quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Boa safra

A política posta em prática após o fim do governo petista está, finalmente, produzindo uma safra robusta e disseminada de bons resultados na economia. A simples mudança de orientação mostrou-se capaz de operar o que parecia milagre: tirar o país do buraco recessivo em que esteve sob o domínio do PT. Uma política efetiva de ajustes e reformas estruturais, que a atual gestão não conseguiu fazer avançar como precisava, pode produzir transformações ainda mais profundas e muito mais positivas.

A boa colheita inclui o aumento da arrecadação, decorrência também do reaquecimento da economia; a recuperação da indústria, virtualmente ressuscitada após mais de uma década à deriva; o vigor do setor externo, alimentado, principalmente, pelas exportações do agronegócio; e a continuidade da pujança agrícola, que pode até surpreender e registrar nova safra recorde neste ano.

Os bons resultados vão muito além da vertiginosa queda da inflação e do corte da taxa básica de juros. São, na realidade, em parte decorrência destas medidas, assim como de uma postura mais realista e responsável no trato das finanças públicas – embora ainda bastante insuficiente para reverter o enorme buraco em que elas foram jogadas pelo petismo. Vale observar cada um deles.

Ontem, o governo anunciou que a arrecadação tributária cresceu mais de 10% em janeiro, na comparação com o mesmo mês de 2017 e já descontada a inflação. Boa parte disso são receitas chamadas atípicas, fruto, sobretudo, de refinanciamento de dívidas com o fisco. Mesmo sem esta ajuda, contudo, a expansão chegou a 2,3% reais, segundo a Receita Federal. Foi o melhor resultado em quatro anos, o que tende a facilitar o cumprimento do teto de gastos e o alcance das metas fiscais.

A arrecadação espelha o que está acontecendo na atividade real. Entre os tributos com maiores altas está o IPI. A receita do imposto que incide sobre produtos industrializados aumentou quase 20% no mês. Trata-se de um dado novo da economia brasileira: a recuperação industrial após três anos seguidos de quedas, também corroborada em pesquisa feita pelo Iedi publicada por O Estado de S. Paulo em sua edição de hoje.

A indústria reage também sustentada pelas exportações, que ajudaram o país a registrar seu menor déficit externo em nove anos. O balanço de pagamentos mede as transações com o exterior, incluindo comércio, serviços, remessas de lucros e pagamento de juros de dívidas. Dois dos principais fatores para o resultado positivo em janeiro foram a entrada significativa de investimentos estrangeiros na nossa economia e as exportações.

Parte do sucesso dos dois últimos anos atende pelo nome de retomada da confiança, recuperada após ter ficado evidente o fracasso das políticas intervencionistas, populistas e irresponsáveis do PT. A malfadada “nova matriz econômica” levou de roldão milhões de empregos, cuja recuperação continua sendo o maior desafio pela frente. Nenhuma retomada estará completa enquanto os 26,4 milhões de brasileiros sem trabalho, conforme a Pnad Contínua, não encontrarem melhor futuro.

Tudo caminha para que o próximo presidente herde situação venturosa que, se bem tratada, pode levar o país a ingressar num ciclo virtuoso e mais duradouro de desenvolvimento. O primeiro mandamento será não desviar a economia da rota atual e, sobretudo, não dar a batalha como vencida. Pelo contrário: o mais pesado ainda está por vir, em especial no front fiscal, como sintetiza O Globo.

Fica cada vez mais claro que a agenda do país só pode ser uma: reformas e um ajuste decidido na estrutura do Estado, com ênfase na diminuição dos gastos obrigatórios, que já engolem 91% do orçamento. O legado do próximo presidente da República o colocará em melhores condições para aprofundar esta vertente e afastar, de uma vez por todas, o risco de o país reincidir nos retrocessos que durante a última década nos desvirtuaram do melhor caminho.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Sinais de fumaça

Embora não tenha pegado ninguém de surpresa, o novo rebaixamento da avaliação de crédito do Brasil não deve ser tratado como irrelevante. A decisão anunciada pela Fitch na sexta-feira, que torna o investimento em títulos brasileiros ainda menos recomendável, sublinha o tamanho da desordem fiscal que o país ainda precisa superar para voltar a suscitar confiança.

A maior razão para o novo rebaixamento foi o arquivamento da reforma da Previdência, ocorrido há uma semana. A proposta foi retirada da pauta legislativa, mas nossos problemas fiscais e previdenciários não deixaram de existir. Pelo contrário, até se agravarão.

Com despesas com aposentadorias e gastos com salários crescendo fora de controle, é quase impossível arrumar as contas do país – que só deve voltar a produzir resultados positivos, na melhor das hipóteses, em 2023. O rebaixamento reflete exatamente isso.

Como nada sai barato, o ministro da Fazenda já anunciou que a não aprovação da reforma obrigará o governo a diminuir seus gastos em R$ 18 bilhões no ano que vem para compensar a despesa previdenciária que seria economizada caso as mudanças entrassem em vigor e cumprir o teto de gastos fixado na Constituição. É só uma das graves consequências do insucesso reformista.

A Fitch foi a segunda das três maiores agências de classificação de riscos a rebaixar novamente a nota do Brasil em função da frustração da reforma. Em janeiro, a Standard & Poor’s já antevira o desastre – que, aliás, era previsível – e também cortara a avaliação brasileira em mais um degrau. Falta agora a Moody’s fazer o mesmo.

As decisões dessas empresas, que não são nenhuma vaca sagrada, podem até ser contestáveis. Mas, gostemos ou não, ainda funcionam como balizas para investimentos financeiros ao redor do mundo. Quando um país cai na categoria em que o Brasil se encontra desde 2015, passa a ser visto como porto inseguro para o dinheiro e, em alguns casos, como o de alguns fundos de pensões, mesmo proibido.

A consequência tende a ser crises de confiança que afastam investidores. Com o Brasil, felizmente, isso ainda não aconteceu em decorrência da série de rebaixamentos recentes. Há algumas especulações e explicações possíveis para isso.

Primeiro, o país, embora numa situação fiscal ainda muito, muito ruim, saiu do pântano em que esteve nas mãos do PT. A responsabilidade, e não a leniência de outrora, voltou a ser a regra. Isso já faz muita diferença.

Em segundo, há um sentimento predominante pró-reformas, coisa que o país passou anos sem experimentar quando esteve sob o jugo petista. Por último, há a esperança de que as eleições de outubro terminem com a vitória de algum candidato que personifique a preservação desta vertente política.

