sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Mais é menos

O Banco Central oficializou ontem o que só o governo ainda não havia admitido: o país caminha para crescer menos, num ambiente de mais inflação. É o pior dos mundos. Corre-se hoje o risco de abrir mão da estabilidade da moeda, desorganizar a economia e ainda por cima ver o PIB naufragar.

Segundo o “Relatório de Inflação” divulgado ontem pelo BC, a inflação deste ano deve atingir 6,4% e o PIB deve crescer apenas 3,5%, menos da metade do resultado de 2010. Há três meses, as previsões eram de 5,8% para a evolução dos preços e de 4% para a expansão econômica.

Mesmo assim, há alta probabilidade de o cenário ser um pouco pior. O próprio BC calcula em 45% as chances de a inflação furar o teto da meta estipulada para este ano, de 6,5%. Analistas de mercado já dão de barato que isso acontecerá, segundo a edição do Boletim Focus desta semana.

As autoridades do governo dizem que a inflação voltará para a meta em 2013. É mera futurologia. Previsões furadas são praxe entre os porta-vozes oficiais. A depender, por exemplo, do que dizia Guido Mantega, a inflação teria caído entre março e abril e novamente agora em setembro. Aconteceu justamente o contrário.

Ontem também foi divulgado o IGP-M de setembro. A chamada “inflação do aluguel” subiu bastante em relação a agosto e acumula alta de 7,5% em 12 meses. O que mais encareceu no mês foram as matérias-primas, cujos reajustes acabam logo, logo batendo também nos preços ao consumidor.

Quem entende do assunto diz que os resultados do IGP-M indicam que a escalada do dólar começou a impactar os custos no país. Neste mês, a moeda americana valorizou-se 15%, mas só parte da alta está refletida no cenário traçado pelo BC para a inflação. É mais um fator a sugerir que o comportamento dos preços pode ser ainda pior do que o previsto no relatório divulgado ontem.

O Banco Central fia-se na crise internacional para sustentar que a inflação brasileira não sairá do controle. Com base nesta crença, a autoridade monetária já antecipa que a taxa básica de juros deve ser reduzida nos próximos meses.

Mas a inflação brasileira já é hoje uma das maiores do mundo, segundo o G1. Entre economias de porte similar ao nosso, ela perde apenas para Índia e Rússia, ainda assim por estreita margem.

Admitir uma inflação mais alta pode acabar sendo uma forma, nefasta, de atingir uma das principais promessas de Dilma Rousseff: diminuir os juros reais no país a algo em torno de 2% ao ano. Com os preços subindo e a taxa básica caindo na marra, fica até fácil alcançá-la, mas o país perde sua maior conquista: a moeda estável.

“Se alguém perguntar se o governo ainda leva a sério o regime de metas, a questão será pertinente”, provoca O Estado de S.Paulo em editorial. “O BC já não olha mais para a meta da inflação, mas sim para a meta de reduzir juros”, responde Alcides Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios, a O Globo.


Uma forma bem mais saudável de permitir a queda dos juros seria aumentar o esforço fiscal. Mas também nisso os últimos resultados são negativos: o superávit de agosto foi o pior para o mês desde 2003. Os investimentos públicos estão estagnados, enquanto as despesas de custeio subiram 11,8% em relação aos oito primeiros meses de 2010.

O dado positivo é que, diferentemente do que aconteceu na crise de 2008/2009, a turbulência de agora pode ser aproveitada pelo governo para normalizar a exótica situação dos juros brasileiros, ainda os mais altos do mundo. Mas é péssimo – para não dizer inaceitável – que isso se dê pondo em risco a estabilidade da nossa moeda. Mais inflação é menos crescimento e desenvolvimento. Sempre.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Governo paradão

Dilma Rousseff chegou à presidência da República anunciada como o suprassumo em matéria de gestão e eficiência. Uma gerentona que não deixava nada dormitar no papel e que punha tudo para funcionar. Seus primeiros nove meses no cargo desmentem categoricamente a personagem.

A petista terminou a campanha do ano passado deixando uma lista de, pelo menos, 190 compromissos pregados na parede para serem cumpridos ao longo de quatro anos, conforme compilou o jornal O Globo logo após a eleição. No ritmo atual, a presidente vai deixar o cargo devendo.

Os números da execução orçamentária ilustram o estado de virtual paralisia que acomete a máquina pública petista. Não é um fenômeno novo; a gestão Lula também foi das mais pródigas em papagaiar que fazia muito, mas realizar quase nada. Se há um consolo, Dilma, pelo menos, fala menos.

O volume de desembolsos para investimentos caiu 2,4% neste ano até julho, em comparação com igual período de 2010. Hoje, o Tesouro Nacional divulgará os resultados de agosto, mas já se dá de barato no governo que o desempenho neste exercício ficará muito aquém do desejável.

“O problema é que o governo enfrenta dificuldades para gastar. A máquina administrativa ainda está emperrada, principalmente nos ministérios afetados pela ‘faxina’ da presidente. Segundo fontes da área econômica, muitos ministérios têm dinheiro em caixa, mas não conseguem tocar os investimentos”, sintetiza O Estado de S.Paulo.

Quem se dispuser a ir às minúcias do Orçamento Geral da União (OGU) irá se deparar com um quadro de semiestagnação. Mesmo vitrines como o Minha Casa, Minha Vida ou a instalação de Unidades de Pronto Atendimento (UPA) de saúde não conseguiram decolar na gestão Dilma.

O programa habitacional viu seu orçamento para este ano encolher, ceifado pela tesoura do ajuste fiscal: a verba caiu de R$ 12,6 bilhões para R$ 7,5 bilhões. Destes, porém, somente 0,5% foram aplicados até agora: ou seja, meros R$ 3,5 milhões, segundo reportagem publicada por O Globo no domingo a partir de levantamento feito pela Assessoria de Orçamento do DEM.

