terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A saúde em estado febril

O sistema público de saúde brasileiro nunca primou pela excelência. Mas, além da má qualidade do atendimento prestado à população, os últimos anos foram pródigos em retrocessos. Doenças que se imaginava terem ficado na poeira da história voltaram com força ao país.

Primeiro foi a dengue, que recrudesceu e em 2015 registrou recorde histórico de casos e, o que é pior, de mortes – foram 863. Nas asas do Aedes aegypti vieram também a chicungunya e a zika, que, após o surto do fim do ano retrasado, já deixou mais de 2 mil crianças em todo o país marcadas pela microcefalia, de acordo com reportagem recente da AFP.

A praga da vez é a febre amarela, a mesma que os esforços de Oswaldo Cruz haviam praticamente dizimado há cem anos, confinando-a a áreas silvestres. O país vive atualmente o pior surto da doença desde que se tem registros sistematizados de casos, iniciados em 1980. As ocorrências se concentram em Minas Gerais, mas já atingem também São Paulo e Espírito Santo, com expansão acelerada.

Segundo o Ministério da Saúde, 42 pessoas já morreram em decorrência do atual surto da doença, que até o último sábado (28) tinha 87 casos confirmados e outros 442 em investigação. Os números superam as marcas de 2000, até então o pior da série histórica – nos últimos dois anos, o país registrara dez mortes causadas pela febre amarela.

O temor agora é de que a doença se alastre por centros urbanos, no que seria um desastre de proporções imprevisíveis – desde 1942 não há registros desta natureza, em que o mosquito transmissor espalha o vírus entre humanos, e estes entre si, fora das áreas silvestres, onde é comum a febre circular entre macacos. Na sexta-feira (27), a OMS emitiu alerta segundo o qual este risco “não pode ser descartado”.

Neste momento, o esforço é para imunizar as populações das áreas mais diretamente afetadas pelo atual surto – sem, contudo, incorrer numa desnecessária e arriscada vacinação em massa. A Fiocruz é bastante eficiente nisso. O governo ampliou a remessa de doses de vacinas, mas nem sempre a estratégia tem efeito: em algumas regiões, a cobertura continua muito aquém do mínimo considerado seguro para evitar a propagação da doença.

O que o atual surto de febre amarela deixa de lição é o desleixo com que a saúde pública foi tratada no país nos últimos anos. Não se registram avanços relevantes no serviço oferecido à população – o Mais Médicos jamais passou de um remendo limitado – e, pior, a incúria abriu as portas do país à volta de doenças que pareciam ter ficado no século 20.

Por muitos anos, o Ministério da Saúde serviu mais como moeda de troca no balcão partidário do que como instrumento para a melhoria de vida da população. Dinheiro para realizar, tinha, mas faltou eficiência e zelo por parte dos governos do PT. Resta agora evitar que o Brasil continue a empreender uma viagem ao passado e consiga encontrar o caminho para oferecer uma saúde melhor para seus cidadãos.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Por que reformar

O item mais relevante da agenda do país neste ano é a reforma da Previdência. Mas há quem sustente que é desnecessário mudar o sistema, bastando ajustes em uma ou outra iniquidade e o combate a fraudes. Seria bom que dessem uma olhada nos números que o Ministério da Previdência divulgou ontem. São assustadores.

No ano passado, o regime geral de previdência social brasileiro, ou seja, o INSS, teve rombo de R$ 149,7 bilhões. É o maior déficit da história e representa alta de 74% em comparação com o resultado anterior. Em apenas três anos, o buraco simplesmente triplicou de tamanho. E vai piorar: a previsão é de um saldo negativo perto de R$ 200 bilhões em 2017.

Questões conjunturais explicam a escalada recente. Como o desemprego disparou nos últimos anos, os recolhimentos ao INSS caíram e a arrecadação da Previdência diminuiu. A ponto de até a previdência urbana, que vinha apresentando saldos positivos desde 2009, ter fechado no vermelho no ano passado, com rombo de R$ 46 bilhões.

Além do desemprego, iniciativas irresponsáveis dos governos petistas colaboraram para catapultar o déficit. Desonerações fiscais outorgadas a granel, e que não redundaram em quaisquer resultados positivos em termos de crescimento econômico, e a concessão desenfreada de benefícios diminuíram a receita do INSS e agravaram o rombo.