Não é difícil ver que há, portanto, de um lado a dura realidade e, do outro, o que ainda é mera torcida por dias melhores. Significa que, se não houver árdua batalha, o país não encontrará seu melhor rumo. Sem reformas estruturais profundas, a euforia com que os investidores desdenharam do rebaixamento anunciado na semana passada virará fumaça num piscar de olhos. E aí estaremos no pior dos mundos.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Pobre Venezuela

No farol do “socialismo do século 21”, o poço parece não ter fundo. O país considerado exemplo de democracia e soberania pelos partidos de esquerda latino-americanos, com o PT à frente, naufraga em níveis de pobreza raramente vistos. A Venezuela tornou-se uma fábrica de produzir indigentes, sob auspício de uma tirania corrupta.

Pesquisa publicada nesta semana deu contornos aterradores ao que acontece no país vizinho a Roraima e Amazonas, governado pelo chavismo há quase 20 anos. Atualmente, 87% dos venezuelanos são pobres. Pior: 61% vivem em condição de pobreza extrema, ou seja, dispõem de menos de US$ 1,90 por dia, conforme critérios do Banco Mundial.

Um dos propulsores da pobreza venezuelana é a inflação. Hoje é quase impossível saber o valor da moeda local, o bolívar. Na prática, é nenhum. Os índices de preços devem subir 14.000% neste ano, segundo estimativa do Congresso venezuelano, depois de fechar 2017 em 2.626%. (O FMI considera, em ambos os casos, números menores, mas nem por isso menos assustadores.)

A Venezuela se depaupera a despeito da enorme riqueza que jaz em seu subsolo. Trata-se da detentora das maiores reservas mundiais de petróleo, com cerca de 17% do total, conforme a revista Exame. A estatal encarregada de explorar os campos, contudo, é objeto de predação, convertida numa espécie de butim para financiar a ditadura outrora comandada por Hugo Chávez e hoje por Nicolás Maduro. Nem os mais de 100% de alta do barril nos últimos dois anos foram capazes de remediar a penúria venezuelana.

A Venezuela assemelha-se a zonas de guerra. Comprova-o a diáspora de sua população. O Brasil é apenas um dos destinos – embora longe de ser o principal deles; Colômbia e Peru lideram com folga – e a população roraimense, uma de suas principais testemunhas. Segundo a mesma pesquisa da Universidade Católica de Caracas, 815 mil pessoas deixaram o país desde 2012.

Nada disso, contudo, é suficiente para demover os empedernidos “progressistas” brasileiros da visão segundo a qual a Venezuela não é um caso de horror, mas sim modelo a ser seguido. Para o PT, a Venezuela é “exemplo de democracia”, conforme nota oficial do partido assinada por Gleisi Hoffmann em outubro do ano passado – Lula já disse que o problema lá era de “excesso” e não de falta de democracia...

A situação venezuelana não vislumbra salvação. A ditadura convocou eleições antecipadas para abril, com regras fraudulentas, o que levou a oposição a recusar-se a participar, conforme decisão anunciada nesta semana. Nas mãos dos chavistas é certo que não há futuro bom para os venezuelanos.

A experiência na Venezuela apenas corrobora a constatação de que regimes de cunho populista, demagógico e socialista são inexoravelmente fadados ao fracasso. Tornam-se meros instrumentos nas mãos de tiranos, fonte de corrupção e uma verdadeira usina de produzir famélicos. Quem sofre mais, como sempre, são os mais pobres.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

O tamanho do imbróglio

Enfrentar o problema da insegurança no Brasil não é algo que se resolva com alguma intervenção com data para acabar, restrita no espaço e circunscrita a apenas uma unidade da federação. A criminalidade alastrou-se pelos quatro cantos do país e a batalha para derrotá-la terá de ser ampla, longa, árdua e, sobretudo, muito bem coordenada e planejada.

Basta uma constatação única para que este item figure no topo das prioridades nacionais – o outro, absolutamente correlato, é a educação: mata-se mais no Brasil hoje do que em qualquer outra parte do mundo, em guerra ou não.

Foram 56 mil assassinatos em 2015, mais que o dobro do segundo colocado, o México, de acordo com o mais recente levantamento do Unodc, das Nações Unidas. Em 2016, a situação não deve ter mudado: as mortes violentas no país superaram 61 mil, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Em termos relativos, segundo o escritório da ONU para crimes e drogas, o Brasil é o 7° país mais violento do planeta, com taxa próxima a 30 homicídios por cada 100 mil habitantes. Para aquilatar, vale dizer que, nos padrões internacionais, onde o índice situa-se acima de um terço disso (10 por 100 mil) a violência já é considerada endêmica.

Para complicar um pouco mais as coisas, na última década houve mudança importante na geografia do crime no país. Estratégias de segurança pública bem sucedidas em São Paulo e, num período delimitado, com as UPPs, também no Rio, levaram a bandidagem a buscar outros mercados.

Norte e Nordeste tornaram-se as principais vítimas dos criminosos. Lá estão os maiores indicadores de violência do país hoje. As maiores taxas são registradas em Sergipe e Alagoas. Dos 30 municípios mais violentos do país, 22 estão na região, com Altamira (PA) em primeiro lugar com índice de 105 mortes para cada 100 mil habitantes, segundo o Ipea. O consumo de drogas, em especial o crack, transporta a insegurança também para pequenas cidades.

Claro está que a situação brasileira cobra drástica mudança de paradigma no enfrentamento do crime. Sem dar escala nacional às estratégias de repressão, com participação decidida da União, a contravenção continuará vencendo a guerra.

Revisões nas políticas de encarceramento – 40% das 726 mil pessoas que estão em nossas prisões não têm sequer condenação, conforme o Infopen – e de enfrentamento às drogas são desejáveis, assim como o combate à corrupção nas corporações policiais.

A gravidade da situação em termos nacionais só reforça o risco extremo incorrido na intervenção decretada pelo governo federal na segurança pública do Rio. Há evidente falta de planejamento, que as forças envolvidas ora correm para remediar. A iniciativa não é desnecessária, mas tampouco parece fadada ao sucesso – nada pontual no Brasil conflagrado em que vivemos será.

A intervenção deve ser a mais eficaz possível, equilibrada e nos estritos limites da legalidade. Não pode, sob nenhuma hipótese, deixar trair traços de ação de cunho eleitoral ou diversionista, como acusam alguns críticos. Porque um fracasso retumbante no Rio fará com que uma inevitável e imperativa estratégia de segurança pública de âmbito nacional tenha ainda mais dificuldade de cumprir o objetivo de derrotar a criminalidade.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Ambição em excesso

O menor dos problemas da lista de novas prioridades do governo para este ano é ser requentada. O que de fato assusta é o tamanho de sua ambição. É difícil crer que rol tão ousado quanto caudaloso avance num ano eleitoral, sob gestão cuja força política e apelo popular são, para dizer o mínimo, frágeis.

