...) Os riscos associados aos mecanismos de indexação tornam-se particularmente importantes em 2011”.

Gostemos ou não, o primeiro ambiente onde decisões de política monetária reverberam é o mercado financeiro. E ele está torcendo o nariz tanto para o que o BC quanto para o que a presidente da República têm dito em relação à inflação.

Ontem, uma vez conhecido o teor do “Relatório”, os contratos de juros mais longos negociados na BM&FBovespa tiveram alta, “sinalizando que os agentes esperam uma piora do cenário futuro, seja com uma aceleração da inflação, seja pela necessidade de novas elevações da taxa básica”, informou o Valor Econômico.

Em outra reportagem, o jornal conclui que as expectativas quanto ao comportamento da inflação e dos juros vêm se deteriorando desde setembro de 2010, pondo “em xeque” a capacidade de o BC colocar a inflação no eixo: “Apesar do discurso, aperto monetário de um ponto percentual e inúmeras medidas, os juros futuros de longo prazo insistem em subir, as expectativas de inflação tanto na pesquisa Focus quanto a implícita nos preços dos títulos públicos seguem em alta e o dólar só cai”.

A data que o Valor identifica como o ponto inicial em que as expectativas começaram a azedar coincide com o ápice do período eleitoral do ano passado. Foi justamente quando ficou evidenciado que o governo do PT manobrava pesadamente os gastos públicos para Lula eleger sua sucessora. Desde então, os sinais de recrudescimento da inflação se tornaram cada vez mais perceptíveis, mas o governo pouco agiu.

É unânime a avaliação de analistas econômicos de que o BC – ou seja, o governo de Dilma Rousseff – está assumindo “riscos demais” na lida com a inflação. A autoridade monetária decidiu apostar em medidas de política monetária que ninguém sabe ao certo no que vão dar, e justamente numa hora em que o custo de vida descontrola-se. O momento não parece ser o mais adequado para experimentos de laboratório. A tolerância pode acabar se mostrando excessiva.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Batalha inglória contra os juros

Os juros altos continuam a gerar efeitos deletérios sobre a economia brasileira. Muitas das chamadas medidas “macroprudenciais” que o Banco Central vem adotando decorrem da necessidade de enfrentar os desequilíbrios gerados pela política monetária sobre o ambiente econômico. Esta é uma cruzada que, por mais que tenha tentado, o ex-presidente José Alencar não conseguiu vencer.

Ontem foi anunciado aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Serão cobrados 6% sobre captações externas que tenham prazo de até 365 dias. Para frear o crédito, o governo tenta impor uma trava a operações muitas vezes especulativas alimentadas à base dos juros campeões mundiais pagos pelo Brasil.

O que vinha acontecendo é que instituições financeiras daqui buscavam dinheiro barato emprestado no exterior e o repassavam a tomadores no Brasil. Pagavam lá foram algo próximo a zero e cobravam aqui dentro qualquer coisa acima da taxa básica de 11,75% ao ano. Descontados outros custos associados, só com isso ganhavam em torno de 8,75%. Negócio da China.

O Brasil pratica uma taxa real de juros de cerca de 6% anuais. A média mundial, consideradas as 40 principais economias, é de 0,9% negativo, segundo ranking elaborado pela Cruzeiro do Sul Corretora. Toda uma cadeia de impactos negativos surge daí – e não é preciso ser empresário nem ex-vice-presidente para enxergá-la.

O dinheiro farto e barato captado no exterior vem colaborando para inundar o mercado brasileiro de crédito, no qual o juro é alto e perdulário. Segundo dados divulgados ontem pelo BC, o volume de empréstimos cresceu 21% nos últimos 12 meses terminados em fevereiro e já representa 46,5% do PIB. O governo tentou, mas não conseguiu frear o galope.

Por sua vez, o crédito abundante cevado a juro alto alimenta a chamada “inflação de demanda” que a presidente da República teima em não ver. Se sobra dinheiro e se as oportunidades de emprego parecem ilimitadas no país, as pessoas tendem a consumir como nunca. Os preços reagem naturalmente, ou seja, sobem. Só Dilma Rousseff não admite esta lógica tão cartesiana.

Para a presidente, o que há é apenas um movimento global, influenciado por uma alta generalizada dos preços de commodities em todo o mundo. Sua visão das coisas, compartilhada e influenciada pelo ministro da Fazenda, não tem ajudado no combate à inflação. Pelo contrário.

Desde que Dilma explicitou esta profissão de fé, em entrevista publicada pelo Valor Econômico no último dia 17, as previsões do mercado sobre o comportamento da inflação só pioraram. Se na semana da entrevista prognosticava-se um IPCA de 5,82% para este ano, agora já se antevê a taxa atingindo 6%, segundo o boletim Focus do BC. Até as estimativas para o comportamento dos preços em 2012 – durante muito tempo estáveis – subiram.

Inflação em alta bate, inexoravelmente, no bolso dos cidadãos. Aliás, já está batendo. Entre outubro e fevereiro, o rendimento real médio dos trabalhadores caiu 1,5%, a maior perda em dois anos, segundo a Folha de S.Paulo. São R$ 23,58 a menos disponíveis na carteira.

Por si só, o crédito abundante também é fonte suficiente de preocupação. As famílias brasileiras já comprometem 24% da sua renda com o pagamento de dívidas. Trata-se de percentual tão alto quanto perigoso. Nos EUA, tidos como um país em que a fome dos cidadãos por consumo é desmesurada, a média é de 18%.

José Alencar faleceu ontem coberto de justas homenagens. Entre seus muitos atributos destacados nos obituários publicados nos jornais de hoje está a coerência de opiniões, em que se destacava a crítica à política de juros altos praticada pelo governo do qual fez parte. A maior homenagem que poderia agora lhe caber é os que o sucederam no Palácio do Planalto atentarem para a necessidade de mudar o andamento deste jogo.

terça-feira, 29 de março de 2011

Placar da Copa: África 1 x 0 Brasil

Não é novidade para qualquer mortal que passe próximo a algum estádio brasileiro em reforma que o ritmo das obras com vistas à Copa do Mundo de 2014 é lento, lentíssimo. A constatação ganhou ontem ares oficiais com a declaração do presidente da Fifa, Joseph Blatter. Em suma, ele disse que o Brasil está se saindo pior que a África do Sul, que sediou o último Mundial.

“Gostaria de dizer para meus colegas brasileiros que a Copa de 2014 é amanhã. Os brasileiros acham que ela vai ser depois de amanhã”, alertou Blatter. Há alguns meses, a própria Fifa já havia declarado que “falta tudo” para a segunda Copa brasileira virar realidade. Aproxima-se um vexame – temido, aliás, pelo próprio rei Pelé.

Prevê a Fifa que, da forma como caminham as obras, as duas maiores cidades brasileiras, São Paulo e Rio, sequer terão seus estádios prontos para a Copa das Confederações, festividade que precede o Mundial e será realizada em 2013. Algo assim nunca aconteceu antes num país que tenha sediado uma Copa do Mundo de Futebol. Qual a razão para a incúria brasileira?

Entre as 12 cidades-sede, há problemas evidentes por todo lado, e não apenas em São Paulo e Natal, conforme aponta o Ministério dos Esportes. Em São Paulo, o Itaquerão, a imensa arena do Corinthians com capacidade para 65 mil pessoas, ainda não saiu do chão. Mas já deverá custar uns 20% mais do que o inicialmente previsto, beirando R$ 700 milhões, conforme admitiu ontem o presidente do clube. Boa parte do valor virá de renúncias fiscais da prefeitura da cidade.

Em Natal, a licitação do empreendimento foi concluída apenas no último dia 11, vencida pela única concorrente habilitada: a construtora OAS, que irá realizar as obras e gerenciar o Estádio das Dunas. As obras do novo estado da Fonte Nova, em Salvador, já custam quase o triplo do inicialmente orçado e há problemas claros também em Cuiabá, Curitiba e Porto Alegre.

Em Cuiabá, onde se constrói a Arena Pantanal, a obra de fundação deveria terminar em dezembro, mas foi retardada devido às chuvas. O monumental estádio terá capacidade para 42 mil pessoas, embora não se tenha claro, por ora, para que servirá depois de passada a Copa: pelo campeonato mato-grossense, as médias de público raramente superam 2 mil torcedores.