Mas o problema da previdência brasileira é estrutural. A população envelhece e vive mais – o que é ótimo – mas sobrecarrega os trabalhadores que estão na ativa.

Enquanto a população economicamente ativa deve crescer 0,6% ao ano até 2050, o grupo de pessoas com 65 anos ou mais crescerá 4,2% ao ano, destacou O Globo. Até o meio do século, a proporção de idosos na população nacional, hoje próxima de 12%, deverá quase triplicar, chegando a 33%. Assim não há conta que feche.

Um sistema tal como temos hoje e uma demografia tal como a que nos espera exigem que se adeque o modelo previdenciário adotado no país. Neste sentido, a proposta enviada pelo governo Michel Temer ao Congresso em dezembro acerta ao aproximar as regras locais aos regimes mais equilibrados existentes ao redor do mundo.

Em especial, é correta ao estabelecer idade mínima para concessão de benefícios – algo que apenas o Brasil e mais 12 países em todo o mundo não exigem – e ao acabar com a miríade de regras e regimes hoje existentes. É claro que não é perfeita e ajustes são necessários dentro do processo de discussão no Congresso.

Em particular, na preservação do Benefício de Prestação Continuada, na adoção de regras de transição mais suaves para quem já está no sistema e na inclusão de todas as categorias, entre elas a dos militares, nos esforços da mudança em direção ao novo modelo. Uma coisa é certa, contudo: reformar a Previdência é inadiável.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Vitória contra o crime

São Paulo acaba de alcançar uma importante vitória: reduziu, mais uma vez, a taxa de homicídios no estado a seu menor patamar histórico. Trata-se de efeito palpável de uma política inaugurada no início do século e que, ano após ano, vem produzindo resultados no enfrentamento da violência em todo o território paulista.

Segundo estatísticas divulgadas nesta semana, o índice de vítimas baixou para 8,47 para cada 100 mil habitantes. É menos de um quarto do que era em 2001, quando o governo paulista, ainda sob o comando de Mario Covas, começou uma persistente política de combate à criminalidade em todo o estado.

De acordo com parâmetros adotados no segmento, o índice de homicídios é considerado satisfatório para padrões internacionais quando desce abaixo de 10 por 100 mil. Nenhum outro estado brasileiro, infelizmente, conseguiu a proeza. A média nacional encontra-se em 25,7 mortes para cada 100 mil habitantes, ou seja, o triplo do índice paulista.

Os esteios da estratégia exitosa posta em marcha pelos governos tucanos são o uso intensivo da tecnologia para mapear as ocorrências criminais e focar a ação policial, bem como o rigor no encarceramento de criminosos – 37% da população carcerária brasileira, entre presos condenados e provisórios, está nas cadeias e presídios do estado de São Paulo.

O estado é quem mais investe em policiamento no país, com 40% do total, de acordo com a mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. É quase o mesmo que gastam todas as demais unidades da Federação somadas. Daí resulta uma polícia mais bem treinada e equipada. E de maneira eficiente: 16 estados gastam mais em termos per capita.

A exitosa política de segurança paulista tem o dom de ter tido continuidade ao longo de todas as administrações desde o início do século – todas do PSDB. Começou com Covas, passou por Geraldo Alckmin, José Serra e voltou, nos últimos seis anos, para o comando do atual governador. “Foram milhares as vidas salvas ao longo desses 16 anos”, sintetizou o atual secretário de Segurança em artigo publicado na Folha de S.Paulo.

A vitória, porém, não está completa. No ano passado, cresceram as ocorrências de roubo, que infelizmente atingiram seu maior patamar histórico. Crimes contra o patrimônio costumam aumentar em épocas de crise econômica: cada 1% a mais de desemprego resulta em mais 4,7 mil registros de roubo, segundo análise divulgada pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo em 2009.

Os bons resultados da política de segurança posta em prática pelos governos tucanos de São Paulo deixam claro que há esperança e claras chances de êxito no enfrentamento da violência que amedronta o Brasil. Um plano de atuação de longo prazo, com objetivos claros e meios financeiros e materiais dedicados a alcançá-los é capaz de derrotar a bandidagem.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A praga do protecionismo

Donald Trump não levou muito tempo na cadeira para começar a cumprir algumas das promessas que o levaram a eleger-se presidente dos Estados Unidos em novembro. Pior que assim seja. Algumas destas iniciativas representam retrocessos lamentáveis na marcha de integração global.