A lista, com 15 pontos, foi apresentada ao público à guisa de servir como substituta ao naufrágio da reforma da Previdência, inviabilizada de vez depois da intervenção federal na segurança pública do Rio. No afã de mostrar serviço, o governo transpareceu agir de forma atabalhoada. Sem a menor necessidade.

Em seus menos de dois anos de existência, a gestão Michel Temer já mostrou a que veio. Mudou a agenda do país e, com isso, conseguiu resultados dignos de nota. Herdou uma nação destroçada e vai entregar ao sucessor uma casa bem mais arrumada. Quem nega isso desconhece o óbvio.

Os indicadores econômicos estão aí para todo mundo ver: a inflação que namora mínimas históricas, o juro básico que jamais foi tão baixo e, sobretudo, a volta do crescimento econômico. Saímos da recessão para expansão próxima a 1% em 2017, segundo estimativa do Banco Central divulgada no início da semana, e rumamos para o (bom) patamar de 3% neste ano.

Alguns poderão questionar: mas e todo o resto? Sim, as mazelas, os problemas, as deficiências permanecem. Mas quem, em sã consciência, pode cobrar que se mude estado tão deteriorado das coisas – que é, nunca se deve esquecer, como o PT deixou o Brasil – em tão curto período? Reconstruir custa trabalho, muito trabalho, e tempo.

É muito relevante que a economia nacional esteja se reerguendo. Sem crescimento econômico, nada mais se ajeitará. Não haverá produção, nem emprego e muito menos o dinheiro dos impostos de que o Estado precisa para cuidar melhor das enormes carências do povo brasileiro.

Michel Temer e seu governo têm o mérito inegável de ter trazido as reformas estruturais de volta à pauta nacional, depois de mais de uma década de ausência e sabotagens. Perseverar nesta direção é o que importa, e é mais que suficiente para os dez meses – ou cerca de metade disso, se considerarmos a ritmo de trabalho do Congresso em ano de eleição como este – que faltam para o fim deste mandato.

A lista de prioridades divulgada anteontem mais parece um programa para quem tem quatro anos de governo, tamanha a sua pretensão. Embora totalmente insuficiente para compensar o enterro da reforma da Previdência e apaziguar a situação fiscal, praticamente tudo ali é relevante. Mas, convenhamos: é impossível realizar até dezembro.

O melhor será focar os esforços no que realmente precisa andar já. O rol trata tanto de reformas de Estado mais imediatas quanto iniciativas para melhorar o ambiente de negócios, de prazo de maturação mais longo. Se avançar naquelas e encaminhar estas para o próximo governo, já está bom demais.

Neste sentido, a privatização da Eletrobrás e a reforma do PIS/Cofins ainda neste ano seriam feitos notáveis, quase revolucionários. Poderiam vir acompanhados de medidas de maior impacto fiscal, como as que evitam o inchaço da folha do funcionalismo e a imperiosa regulamentação do teto de remuneração no serviço público, ambas travadas no Congresso e pelo lobby do Judiciário. Outras podem até ser mais fáceis de aprovar, mas têm efeito bem mais restrito.

O pior dos mundos será o governo ensaiar dar ares de propaganda ou de mero paliativo pelo fim da reforma previdenciária a uma agenda tão crucial para o país. Todos os itens das “prioridades” listados merecem atenção devida e não tratamento de marketing. Sobretudo, deve prevalecer a sobriedade e o realismo que, na maioria dos casos, pautou a atuação responsável da administração federal desde maio de 2016.

Ao governo cabe baixar sua taxa de ansiedade e ambição, concentrar-se no que é realmente possível realizar e, de preferência, apartar-se da disputa eleitoral. A gestão Temer já fez bastante e não deveria correr risco de, com atropelos e improvisos, colocar parte de suas importantes conquistas a perder.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Coveiros do país

Engana-se quem julga que o enterro da reforma da Previdência é uma derrota para o governo Michel Temer. Quem perde de verdade é o país. A aprovação das mudanças é fator necessário, ainda que insuficiente, para repor as contas em ordem, dar horizontes mais longos para a economia e permitir que o Brasil reencontre o equilíbrio e a responsabilidade. Negar isso é negar o óbvio.

São muitos os coveiros da reforma – mais correto será tratá-los como coveiros do país –, gente que nessa hora deve estar comemorando e se vangloriando. Devem achar que venceram uma guerra, mas se uniram mesmo foi para sabotar as perspectivas de um futuro melhor. É imperativo que a população saiba quem são. É preciso nominar quem agiu como algoz do povo brasileiro.

Em primeiríssimo lugar estão as corporações encasteladas no serviço público. Estão entre os mais bem pagos trabalhadores do país, mas se julgam injustiçados por ter de cumprir regras iguais às do resto dos mortais. Conseguiram, pelo menos por ora, manter intactos seus privilégios. Continuarão a receber aposentadorias polpudas, muito maiores do que a média da população e muito mais cedo.

Dentro desse grupo, nenhum foi mais deletério que o de procuradores da República. O escândalo forjado em maio passado em torno da delação dos irmãos Batista – que a cada diz torna-se mais evidente – golpeou a possibilidade de sucesso de uma reforma realmente ampla, do tamanho necessário, e tornou mais remotas as chances de qualquer mudança.

Claro que a “vanguarda do atraso” não poderia deixar de cerrar fileiras com a casta de privilegiados contra um sistema mais justo e equilibrado de aposentadorias e pensões no país. Aí entram partidos políticos, sindicatos, acadêmicos e “intelectuais” (põe aspas nisso) alinhados ao governo defenestrado do PT.

Para essa gente, a reforma era falsa e desnecessária. Sua receita é realmente outra: a mesma que afundou o Brasil no caos, que esperam ver ressuscitada por algum candidato a honrar o legado lulista em outubro. É o velho time do famigerado “quando pior, melhor”.

Mas também faltou apoio às mudanças do lado dito reformista. A base política do governo no Congresso foi bem menos combativa, incisiva e dedicada do que a situação exigia. Sobraram oportunismo e covardia em muitos parlamentares, mais preocupados com o próprio umbigo do que com o país. Para estes, a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro – que criou um entrave legal à reforma – acabou soando conveniente. Têm, portanto, seu quinhão no velório. Por fim, o próprio governo tem seu quinhão de responsabilidade, por ter, em momentos cruciais, demonstrado menos garra e mais tibieza do que a situação exigia.