Em Curitiba, as obras na Arena da Baixada, do Atlético Paranaense, começam apenas em junho. Outro motivo de preocupação é a reforma do Beira Rio, para a qual a diretoria do Internacional anunciou que busca um parceiro, o que poderá atrasar o ritmo dos trabalhos.

Se nos estádios propriamente ditos o ritmo é exasperante, muito pior é a situação nos aeroportos – apontada pela CBF – e nas obras de mobilidade urbana associadas à Copa de 2014 – admitida pelo Ministério dos Esportes.

Em sua edição de sábado, O Estado de S.Paulo mostrou que, “a 33 meses e poucos dias do prazo final para a entrega das obras em aeroportos para a Copa do Mundo, só 2,4% dos investimentos bilionários programados saíram do papel”.

Das 24 obras planejadas pela Infraero nas 12 cidades-sede, orçadas em R$ 5,2 bilhões, somente quatro foram iniciadas. Neste ano, a Infraero deve investir R$ 577 milhões apenas. O valor terá que triplicar em cada um dos próximos três anos para que a programação da estatal até 2014 seja cumprida.

Sobre as obras de melhorias urbanas, então, nem é bom falar. Em fevereiro, o TCU detectou um bocado de irregularidades e esquisitices nelas. Um exemplo é o custo do VLT de Brasília, que saltou de R$ 364 milhões para R$ 1,55 bilhão.

Já o monotrilho de Manaus está sendo licitado sem projeto básico completo, “o que pode gerar vários riscos à administração pública em face de inevitáveis aditivos ilegais que serão futuramente firmados tendo como origem os vícios apontados”, apontam o Ministério Público Federal e do Amazonas, contrários ao prosseguimento da concorrência.

Se Joseph Blatter aceitar o convite que o ministro Orlando Silva pretende fazer-lhe para visitar as obras no país, é possível que a Fifa redobre sua descrença quanto ao sucesso brasileiro. Os alertas não são novos, mas a única coisa que o governo petista conseguiu fazer até agora foi tentar remendar a legislação e enfraquecer instâncias de fiscalização, como o TCU, para afastar incômodos entraves às obras. Vê-se que a política do puxadinho não está funcionando.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Ainda em más companhias

Após oito anos de manifestações de amizade e alianças firmadas com alguns dos principais facínoras do mundo, o Brasil surpreendeu ao votar na ONU a favor de investigar o Irã por suspeita de violação de direitos humanos. Ainda não se trata de uma guinada completa na nossa política externa, mas pode ser um bom começo. A lista de más companhias a serem evitadas pela nossa diplomacia é caudalosa.

A votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU ocorreu na última quinta-feira. Foi a primeira vez que o Brasil deliberou contra o Irã desde 2003. Desde então, foram sete abstenções em votações sobre o país de Mahmoud Ahmadinejad no órgão da Assembleia Geral da ONU – uma delas em novembro do ano passado, quando foram propostas punições ao Irã por apedrejamentos e enforcamentos em praça pública e o Brasil calou-se.

O país de Ahmadinejad – além de condenar à morte por apedrejamento uma mãe de família como Sakineh Ashtiani, por suposto adultério – persegue oposicionistas, jornalistas, dissidentes, homossexuais e qualquer um que se arrisque a discordar de seus líderes totalitários. Para o PT, até pouco tempo atrás, o que ocorria por lá era como briga entre “flamenguistas e vascaínos”, na memorável definição de Lula.

De acordo com o voto brasileiro na ONU na semana passada, “o Brasil acredita que todos os países, sem exceção, têm desafios a serem superados na área de direitos humanos e espera que os principais copatrocinadores dessa iniciativa [o envio de um relator especial ao Irã] apliquem os mesmos padrões a outros possíveis casos de não cooperação com o sistema de direitos humanos das Nações Unidas”. Espera-se que o Brasil pratique o que prediz.

É prematuro dizer que a atitude de agora contra o Irã seja um rompimento com a diplomacia posta em prática pelo governo anterior. “Por ora o que se vê é uma mudança nas ênfases e nos procedimentos tendo em vista a retomada de valores essenciais em regimes de liberdade. A volta, digamos assim, à normalidade”, escreveu Dora Kramer. Mas a chancelaria brasileira tem no voto proferido na ONU na semana passada uma boa carta de intenções para seguir adiante no bom caminho. Terá trabalho pela frente.

A lista de más amizades costuradas ao longo do governo de Lula é de fazer inveja à mítica Legião do Mal – os inimigos criados pela DC Comics para rivalizar com os super-heróis da Liga da Justiça. Para começar, basta lembrar que o líbio Muamar Kadafi foi chamado de “amigo e irmão” pelo presidente Lula, para quem tudo o que era atribuído ao ditador ora em desgraça não passava de “invenção da mídia”.

Mas resolver a questão líbia é só o mais óbvio. Dilma também precisa, por exemplo, cortar as ligações de amizade do Brasil com o presidente da Guiné Equatorial, Obiang Nguema Mbasogo, há 32 anos no poder. O presidente Lula visitou-o em julho do ano passado sem se importar com a alcunha dada ao país de Mbasogo: “Auschwitz da África”. Precisa dizer mais?

Outro ditador oficialmente nosso companheiro, o sudanês Omar Al-Bashir, foi condenado pela Corte Penal Internacional por crimes de guerra pela morte de 300 mil pessoas. O Brasil nunca aceitou recriminá-lo nos foros globais. Mas, em 2006, conseguiu que o país africano abrisse as portas para negócios da Petrobras por lá. Vale lembrar o mantra de Celso Amorim: “Business is business”.

A nova diplomacia brasileira ainda deve desculpas, também, aos dissidentes políticos de Cuba, comparados por Lula a traficantes do PCC. Já com relação à Venezuela, hoje atolada num total desabastecimento que obriga a população a economizar de água a energia, as artes de Hugo Chávez finalmente poderão receber um “chega” ou deixarem de ser consideradas “parte da democracia”. O Brasil mantém, ainda, ótimas relações com países não democráticos como Uzbequistão, Gabão, Camarões, entre outros, numa lista que, com o PT, só fez crescer.

O basta ao Irã foi apenas a primeira e tímida medida para encerrar uma grande lambança na nossa chancelaria que ainda está para ser redimida. Se realmente quer retomar o caminho do respeito e do compromisso com os direitos humanos – tradição secular do Itamaraty só abandonada pela diplomacia companheira de Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia – o Brasil ainda precisa fazer muito. Se assim optar por agir, merecerá justificados aplausos – aqui e lá fora.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Caixa caiu

O governo Dilma anunciou ontem mudanças no comando da Caixa Econômica Federal. O banco estatal está sendo fatiado feito salame entre os partidos da base de apoio à presidente. O episódio ocorre na mesma semana em que veio à tona a sanha governista por apossar-se do controle da Vale. O apetite petista por cargos e poder parece não ter limites.

Maria Fernanda Ramos Coelho foi tirada da presidência do banco, que ocupava há cinco anos. Para alguns, por ser “de carreira, muito técnica” – segundo a Folha de S.Paulo – ela só atrapalhava. Para o governo, saiu porque quis. Mas fato é que seu histórico de gestora à frente da Caixa também não inspira lá elogios.

A instituição é a principal responsável pela condução do Minha Casa, Minha Vida. Lançado há dois anos, o programa tinha como meta construir 1 milhão de moradias. Até dezembro, havia, porém, entregue apenas um quarto disso, ou, mais precisamente, 247 mil unidades. Para a faixa de menor renda (até três salários mínimos), nem isso: das 400 mil previstas, não saíram do chão nem 20 mil.

Com Maria Fernanda no comando, a Caixa também cometeu a proeza de comprar um banco quebrado, dono de um rombo financeiro de mais de R$ 4,3 bilhões: o Panamericano de Silvio Santos. O negócio foi fechado pelo governo Lula em fins de 2009, o banco foi à lona menos de um ano depois (tão logo acabaram as eleições presidenciais), mas há indícios de que as fraudes contábeis já vinham desde 2006.

Mas, indica o noticiário, a pernambucana Maria Fernanda caiu menos por ter comprado gatos por lebres financeiras do que por ter se recusado a engolir sapos políticos. Diz O Estado de S.Paulo que o que a derrubou foi “colisão com Palocci”. O interesse público passou longe.