No discurso com que tomou posse como 45° presidente norte-americano, o republicano não deixou dúvidas sobre a que veio: o lema de seu governo será “a América primeiro”. Quase não se viu traços de líder global, papel que naturalmente cabe ao chefe da nação mais poderosa do planeta, nos seus pouco mais de 16 minutos de fala na sexta-feira.

Nos dias inaugurais de sua gestão, Trump frustrou os que esperavam que suas bravatas tivessem estancado com o fim da campanha eleitoral. E brindou à altura eleitores que esperam dele o máximo de ousadia em levar adiante um coquetel de ações voltadas a refrear o viés mais liberal que marcou os anos recentes.

Em especial, é muito negativa a decisão, tomada na segunda-feira por meio de decreto, de retirar os EUA da negociação da Parceria Transpacífica, atualmente em tramitação. Trata-se da criação da maior área de livre comércio do mundo, envolvendo 12 países, entre eles o Japão e a Austrália, e 40% do PIB global.

Sem os americanos, o chamado TPP ficará fadado ao fracasso – a menos que se confirme a sua substituição no acordo pela China, no que seria uma reviravolta capaz de abalar a geopolítica mundial atual.

Para o Brasil, as primeiras consequências podem ser positivas. Mas pelo lado negativo da questão. Se a iniciativa liberalizante do TPP prosperasse, o país, que há mais de uma década enredou-se numa política externa anti-integração, veria estreitar-se ainda mais seu espaço comercial no mundo. Sem ela, resta alguma margem – pequena, porém.

Mais protecionismo, como o fim do TPP tende a exprimir, representa menos comércio, menos negócios, menos geração de riqueza, trabalho e bem-estar. A agenda do isolacionismo nacionalista, como a que norteia a política de Trump, está na raiz de debacles econômicas, como a experimentada atualmente pelo Brasil.

Mais protecionismo redunda também em menos negócios externos. Para o Brasil, particularmente ruim, posto que dos EUA provêm cerca de 20% dos investimentos estrangeiros diretos feito aqui – que neste ano devem cair algo como 11%, voltando ao nível de 2013, de acordo com previsões constantes do Boletim Focus do Banco Central.

Um mundo mais fechado, como a saída do Reino Unido da União Europeia também expressa, não interessa – ou pelo menos não deveria interessar – ao Brasil. Hoje somos um anão no conserto global das nações – com participação de pouco mais de 1% no comércio mundial – em função da política externa tacanha que vigorou no país na era petista. O cenário atual torna um pouco mais complicado o desafio de nos reconectar ao mundo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

As contas do desemprego

O desemprego está entre os principais estragos produzidos pelos governos petistas na vida dos brasileiros. O exército de quase 23 milhões de pessoas sem trabalho atualmente existente no país é o retrato mais pavoroso do fracasso da política econômica patrocinada pelo PT e levada a extremos pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Levantamentos recentes permitem aquilatar melhor o tamanho do desastre. Um deles é o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). No ano passado, 1,32 milhão de empregos foram eliminados no país, de acordo com o que foi divulgado na semana passada pelo Ministério do Trabalho.

É o segundo ano consecutivo de destruição de vagas no país, com dezembro marcando o 21° mês seguido em que mais trabalhadores foram demitidos do que contratados. A razia de postos de trabalho foi iniciada ainda na primeira gestão de Dilma e, desde a sua reeleição, não parou mais.

Como os petistas agora deram para dizer que não têm nada a ver com o Brasil depauperado com o qual nos deparamos diariamente, é bom dar a César o que dele é. Já em outubro de 2014, o balanço do Caged tornara-se negativo (-30,3 mil vagas) e desde então nunca mais melhorou. Da reeleição até maio passado, mês do impeachment, 2,58 milhões de vagas foram dizimadas no país.

No levantamento que considera a taxa de desemprego nos principais municípios do país, captada por meio da Pnad Contínua do IBGE, 5 milhões de brasileiros perderam seus empregos entre a reeleição de Dilma e o impeachment. Hoje, o exército de desempregados soma quase 13 milhões de brasileiros.