A reforma desenhada pelo atual governo morreu, mas a necessidade de alterar as regras que orientam um dos mais injustos e crescentemente desequilibrados sistemas de concessão de aposentadorias e pensões do mundo permanece. Fica para quem for eleito em outubro a tarefa de fazer um ajuste ainda mais profundo na Previdência. Contra quem quer que seja.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Efeito dominó

Quem acha que gasto público, orçamento, ajuste fiscal, reforma estrutural e assemelhados é conversa para boi dormir deveria observar melhor o que começou no Rio de Janeiro e está se alastrando pelo resto do país.

A intranquilidade, a péssima prestação de serviços públicos, a violência e o desrespeito são decorrências da irresponsabilidade das autoridades no trato do dinheiro entregue pelos cidadãos para ser administrado pelo Estado. Se esta relação não mudar, se a responsabilidade fiscal não voltar a dar as cartas, não há solução a vista.

Não é segredo para ninguém que governos estaduais acompanharam a farra que se instalou no plano federal na época da bonança – e da roubalheira – petista. Parecia que só o céu seria o limite. Raríssimas, as exceções só confirmam a regra. O país afundou num fosso que hoje corrói o dia a dia dos brasileiros.

A ilusão do Estado todo-poderoso e do populismo benevolente resultou no Estado impotente que ora amargamos.

Parte das mazelas atuais é decorrência de más políticas públicas. Na segurança, em especial, o país aguarda há tempos uma estratégia estruturada que seja digna de respeito. Mas outra parte é fruto de algo mais corriqueiro: dinheiro público jogado fora, a tônica do Brasil na última década.

Viver no vermelho tornou-se o normal nas finanças públicas brasileiras. Enquanto Brasília afundava nas mãos do PT, os governos subnacionais chafurdaram, como mostra o Tesouro Nacional. Começou em 2013 e não parou mais.

Apenas em um ano, os déficits fiscais dos estados multiplicaram-se por seis: passaram de pouco mais de R$ 2 bilhões para quase R$ 14 bilhões em 2017, reporta o Valor Econômico em sua edição de hoje.

A intervenção decretada pelo governo federal na segurança pública fluminense é o primeiro ato do enredo de falência dos estados subnacionais. Eram favas contadas que uma das administrações regionais mais perdulárias, ineptas e corruptas do país sucumbisse. Mas o problema é que, assim como o Rio, há vários outros estados em vias de falir, numa espécie de efeito dominó.

A maior parte das unidades da federação (14 de 27) fechou suas contas no negativo em 2017 e apenas seis melhoraram seu desempenho em relação a 2016 – o destaque positivo, tanto em termos absolutos quanto relativos, foi o resultado de São Paulo, baseado, contudo, em receitas extraordinárias. Seis estados gastaram mais de 49% das receitas com pessoal, o limite estabelecido em lei, também segundo o Valor.

O caos que se espalha pelos aparatos de segurança estaduais é assustador, embora traga consigo um oportuno valor pedagógico: Estado mal administrado resulta em má qualidade de vida para a população, irresponsabilidade fiscal penaliza mais quem mais depende do dinheiro público.

Combater o crime é tema de forte apelo popular. Mas o que deveria ficar claro é que o outro lado da moeda também precisa ser: ajustar as contas do Estado, cortar desperdícios, enfrentar privilégios e gastar com planejamento e responsabilidade apenas o que se arrecada é tão crucial para vencer a bandidagem quanto mais armas e tropas.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Um governo inteiro para a segurança

A crise da segurança pública que vitima boa parte do país não cabe num ministério. É assunto para todo um governo. Neste momento, a criação de uma pasta com este fim, extraordinária ou não, recende a improviso, numa hora que cobra maior acuidade e precisão de ação. O governo federal pode fazer melhor para combater a criminalidade e amparar a população.

Segurança é assunto do topo das preocupações do brasileiro hoje. A sensação de intranquilidade cresceu na mesma medida em que a crise econômica se agravou e a crise de valores se agigantou. A omissão federal – que, frise-se, não é de agora – foi decisiva para a escalada e sua antítese é o fulcro onde pode estar a solução.

Segundo a Constituição de 1988, prover segurança pública é papel das polícias estaduais, com reforço das guardas municipais. A União incumbe-se de vigiar as fronteiras e combater tráficos que alimentam a bandidagem – de armas, de drogas, de produtos contrabandeados. Fácil notar que, hoje, ninguém cumpre adequadamente sua respectiva função.

A inação das polícias andou junto da quebradeira dos governos subnacionais. A falência do Estado nos estados levaria inexoravelmente à fragilização dos aparatos militares e civis de segurança pública. Não deu outra. Do lado da lei, falta dinheiro para tudo; do lado da desordem, sobram lucro e mão de obra barata.

Há décadas o país não tem uma política nacional de segurança digna de respeito. Falta articulação, falta eficácia no combate ao crime, falta eficiência no emprego dos recursos disponíveis – mesmo parcos, eles existem, mas são soberbamente mal aproveitados: nos últimos oito anos, R$ 3 bilhões do Fundo Penitenciário deixaram de ser investidos, por exemplo.

Se o governo federal avocar a si a responsabilidade de enfrentar este monstro que atemoriza a todos os brasileiros, indistintamente, já fará muito. Melhor ainda se conseguir colocar ordem e coordenação nas forças estaduais de repressão. Iniciativas baseadas na tecnologia – a começar pela tantas vezes prometida, mas nunca implementada, unificação dos cadastros de identificação nacionais – ajudarão a enfrentar criminosos cada vez mais organizados.

Em paralelo, é positivo que o governo federal tenha decidido intervir na segurança pública do Rio de Janeiro, hoje o maior retrato, mas longe de ser único, da falência das políticas públicas estaduais de segurança. O uso das Forças Armadas numa função que não é a dela está distante de ser o ideal, mas tornou-se inexorável diante da inação e do fracasso das autoridades locais.

Será, ademais, um teste válido para a necessária maior participação do poder central num assunto que tornou-se onipresente na vida dos brasileiros, mas que, diante da omissão vista até aqui, mais parecia acontecer em Marte. O Brasil não quer continuar sendo o país onde mais se mata no mundo. Essa guerra precisa ser vencida, antes que continue, mas o Ministério da Segurança pode ficar para um governo com tempo hábil para desenvolver uma estratégia que tenha princípio, meio e fim.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Sambas sem enredo

Carnaval é, por excelência, lugar da sátira. Em certos momentos, o tom mais ácido se aviva e ganha ares de protesto. Vindas daquela que é tida como “mais autêntica” manifestação popular, as críticas acabam sendo saudadas como se fossem a apoteose da verdade. Nem sempre se justifica, contudo. Mal endereçadas, transformam queixas genuínas na generalização que interessa a quem mais mal faz aos brasileiros.