O ministro-chefe da Casa Civil estaria ansioso para saldar a conta com o PMDB, na forma de partilha do segundo escalão dilmista. A fatura não vai sair barata. Começa por escalar Geddel Vieira Lima para uma das vice-presidências da Caixa, a de Pessoa Jurídica. Diz-se que também pode vir a incluir o ex-governador da Paraíba, José Maranhão.

Geddel tem currículo a apresentar. Poderá executar na direção da Caixa a mesma política equilibrada e republicana que adotou quando era ministro da Integração Nacional. Ali, destinou quase toda a verba nacional disponível para prevenção a desastres naturais a seu estado natal, a Bahia – cujo governo ele disputou e perdeu em outubro passado. Naquela mesma época, o Rio de Janeiro se viu soterrado em tragédias, sem ver a cor do dinheiro do ministério de Geddel.

Já o também peemedebista Maranhão é acusado de ter quebrado o estado da Paraíba e estourado todos os limites estipulados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para a folha do funcionalismo quando era governador. O PMDB já tem Fábio Lenza na direção de Pessoa Física da Caixa: no banco desde 2007, é considerado da “cota do senador José Sarney”.

Resume a Folha de S.Paulo as consequências previsíveis do fatiamento do banco federal: “A entrada do PMDB na diretoria da Caixa Econômica Federal preocupa executivos do setor bancário e até servidores de carreira do governo federal, que temem um loteamento político maior na área econômica do governo e um atraso na expansão do crédito imobiliário brasileiro.”

Mas, como é de se esperar, não foi apenas o PMDB que avançou sobre o butim da Caixa. Não sem antes lançar-se em brigas intestinas, o PT também conquistou novos espaços no comando da instituição. As facções paulista e gaúcha da sigla se digladiaram pela cadeira de Maria Fernanda e quem acabou ficando com a vaga foi Jorge Hereda.

Ele é do PT paulista, do grupo de Marta Suplicy, de quem foi secretário de Serviços e Obras na prefeitura de São Paulo. Também ocupou secretarias nas áreas de Habitação e Desenvolvimento Urbano em outros municípios paulistas governados pelo PT. Deve entender dos negócios.

A Caixa é apenas mais um exemplo a engrossar o rol de ataques dos governos petistas ao patrimônio público, onde despontam também os Correios, a Eletrobrás, a Petrobras. A Vale pode ser o próximo bastião a cair: hoje à tarde, informa o Valor Econômico, os acionistas controladores da mineradora, com a presença de Guido Mantega, se reúnem em São Paulo “para acertar os detalhes da demissão de (Roger) Agnelli e da escolha de seu substituto”.

Negócio de petista é assim: feito a portas fechadas, atende ao interesse de poucos e joga o prejuízo para os contribuintes. Quem quer dinheiro?

quinta-feira, 24 de março de 2011

Trabalhadores pagam o PAC

Pipocam pelo país paralisações de empregados de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Eles reivindicam uma prerrogativa básica: respeito a direitos trabalhistas. Se greves são cada vez mais raras no ambiente econômico atual – em que os trabalhadores brasileiros têm conseguido aumentos salariais até maiores do que a inflação – por que será que a coisa está tão feia nos empreendimentos federais?

A onda começou na semana passada pela usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Seus cerca de 22 mil empregados tocaram o terror no canteiro de obras encravado na selva amazônica. Pediam condições mais dignas de trabalho. Muitos abandonaram o trabalho para nunca mais voltar, alguns chegaram a ser encarcerados.

Mas a leva de insatisfação não parou aí. Espraiou-se pela usina de Santo Antônio, também em Rondônia, e agora chega aos complexos portuários de Suape (PE) e Pecém (CE). Estima-se que, ontem, 80 mil operários da construção civil recrutados para obras do PAC estavam parados em todo o país. Em comum, o fato de atuarem nos empreendimentos mais vistosos do programa.

A crise bateu no Palácio do Planalto. Ontem, o secretário-geral da Presidência convocou as centrais sindicais para tentar pôr ordem na casa. Vai chamar também empreiteiras e Ministério Público.

A intenção, diz o Valor Econômico, é “tentar chegar a um acordo e impedir um colapso no principal programa de investimentos do governo”. Teme-se o que poderia ocorrer quando a carteira de obras mais robustas do PAC estiver caminhando a pleno vapor, empregando 1 milhão de pessoas. Hoje o despreparo é evidente.

Jirau, Santo Antônio, Pecém e Suape deixam antever um problema maior: a falta de atenção e de cuidados em relação aos efeitos dos empreendimentos do PAC nos ambientes em que estão inseridos. Não são novos os alertas de que intervenções deste porte trazem problemas sociais, ambientais e estruturais de grande monta. A experiência atual caminha para confirmar os temores.

Em sua edição de hoje, O Estado de S.Paulo relata a penúria que já se abateu sobre as comunidades vizinhas aos canteiros das hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia. Os moradores estão abandonando a prática da pesca, principal atividade econômica da região e agora dizimada pelas obras. “Antes, tirava 40 quilos de peixe por dia. Ontem, não tirei nada”, diz um pescador. Ribeirinhos agora engrossam filas de desempregados em Porto Velho.

A usina de Belo Monte (PA), por exemplo, só obteve licenciamento ambiental sujeito à obediência de 40 condicionantes. Até agora nenhuma delas foi cumprida, mas, mesmo assim, o governo autorizou o início da montagem do canteiro de obras – ocorrido no meio do Carnaval. Belo Monte é maior do que Jirau e Santo Antônio juntas. À luz do que já está ocorrendo em Rondônia, imagine-se o tamanho do estrago que pode acontecer no Pará.

Uma das hipóteses de explicação para a degradação observada nos canteiros de obras do PAC e nos seus entornos vem das condições decorrentes dos contratos firmados. Todas estas hidrelétricas ofertarão energia a preços bem menores que os atuais. Os empreendedores venceram leilões propondo tarifas surpreendentemente baixas. Para honrá-las, estão tendo de massacrar os empregados e o meio ambiente.

Funcionários envolvidos nos protestos de Rondônia relatam condições degradantes de trabalho. A impressão que se tem é de que estamos retornando a um passado que já se considerava remoto. O governo do PT fala em propor às empreiteiras procedimentos trabalhistas similares aos adotados nas lavouras de cana-de-açúcar – tais acordos visaram acabar com práticas análogas à escravidão nos canaviais brasileiros. Os canteiros do PAC estão revivendo esta chaga.

É inadmissível que obras financiadas com recursos públicos apresentem condições – sejam trabalhistas, sejam sociais e ambientais – tão inadequadas. O mínimo que se espera do governo que as contratou é que zele pelos direitos e pela saúde dos trabalhadores, pelo meio ambiente e pela sobrevivência das comunidades atingidas pelas obras. Nada disso, porém, está sendo respeitado. O PAC de Dilma e Lula está nos levando de volta à senzala.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Governo estende as garras sobre a Vale

Há algumas semanas, começou a circular no noticiário a informação de que o Palácio do Planalto quer apear Roger Agnelli da presidência da Vale. Soube-se agora que o emissário da causa é nada menos que o ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. A mão peluda do Estado glutão está sendo estendida sobre a maior empresa do Brasil.

A participação direta de Guido Mantega na operação veio à tona ontem, divulgada por O Estado de S.Paulo. Desenvolto, ele procurou o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão, para capturá-lo para o pleito do governo. O banco detém 21% de participação na Valepar, holding que controla a Vale. Somada às fatias dos fundos de pensão e do BNDESPar, permitiria ao grupo fazer o que bem entendesse na empresa.

“O governo quer na Vale alguém mais alinhado com seus interesses e disposto a seguir uma programação planejada por Brasília”, informou o jornal. Em suma, quer transformar a maior produtora de minério de ferro do mundo e segunda maior mineradora do planeta num feudo do Estado, como era no passado. Um abismo separa a empresa de outrora da atual.

A Vale foi privatizada em 1997. De lá para cá, viveu uma trajetória de mão única: para o alto e avante. Tome-se o lucro da companhia como exemplo do que ocorreu desde então: saiu de R$ 500 milhões em 1996 para R$ 30,1 bilhões no ano passado. O número de empregados da empresa mais que triplicou nestes 15 anos.

Nos 53 anos anteriores à sua privatização, ou seja, desde sua fundação, em 1943, até 1996, a então Companhia Vale do Rio Doce investiu, em média, US$ 481 milhões. Privatizada, o patamar médio saltou para US$ 6,1 bilhões anuais. Só neste ano de 2011, a Vale pretende investir US$ 24 bilhões no Brasil e no exterior.