São as famílias de renda mais baixa as que mais sofrem com a má execução do programa. Para uma meta de 1,2 milhão de contratações por parte de quem ganha até três salários mínimos (R$ 1,6 mil), apenas 18.782 unidades foram contratadas até o último dia 19, informa hoje o Valor Econômico. Considerando todas as faixas de renda, cuja meta são 2 milhões de moradias, o número sobe para 261 mil, ainda muito pouco.

No caso das UPA, o OGU reserva R$ 271 milhões para serem gastos neste ano, mas até este mês só R$ 21 milhões foram executados, o que dá 7,7% da previsão orçamentária para 2011. Neste ritmo, ficará difícil cumprir a meta de instalar 500 unidades de pronto atendimento de saúde até o fim da atual gestão...

Ministérios diretamente ligados a obras de construção pesada como Transportes, Cidades e Integração Nacional não estão se saindo melhor. É também muito lento o ritmo de obras como a Transnordestina, a transposição do rio São Francisco ou, para ficar nas mais emblemáticas delas, as de mobilidade urbana nas cidades-sede da Copa de 2014.

É evidente que todo começo de governo, mesmo os de franca continuidade como o de Dilma, é problemático. Mas, no caso atual, há um misto de dificuldades naturais, incompetência explícita e clara opção política.

Brecar investimentos, ao mesmo tempo em que se aumenta a arrecadação de tributos, é a forma mais fácil de gerar caixa para superávits orçamentários, e é justamente este o caminho adotado pelo ajuste fiscal do governo Dilma. Garroteiam-se os gastos com obras e deixa-se correr frouxa a despesa com custeio da máquina, que sobe feito balão de gás hélio em dia de céu de brigadeiro.

Estima-se, segundo cálculos privados, que o país demande investimentos de R$ 350 bilhões para tornar sua infraestrutura minimamente decente até o fim desta década. A opção trilhada pela gestão Dilma onera ainda mais esta conta e posterga a conquista do objetivo. O governo petista está paradão e, quanto mais tempo perde, pior fica.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Onde há fumaça, há fogo

O governo prepara uma mudança que faz mal à saúde dos brasileiros: o afrouxamento das regras de combate ao tabagismo no país. O assunto tem sido tratado em surdina e corre o risco de entrar como contrabando numa medida provisória que tramita na Câmara. Será um retrocesso nocivo numa política que vem dando bons resultados.

São três as mudanças em análise: a permissão para funcionamento de estabelecimentos comerciais que admitam fumantes; a que libera adição de algumas substâncias aos cigarros; e a que diminui o espaço reservado a alertas e advertências nos maços.

Segundo O Estado de S.Paulo, as medidas “serviriam como uma espécie de compensação para a indústria do tabaco que, a partir do próximo ano, terá maior carga de impostos para seus produtos. Todas as propostas substituem, numa versão bem mais branda, medidas atualmente discutidas sobre os mesmos temas”.

As mudanças estão sendo propostas pelo deputado Renato Molling (PP-RS), relator da MP nº 540, que aumenta o IPI dos cigarros, e contariam com a “benção” do Ministério da Saúde. O texto deve passar por análise de outras pastas, entre elas a da Agricultura, cujo titular é um ferrenho defensor da indústria tabagista.

“Essas mudanças, se incorporadas, representarão um enorme retrocesso na política antitabagista do país”, avaliou Paula Johns, da Aliança para Controle do Tabagismo no Brasil. Ainda de acordo com o Estadão, Fazenda e Casa Civil opõem-se às alterações que estão sendo gestadas na Saúde.

O Brasil tem avançado na adoção de políticas públicas de combate ao tabagismo. O marco inicial foi a sanção, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, da lei que proíbe o uso de charutos, cigarros, cachimbos e outros derivados do fumo em recintos coletivos, em julho de 1996.

Seguiram-se ações corajosas como a que baniu a publicidade de cigarros nos meios de comunicação e a que obrigou os fabricantes a imprimir com destaque nos maços imagens e frases de advertência quanto aos riscos do hábito de fumar. Ambas implementadas na gestão do então ministro da Saúde, José Serra.

Pode-se dizer que a ofensiva antitabagista tem surtido efeito, ainda que mais lento que o desejável. Pesquisa divulgada em abril pelo Ministério da Saúde mostra que o percentual de adultos fumantes no país passou de 16,2% para 15,1% entre 2006 e 2010. Daí a necessidade não só de perseverar nas restrições, como também de ampliá-las.

Mas as mudanças que o Ministério da Saúde ora articula na MP 540 vão na direção contrária. Atropelam, por exemplo, as discussões em torno da aprovação de uma lei nacional para banir o fumo em recintos coletivos, cujo projeto tramita no Congresso desde 2008. Hoje existem apenas legislações estaduais neste sentido, que vedam a existência de fumódromos.

Também passam por cima de duas consultas públicas abertas pela Anvisa, ambas tratoradas pelo pesadíssimo lobby da indústria do fumo. Uma destas propostas aumentava o espaço para alertas e advertências nos maços e a segunda impedia a adição de quaisquer substâncias nos cigarros – estratégia muito usada pelos fabricantes para tornar o tabaco mais palatável e, assim, conquistar o hábito dos mais jovens.

Com a permissão ao fumo em recintos coletivos e à adição de aromas nos cigarros, serão os mais jovens as principais vítimas. Marcas aromatizadas com menta, chocolate, cravo etc são a porta de entrada para o vício. O produto é popular entre jovens: entre 2002 e 2005, o Inca ouviu 13 mil pessoas com 13 a 15 anos de idade e descobriu que 44% delas usam cigarros com aroma.