Escolas de samba poderosas e blocos de rua de todo quilate espalhados pelos quatro cantos do país deram a seus gritos de guerra, nos últimos dias de folia, ares de brandos “contra tudo o que está aí”. Que não haja dúvida: é a maneira mais certeira de manter tudo como está. A crítica que não nomina os bois certos não se presta a transformar a realidade.

Em alguns dos sambas-enredo mais celebrados deste ano, a corrupção foi tratada como geleia geral: lambuza a todos indistintamente. Será verdade? Aqueles que protagonizaram os maiores escândalos da nossa história, flagrados e enxotados do poder, devem ter adorado: o samba, esse nosso orgulho cultural, igualou a todos na lama, o refrão que eles mais gostam de cantar.

É curioso, para dizer o mínimo, que o ápice da roubalheira flagrada nos anos recentes não tenha obtido das passarelas a mesma atenção que outros malfeitos mereceram neste ano. Não se tem notícia de enredo, samba ou marchinha de sucesso tratando do mensalão, do petrolão, dos tríplex à beira-mar, dos sítios com pedalinhos, das falcatruas com o orçamento federal, da quebradeira que se abateu sobre as contas públicas.

Quando surge, a crítica é indiscriminada, são todos culpados e ninguém pode ser punido. Quando todos pecam, ninguém pode ser condenado: a ética do Carnaval parece escorrer para os tribunais, e, pelo jeito, espera-se que transborde até as urnas. O protesto do momento nas passarelas do samba, portanto, mais deseduca do que constrói, mais inocenta do que castiga.

Quando foi mais incisiva e pessoal, a reprovação de escolas de samba organizadas em alas de rigor cronometrado mirou alvos errados. Mistificou, ao invés de esclarecer. As reformas necessárias foram igualadas a mazelas seculares, protestos legítimos foram caricaturados, heranças cartoriais foram retratadas como salvaguarda do povo. A lambança tornou-se generalizada. Carnaval assim não é ótimo para quem não quer mudar nada?

Os brasileiros devem, precisam manter o espírito crítico, a inquietude, a capacidade de se indignar. Mas ela não pode ser meramente genérica, sorrateiramente indiscriminada, oportunamente indecifrável. O mau estado do país tem responsáveis com nome e sobrenome, mas estes ficaram fora do enredo dos sambas que se ouviu pelo país nos últimos dias de folia. Os foliões – ou, mais precisamente, bandos de militantes fantasiados – carnavalizaram a corrupção.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Os argumentos certos

Lá se foi mais uma semana de idas e, principalmente, vindas no debate sobre a reforma da Previdência. O governo foi levado a ensaiar mais concessões com intuito de convencer os que se opõem às mudanças por, segundo eles, “atentarem contra os interesses dos mais pobres”. Se a preocupação é de fato esta, as razões estão equivocadas e a posição, mais errada ainda.

Os mais pobres estão do lado da equação que ganha com a reforma. Quem perde com as novas regras para concessão de aposentadorias e pensões são os ricos, os com empregos mais bem remunerados e estáveis e, sobretudo, o topo da nossa pirâmide social: a casta empoleirada no serviço público. Se há dúvida quanto a isso, aí vão alguns argumentos.

O cerne da reforma é o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria, que aumentará lentamente ao longo de até 20 anos de transição. Para os mais pobres, isso não faz a menor diferença.

A grande maioria deles já se aposenta por idade – com 15 anos de contribuição ou nenhuma, no caso dos rurais – ou é contemplada pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos carentes e deficientes – também sem necessidade de qualquer recolhimento. Tanto BPC quanto aposentadorias rurais não são atingidas pela reforma.

Quanto custa cada beneficiado? Há cerca de 10 milhões de aposentados por idade no INSS e 2 milhões de atendidos pelo BPC no país. O valor médio recebido por eles é de R$ 1,1 mil e R$ 880, respectivamente, segundo o didático estudo feito pelo consultor Pedro Nery para o Senado Federal.

Vale comparar: na outra ponta, estão 5,6 milhões aposentados por tempo de contribuição, sem necessariamente cumprir idade mínima, ou 17% do total. O valor médio que recebem é de R$ 2.300. Atente-se: dois terços dos que se aposentam por tempo de contribuição no país estão entre os 40% mais ricos da população, diz o Ipea.

Cabe agora ver quem responde pela maior fatia do déficit previdenciário, que escalou a R$ 268 bilhões no ano passado. Em termos proporcionais, a maior contribuição para o gigantesco rombo vem dos militares e, em seguida, dos servidores públicos. Os primeiros, infelizmente, não serão atingidos pela reforma e parte dos segundos passará, com as mudanças, a também ter de cumprir idade mínima – os que ingressaram na burocracia após 2003 já têm.

Tal mudança visa a acabar com uma distorção que garante aos servidores admitidos antes de 2003 aposentar-se ganhando o mesmo que ganhavam na ativa, preservando os mesmos reajustes dados aos vencimentos de quem ainda trabalha. Com isso, o regime que atente apenas 900 mil aposentados pela União gerou rombo de R$ 83 bilhões em 2017. Já os quase 30 milhões de atendidos pelo INSS responderam por déficit de R$ 182 bilhões. Quem, portanto, pesa mais?

Vejamos ainda: as injustiças do sistema atual ficam explícitas quando se observa que cada um dos 20 milhões de aposentados urbanos gerou, em média, déficit de R$ 1,8 mil em 2016, enquanto um funcionário público aposentado respondeu por rombo de R$ 68 mil e um militar, por entre R$ 99 mil e R$ 127 mil (reformados), como ilustra O Estado de S. Paulo em sua edição desta sexta-feira. Onde estão as injustiças?

No frigir dos ovos, menos de 10% dos trabalhadores do setor privado teriam perdas superiores a 1% dos seus benefícios, caso a reforma passe, conforme afirmou o secretário Marcelo Caetano ao Valor Econômico em janeiro. Ou seja, poucos perderão muito pouco e muitos não perderão quase nada. Os grandes afetados serão os servidores públicos. É justo ou não é?

Se, mesmo com esta avalanche, ainda falta argumento para defender a reforma, vale usar a feliz comparação feita ontem pelo secretário da Previdência do Ministério da Fazenda: apenas o rombo previdenciário registrado no ano passado seria suficiente para comprar uma empresa do tamanho da Petrobras. 