Além dos empregos gerados, o retorno direto da Vale privatizada para a sociedade brasileira vai além: desde 1996, o recolhimento de impostos passou de US$ 31 milhões para US$ 1,1 bilhão por ano. No mesmo período, as exportações da companhia saltaram de US$ 1,1 bilhão para os US$ 24 bilhões verificados no ano passado – sozinha, ela gera superávit comercial maior do que o brasileiro.

O pretexto dos petistas para intervir na Vale é que ela não seguiu as vontades de Lula, que queria vê-la investindo em siderurgia no país. Se tivesse seguido os conselhos do sábio ex-presidente, a mineradora teria ido para o buraco: o país tem hoje capacidade ociosa em aço, tendo chegado a desligar seis altos-fornos em 2009. Ao mesmo tempo, há mercado abundante no mundo para matérias-primas como o minério de ferro e outros minérios produzidos pela Vale.

Na realidade, o governo do PT quer fazer a Vale voltar a ser algo parecido com o que são hoje os Correios, a Eletrobrás, a Petrobras e outras tantas estatais transformadas em capitanias políticas. “Se o governo for bem sucedido no primeiro momento, depois virão os outros cargos, as chefias intermediárias e aí a Vale vai se tornar um bom e apetitoso pasto para os indicados políticos como são algumas estatais brasileiras”, comenta Míriam Leitão.

Dos Correios, uma das caixas-fortes do mensalão nem vale a pena falar. Na Petrobras, o custo das incertezas e da ingerência política tem se refletido diretamente no valor de mercado da companhia: desde o anúncio do novo marco legal do setor, em agosto de 2009, o preço das ações só fez cair e alguns bilhões de reais evaporaram.

Já a Eletrobrás teve expansão acelerada no governo Lula, dentro da mesma ótica de gigantismo estatal que leva agora a gestão Dilma a avançar sobre a Vale. A consequência é que, conforme revela a Folha de S.Paulo em sua edição de hoje, a companhia já identifica “um quadro de descontrole ‘preocupante’ sobre as suas participações societárias em projetos de geração e transmissão de energia e em outras empresas”. Hoje, a Eletrobrás participa, junto com suas subsidiárias, de 88 projetos, entre os quais as problemáticas hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte.

Em 2009, o deputado Ivan Valente, do PSOL, apresentou proposta para realização de um plebiscito para discutir a “retomada do controle acionário da Vale pelo Poder Executivo”. A proposta foi rejeitada numa das comissões da Câmara com parecer contrário do deputado José Guimarães, do PT do Ceará.

É o seguinte o que ele escreveu sobre a proposta: “(A privatização da Vale) Foi passo fundamental para estabelecer uma estrutura de governança afinada com as exigências do mercado internacional, que possibilitou extraordinária expansão dos negócios e o acesso a meios gerenciais e mecanismos de financiamento que em muito contribuíram para este desempenho e o alcance dessa condição concorrencial privilegiada de hoje. De fato, pode-se verificar que a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa”.

Os petistas adoram demonizar as privatizações e amam alimentar o conflito entre Estado e iniciativa privada. Já tiveram oito anos para, caso quisessem, reverter este exitoso processo. Mas teriam de fazer isso às claras, consultando a sociedade. Mas jamais o fizeram, a despeito das várias oportunidades para tanto. Este processo não tem mais volta. Não se retrocede uma conquista tão grande para o país na calada da noite.

terça-feira, 22 de março de 2011

Águas turvas no saneamento básico

Hoje, 22 de março, é comemorado o Dia Mundial da Água. A data foi criada no rastro da Eco-92, ocorrida no Rio de Janeiro há quase 20 anos. Trata-se de boa ocasião para se discutir as calamitosas condições do sistema de saneamento básico existente no Brasil. É uma verdadeira tragédia no país que é dono da maior bacia hidrográfica e detém 12% da água doce do planeta.

Segundo a PNAD, 36 milhões de brasileiros não têm acesso à rede de água. Em vastas regiões, a água fornecida aos cidadãos não é tratada. A maioria dos domicílios nacionais também não é atendida por rede de esgoto: 94 milhões de pessoas estão nestas condições. É emblemático que 8 milhões de habitantes não tenham sequer um banheiro em casa.

A péssima estrutura de saneamento básico também cobra seu preço em forma de insalubridade. Estima-se que 60% das internações de crianças no país estejam relacionadas a doenças de veiculação hídrica. Se os serviços já estivessem universalizados no país, cerca de 1.300 mortes decorrentes de infecções gastrintestinais – metade delas no Nordeste e principalmente de crianças – poderiam ser evitadas anualmente.

Estudo a ser divulgado hoje pela Agência Nacional de Águas (ANA) indica que o risco de falta d’água nos espreita. Mais da metade (55%) dos 5.565 municípios brasileiros pode ter problema de abastecimento já nos próximos quatro anos, mostrou O Estado de S.Paulo em sua edição de ontem. “Olhando para os dados nacionais, o que percebemos é que, desde 2005, o panorama ficou estável, ou seja, não melhorou”, diz Sérgio Ayrimoraes, superintendente da ANA, segundo o Valor Econômico de hoje.

Estima-se que, para levar abastecimento de água e esgotamento sanitário a todos os lares brasileiros, seria necessário investir R$ 250 bilhões. Como a média atual não passa de R$ 5 bilhões ao ano, será preciso mais 50 anos para que os serviços de saneamento sejam universalizados entre nós.

O problema é que há um enorme descompasso entre o desafio que a universalização dos serviços de saneamento representa e as condições objetivas que o poder público fornece para alcançá-la. Convivemos com estruturas de financiamento inadequadas, políticas obsoletas, marcos institucionais incompletos.

A Constituição estabelece que a responsabilidade pela prestação de serviços de saneamento básico no país é dos municípios – em alguns casos, de maneira compartilhada com os estados. O governo federal não executa obras ou investimentos no setor, a despeito de toda a massiva e enganosa propaganda em torno do PAC.

A realidade é que, dos R$ 40 bilhões anunciados no PAC para o período 2007-2010, apenas 30% referiam-se efetivamente a recursos do Orçamento da União – o resto compunha-se de financiamentos e contrapartidas dadas por estados e municípios. Mesmo assim, os desembolsos no período não passaram de metade disso.

Na prática, o governo do PT pouco fez em prol da melhoria do saneamento no país nestes últimos anos. As linhas de financiamento do BNDES e da Caixa, por exemplo, cobram taxas de juros muito altas, em se tratando de uma atividade em que o retorno do capital é baixo.

Como poucas concessionárias públicas têm condições de obter empréstimos para investir em saneamento – as de São Paulo, Minas Gerais e Paraná são algumas delas – os entes federados ficam na dependência de repasses do Orçamento, sempre irrisórios. Não existe um plano integrado de ação e os recursos liberados pela União acabam se pulverizando.

Assim, não surpreende que remanesça intocado um sistema constituído por empresas mal estruturadas, mal geridas e endividadas. Uma mostra das ineficiências: 40% da água produzida para consumo humano se perde ao longo da rede de distribuição antes de chegar ao consumidor final.

Tentativas de desafogar as empresas concessionárias e expandir os serviços pararam no paredão do governo Lula. Uma delas previa desonerar investimentos em saneamento de PIS e Cofins. Seria suficiente para liberar R$ 2 bilhões anuais para aplicar na melhoria do atendimento, mas foi vetada pela equipe econômica petista.

Diz-se no mundo político que governante não gosta de investir em saneamento porque ninguém vê canos e manilhas escondidos sob a terra. Nos últimos anos, a máxima parece ter prevalecido. Mas país que se pretende desenvolvido não pode conviver com uma realidade como a nossa. País sem saneamento é país pobre.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Em busca dos dólares perdidos

A passagem de Barack Obama pelo Brasil não rendeu os frutos mais vistosos que alguns, provavelmente de maneira ingênua, esperavam. A aspiração brasileira a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU mereceu apenas uma manifestação de “apreço” do presidente americano. Nada muito diferente do esperado.

Passado o oba-obama da visita, melhor fará o Itamaraty se dedicar-se a explorar uma highway desdenhada pela diplomacia companheira nos anos Lula: as enormes possibilidades comerciais representadas pelo mercado dos EUA.