Este não será o primeiro golpe que o petismo desferirá numa política pública de saúde até então exitosa. Na gestão Lula, o governo aprovou documento para turbinar a produção do fumo no país, sugerindo ações que contrariam ou neutralizam o esforço para colocar em prática a Convenção-Quadro do Tabaco, firmado por 192 nações sob os auspícios da OMS para reduzir e prevenir o tabagismo.

Diante disso, não espanta que relatório recente da OMS liste o Brasil no grupo de países com a segunda pior classificação na adoção de políticas nacionais para garantir ambientes livres de fumo. Estamos, mais uma vez, na contramão do mundo: nos últimos dois anos, dobrou o número de pessoas ao redor do globo que têm a seu favor leis que proíbem o fumo em lugares fechados. Para nós, o que vai sobrar é mais fumaça.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Bem-vindos! De novo

Sem fazer nenhum alarde, o governo tomou na semana passada mais uma medida que contradiz a histórica oposição do PT aos investimentos privados em infraestrutura: lançou um novo pacote de concessões rodoviárias. E, de acordo com o Plano Plurianual (PPA) 2012-2015, prepara-se para ampliar ainda mais o uso desta possibilidade. Oxalá.

Na última quarta-feira, foi lançado o edital para concessão da BR-101 no Espírito Santo. O trecho é um dos mais perigosos da rodovia, que acompanha toda a costa brasileira de norte a sul. São 476 km entre Mucuri (BA) e a divisa entre Espírito Santo e Rio. O leilão deve ocorrer em dezembro.

Pelo que foi divulgado, é apenas o primeiro passo de um lote de 5 mil km de estradas que o governo federal pretende conceder à iniciativa privada. Agora sim, a gestão petista pode bradar a plenos pulmões: nunca antes na história privatizou tantas rodovias. E é bom que assim seja.

Outros dois lotes devem sair do forno em breve: a BR-116 em Minas Gerais e a BR-040 entre Brasília e Juiz de Fora, cujos editais já estão sendo analisados pelo TCU. Os leilões podem acontecer até fevereiro. Tudo considerado, serão investidos R$ 6,7 bilhões.

Estuda-se também usar um novo modelo para rodovias com baixo tráfego, onde os pedágios teriam valores proibitivos. Trata-se da chamada “concessão administrativa”, pela qual o governo transfere a operação da estrada para uma empresa ou consórcio privado em contratos de longa duração, mediante pagamentos anuais da União, sem pedagiamento.

O PPA para o próximo quadriênio exprime o compromisso do governo Dilma Rousseff com a retomada das concessões das rodovias federais, sob alegação de “propiciar mais segurança e qualidade no deslocamento”. Já era tempo.

As últimas ações federais nesta seara foram a transferência da BR-381 (rodovia Fernão Dias, entre São Paulo e Belo Horizonte) e da BR-116 (Régis Bittencourt, entre São Paulo e Curitiba) à administração privada, no já longínquo ano de 2007.

As concessões sempre foram uma alternativa de investimento defendida e praticada pelos governos do PSDB, por desonerar o Estado e por gerar melhorias mais imediatas aos usuários. Os benefícios ficam evidentes, por exemplo, para quem circula pela malha concedida em São Paulo – a mais segura do país – e em Minas. Tudo isso feito sempre sob a ferrenha oposição do PT e de seus aliados.

Tivesse o governo petista jogado este rançoso dogma no lixo há mais tempo, a população brasileira não estaria hoje amargando os dissabores que a nossa depauperada infraestrutura viária nos causa. Continuamos às voltas com aeroportos sucateados, estradas perigosíssimas, portos que fecham as portas do mundo ao produto brasileiro.

Tivesse a gestão Lula agido a favor do Brasil, também o governo brasileiro não estaria tendo de rebolar para pôr as obras da Copa de 2014 de pé. Ou, sendo mais preciso, para evitar que os empreendimentos com vistas ao torneio não desmoronem de vez e se tornem um fiasco, como mostrou a Folha de S.Paulo no domingo.

“O governo perdeu o controle do andamento das obras ligadas ao evento e pôs em risco o legado de infraestrutura que ele poderia deixar para o país. (...) O balanço mais recente do governo sobre os projetos da Copa já está desatualizado. Prazos indicados no documento não batem com informações das cidades-sede, e outros soam irreais diante dos problemas que as obras têm enfrentado”, resumiu o jornal.

Entre os atrasos mais evidentes, está o dos aeroportos. A única saída encontrada foi, finalmente, optar pelas concessões, que os tucanos sempre defenderam e os petistas sempre refutaram. Mesmo assim, com tempo já exíguo, dos 13 terminais que receberão obras, pelo menos quatro não ficarão prontos a tempo e sete só melhorarão com base nos improvisados “puxadinhos”.

Registre-se, ainda, que das 49 obras de mobilidade urbana da Copa, só nove foram iniciadas, implodindo a possibilidade de o evento deixar um legado de melhorias para quem vive nos nossos centros urbanos. E pelo menos cinco estádios vão estourar o prazo inicial fixado pela Fifa. Um vexame de proporções históricas.

As concessões sempre foram demonizadas pelo PT, a fim de transformá-las numa bandeira oportunista para ser usada em épocas de campanha eleitoral. Com slogans vazios, os petistas contaminaram o debate e impediram por anos o avanço desta modalidade de investimento, que já provou seu valor em todo o mundo e à qual agora o governo Dilma finalmente se curva. Sejam bem-vindos.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Carga pesada

É insaciável a gula do governo petista pelo dinheiro do contribuinte. A carga tributária do país continua crescendo, mas as autoridades federais já avisaram que vão insistir na criação de mais impostos. Sobram argumentos para refutar esta nefasta intenção.

Na sexta-feira, a Receita Federal divulgou seus cálculos sobre o comportamento dos tributos brasileiros no ano passado. O resultado, todos já havíamos sentido no bolso: cresceu, mais uma vez, o percentual da riqueza nacional consumido com pagamento de impostos, taxas e contribuições aos fiscos.