Fica aí uma opção: se desistirmos de mudar nosso injusto sistema de aposentadorias e pensões, teremos que vender, todo ano, uma estatal deste porte para continuar alimentando a boca gulosa dos privilégios. De qual lado é melhor ficar?

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Um problema a menos

Não faz muito tempo a inflação ocupava o topo das inquietações dos brasileiros preocupados com o bolso. Fruto da leniência com que o governo petista tratava o tema, os índices de preços chegaram a namorar o descontrole. Mas, em golpes sucessivos, o problema foi varrido do mapa.

A inflação oficial do país caiu a 2,86% anuais em janeiro. Dois anos atrás, esse percentual equivalia à carestia de um trimestre; há três, correspondia à alta de preços registrada em apenas dois meses do ano. Por aí nota-se o quanto o país conseguiu avançar nesta questão. O assunto, por ora, e até onde a vista alcança, está morto.

A inflação de janeiro foi a menor para o mês desde o Plano Real, conforme divulgou o IBGE nesta manhã. Caiu tanto em relação ao mesmo mês de 2017 quanto a dezembro. A queda de itens fundamentais da cesta de consumo dos brasileiros, como habitação e vestuário, colaborou para segurar o IPCA, contrabalançando a alta da alimentação.

Não é pouca coisa a inflação ter sido debelada. É traço de eficácia de políticas postas em marcha e que representavam o exato oposto do que foi feito enquanto o PT teve o comando da economia nas mãos. É mais um indicativo de que o país não pode sequer considerar a hipótese de voltar ao passado recente nas eleições de outubro próximo.

Inflação mais baixa é mais qualidade de vida para a população. Permite mais consumo, sobretudo de alimentos, e preserva o salário. Sobra mais dinheiro – ou, em muitos casos, falta menos para fechar o orçamento – no fim do mês. Organiza melhor a vida.

Foi o êxito no combate à inflação que permitiu outra realização notável do atual governo nestes pouco menos de dois anos em que comanda o Brasil: a queda da taxa básica de juros para o nível mais baixo da história.

A Selic foi reduzida ontem pelo Copom para 6,75% ao ano. Foi o 11° corte consecutivo, num processo iniciado em outubro de 2016. Trata-se de diminuição de 7,5 pontos percentuais num período de apenas 14 meses. Neste quesito, em que liderava rankings mundiais de juros reais, o país deixou de ser pária no mundo das finanças globais.

Estima-se que cada ponto a menos de juros resulte numa economia anual de R$ 28 bilhões para o Tesouro, ou quase um Bolsa Família, nos cálculos de Felipe Salto. Façam-se as contas e vê-se que são mais de R$ 200 bilhões que deixam de ser torrados com rolagem de dívida e podem servir melhor a população. Pode ser que chegue o dia em que se gaste ainda menos com a usura.

Inflação e juros baixos denotam que é possível derrotar mazelas que, por vezes, parecem insuperáveis. Quem visse o Brasil de dois anos atrás não apostaria um vintém na queda consistente e concomitante de ambos. Sinal de que os demais desafios também devem e podem ser vencidos. Desde que não sejam deixados sempre para depois.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Os ventos que sopram do norte

O ambiente econômico tornou-se um pouco mais desafiador nesta semana, após as piruetas dadas pelos mercados financeiros globais nos últimos dois dias. Para o Brasil em particular, as consequências imediatas são, pelo menos, duas: sobre a agenda de reformas e sobre os rumos da política monetária.

A turbulência – que alguns apelidaram de “crash relâmpago”, em razão da severidade e da rapidez do mergulho dos preços dos ativos – coloca em questão a continuidade da situação benigna que o ambiente externo tem propiciado à economia brasileira. O dinheiro que (ainda) sobra no mundo ajuda a estimular negócios aqui.

Até a última segunda-feira, noves fora arroubos fora de hora, como os que o governo Donald Trump é capaz de cometer, não se vislumbravam riscos maiores nos próximos meses. Não mais. Alguns acreditam que o longo período de bonança – que levou bolsas de valores a patamares recordes e, no caso dos EUA, a desemprego baixíssimo e crescimento sustentado, acompanhados de juros minúsculos – pode estar com dias contados.

É mais um recado, se ainda era preciso, para o Brasil. Em especial, para suas lideranças e, mais em particular ainda, para aqueles que têm a responsabilidade de votar matérias no Congresso Nacional. Os ventos que sopram do norte podem ser bem mais gelados do que se imagina.

O Brasil vive bom momento econômico a despeito do desastre expresso no desempenho de suas contas públicas, o amargo legado petista do qual demoraremos mais tempo para nos livrar. É como se, com dinheiro em profusão no mundo, investidores fizessem vista grossa ao alto risco que o descontrole fiscal carrega consigo.

As reformas do Estado, sobretudo a da Previdência, têm condão de começar a atacar o problema do desequilíbrio orçamentário de forma mais contundente e duradoura. Parte dos parlamentares, contudo, prefere achar que é melhor deixar como está para ver como é que fica. É namorar o precipício.

Parcialmente revertida ontem, a reviravolta dos mercados financeiros também deverá ter consequências na resolução que o Comitê de Política Monetária tomará hoje a respeito da taxa básica de juros brasileira.

Até agora, esperava-se novo corte, capaz de trazer a Selic para 6,75% ao ano, onde, provavelmente, deve estacionar por período longo. Agora a decisão tornou-se uma incógnita: juros possivelmente mais altos nos EUA exigem juros mais altos também no resto do mundo.

Os eventos desta semana ensinam que aquilo que, por ora, não passou de susto pode tornar-se pesadelo. Sem reformas, o Brasil é uma espécie de mero caroneiro na prosperidade global. Para não brincarmos com fogo, o melhor a fazer é deixar de empurrar os problemas com a barriga. Votar já uma verdadeira reforma da Previdência tornou-se ainda mais imperativo.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

A mão do diabo

Luiz Inácio Lula da Silva está inelegível e condenado a 12 anos e um mês de cadeia por ter recebido um tríplex à beira-mar no Guarujá (SP) como pagamento de propina por parte da OAS. Parece pouco delito para punição desta natureza. E é. Desde que ascendeu ao poder federal, em 2002, ele e seu partido, o PT, vêm cometendo crimes muito mais graves, cujas vítimas são os brasileiros e a nossa democracia. Merecem castigo ainda mais exemplar.