Enquanto nos ocupávamos de falar fino com a Bolívia e grosso com Washington – como parte de uma espécie de “complexo de Chico Buarque” que imperou em nossa chancelaria – a China nos deixou comendo poeira na América. É hora de nossos diplomatas recalibrarem a voz.

Os Estados Unidos ainda são, disparados, os maiores compradores do planeta. Só no ano passado, importaram US$ 2,3 trilhões em bens e serviços. Desse montante, o Brasil só conseguiu participar com US$ 19,2 bilhões, ou seja, 0,8% do total, mostrou o G1.

Afora termos nos tornado quase irrisórios no intercâmbio comercial com os americanos, o Brasil é um dos poucos países que possui déficit com os EUA. Trata-se de um dos subprodutos da gloriosa diplomacia Sul-Sul que o PT impôs ao país nos últimos tempos. O tamanho do prejuízo se mede em bilhões de dólares.

Em 2005, o Brasil obteve superávit comercial de US$ 9,9 bilhões junto aos EUA. Significa que naquela época ainda vendíamos a eles muito mais do que comprávamos. Apenas cinco anos depois, o resultado se invertera por completo: em 2010, o Brasil registrou déficit de US$ 7,8 bilhões no comércio bilateral com os americanos.

Enquanto isso, os chineses fizeram a festa. Entre 2000 e 2010, aumentaram as exportações para os EUA de US$ 100 bilhões para US$ 365 bilhões – o que equivale a quase 20 vezes o que o Brasil vendeu aos americanos. Enquanto nós temos déficit com a América, a China exibe agora um astronômico superávit de mais de US$ 273 bilhões.

A visita de Obama no fim de semana deu oportunidade à presidente Dilma Rousseff de despir-se de ideologias equivocadas que grassaram no Itamaraty nos anos recentes e tentar recuperar os dólares perdidos. Está correto exigir maior abertura comercial dos EUA. Mas não basta lançar palavras em protocolos diplomáticos; é preciso agir. Além disso, o bunker de resistência à liberalização comercial é o Congresso americano, não a Casa Branca.

Alguns acordos foram assinados no sábado – entre eles, o de Comércio e Cooperação Econômica, que levará à formação de um conselho que se reunirá anualmente para dirimir pendengas comerciais existentes entre os dois países. A pauta de contenciosos é vasta. Produtos brasileiros como suco de laranja, álcool, aço e carne sofrem sérias restrições no mercado americano – a maior parte delas já condenadas pela OMC.

Os EUA têm feito corpo mole, por exemplo, no cumprimento do acordo para facilitar a entrada de carne brasileira no mercado americano, conforme mostrou o Valor Econômico em sua edição de sexta-feira. Já para barrar nosso etanol, o governo americano concede subsídios de US$ 6 bilhões por ano aos seus produtores, além de impor tarifa de US$ 0,15 sobre o litro de álcool importado do Brasil.

A diplomacia brasileira precisa lutar com mais garra do que fez até agora para suspender as distorcivas barreiras comerciais que nos são impostas por Washington. Deve, igualmente, buscar aproveitar-se de espaços existentes no mercado americano para outros produtos: atualmente, 85% das importações feitas pelos EUA são isentas de tributação.

A passagem de Barack Obama pelo Brasil precisa servir bem mais do que para mostrar ao mundo um turista acidental em cenários de praia, sol, capoeira e molduras modernistas. Deve ser o pontapé para uma decidida guinada na diplomacia ideologicamente equivocada, retrogradamente terceiro-mundista e antiamericana praticada pelo PT no governo.

O mundo globalizado não comporta apenas uma única coordenada geográfica. Girar o eixo e abarcar outros quadrantes é mirar mais longe e defender o interesse nacional.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Dilma piscou para a inflação

Dilma Rousseff caiu na lábia de Guido Mantega. Assim como o ministro da Fazenda, ela diz acreditar que o problema da inflação no país está relacionado a fatores mundiais, mais especificamente à alta dos preços dos alimentos no mercado internacional. Vê fumaça, mas não sabe onde está o incêndio.

Dilma abriu as portas do gabinete presidencial ao Valor Econômico para dizer ao mundo econômico que está atenta à escalada de preços. Para usar um dos vocábulos de preferência dela, não “tergiversa” com o assunto. Manifestou sua profissão de fé de que inflação e crescimento econômico não colidem. A entrevista foi publicada na edição de ontem do jornal.

“O que não é possível é falar que o Brasil está crescendo além da sua capacidade e que, portanto, tem um crescimento pressionando a inflação. O mundo inteiro, na área dos emergentes, está passando por isso. Houve um processo de pressão inflacionária que tem componente ligado às commodities e, no Brasil, tem o fator inercial”, defendeu ela.

A presidente da República está chancelando uma visão equivocada da realidade. Desde o ano passado, a equipe econômica – dela e de Lula – tem defendido a tese de que a inflação é passageira, porque resultante de elevações temporárias nos preços das commodities agrícolas. Neste meio tempo, os preços só subiram: quem mais acerta no mercado já vê a alta acima de 6% neste ano, mostra o mais recente Boletim Focus.

Basta ter olhos para ver que a disparada dos preços não tem se concentrado apenas nos alimentos ou em aumentos sazonais, como os reajustes de mensalidades escolares e passagens de ônibus. Na realidade, dissemina-se por dois terços dos produtos da cesta usada pelos institutos de pesquisa para calcular o custo de vida.

No caso dos serviços, a escalada é evidente. Em média, estes preços exibem alta de mais ou menos 11% nos últimos doze meses. Trata-se de setor que não tem nada a ver com mercados além-fronteiras ou em pregões em que se negociam commodities mundo afora. Com seus reajustes, os prestadores – a manicure, o encanador, o dentista – simplesmente reagem à maior procura por seus serviços.

Tudo indica que há excesso de demanda, sim, na economia brasileira, principalmente em razão do aumento dos salários, que continuam expressivos. Ontem, o Dieese divulgou que em 89% dos acordos salariais feitos em 2010 os trabalhadores obtiveram aumento acima da inflação do período. É a maior proporção da série histórica iniciada em 1996.

Custa acreditar em inflação sob controle quando crédito, salários e consumo crescem em ritmo muito acima do PIB. Nem o guardião da moeda comunga da visão de Dilma. Ontem, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, afirmou que ainda existem elementos na economia brasileira “que apontam para um descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e da demanda”, segundo o Valor.

Alguns exemplos de fatores que colaboram para este descompasso são a forte criação de empregos formais no primeiro bimestre e a surpreendente alta do Índice de Atividade Econômica do BC – que subiu 0,7% em janeiro sobre dezembro. Com o mercado de trabalho crescendo, mantém-se elevada a confiança do consumidor e a demanda não arrefece, como é preciso neste momento.

O que se vê é que a economia continua em ebulição, em temperatura muito além do que a própria presidente da República considerou prudente, conforme manifestou quando saíram os resultados do PIB de 2010. O BC já aumentou os juros, baixou suas medidas de restrição ao crédito, mas o corte nos gastos públicos até agora não passou de uma carta de intenções.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, foi direto ao ponto, em declaração publicada na edição de hoje de O Globo: “Não há esforço real em trazer a inflação para 4,5% e pela primeira vez essa leniência parece ser integralmente aceita por todo o governo. O governo está sendo leniente. Não é culpa de uma ou outra parte. Mas no fundo a responsável final por isso é a presidente”.

O que tem ocorrido é que, por mais que o governo diga que age, os prognósticos para a inflação só pioram. Se Dilma considerou que ela própria tinha que vir a público defender a austeridade, é porque percebeu que seu governo vem perdendo a batalha das expectativas junto aos formadores de preço. Com a entrevista dela ao Valor, os humores na economia deverão ficar ainda mais azedos. E aí o fogo já terá se alastrado.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A triste rotina dos tratamentos de aids

O Brasil já foi reconhecido por ter o mais avançado sistema de prevenção e combate à aids do mundo. Isso, infelizmente, está se tornando coisa do passado. Novamente às voltas com falta de medicamentos para tratamento de pacientes com HIV, o programa brasileiro flerta hoje perigosamente com a má gestão e o amadorismo, à mercê da ausência de planejamento.

Em sua edição de hoje, O Estado de S.Paulo revela que estão em falta nas unidades públicas de saúde, que distribuem gratuitamente o coquetel de antirretrovirais, pelo menos três medicamentos: atazanavir, saquinavir e didadosina. Ano após ano, o problema se repete.