Em 2010, a carga atingiu 33,56% do PIB, superando os 33,14% do ano anterior. Se a conta incluir royalties do petróleo e outros tributos arrecadados pela União mas excluídos pela Receita por razões metodológicas, a carga global vai a 35,16% do PIB, aponta estudo feito pelos economistas José Roberto Afonso e Kleber Castro.

Mesmo entre fontes oficiais, a previsão é de que a carga tributária brasileira voltará a subir neste ano. Estudos independentes preveem algo próximo a 37% do PIB, com aumento de 1,3 a 1,6 ponto percentual sobre 2010. Só o céu parece ser o limite.

O comportamento da arrecadação em 2011 tem sido francamente ascendente. Até agosto, segundo dados divulgados na quinta-feira pelo governo, as receitas cresceram 13,3% reais, ou seja, já descontada a inflação do período.

A Receita tem registrado recordes mensais sucessivos e em agosto não foi diferente: R$ 74,6 bilhões foram arrecadados no mês. No ano, já são R$ 630,5 bilhões acumulados nos cofres federais. Isso significa R$ 108 bilhões a mais do que o registrado entre janeiro e agosto de 2010. Até dezembro, o total recolhido dos contribuintes brasileiros, nas três esferas (União, estados e municípios), deve chegar a R$ 1,42 trilhão.

Tanto dinheiro não é, porém, suficiente para apaziguar a sanha arrecadatória do governo Dilma Rousseff. Em entrevista publicada hoje n’O Estado de S.Paulo, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, avisa: vem aí um novo imposto.

“O governo tem clareza de que precisa de novas fontes para a saúde. Nós já colocamos o dedo na ferida. (...) É um novo imposto, que poderá ser de uma forma ou de outra”, afirmou ela, sem dar margens a dúvidas. Vade retro.

O governo fala que precisa de mais R$ 45 bilhões para equiparar os gastos com o setor de saúde no país aos de nações como Chile e Argentina. Mas só o que vem arrecadando a mais desde que a CPMF foi extinta já é mais que suficiente para isso.

Vale ter presente o seguinte: quando foi derrubada, em dezembro de 2007, a CPMF rendia aos cofres federais cerca de 1,4% do PIB. Ocorre que as receitas tributárias devem fechar 2011 num patamar 1,5 ponto percentual acima do verificado em 2007. Ou seja, mesmo sem a CPMF, os demais tributos já aumentaram 2,9 pontos do PIB nestes últimos quatro anos. Foram, portanto, mais que suficientes para compensar a perda do “imposto do cheque” que o governo do PT tanto quer ver ressuscitado.

A gestão petista deveria estar mais preocupada agora em recuperar o espírito original da Emenda Constitucional nº 29, que previa vinculação de 10% das receitas da União ao setor de saúde. Pelo texto aprovado no Congresso, Estados destinarão 12% e municípios, 15%. A União fica obrigada a apenas corrigir seus repasses com base na variação do PIB.

Nada justifica, portanto, a intenção manifestada por Ideli ao Estadão de impor uma sobrecarga tributária ao contribuinte brasileiro. A saída para melhorar os deficientes serviços de saúde prestados aos cidadãos é conhecida: aprimorar a qualidade dos gastos, evitar desperdícios e tapar o ralo da roubalheira.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Barbeiragens no dólar

O mundo vive novo capítulo da crise financeira. Como parte do enredo, o dólar está subindo em todos os cantos, mas no Brasil está em alucinada disparada. Barbeiragens da equipe econômica petista, com suas ações ziguezagueantes, ajudam a explicar por que a situação da moeda americana ficou tão dramática aqui.

A valorização do dólar era algo há muito tempo desejada pelo setor produtivo brasileiro, principalmente por indústrias e exportadores. Com o real tão apreciado como esteve nestes anos todos, ficou difícil competir com importados e também vender ao exterior. A alta da moeda americana seria, portanto, bem-vinda. Mas não no ritmo em que está se dando.

Em menos de dois meses, a cotação saiu do piso de R$ 1,55 para triscar a barreira dos R$ 2, como ocorreu ontem. Uma escalada tão acelerada implode qualquer planejamento e torna-se uma dor de cabeça até mesmo para quem sonhava com um dólar mais caro para tornar os produtos brasileiros mais competitivos no mercado externo.

“A volatilidade do dólar afeta a economia mais do que a alta em si. Se houvesse uma desvalorização lenta do real, as empresas teriam tempo de contratar produtores locais, o que ajudaria a economia interna. Mas um salto de 20% em 15 dias pega empresas e pessoas no contrapé”, comenta Miriam Leitão n’O Globo.

O mercado de câmbio no Brasil se desgarrou do resto do mundo. A situação aqui está muito mais aguda. Enquanto o real teve, nesses 22 dias de setembro, uma depreciação de 16,31%, a valorização do dólar perante uma cesta de moedas das principais economias globais foi bem menor, de 6,01%. É aí que entram as barbeiragens tupiniquins.

Há algumas semanas, o governo Dilma Rousseff puniu operações de câmbio com a imposição de um IOF de 6%. A intenção era forçar a alta do dólar. Poderia funcionar num ambiente de maior normalidade, mas tornou-se um veneno num momento em que todos correm para comprar a moeda.

Com a nova rodada de turbulências globais, a oferta de dólar ficou limitada e a medida mostrou-se inoportuna. Com ela, o governo retirou do mercado justamente o agente que equilibra as cotações da moeda e que poderia fazer com que o dólar subisse menos agora.

“No momento de pânico que estamos vivendo, esse imposto funcionou como uma restrição importante nos negócios com o real, pois pune os que, sabendo que esse movimento de pânico em algum momento vai passar, poderiam estar comprando reais e amortecendo sua queda”, comenta Luiz Carlos Mendonça de Barros na Folha de S.Paulo.