Quando se examina a taxa de desemprego ampliado, que inclui os que deixaram de procurar emprego (desalento) e os que trabalham menos que 40 horas semanais (subocupação e bicos), o Brasil figura em quinto lugar num ranking global elaborado pelo banco Credit Suisse e publicado na edição de ontem d’O Estado de S. Paulo. Apenas Grécia, Espanha, Itália, Croácia e Chipre estão em pior situação.

Não se gera emprego com blábláblá. A única alternativa para que mais riqueza volte a ser produzida, novas oportunidades de trabalho tornem a ser ofertadas e mais pessoas retornem a suas atividades é a retomada do crescimento econômico. O resto é conversinha fiada, destas que os petistas adoram – ao mesmo tempo em que fazem o que podem para impedir que as iniciativas corretas sejam tomadas.

Derrubar o desemprego é o maior desafio que os novos governantes têm pela frente. Só com uma agenda de reformas estruturais, com mais responsabilidade no trato do dinheiro público e com uma redefinição do papel do Estado, abrindo maior espaço para o investimento privado, será possível encurtar o caminho até lá.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O velho PT de sempre

O PT reuniu suas principais lideranças no fim da semana passada para ditar ordens a seus comandados. Numa pantomima que só tem paralelos nas práticas de regimes totalitários (de esquerda e de direita) do século passado, o partido que produziu a maior crise da história brasileira age como se não tivesse nada a ver com isso. Tenta reescrever a história com as tintas turvas da mentira.

Um texto divulgado após o evento como “nota de conjuntura” revela o PT de sempre: irresponsável, panfletário e, sobretudo, totalmente descompromissado em relação ao futuro do país. Serve, contudo, como espécie de bula que ventríloquos do petismo passarão a reprisar, sem sequer corar, pelos quatro cantos do país.

O documento petista chega às raias da irresponsabilidade ao sustentar que “o país encontra-se às portas de um Estado de exceção”. Em franco ataque à Constituição brasileira, prega a mobilização de seus sequazes a fim de obter a “convocação de eleições diretas para presidente, visando pôr fim ao atual governo ilegítimo e golpista de Temer”.

Não há uma linha no documento que remeta a discussões prementes para repor o país nos trilhos do crescimento, do desenvolvimento sustentável e das conquistas sociais. Tudo no panfleto do PT são palavras de ordem vazias, diatribes, slogans. De mérito, nada; de construtivo, nem uma vírgula.

Os petistas recorrem a linguagens de guerra para açular sua militância – cada vez menos numerosa, diga-se de passagem – a boicotar o atual governo, travar a necessária agenda de reformas estruturais e, pasmem, promover a volta do falido modelo de governança que produziu a pior recessão da história brasileira, arregimentou o maior exército de desempregados de que se tem notícia por aqui e protagonizou o maior escândalo de corrupção do planeta. Não é pouco.

Cereja do bolo, os petistas desfraldam bandeiras em favor de um hipotético retorno de Luiz Inácio Lula da Silva às disputas eleitorais. Na realidade, seria ótimo se o ex-presidente – hoje réu em cinco processos por crimes como corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa – concorresse em 2018. Provavelmente levaria a mesma surra que os eleitores brasileiros já dedicaram a candidatos petistas na disputa municipal do ano passado.

O PT tornou-se um espectro de somenos importância no mapa político-partidário brasileiro. Ainda assim, teria importância e poderia merecer alguma consideração se se dedicasse a integrar a união de que os brasileiros necessitam para sairmos do atoleiro em que fomos lançados pelo governo de Dilma Rousseff. Mas o partido prefere agir como sempre agiu: contra o Brasil.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Fora da ordem mundial

É impossível, ao mesmo por ora, saber exatamente como, mas é absolutamente certo que o mundo não será mais o mesmo a partir de hoje, depois da posse do 45° presidente norte-americano. A ascensão de Donald Trump coloca uma interrogação sobre o futuro das relações econômicas, políticas e sociais no planeta, e um desafio ao Brasil em particular.

O principal temor é de que prevaleça a agenda protecionista e populista que está na raiz da eleição do republicano, considerado o primeiro não político a chegar à Casa Branca. Assusta também a belicosidade de Trump e sua recusa – expressa inclusive nas escolhas de sua equipe de governo – em aceitar evidências clamorosas como o aquecimento global.

Naquilo que alude ao Brasil, o risco é sermos tratados como mero traço.