No total, o ex-presidente está envolvido em nove processos e é réu em cinco deles. O próximo a ser julgado deve ser o que envolve o sítio em Atibaia (SP) que a OAS e a Odebrecht deram a Lula em troca de contratos com a Petrobras. Mesmo este delito, que teria resultado em pouco mais de R$ 1 milhão em benefícios ao ex-presidente, é pouco perto do conjunto da obra petista.

A investigação, com acusação de crime de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, entrou em sua fase final de instrução, com depoimentos de testemunhas. E o que eles comprovam é que Lula e o PT não lesaram apenas os cofres públicos – o que já seria suficiente para purgarem penas exemplares – mas fraudaram, sobretudo, o processo eleitoral e, portanto, a vontade do eleitor brasileiro.

Os marqueteiros que levaram Lula à reeleição e Dilma Rousseff a suas duas vitórias presidenciais contaram à Justiça Federal em Curitiba que, desde 2006, foram pagos pelo PT com dinheiro sujo de caixa dois. Nada que já não fosse sabido em se tratando dos petistas, só que agora admitido por alguns dos principais artífices dos maiores êxitos eleitorais do partido.

A dinheirama corria solta, segundo João Santana e Mônica Moura. Em 2006, por exemplo, mais da metade da campanha da reeleição de Lula foi bancada com dinheiro sujo – como, aliás, já admitira Antonio Palocci em carta endereçada ao PT em setembro do ano passado. Já o petrolão irrigou a candidatura de Dilma tanto em 2010 quanto em 2014, com desvios na casa dos bilhões de reais, como a Operação Lava Jato vem revelando nestes últimos quatro anos.

Tudo considerado, resta claro que a folha corrida de Lula é muito mais extensa do que a que o levou à sua única condenação até agora. Há razões de sobra para que ele seja punido com ainda mais rigor, enquadrado na lei da ficha limpa e, portanto, impedido de disputar o voto do eleitor – o mesmo que ele seguidamente fraudou com o dinheiro sujo da corrupção ao longo de sua carreira política.

Na Copa do Mundo de 1986, Maradona ajudou a sua seleção a vencer a Inglaterra com um gol irregular, que o argentino cinicamente chamou de “a mão de Deus”. No Brasil, o que aconteceu em todas as últimas eleições presidenciais desde a ascensão do PT foi mais grave e deletério: vitórias conquistadas com a mão do diabo, que lesou nossa democracia, enganou o eleitor e gatunou o dinheiro que deveria servir ao povo.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Indústria 0.0

A indústria foi uma das principais vítimas da recessão que assolou o país entre 2014 e 2016. O setor viu sua produção retroceder ao patamar de quase uma década atrás, perdeu relevância no PIB e, mais grave, está vendo o bonde da modernização tecnológica passar ao largo. Sem fábricas competitivas, a economia nacional namora seu passado colonial.

É mais que sabido que a indústria cumpre papel de dinamizar a atividade produtiva. Responde pelo grosso da inovação, emprega grandes contingentes de trabalhadores e costuma pagar os melhores salários. Quando definha, todos perdem. Foi o que aconteceu no Brasil desde 2008, a partir de quando o setor industrial nacional mergulhou.

Felizmente, a espiral descendente foi rompida em 2017. A indústria apresentou crescimento depois de três anos consecutivos de baixas, conforme divulgou o IBGE na semana passada. A alta foi de 2,5%, percentual bastante insuficiente, contudo, para compensar a queda de 18% acumulada desde 2008, ano de sua máxima histórica, de acordo com as Contas Nacionais.

Não foi por falta de iniciativas que a indústria brasileira perdeu musculatura. Pelo contrário. O excesso de intervenções e iniciativas governamentais levadas a cabo pelas gestões petistas colaborou para enterrar ainda mais o setor manufatureiro da nossa economia. A orientação dada, porém, foi oposta à que cobram os novos tempos.

As políticas promovidas pelas gestões Lula e Dilma primavam pela excessiva interferência do Estado na economia, pelo intervencionismo nas regras de mercado e pela escolha arbitrária dos beneficiários. Foi o tempo da chamada política dos “campeões nacionais”, quase todos convertidos em reluzentes derrotados.

A efetiva saída para a indústria brasileira está em abrir-se mais ao mundo. Mais competição tende a trazer maior inovação, ao mesmo tempo em que amplia mercados para os produtos locais – hoje muito dependentes do anteparo tarifário conferido pelo protecionismo que ainda marca as políticas de comércio exterior brasileiras.

Outro fator incontornável é a modernização. Conforme mostrou a edição de domingo d’O Estado de S. Paulo, 40% da produção industrial nacional padece de obsolescência tecnológica. É flertar com o abismo, numa época em que os chamados sistemas de big data, a produção orientada pela imensa massa de informação gerada por ferramentas digitais, tendem a se tornar cada vez mais preponderantes.

A recuperação da indústria nacional não depende apenas de políticas públicas melhor orientadas, o que inclui melhor calibragem da carga de tributos incidente. Cobra também postura menos cartorial dos próprios empresários e maior disposição para enfrentar a concorrência de peito aberto, e não nas barras da saia do Estado, como foi a tônica até agora.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

O tostão contra o bilhão

Está dura a vida de quem batalha pela aprovação de uma reforma da Previdência digna desse nome. Conta-se nos dedos os votos e o apoio que o governo – ou, para ser mais exato, uma fatia dele, circunscrita a meia dúzia de pessoas – tem conseguido manter. Para desgraça do Brasil, não parece ser suficiente para aprovar as mudanças.

Tudo conspira para que o problema fique para o próximo presidente, a ser eleito em outubro. Seria até sensato se as chances de algum candidato alinhado às reformas fossem robustas, mas não é esta a realidade medida até agora pelas pesquisas de intenção de voto. Ou seja, a reforma pode acabar ficando para as calendas.

O Congresso, a quem cabe assumir responsabilidades e votar matérias de olho no interesse público, prefere olhar para o próprio umbigo. Aprovar novas regras para concessão de aposentadorias e pensões está longe de ser agenda de apelo popular e muito menos eleitoral. Mas é iniciativa fundamental para o país – como atestam os R$ 182 bilhões do rombo previdenciário no ano passado. Isso parece importar pouco, contudo.

Para piorar, o governo acena com a mais nefasta das alternativas: abrandar o texto da reforma, mantendo os privilégios que prometia extirpar, com fito de alimentar uma derradeira tentativa de aprovação. Se assim for, melhor deixar como está.

Estão sobre o tecido verde as insustentáveis regras em vigor que hoje asseguram a funcionários que ingressaram no serviço público antes de 2003 aposentadorias integrais e os mesmos reajustes de quem está na ativa. Coisa de marajá que só existe no Brasil.