Outros fatores que introduziram alta tensão no mercado foram o corte abrupto da taxa básica de juros e o aumento de impostos para automóveis importados, vistos como sinal de que “não há mais regras estáveis nem previsibilidade no país”, segundo Claudia Safatle, do Valor Econômico.

O calo do dólar vai apertar mesmo é quando a desvalorização atual do real começar a se refletir nos preços ao consumidor – metade deles é afetada pelo câmbio. Produtos manufaturados, industrializados em geral e importados demorarão um pouco mais para acusar o golpe, porque suas compras são fechadas com bastante antecedência – portanto, ainda àquelas cotações mais baixas.

Mas as matérias-primas e os alimentos já passarão a incorporar rapidamente a alta. É o que deve acontecer, por exemplo, com pães, massas e cereais em geral. No início de outubro, o pãozinho francês do café da manhã já deverá estar até 10% mais caro e os macarrões, 5%.

Assustada, a equipe econômica de Dilma já admite voltar atrás em algumas medidas, como a contraproducente taxação das operações cambiais no mercado futuro e a dos empréstimos tomados no exterior, além da revogação de limites a negócios de bancos com dólares, informa a Folha.

Mais uma vez, o que transparece é que as ações de política econômica do governo petista são erráticas e inconsequentes. Os acertos resultam muito mais de lances de sorte do que de acuradas medidas. Desta vez, parece difícil que não dê tudo errado.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O partido das taxas

A recriação da CPMF foi ferida de morte ontem com a votação da regulamentação da Emenda Constitucional nº 29 pela Câmara. Mas ainda não foi a bala de prata. O PT votou a favor da ressurreição do tributo e vai insistir em avançar no bolso do contribuinte. É o partido das taxas em ação.

A proposta de criação do novo tributo chegou ao Congresso em 2008, enviada pelo governo Lula. Um destaque apresentado pelo DEM inviabilizou-o: o texto aprovado ontem retira a base de cálculo sobre a qual incidiria a Contribuição Social para a Saúde, a reencarnação da CPMF. Sem ela, não há imposto novo.

Dos deputados, 355 votaram contra o novo tributo e 76 a favor – quase todos do PT. Derrotados na Câmara, os petistas vão tentar emplacar a nova CPMF no Senado, justamente onde o “imposto do cheque” foi derrubado pela oposição em dezembro de 2007. Não agem isoladamente; têm o aval do governo para isso.

A presidente da República não quer se expor ao desgaste da criação de um imposto, ainda mais um tão famigerado quanto a CPMF. Ao longo das últimas semanas, ela protagonizou um jogo de idas e vindas para despistar seu desejo de contar com mais recursos em caixa. Mas as reais intenções são cristalinas: impor nova carga ao contribuinte.

“Nesta novela, Dilma Rousseff tenta ficar apenas com um papel coadjuvante, de quem faz o diagnóstico sobre a situação da saúde brasileira e suas necessidades de mais recursos para se tornar um serviço de ponta. O fato é que Dilma quer novas fontes de recursos para a saúde”, analisa Valdo Cruz na Folha de S.Paulo. Não restam dúvidas quanto a estas pretensões.

Nos últimos dias, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ocupou-se em divulgar seguidos “estudos” indicando a necessidade de mais recursos para financiar a saúde. Num deles, mostrava que a regulamentação da EC 29, tal como estava o texto, retira R$ 6 bilhões do setor, por excluir o Fundeb dos cálculos. O Senado deve corrigir isso.

Noutro, acusou parte dos estados de não cumprir o que estabelece a emenda, ou seja, a aplicação de 12% de suas receitas em saúde. E, anteontem, trouxe a público levantamento que sugere que o Brasil precisaria gastar mais R$ 45 bilhões – quase exatamente o que se arrecadava com a CPMF em 2007 – para equiparar-se aos investimentos de vizinhos como Chile e Argentina no setor.

Ou seja, o governo tenta disseminar na opinião pública a impressão de que não se melhora a saúde sem arrancar mais dinheiro dos cidadãos. Mas não mostra a menor disposição para fechar os ralos da corrupção, que drenaram pelo menos R$ 2,3 bilhões do setor nos últimos nove anos, nem para melhorar a eficiência dos gastos.

Dinheiro de impostos, convenhamos, há, e muito. Aumentos nas alíquotas de tributos como CSLL e IOF mais que compensaram a perda de arrecadação da CPMF desde 2007, mostrou a Folha de S.Paulo na segunda-feira. Pelas estimativas oficiais, a receita total da União deverá chegar perto de 20% do PIB até dezembro, já descontados repasses obrigatórios para estados e municípios. Um recorde absoluto.

A previsão de receita do governo federal para este ano é de R$ 997 bilhões. O valor da nova estimativa foi divulgado pelo Tesouro nesta semana e confirma todos os prognósticos de que o governo do PT, o partido das taxas, arrecada como nunca. Só em relação ao bimestre anterior (o terceiro), o aumento foi de R$ 25 bilhões.

Vejamos qual foi o comportamento da arrecadação ao longo da gestão petista. Ela só caiu em 2003 e 2009. Nos demais exercícios, houve seguidos aumentos reais, ou seja, sempre acima da inflação: 10,6% em 2004; 5,65% em 2005; 4,48% em 2006; 11,09% em 2007; 7,68% em 2008; e 9,85% em 2010.

Continua assim neste ano. Entre janeiro e julho últimos, foram arrecadados R$ 67 bilhões a mais do que nos sete primeiros meses de 2010, já descontada a inflação do período. O aumento real é de 14%. Vale lembrar que apenas cerca de 7% deste bolo vai para a saúde...