Ao longo da campanha que levou o republicano ao cargo mais importante do concerto das nações, o Brasil figurou apenas de maneira anedótica, em decorrência de uma famigerada palestra ministrada por Hillary Clinton sob o patrocínio de um dos nossos principais bancões. Noves fora isso, nada.

Em termos geopolíticos, as atenções do novo presidente parecem se voltar predominantemente, e com pencas de razão, para a Ásia e seus novos ricos e para o Oriente Médio e seus velhos conflitos. Ao sul dos EUA, para além do México e de seus negócios particulares, Trump mal lança olhares – pelo menos assim foi até agora.

É um desafio para a nova, e ativa, diplomacia brasileira recuperar alguma importância para o país perante seu mais tradicional parceiro comercial – e que nos últimos tempos vem perdendo tal condição para a China. No ritmo da acanhada política externa petista da última década, os espaços para os produtos made in Brazil nos EUA foram se estreitando, até a quase irrelevância.

As exportações brasileiras para os EUA estão atualmente em seu mais baixo patamar desde 2011, período ao longo do qual acumulam queda de 10,3%, de acordo com estatísticas de comércio exterior do MDIC. Em 2015 (último ano com dados consolidados), as vendas nacionais representaram apenas 0,87% do que os norte-americanos importaram, segundo o United States Census Bureau.

A nova geopolítica que emergirá da ascensão de Trump ao comando da mais potente nação do mundo exigirá nova postura do governo brasileiro – não apenas do atual, mas também do que o sucederá daqui a dois anos. É o momento de voltar-se novamente para o mundo e não ensimesmar-se como aconteceu na última década.

O Brasil precisa engatar-se numa agenda de maior integração global, para o que o suposto protecionismo de Donald Trump nada irá colaborar. Num ambiente provavelmente mais hostil, será preciso acelerar acordos comerciais bilaterais, como o que se vislumbra com a União Europeia, e deixar de lado, de uma vez por todas, a inclinação terceiro-mundista com que o PT conduziu o país de volta ao passado.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

A migração do crime

Não é mera coincidência que os massacres pavorosos deste início de ano tenham ocorrido em penitenciárias e presídios de Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte. Nos últimos anos, a violência migrou para estados das regiões Norte e, principalmente, Nordeste, na mesma medida em que o combate ao crime recrudesceu nas áreas mais ricas do país.

Estão no Nordeste os estados e os municípios com maiores índices de criminalidade, com taxas de homicídios de fazer corar países em guerra – em 2015, 52.463 pessoas foram mortas no Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Não era assim.

A bandidagem tomou conta destas áreas na cola do aumento da renda, mas, em especial, no rastro da omissão do Estado, em particular da União, que assistiu a escalada da violência de braços cruzados.

Demonstra isso o desempenho de alguns dos instrumentos à mão do governo federal, mas jamais usados devidamente no combate à insegurança pública. Dois fundos orçamentários federais, o Funpen (Fundo Penitenciário) e o FNSP (Fundo Nacional de Segurança Pública), se notabilizaram por não serem executados pelos governos petistas.

Dinheiro que poderia ter sido empregado na prevenção e no combate ao crime simplesmente mofou nos cofres e foi desperdiçado. De 2003 a 2016, Funpen e FNSP dispuseram de R$ 15,3 bilhões no Orçamento Geral da União (OGU), mas apenas R$ 6,4 bilhões foram usados, segundo balanço extraído do Siafi no fim de dezembro. Ou seja, R$ 8,9 bilhões que poderiam ter sido investidos em segurança desceram pelo ralo.

O Funpen tem como finalidade proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as unidades da Federação em suas atividades de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário. Vê-se nas deploráveis condições de Alcaçuz, Monte Cristo e do Compaj – apenas para ficar nos episódios mais notáveis deste início de ano – quão caro custou não usar o dinheiro disponível no OGU.

A crítica situação atual coroa a política do deixa-estar-pra-ver-como-é-que-fica que pautou as iniciativas (ou melhor, a falta delas) dos governos de Lula e Dilma nesta seara. Um dos exemplos mais eloquentes foi o fracassado Pronasci. Lançado em 2006, e apelidado de PAC da Segurança, tinha como meta reduzir à metade a taxa nacional de homicídios. A realidade, contudo, foi que o índice subiu mais de 14% desde então.