Milhares de pacientes serão obrigados a se virar como podem para continuar seus tratamentos. “O atazanavir, droga da Bristol usada por 33 mil pessoas, está em falta em pontos localizados do país. Também foram registradas queixas de falhas na entrega do saquinavir, adotado na terapia de 800 pacientes, e da didadosina, droga usada por 3,7 mil pessoas”, informa o jornal.

Ante mais um desabastecimento, anteontem o Ministério da Saúde orientou médicos a substituir os medicamentos em falta por outras drogas ou a diminuir a quantidade entregue aos pacientes com HIV. Tudo em desacordo com o que estipulam as melhores práticas médicas.

Uma das características mais importantes da profilaxia da aids é a não-descontinuidade do tratamento. A substituição muitas vezes significa mais reações adversas, incômodos e, sobretudo, aumento de risco de abandono do tratamento pelo paciente. Junte-se também o desgaste emocional de quem está sob tratamento e se vê, de uma hora para outra, sem acesso às drogas. Mas parece que os gestores do PT não se dão conta de nada disso.

Não é a primeira vez que faltam drogas para tratamento de aids no sistema público brasileiro. No ano passado, os pacientes conviveram por até cinco meses com carência de quatro medicamentos: abacavir, lamivudina, nevirapina e a associação entre lamivudina e zidovudina. 176 mil pessoas foram afetadas, incluindo crianças. Em 2005, o fornecimento do abacavir também apresentara problemas.

Segundo o Ministério da Saúde, o que está acontecendo agora é uma “junção de atrasos, problemas que foram se somando”. O governo promete solução para “a próxima semana”. No ano passado, a culpada foi a distribuição, e o problema só foi equacionado cinco meses depois que surgiram os primeiros sinais de desabastecimento.

O vírus da aids não espera burocrata se organizar para agir. A cada dia, 30 brasileiros morrem em consequência da doença, cuja incidência atualmente cresce sobretudo nas regiões Norte e Nordeste do país.

A cada ano, em torno de 20 mil novos pacientes recorrem aos postos de saúde para receber o coquetel antiaids. E é justamente aí que repousa a força da outrora impecável política adotada no país: a distribuição gratuita de medicamentos a todos os pacientes com HIV, garantida por lei (nº 9.313) sancionada em 1996 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

A experiência brasileira foi pioneira no mundo, com resultados bastante positivos em termos de controle da aids, maior qualidade de vida para os pacientes e redução de custos. (Esta trajetória foi analisada pelo Instituto Teotônio Vilela em maio do ano passado.)

Nos seis primeiros anos de vigência da lei, a política adotada pelo governo tucano reduziu pela metade a mortalidade causada pela aids no país. Estima-se que, apenas entre 1996 e 2002, 90 mil mortes tenham sido evitadas e as internações tenham decaído 80%. Tudo graças à larga, perene e sistemática distribuição gratuita de antirretrovirais, que o PT põe agora novamente sob risco.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Mais para tsunami do que marolinha

A tragédia japonesa e os efeitos em cadeia gerados nos mercados no resto do mundo desnudam o elevado grau de instabilidade a que a economia global está sujeita. No caso brasileiro, reforçam os alertas quanto à imprevidência que marcou a gestão macroeconômica local nos últimos anos. Parece que estamos apoiados sobre fina camada de gelo.

Ontem, os mercados financeiros tiveram um dia de estresse. Mas não foram apenas negócios intangíveis com papéis que sofreram consequências do abalo japonês. Os ativos reais também começam a ser solapados. O ritmo ainda não inspira pânico, mas no mínimo cautela redobrada. O Brasil não é exceção em meio a este tsunami.

Sabemos todos que o vigor que a economia brasileira experimentou em anos recentes esteve ancorado no boom dos preços das nossas principais commodities no mercado internacional. Petróleo, minério de ferro, soja e café formam a base das nossas exportações. Todas viram suas cotações explodir de uns tempos para cá.

Mas, diante do atual cenário, que agrega o acidente geológico-nuclear japonês às instabilidades políticas no mundo árabe e à fragilidade de algumas economias europeias, já há quem fale em mudança radical de cenário, com baixas fortes e impacto recessivo global. Pode ser; torçamos para que não seja.

Fato é que, em apenas poucos dias, houve queda generalizada nos preços dos principais itens agrícolas – muitos dos quais têm o Brasil entre os maiores produtores globais – no mercado mundial. “Uma completa reversão de tendência pode estar a caminho”, arrisca o Valor Econômico.

Cálculos divulgados pelo jornal mostram que, em março, as cotações de soja já caíram 6,4%, as de milho, 14%, e as de trigo, 12%. Há redução de preços também de commodities minerais e metálicas: minério de ferro derreteu 15% em um mês. Tudo isso tem muito a ver com o Brasil.

Nos últimos anos, as autoridades brasileiras viveram inebriadas pelo sucesso econômico local. Pouco admitiam que muito dos nossos êxitos se devia ao empuxo global, que, sob o ponto de vista delas, só nos chegava em forma de “marolinhas” esporádicas.

Pior que isso, alterações drásticas no cenário global – como as que estão ocorrendo neste momento – nunca foram seriamente consideradas pelos petistas. Sempre prevaleceu um desaconselhável excesso de confiança. Vê-se agora que as ressacas nos batem forte e de imediato.

Nota-se quão os efeitos são imediatos, por exemplo, no recuo, anunciado ontem pelo Ministério da Fazenda, em relação à adoção de medidas destinadas a deter a valorização do real. Bastou um par de dias de estresse global mais agudo para o “pacote cambial”, prometido há bastante tempo, subir no telhado.

“A orientação do ministro Guido Mantega é aguardar o quadro internacional ficar mais claro para, então, tomar a decisão sobre o anúncio das medidas na área cambial, que chegou a ser planejado para a sexta-feira passada e foi adiado para esta semana. Agora, pode ficar para a próxima”, informa a Folha de S.Paulo.

A prudência, neste caso, é bem-vinda. Em situações de turbulência é melhor aguardar o horizonte desanuviar-se para seguir a viagem. Mas não deixa de ser ilustrativa da maneira hesitante com que a equipe econômica petista costuma mover-se. Parece faltar-lhe convicção.

Igual titubeio marca a implementação do ajuste fiscal – tão frágil quanto ainda incerto. A intenção de reduzir gastos do Orçamento foi anunciada em 9 de fevereiro; a divulgação do montante a ser limado veio 20 dias depois e, já passada mais uma quinzena, quase nada se sabe sobre como serão, de fato, feitos os cortes. Não basta só anunciar, tem que fazer.

Tais idas e vindas reiteram a ampla dependência da economia brasileira ao desempenho global. Não que isso seja uma surpresa ou uma grande descoberta. Nada mais é do que a regra do jogo num mundo fortemente integrado. A novidade está no fato de as autoridades petistas estarem admitindo isso. É melhor que, desta vez, o governo não confunda tsunami com marolinha.

terça-feira, 15 de março de 2011

Prudência redobrada com o risco nuclear

O risco de uma catástrofe de proporções gigantescas no Japão, com a explosão de reatores das usinas de Fukushima, trouxe a opção pela geração nuclear para o centro dos debates em todo o mundo. No Brasil, que no governo Lula anunciou um mirabolante plano para a construção de 50 usinas nucleares até 2060, a discussão sobre a segurança, a confiabilidade e a conveniência do programa nacional para esta área mostra-se ainda mais imperativa.

Nos planos do governo brasileiro está construir, no mínimo, quatro novas usinas nucleares até 2030, agregando 4 mil megawatts (MW) ao parque gerador. O projeto nuclear nacional também prevê o término da construção de Angra 3, cujas obras foram retomadas no governo passado depois de 24 anos paradas.

Segundo o Valor Econômico, o Ministério de Minas e Energia vem “trabalhando em ritmo acelerado” no projeto de construção das novas usinas nucleares, que devem receber investimento de R$ 30 bilhões. Pretendia-se anunciar, ainda neste mês, os principais candidatos a sediar as quatro unidades.

Hoje, o Brasil tem duas usinas nucleares em operação: Angra 1 e Angra 2, que têm, juntas, 2 mil MW de potência. A participação da energia nuclear na matriz energética do país ainda é pequena: em 2009, representava 1,8% do total. A previsão é que salte para 3,4 mil MW, ou 1,9% do total, em 2019 com a entrada de Angra 3. Mas esta fatia corre o risco de crescer muito com o tresloucado plano petista.