A despeito de tudo isso, a regulamentação da EC 29 é uma vitória da saúde pública. A proposta chegou ao Congresso em 2000, no bojo de uma mobilização suprapartidária liderada pelo então ministro da Saúde, José Serra. Resta agora ao governo do PT, o partido das taxas, cumprir o que diz a lei, sem assaltar, mais uma vez, o bolso do contribuinte.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Coquetel indigesto

Não é bom o momento econômico atual. O Brasil aparece em más companhias na lanterninha do ranking de crescimento mundial. Ao mesmo tempo, a inflação dá mostra de que será mais difícil de ser domada do que gostaria o governo. Menos crescimento e mais inflação são um coquetel indigesto para a geração de renda e empregos no país.

O FMI divulgou ontem suas previsões para o comportamento da economia mundial neste e no próximo anos. O Brasil apareceu mal na foto. Seremos o país com o segundo pior desempenho na América Latina, à frente apenas da Venezuela de Hugo Chávez.

A previsão é de que o crescimento do PIB brasileiro fique em 3,8% neste ano e em 3,6% em 2012. Na média, nos sairemos pior do que a região (4,9%), os emergentes (6,4%) e o mundo em geral (4%). Só os países mais desenvolvidos, mergulhados em crise braba, terão desempenho mais sofrível, abaixo de 2%.

Mas a situação pode ser ainda menos favorável. Os prognósticos do FMI são mais otimistas do que a média das previsões feitas pelos analistas locais e expressas no Boletim Focus que o Banco Central edita toda semana. Estes projetam apenas 3,5% de crescimento para 2011.

Uma dos fatores que explicam a discrepância é que o FMI vê com óculos de lentes cor-de-rosa a situação fiscal no Brasil. Os técnicos de lá creem que o compromisso do governo Dilma Rousseff com o equilíbrio das contas públicas é para valer.

Parecem desconhecer que os gastos por aqui não param de crescer; que as previsões para o ano que vem são de mais despesas e mais contratações de funcionários; que o ajuste fiscal é feito na base de maior arrecadação de tributos e não de maior austeridade nos dispêndios.

“A avaliação [do FMI] do controle fiscal no Brasil é uma questão de fé. (...) A aposta do FMI quanto ao recuo da inflação brasileira até o centro da meta, no fim de 2012, até poderá ser sancionada pelos fatos, mas nada, até agora, indica o acerto da manifestação de confiança na austeridade fiscal do governo”, comenta O Estado de S.Paulo em editorial.

A previsão de menor crescimento feita pelos analistas – os nossos e os de lá – coincide com outra má notícia para o país: a inflação continua subindo. O IPCA-15, que funciona como espécie de prévia do IPCA, dobrou de agosto para setembro, atingindo 0,53%. Foi a maior alta para esse mês desde 2003.

No acumulado nos últimos 12 meses, a inflação está agora em 7,33%. Já excede com sobras o teto da meta oficial prevista para 2011, que é de 6,5%. O governo vinha dizendo que neste mês os preços já começariam a ceder, mas esta esperança foi transferida para outubro, na melhor das hipóteses.

Os aumentos se disseminam por dois terços dos produtos. Alimentos estão entre os itens que mais subiram de preço em setembro. Os brasileiros estamos pagando mais por açúcar cristal (4,72%) e refinado (4,59%), leite (2,64%), frango (2,51%), carnes (1,79%) e arroz (1,74%). Comida mais cara compromete a renda do trabalhador.

A inflação dos serviços pesa ainda mais no bolso dos cidadãos: encostou nos 9% no acumulado em um ano. Com os aumentos salariais obtidos por categorias profissionais importantes – os metalúrgicos do ABC paulista, por exemplo, acabam de obter reajuste de 10% – a tendência é de demanda maior e, consequentemente, mais repasses para os preços.

O cenário pode ficar mais turvo por causa do dólar, que acumula alta de 12% apenas neste mês. Em seu longo período de baixa, a moeda americana colaborou para conter os preços internos. Agora este aliado está desaparecendo.

Tudo considerado, o país caminha para conviver com uma situação em que a economia cresce menos e a inflação mantém-se alta. A melhor tradução disso é que sobrará menos dinheiro no bolso dos brasileiros, onde a dor é sempre maior.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Feriado para o planejamento

É com o famoso “jeitinho brasileiro” que o governo Dilma Rousseff pretende enfrentar os problemas e desafios advindos do Mundial de 2014. A divulgação da Lei Geral da Copa, ocorrida ontem, cinco meses após o prazo inicialmente previsto, indica que o improviso mantém-se como a principal marca dos preparativos oficiais para o torneio de futebol.

O governo petista arrumou uma forma de driblar os contratempos que a realização dos jogos deve causar a metrópoles insuficientemente preparadas para grandes eventos: decretar feriados nas datas dos jogos.

A medida visa compensar o atraso nas obras de mobilidade urbana previstas para a Copa e que, ao que tudo indica, não sairão do papel a tempo. Será uma forma de esvaziar as ruas e tentar evitar o caos no trânsito.

É assim, na base de remendos, que o Brasil do PT vai se aprontando para um evento para o qual teve quase oito anos para se preparar, mas, passados quatro anos, quase nada fez até agora. É a cultura da improvisação.

Encarregada de “planejar” os investimentos com vistas à Copa, a ministra Miriam Belchior não vê problema algum em as obras relacionadas à melhoria e expansão de linhas de trens, monotrilhos, metrôs, corredores de ônibus e vias urbanas não estarem prontas a tempo para o torneio.

“As obras de mobilidade são importantes, mas como legado. Não são essenciais para o funcionamento da Copa do Mundo. Se eu der feriado no dia do jogo, a cidade vai estar em condições de não ter trânsito para a locomoção dos torcedores”, justificou ela, em sua peculiar visão do que é fazer planejamento.