Segurança pública é tema sensível aos brasileiros: pesquisa patrocinada pela CNI no ano passado colocou a violência como terceiro item na lista de principais preocupações da população, atrás apenas das drogas e da campeoníssima corrupção. Está na hora de a questão ser tratada com a gravidade que merece, a fim de que o Brasil não continue sendo um país conflagrado por uma guerra não declarada, mas que acontece todos os dias nos mais diversos rincões do nosso território.






Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Reestreia em Davos

O Brasil está novamente em Davos. Desta vez, pela porta da frente. Depois de anos figurando como patinho feio do encontro anual da elite econômica global, nesta edição o país ressurge com algum brilho – ainda não muito, é verdade, mas já alguma coisa para quem até outro dia só via um buraco sem fundo sob os pés.

Não é tarefa simples apresentar com otimismo ao mundo das finanças esta nação em processo de reconstrução. As dificuldades legadas pelo antigo regime – a década perdida petista – ainda superam em larga margem as perspectivas positivas. É enorme, contudo, a distância entre o país de hoje e o desacreditado Brasil de ontem.

O Brasil figura em Davos como a economia com pior perspectiva de crescimento entre todas as do G-20 neste ano. No concerto global, só se sairá melhor que outras cinco nações, segundo projeção divulgada ontem pelo FMI: apenas Síria, Venezuela, Guiné Equatorial, Equador e Trinidad e Tobago aparecem abaixo.

Mesmo toda esta penúria, no entanto, já é bem melhor do que o Brasil conseguia apresentar ao mundo nos anos recentes. Foram quase três anos de recessão, com queda superior a 8% do PIB, mais de 12 milhões de desempregados e uma destruição de riqueza que supera todas as crises mais graves vividas pelo país em sua história republicana.

O Brasil ainda não encanta, mas seus empresários já conseguem demonstrar algum otimismo, conforme pesquisa da PwC divulgada em Davos e publicada na edição de ontem do Valor Econômico. Mesmo com toda a debacle petista, os investimentos estrangeiros não cessaram e a confirmação de novos ares na economia local – consequência de reformas estruturais em marcha – poderá ter o condão de multiplicá-los.

Um ano atrás, Davos recebeu um cabisbaixo ministro da Fazenda, constrangido com a lambança que seu governo patrocinava no Brasil. Agora tem-se uma reforma fiscal em andamento para apresentar, com um rigoroso controle das despesas públicas, um ambiente institucional mais estável e pelo menos uma vitória efetiva na algibeira: a derrocada da inflação. Não é pouco para tão pouco tempo.

Há muito, muito mesmo, ainda a realizar. A gestão do presidente Michel Temer deve redobrar o ímpeto em enfrentar e dar cabo a privilégios há muito arraigados na nossa sociedade, do que o atual sistema de Previdência fornece exemplo mais pródigo. Deve também levar adiante uma lipoaspiração que reduza bastante o peso do balofo Estado brasileiro e melhore a vida da população.

Davos é apenas uma fotografia simbólica do Brasil de ontem e de hoje. Melhoramos, mas ainda estamos longe do topo que as montanhas geladas dos Alpes suíços costumam exprimir no imaginário global. A escalada já começou; resta agora saber se haverá fôlego suficiente para sustentar a sempre árdua subida.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A barbárie continua

Desde que 2017 começou, prisões, cadeias e penitenciárias estão conflagradas pelo país afora. A repetição de rebeliões, motins e matanças parece exprimir o escárnio crescente de criminosos perante a lei. Nada que tenha sido feito ou anunciado por governos e autoridades até agora os intimidou.

Por ora, o saldo mais tenebroso são 119 mortes, quase sempre com requintes de crueldade. As prisões se tornaram – e não é de hoje – universidades do crime, com graduação, especialização e pós-graduação em perversidade. Não servem para recuperar ninguém. Não cumprem a função para a qual existem.

O país vem experimentando nos últimos anos uma escalada da violência. Durante os governos petistas, repressão foi confundida com o avesso de política social. Se as estatísticas mostram que a maior parte dos delitos é cometida por pobres e negros, coibi-los e combatê-los seria perpetuar injustiças.

Dentro desta visão, o Estado – mais especificamente o governo federal – optou por omitir-se. Os fundos orçamentários destinados a auxiliar os governos estaduais – a quem cabe constitucionalmente zelar pela segurança pública – foram usados para engordar o caixa e sustentar criativas contabilidades fiscais. Para armar polícias e melhorar prisões, sobraram meros centavos.