Em fins de 2008, o governo Lula definiu como “prioritária” a retomada do programa nuclear brasileiro. Pelos planos, seriam construídas de 50 a 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos. Cada uma delas teria capacidade de geração de aproximadamente 1 mil MW. Ou seja, nossa matriz passaria a contar com 30 vezes mais energia nuclear do que conta hoje. Fukushima sugere um freio de arrumação nisso tudo.

O Brasil não destoará do resto do mundo se optar por fazer uma reanálise da sua opção nuclear. Ontem, países como Alemanha, Suíça, Inglaterra, Itália, Bélgica, Polônia, China e Índia anunciaram revisão de seus planos nesta área. Neste momento toda cautela é bem-vinda. Afinal, a atual tragédia está acontecendo num país de rara capacidade de prevenção a catástrofes, como é o caso do Japão.

Na Alemanha, parceira do projeto de usinas atômicas brasileiras nos anos 70, a chanceler Angela Merkel avisou que pode cancelar a decisão de reativar o programa nuclear daquele país. O governo da Suíça já foi mais longe e anunciou a suspensão de seus projetos de renovação de seu parque nuclear. Na Inglaterra, onde se prevê a construção de 11 novas usinas, o governo pediu reestudo imediato da empreitada.

Num mundo atemorizado, a reação das autoridades brasileiras foi, mais uma vez, lastimável. Edison Lobão, o ministro da energia, preferiu insistir que o Brasil tem “a melhor tecnologia existente” no planeta em termos nucleares e que as falhas registradas em usinas no Japão “não têm chance de ocorrer aqui”. Lobão é o mesmo que, no início do mês passado, disse que, assolado por mais um apagão, o sistema elétrico brasileiro é “o mais moderno do mundo”.

Talvez o governo de Dilma Rousseff não tenha entendido que o trágico momento exige prudência redobrada. Não existe risco zero, muito menos quando se trata do perigo radioativo. A repetição de calamidades, como as da região serrana do Rio no início deste ano, deixa claro que o Brasil não tem cultura de prevenção.

A usina de Angra 1 tem um histórico de 16 acidentes leves e médios registrados. Revela a Folha de S.Paulo que o país sequer tem um plano de contingência para esvaziar a cidade de Angra dos Reis caso um problema semelhante ao da usina japonesa de Fukushima ocorra.

“Os engenheiros não mentem quando dizem que os designs modernos são melhores. A maior parte do lixo nuclear e todos os grandes acidentes, incluindo este, vieram da geração mais antiga. Mas a energia nuclear, mais que qualquer outra, requer que o público confie nela, porque vem acompanhada da possibilidade de destruição invisível e imensa”, analisou ontem o jornal inglês Guardian.

O Brasil tem condições privilegiadas de reavaliar mais a fundo sua opção nuclear. Afinal, diferentemente de muitos outros países, conta com uma imensa fonte de energia hídrica, renovável, abundante e limpa. Sem falar em outras fontes igualmente renováveis, abundantes e limpas como a biomassa e a eólica.

O problema é que tudo o que o governo do PT fez até agora na área energética, com participação destacada da hoje presidente da República, foi em direção contrária: optou-se por sujar a matriz com fontes térmicas poluentes e por flertar com a temível energia que hoje mostra no Japão, mais uma vez, seus riscos.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Tsunami de dólares

Nunca antes na história o Brasil recebeu tantos recursos do exterior. Há quem compare o ingresso recorde de dólares a uma enxurrada ou a uma inundação. Mais adequado seria dizer que o país está sob um verdadeiro tsunami cujas consequências para a economia nacional podem ser destrutivas.

Em apenas 63 dias, o Brasil recebeu mais dólares do exterior do que nos 365 dias do ano passado: até 4 de março último, ingressaram no país US$ 24,36 bilhões acima do que saiu. Em contraposição, em todo o ano de 2010, o saldo líquido, ou seja, a diferença entre remessas e ingressos, foi de US$ 24,35 bilhões. Isso dá ideia da magnitude da situação.

Pelos dados do BC, a entrada de dólares no ano já soma US$ 114,2 bilhões e as saídas, US$ 89,9 bilhões. Parte do fluxo de recursos tem sido direcionada para investimentos diretos, o que é bom, e para aplicações em títulos e bolsa.

Uma fatia considerável dos ingressos busca aqui o ganho fácil dos juros campeões mundiais. Não custa repetir que o Brasil é o país onde se praticam as cada vez mais exóticas taxas do planeta. Enquanto aqui paga-se algo em torno de 6% de juros reais ao ano, a média mundial é de 0,9% negativo. (A Austrália, segundo lugar no ranking, pratica 2% anuais.)

Só neste ano, o BC já elevou a taxa básica duas vezes, aumentado a Selic em um ponto percentual, até os atuais 11,75%. Mas o juro alto não surge por criação espontânea. Ele decorre de um desequilíbrio persistente dos gastos públicos.

Como se endivida demais, o governo tem de pagar mais para tomar recursos. Com isso, encarece o custo do dinheiro no país com juros mais altos e também força os agentes privados a buscar outras fontes de financiamento, principalmente no exterior.

É por isso que um volume expressivo do nosso atual tsunami de dólares vem de captações externas de empresas brasileiras, que já buscaram US$ 12,4 bilhões no mercado internacional até agora. Este número deve crescer muito ao longo do ano, porque a operação é muito atrativa para as empresas.

O risco está numa eventual reversão da economia mundial, com alta repentina dos juros internacionais e valorização do dólar. Numa época de tragédias instantâneas, como a que leva o Japão a sua pior crise desde a 2ª Guerra, e com os principais países produtores de petróleo envoltos em turbulências internas de monta é bom pôr as barbas de molho.

O Valor Econômico informa hoje que o governo pretende agir e “planeja encarecer as contratações de empréstimos em moeda estrangeira, voltando a taxá-las com o IOF”. Seria uma forma, segundo o jornal, de também esfriar o crédito concedido no país: recursos captados no exterior são responsáveis por 20% do funding dos bancos para empréstimos dados a empresas e pessoas físicas.

A entrada expressiva de dólares gera outras consequências danosas para a economia como um todo, com custos consideráveis, sejam financeiros, seja na economia real. O excesso de oferta de dólar valoriza a moeda nacional, o real, e encarece nossos produtos vendidos ao exterior. Ao mesmo tempo, barateia as importações – o que também colabora para segurar a inflação.

Tudo somado, o parque produtivo local sai fragilizado. Não há exemplo mais evidente disso do que o dado pelo comportamento da indústria brasileira nos últimos meses. A produção do setor caiu 2,6% desde abril até janeiro último e o nível de emprego está 1,8% abaixo do patamar pré-crise, mostrou o IBGE.

A indústria é, reconhecidamente, o setor da economia que abriga a mão de obra mais qualificada, paga os melhores salários e alimenta a inovação. Se definha, enfraquece o mercado nacional e os danos se disseminam: sofrem as siderúrgicas mineiras, os calçadistas gaúchos, os fabricantes de eletroeletrônicos de Manaus.

Outro efeito não desprezível do tsunami de dólares são os gastos do Banco Central para sustentar nossas monumentais reservas internacionais. Neste ano, elas já engordaram US$ 20 bilhões, atingindo US$ 311 bilhões no total.

O BC tem de emitir títulos para enxugar o mercado de dólares, que são, por sua vez, investidos em papéis do Tesouro americano. Ou seja, contrata dívida cara em favor de uma aplicação pouco remunerada. Cerca de 1% do PIB que se esvai nesta operação: no ano passado isso custou R$ 27 bilhões, ou dois Bolsa Família.

O tsunami de dólares tem razões globais, uma vez que a sobra de recursos no mundo é hoje gigantesca. Mas há desequilíbrios locais que explicam boa parte da atratividade brasileira: o desmesurado gasto público e seus efeitos sobre os juros. A gestão do PT tem responsabilidades diretas sobre isso. As estripulias fiscais para eleger Dilma Rousseff são apenas uma delas. A ressaca está vindo brava.

quarta-feira, 9 de março de 2011

É difícil fazer turismo no Brasil

Os brasileiros orgulham-se de, todos os anos, exibir ao mundo o maior espetáculo da Terra. Os brasileiros orgulham-se de suas paisagens maravilhosas, seu Carnaval animadíssimo, sua gente bonita. Do que os brasileiros não se orgulham é da infraestrutura que o país oferece para receber os turistas. Nisso, temos ido de mal a pior.