A reforma passa a exigir idade mínima – a mesma cobrada dos demais mortais – para que esta casta mantenha os benefícios da integralidade e da paridade. Mas essa gente acha que é sacrifício demais.

Não são, como é fácil enxergar, moinhos de vento os obstáculos que os defensores da reforma precisam vencer. São resistências bem concretas. Não raro, são bem conhecidas, como também poderosas e muito, muito bem pagas.

Como juízes e promotores que ontem, de terno, gravata, salto alto, tailleur e salários estratosféricos para o padrão nacional, protestaram em Brasília pela manutenção dos privilégios que a reforma lhes retira e, como ninguém é de ferro, por aumentos nos seus vencimentos e novos penduricalhos no contracheque.

Diante de tamanha resistência, Michel Temer indica ter lavado as mãos. Diz que o problema agora é convencer a população da necessidade da reforma. Se o presidente topasse dar nome aos bois, talvez afirmasse que a real dificuldade está em fazer aqueles que deveriam zelar pelo bem do país – governos, Congresso, Judiciário, lideranças em geral – exercer a sua responsabilidade. Mas este artigo está em falta no mercado.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Geração sem futuro

Está nas crianças e nos jovens a esperança de dias melhores. Mas a educação que hoje lhes é oferecida não colabora. O que é ensinado nas salas de aula não contribui para atrair os alunos e para motivá-los a continuar a aprendizagem, como forma de romper o círculo vicioso de desigualdade e ausência de horizontes.

O Censo Escolar divulgado ontem pelo Inep corrobora, mais uma vez, o triste diagnóstico. As escolas do Brasil continuam formando gerações sem futuro. Romper esta perversa dinâmica precisa estar no topo das prioridades nacionais.

O principal problema reside no ensino médio. É quando o jovem se desinteressa de vez pela escola e a abandona. É quando toma o atalho que vai desviá-lo definitivamente da chance de obter melhores oportunidades de ascensão social. É o desfecho de trajetórias que muitas vezes já começam tortas na infância.

Segundo a edição 2017 do Censo, 28% dos jovens que frequentam o ensino médio já passaram da idade de completar esta fase de aprendizagem. Significa dizer que repetiram o ano tantas vezes que acumularam defasagem difícil de ser transposta. A consequência imediata acaba sendo a desistência.

Há atualmente 7,9 milhões de alunos frequentando as escolas do médio, embora o IBGE calcule em 10,6 milhões a população brasileira com idade entre 15 e 17 anos. Significa que mais de 2 milhões de jovens nesta faixa etária estão fora das salas de aula ou bastante defasados na aprendizagem. Para muitos brasileiros, a escola vai, no máximo, até o fim do ensino fundamental.

A fuga tende a responder à necessidade de gerar mais renda para famílias em dificuldades. Com o desemprego ainda em nível recorde, porém, os jovens que deixam as escolas acabam caindo no limbo dos chamados “nem-nem”: nem estudam nem trabalham. Arriscam-se a engrossar as estatísticas da criminalidade e da gravidez precoce. Alimentam o círculo nada virtuoso.

Alguma coisa, contudo, melhora. Cresce, ainda que com atraso em relação aos cronogramas inicialmente fixados, a frequência a creches e pré-escolas, em linha com o que estipulam as metas do Plano Nacional de Educação. Também avança a educação integral, embora nos níveis fundamental e médio não tenha sido suficiente para zerar a redução verificada até 2016. Há alguma esperança, portanto.

Mudanças recentes na normatização da educação brasileira reforçam as expectativas positivas. Uma é a adoção da base nacional curricular comum e a outra, a reforma do ensino médio. São passos iniciais naquilo que deve ser uma causa comum a todos os brasileiros: garantir educação de qualidade e para todos, para que todos tenham oportunidade de uma vida melhor.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Zero a zero

Os números finais do mercado de trabalho em 2017 mostram que permanece o desafio de voltar a gerar empregos em quantidade adequada para os brasileiros. A incipiente retomada do crescimento econômico conseguiu apenas frear o processo de piora que vinha desde 2014. Mas o zero a zero, neste caso, soa como vitória.

Nesta manhã, o IBGE divulgou que a taxa de desocupação terminou 2017 em 11,8%, levemente abaixo dos 12% do último trimestre de 2016. Estatisticamente, o órgão considera que “houve estabilidade” entre um número e outro, quando observados os dois períodos na margem.

Na média, contudo, a situação continuou a se agravar. A taxa de desocupação de 2017 subiu a 12,7%, acima dos 11,5% de 2016. Isso significa 13,2 milhões de pessoas ainda desempregadas, alta de 1,5 milhão em relação à média do ano anterior. Ressalte-se que, na passagem de 2015 para 2016, este triste exército ganhara 3,2 milhões de novos componentes. Ou seja: ainda está ruim, mas já foi bem pior.

No mercado formal, a situação pode ser considerada um pouco melhor. Na semana passada, o Ministério do Trabalho divulgou que foram fechadas 21 mil vagas de trabalho com carteira assinada em 2017. Neste caso, um estado (o Rio, com saldo negativo de 92 mil vagas) e um setor (o construção civil, com 104 mil vagas a menos) penderam a balança para o vermelho.

As indicações, contudo, são de que a situação já começou, de fato, a melhorar. Quando 2017 começou, a taxa de desocupação medida pelo IBGE estava em 13,7%, dois pontos acima da atual. No caso dos empregos formais, embora ainda negativo, como é característico da época, o saldo de dezembro passado foi o melhor dos últimos dez anos.

Os empregos são o melhor termômetro da economia. Mas costumam reagir às altas e baixas com defasagem. Isso significa que o mercado de trabalho tende a ser o último a despencar quando a atividade esfria, porque o empresário reluta até o último minuto em demitir. Da mesma forma, é o último a reagir, dada a precaução do empreendedor, que prefere só contratar quando tem convicção de que a economia está se aquecendo.

Tudo prenuncia que o processo de admissões já foi retomado. Tende, agora, a se acelerar, desde que a recuperação econômica não seja abortada. Há três ameaças no horizonte: a reversão do cenário internacional positivo, menos provável; a frustração da agenda de reformas estruturais, mais ameaçadora; e a dinâmica política deste ano de eleições presidenciais, ainda cheia de incertezas.

O que é fora de questão é que o país só melhora, e os empregos só voltam, se a opção for por perseverar nas alternativas econômicas trilhadas desde o primeiro semestre de 2016. Mesmo o atual governo não pode se deixar cair na tentação de afrouxar o ajuste e desistir das medidas difíceis, porém necessárias, que ainda precisam ser adotadas.