O resultado foi o aumento dos índices de criminalidade e sua difusão por regiões do país antes menos violentas, como mostrou O Globo no domingo. Estados do Nordeste tornaram-se os locais mais perigosos do Brasil, enquanto os maiores centros do Sudeste viram seus índices – principalmente de homicídios – refrearem, em razão de políticas duras de combate ao crime. Quem agiu, venceu.

Experiências em estados como São Paulo (hoje o mais seguro do país), Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro deveriam inspirar a nova postura que o governo federal, depois de anos de hibernação, busca assumir diante da criminalidade. Em geral, unem rigor com ciência: enfrentar bandidos hierarquicamente organizados requer precisão, informação e eficiência.

Não se nega que as condições do sistema prisional brasileiro são deploráveis, desumanas, repulsivas. Tal como estão, nossos presídios não recuperam ninguém. Pelo contrário, funcionam como fornecedores ativos e permanentes de mão de obra para as variadas organizações criminosas. Neste sentido, esvaziar as prisões de gente que não precisa estar lá emerge como medida urgente.

Políticas mais efetivas de recuperação e ressocialização dos presos também precisam ser retomadas – já vai longe, muito longe o tempo em que ainda existiam. E alguma rediscussão sobre rigores das leis, em especial em relação ao uso de drogas, se mostra inadiável. Sem isso, o sistema prisional brasileiro continuará sendo não um barril, mas um paiol lotado de pólvora, com sucursais da delinquência espalhadas pelo país.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Alívio imediato

A pancada que o Copom deu nos juros na semana passada abre uma avenida para que o país reencontre o caminho do crescimento econômico. Taxas menores, mais próximas do patamar prevalecente no resto do mundo, podem funcionar como alívio imediato até que as reformas comecem a decolar.

A redução, de 0,75 ponto percentual, foi a maior desde abril de 2012 e levou o juro básico a 13% ao ano. O Copom, porém, escancarou a porta para novos cortes, provavelmente de igual ou maior magnitude, nas reuniões futuras – a próxima acontece em 22/2. Prometeu, segundo informou na nota divulgada após a reunião, “intensificação da flexibilização monetária em curso”, até porque a recessão segue mais brava que o esperado.

Foi a terceira redução seguida da Selic, após quatro anos sem baixas. Os cortes só se tornaram possíveis porque a inflação, que ameaçou sair de controle em razão da leniência do governo petista, arrefeceu, ao mesmo tempo em que a economia esfriou acima do previsto. Além disso, a perspectiva da retomada da disciplina fiscal também tirou das costas do Banco Central o peso de tentar segurar sozinho os preços.

A derrocada do PT abriu espaço para que o controle da inflação se tornasse mais bem sucedido. Também ficamos sabendo na semana passada que o índice oficial fechou 2016 em 6,3%, dentro do limite de tolerância estipulado pelo regime de metas, e uma façanha quando se considera que um ano antes o IPCA havia atingido 10,7%. Já se trabalha com a hipótese de inflação na meta neste ano.

O efeito analgésico e anabolizante dos juros mais baixos na economia se faz sentir com maior intensidade nas contas públicas e nos investimentos privados – estes, porém, num efeito mais lento e moderado.

Taxas menores significam menos dispêndios do governo com a rolagem da sua dívida – estima-se economia anual de pelo menos R$ 16 bilhões só com o corte da semana passada. Também funcionam como indutor para que o dinheiro privado circule, gerando mais negócios, emprego e renda, e não permaneça parado, engordando em bancos.

O corte dos juros chega em boa hora, principalmente porque o atual ciclo de redução não repete o vício do voluntarismo que marcou o período de quedas mais recente, no início do governo Dilma Rousseff. Diante da terra arrasada legada pelo PT, é uma das poucas medidas com potencial para reativar a economia e estancar a recessão – a outra são as concessões e privatizações.

Agora, a depender da condução da agenda reformista, há claras chances de a baixa ser duradoura. Quem sabe o Brasil finalmente deixe de ser uma jabuticaba em matéria de política monetária – ainda temos, de longe, o maior juro real do mundo, em torno de 8% ao ano – e o alívio se torne permanente.