Na segunda-feira de Carnaval, o Fórum Econômico Mundial divulgou relatório analisando as condições da indústria do turismo no mundo. Apesar de suas belezas naturais, campeãs absolutas, o Brasil figurou mal, muito mal, na fita. As razões foram a infraestrutura precária, os problemas regulatórios, a insegurança, a falta de mão de obra qualificada e os investimentos insuficientes.

A indústria do turismo é um maná que ainda pouco sabemos aproveitar. O setor movimenta 9,2% do PIB e 4,8% das exportações globais e recebe 9,2% dos investimentos mundiais. No Brasil, segundo o relatório, a economia do turismo girou US$ 110 bilhões em 2010, ou 6% do PIB local. Emprega 5,3 milhões de pessoas. Pode ir muito mais adiante.

Entre 139 países avaliados pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil apareceu apenas na 52ª classificação no ranking da indústria do turismo, despencando sete posições na comparação com o levantamento anterior, de 2009.

O país liderou o ranking no quesito recursos naturais, em razão da riqueza da fauna e dos nossos muitos lugares considerados patrimônios da humanidade. Foi bem, ainda, em bens culturais (23º) e em sustentabilidade ambiental (29º).

Mas foi um verdadeiro desastre em infraestrutura de transportes (estradas, portos e ferrovias): só saiu-se melhor do que 23 dos 139 países que compõem o ranking. Ou seja, o Brasil figurou apenas na 116ª colocação. Há problemas também quanto aos preços praticados aqui, em função, diz o relatório, de passagens caras, taxas aeroportuárias salgadas e impostos elevados em geral: com isso, ficamos na 114ª colocação no quesito.

O setor de turismo serve para ilustrar um problema de ordem mais geral que é a carente infraestrutura nacional. Os resultados do PIB de 2010, conhecidos na semana passada, deixaram claras, mais uma vez, as limitações que ela impõe ao crescimento sustentado do país.

O comportamento dos investimentos na composição geral do PIB foi, novamente, a nota dissonante a pôr em dúvida a capacidade do país de alçar voos mais altos de longo prazo. Em seus anos no poder, o PT pouco fez para melhorar esta situação.

É voz corrente que, para elevar o ritmo de crescimento sem comprometer a estabilidade da moeda, o Brasil precisa investir pelo menos 25% do PIB. É um patamar alto para nosso padrão atual, mas muito baixo quando comparado a nossos concorrentes diretos, como a China, que investe cerca de 40% da soma de suas riquezas – o que explica por que os chineses são o que são no mundo contemporâneo.

No ano passado, o Brasil investiu 18,4% do PIB. Como era de se esperar, houve alta sobre o recessivo ano de 2009. Mas a recuperação foi insuficiente para, pelo menos, reconquistar o padrão anterior à crise: 19,1% do PIB, a melhor marca em anos recentes.

Disso, uma parte ínfima equivale a investimentos públicos – algo como 1% do PIB. O restante vem da iniciativa privada e poderia ser muito, muito mais alto. Mas o PT não convive bem com esta alternativa, ao mesmo tempo em que demonstra enorme dificuldade para fazer o investimento público deslanchar no país. É preciso agir.

A indústria do turismo é uma das que mais cresce hoje no mundo, caminhando junto com a expansão dos rendimentos. Contribui, portanto, para a geração de emprego, para o aumento da renda nacional e pode ajudar na balança de pagamentos.

Se quer mesmo atacar o problema de pobreza extrema entre os brasileiros, a presidente Dilma Rousseff deveria olhar o setor do turismo com olhos mais abertos e sem os preconceitos que a trava petista tem imposto à realização dos investimentos no país. Se conseguir fazer isso, será Carnaval o ano inteiro.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Dilma Mãos de Tesoura

O ajuste fiscal anunciado nesta semana pelo governo Dilma escancara a dificuldade dos governos do PT para lidar bem com recursos públicos. Quando o necessário é frear os gastos, como é o caso desde o ano passado, pisa-se no acelerador. Onde é preciso investir mais, como em moradias populares, mete-se a tesoura. Falta aritmética nesta conta.

O governo precisou de 20 dias para definir como faria o ajuste anunciado em 9 de fevereiro passado. Parece que o tempo não foi suficiente. Dos R$ 53 bilhões divulgados na segunda-feira, apenas R$ 13 bilhões representam corte efetivo, estimou o Valor Econômico. Do restante, a maior parte é mais desejo do que realidade, ou mero blefe.

A redução de gastos prevê corte de R$ 36,2 bilhões em despesas não obrigatórias dos ministérios (inclusive gastos sociais) e R$ 12,2 bilhões em despesas obrigatórias (pessoal, benefícios previdenciários, seguro-desemprego e subsídios). O restante R$ 1,6 bilhão corresponde ao que já foi vetado pela Presidência na lei orçamentária.

De concreto, a tesoura de Dilma ceifou investimentos e o Minha Casa, Minha Vida. O programa perdeu R$ 5,1 bilhões, o suficiente para construir 200 mil moradias. Desmorona-se, assim, o discurso reiterado pela presidente de que o PAC não seria afetado pela sua marreta. Cai também por terra sua pregação, repetida ao longo da campanha eleitoral, de que “em hipótese alguma” faria um ajuste fiscal nas contas públicas.

Informa O Globo que o PAC já vem perdendo recursos desde o ano passado. O programa começou a ter suas verbas desidratadas quando foi aprovado o Orçamento da União para este ano. Desde então, R$ 8,5 bilhões já viraram fumaça: R$ 3,4 bilhões foram extirpados na versão final do OGU e R$ 5,1 bilhões do Minha Casa ruíram agora.

Na realidade, até agora o PAC de 2011 praticamente não saiu do papel. Dos R$ 40 bilhões autorizados, foram efetivamente pagos até hoje apenas R$ 591 mil, de acordo com o sistema de acompanhamento de gastos do Senado. A maior parte investida neste ano é de restos a pagar.

Soterrado numa montanha de escombros, o governo afirma que o corte nas verbas do Minha Casa não afetará sua meta de construir 2 milhões de habitações. Se for levado em conta o que o programa alcançou até agora, é melhor desconfiar também desta promessa.

Recorde-se que o compromisso assumido pelo governo Lula, com as bênçãos de Dilma, era construir 1 milhão de casas. Já se passaram quase dois anos desde então e a meta ainda está distante, muito distante. Segundo balanço divulgado em 12 de novembro do ano passado, menos de 200 mil moradias haviam sido efetivamente erguidas até aquela data.

Em suas demonstrações contábeis, anunciadas há duas semanas, a Caixa preferiu informar apenas que superou a meta de contratações do programa, sem detalhar quando de fato conseguiu construir. Não diz, claro, que foram erguidas menos de 6 mil casas para famílias com renda de até três salários mínimos – faixa em que se concentra o grosso do déficit habitacional do país, estimado em 5,8 milhões de unidades. Equivalem a 1,5% da meta.

Na divulgação das medidas do ajuste fiscal, o governo tentou a todo custo omitir que fazia o inverso do que a presidente prometera a seus eleitores. Mas o ministro Guido Mantega acabou deixando escapar que o arrocho se fez necessário por causa da aceleração excessiva da economia – decorrência direta da escalada de gastos públicos para eleger Dilma.

Também admitiu que, agora, voltará a perseguir a meta de superávit cheia, reconhecendo as mandracarias contábeis dos últimos anos. Mantega sustenta que o ajuste não visa a segurar a inflação. Deveria. Afinal, as projeções dos agentes econômicos não param de subir e levarão o Banco Central a aumentar hoje, mais uma vez, a taxa básica de juros.

O arrocho fiscal agora anunciado já nasce capenga e descalibrado. Nas contas de pé quebrado da equipe econômica de Dilma, não estão previstos, por exemplo, de onde virão recursos para bancar o aumento do Bolsa Família anunciado ontem, o iminente reajuste da tabela do imposto de renda, nem como será feito um novo aporte ao BNDES. É melhor se precaver: com tamanha habilidade, as mãos de tesoura vão acabar ceifando cabeças.