Belchior diz que o importante é garantir os estádios e os hotéis, bem como os aeroportos e os portos (onde as obras hoje são também uma miragem). Ela só não explica como um visitante que eventualmente desembarque e se hospede sem problemas no país vai se locomover aos estádios sem as obras de mobilidade. Só dando feriado para o planejamento.

Conforme balanço oficial divulgado na semana passada, de um total de 49 obras de mobilidade urbana, só nove foram iniciadas até agora, o que dá menos de 20%. Das 40 restantes, três estão em fase de projeto, 27 por licitar e três encontram-se em licitação. Ou seja, o que a Copa de 2014 poderia trazer de herança bendita para os brasileiros provavelmente ficará para as calendas.

Em seus 46 artigos, a Lei Geral da Copa também traz outros pontos polêmicos. A meia entrada para idosos foi assegurada, mas para estudantes não. A venda de bebidas alcóolicas – cujos efeitos benéficos em termos de diminuição da violência em estádios são evidentes – será permitida nos jogos do torneio. A atividade de ambulantes nas proximidades das arenas será proibida. Tudo no intuito de satisfazer a Fifa.

Não é só na parte legal que os organizadores oficiais da Copa exibem improviso. Na financeira a situação é muito pior. Ninguém no governo federal sabe ao certo quanto a realização do evento vai custar ao país: as estimativas variam de R$ 23,4 bilhões a R$ 112 bilhões. Disse ontem a ministra do Planejamento a respeito: “Eu desconheço qual é o valor que vai custar a Copa do Mundo no Brasil. Não há nenhum estudo que diga isso.”

A justificativa oficial para o alto grau de improvisação é que apenas em 2009 as cidades-sede da Copa foram definidas. Sim, mas era pule de dez que metrópoles como São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Brasília não teriam como ficar fora da lista. Havia, portanto, margem suficiente para a ação preventiva do governo.

Se para a Copa, que está logo ali, a menos de mil dias, já há um rosário de demonstrações de má gestão, para as Olimpíadas de 2016 não é diferente. Mostra O Globo hoje que uma das empresas estatais criadas especialmente para o evento – a surreal “Empresa Brasileira de Legado Esportivo Brasil 2016” – será extinta antes mesmo de ver a luz do sol. Mas não sem antes pagar meses de jetons aos integrantes de seu conselho de administração, entre eles a notável planejadora Miriam Belchior.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Viagem ao reino das carroças

A decisão de aumentar as alíquotas de IPI sobre os carros importados vai muito além de tentar resolver um problema conjuntural da indústria brasileira. Por trás da proteção ao nosso parque automobilístico, o governo mais uma vez ajuda um setor que bate recordes de vendas e trabalha com altas margens de lucro. Ao consumidor, sobrarão as carroças.

Válida até dezembro de 2012, a decisão da equipe econômica aumenta em até 30 pontos percentuais o IPI de veículos que não tenham pelo menos 65% do conteúdo produzido no país. As medidas podem contrariar as regras da OMC. O governo resolveu comprar a briga em nome do “interesse nacional”, mas a realidade mostra que pode não ser este o caso.

Para começar, não se pode dizer que a indústria automobilística esteja passando por uma crise. A partir de dados da Anfavea, O Estado de S.Paulo mostrou, no sábado, que o número de veículos nacionais licenciados e a receita com exportações cresceram neste ano (2,2% e 17,3%, respectivamente, em relação aos oito primeiros meses de 2010).

É verdade que também é vigorosa a entrada de importados. Até a semana passada, haviam sido emitidas licenças de importação para 860 mil automóveis, o equivalente a US$ 13,5 bilhões, e outros 660 mil veículos aguardam liberação, o que pode representar mais US$ 5,8 bilhões em compras.

Mas 75% desses automóveis estrangeiros são importados de fábricas das próprias montadoras. E o país do qual mais compramos é a Argentina, que, assim como o México, ficou livre das medidas restritivas, graças a acordos comerciais existentes. Ou seja, o aumento de IPI não os atinge. 

Fato é que a indústria automobilística travou uma queda-de-braço com a gestão petista e levou a melhor.

Como parte do programa Brasil Maior, o governo havia acenado com a redução do IPI para as montadoras instaladas no país em troca de algumas contrapartidas, ainda que sem obrigação de repasse dos ganhos para o preço final. As empresas resistiram e agora ganharam benefício similar sem ter que dar nadinha em troca.

Não se cobrará das montadoras que invistam, por exemplo, na fabricação de veículos mais eficientes e menos poluentes. Nem que contratem mais trabalhadores ou sejam mais produtivas. Tudo considerado, é difícil enxergar benefícios para o consumidor nacional a partir da imposição das novas barreiras.

Não se deve esquecer que os veículos nacionais são muito mais caros se comparados aos similares importados. Por exemplo, um mesmo modelo do Gol é vendido por R$ 46 mil aqui e R$ 29 mil no Chile.  Nesse sentido, a medida do governo pode, inclusive, ter evitado uma possível queda de preços: as montadoras tinham excesso de estoques, que, para serem desovados, tendiam a ser vendidos mais baratos no varejo.

Uma das primeiras consequência do aumento do IPI é desestimular a chegada de novas montadoras ao país – a chinesa JAC Motors já suspendeu seus planos de investir US$ 600 milhões aqui. A complexidade de instalação de uma planta automobilística exige que, nos primeiros meses de operação, a importação das autopeças seja alta, quase sempre superior a 65%. Com os impostos lá em cima, tais empreendimentos ficam praticamente inviáveis.

A princípio, proteger nossas indústrias é algo que pode ser benéfico ao país. Mas, se não forem aplicadas com muito critério, medidas protecionistas podem trazer enormes malefícios aos consumidores.

Muitos hão de se lembrar que, até o começo dos anos 90, era gritante a diferença tecnológica e de preços de uma série de produtos brasileiros em relação aos importados: nossos carros eram verdadeiras “carroças” e computadores pessoais eram artigo de luxo. Dispunham ambos de uma nociva reserva de mercado.

“Foi a maior competição que obrigou montadoras a investir em equipamentos e trazer ao país inovações antes exclusivas de mercados mais desenvolvidos. A competição, somada a incentivos fiscais e expansão do crédito, catapultou a produção de veículos, de 860 mil em 1991 para quase 3,4 milhões de unidades, no ano passado”, recorda o Valor Econômico em editorial hoje.

Ou seja, quando a economia brasileira abriu-se, o panorama mudou rapidamente, para melhor. Passamos a ter acesso a artigos de alta qualidade e com bons preços. Para sobreviver, nossos empresários precisaram se modernizar. Barreiras protecionistas vão contra isso.

“Outros setores da indústria de transformação a partir de agora vão demandar tratamento semelhante e corremos o risco – principalmente o cidadão consumidor – de uma rodada importante de fechamento via impostos de nossa economia”, escreve Luís Carlos Mendonça de Barros no Valor hoje.

Se o governo acha a que a indústria enfrenta concorrência desleal, teria outras saídas que não aumentar impostos. Uma delas, abrir processos antidumping contra quem, em tese, age de má-fé. Outra, muito mais importante, seria proporcionar boas condições de competitividade.

Mas, com a nova elevação do IPI, o governo mostra que resolveu, novamente, lançar mão de medidas paliativas e recheadas de efeitos colaterais indesejáveis para enfrentar situações complexas. Na ótica petista, o que vale é o horizonte de curto prazo, onde políticas estruturantes de fôlego nunca têm vez.  

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Mil dias entre céu e inferno

Faltam mil dias para a bola rolar na Copa do Mundo do Brasil de 2014. Quem vê a forma como o país está se preparando para receber o evento não consegue crer que tudo estará pronto a tempo. O governo gastou anos dando toquinho de lado e agora precisa partir para o ataque, apelando até para gol de mão.

Eventos como o Mundial de Futebol são oportunidades de ouro para que um país dê saltos à frente no seu nível de desenvolvimento. O enorme afluxo de dinheiro, a atenção e os interesses que o torneio atrai em todo o mundo permitem que se gerem benefícios duradouros para a sociedade.

Infelizmente, a perspectiva no Brasil não é esta. Visto de hoje, dificilmente a Copa de 2014 deixará um legado para a população na forma de melhoria expressiva das condições de infraestrutura e qualidade de vida, principalmente em termos de mobilidade urbana – algo cada vez mais premente para quem circula nas nossas caóticas metrópoles.

O Brasil terá de fazer em mil dias o que não fez nos 1.417 que se passaram desde a data em que foi escolhido pela Fifa para sediar a Copa do Mundo de 2014. O país foi oficialmente confirmado como anfitrião do Mundial em 30 de outubro de 2007. É difícil conceber que nestes quase quatro anos tenhamos feito tão pouco.

Balanço oficial divulgado anteontem pelo governo Dilma Rousseff mostra que 64% dos empreendimentos voltados para a Copa ainda não saíram do papel. De 81 obras, incluindo construção e reforma de estádios, ampliação de aeroportos, intervenções urbanas, melhorias viárias, adequações em portos, 52 simplesmente não começaram.

A situação é pior justamente onde mais interessa aos cidadãos: nas intervenções voltadas a melhorar as condições de mobilidade urbana. De um total de 49 obras desta natureza, só nove foram iniciadas até hoje, o que dá menos de 20%. Das 40 restantes, três estão em fase de projeto, 27 por licitar e três encontram-se em licitação.

Os investimentos previstos para mobilidade urbana somam R$ 12,1 bilhões. Das 12 cidades-sedes da Copa, em sete nenhuma intervenção desta natureza – o que inclui linhas de trens, monotrilhos, metrô, corredores de ônibus e melhorias viárias – foi iniciada.

Em portos e aeroportos, a penúria é igual ou pior. Todas as sete obras de infraestrutura portuária, orçadas em R$ 898 milhões, continuam no papel. Dos 13 aeroportos que terão melhorias – já que Viracopos, em Campinas, também será contemplado – somente oito tiveram obras iniciadas; neles, prevê-se investir R$ 6,4 bilhões.

O governo Dilma prefere ver calmaria onde impera tempestade. Tenta chamar a atenção para o fato de que as arenas estão, em sua maior parte, em obras e com cronograma razoavelmente em dia. “O mais importante é o estádio”, acha o ministro dos Esportes. Só pode ser brincadeira.

Desdenha, também, do fato de o custo dos estádios ter subido assustadoramente, além do que um gasto que deveria ser eminentemente privado está, em boa medida, sendo bancado por dinheiro público.

Vendo que o cronômetro do jogo já vai avançado, o governo vai alterando as regras do jogo. Acaba de eliminar o prazo para que obras da Copa fossem pelo menos licitadas, que venceria em dezembro. Mas concentra sua maior aposta para fazer os empreendimentos deslancharem na adoção do Regime Diferenciado de Contratações (RDC). Trata-se de uma espécie de gol de mão de desesperado.

Como se sabe, o RDC afrouxa as regras para contratação de obras públicas, abre um flanco na zaga para aumentos de preços e dificulta a vigilância e a fiscalização do juiz, por sua parca transparência. Em razão disso, está sob fogo cruzado tanto dos partidos de oposição (PSDB, PPS e DEM) quanto da Procuradoria-Geral da República, que o considera inconstitucional.

Com o RDC, os orçamentos da Copa, que já não eram pequenos, correm risco de ir para a estratosfera. As estimativas hoje disponíveis são suficientemente divergentes para justificar temores e exigir mais, e não menos, rigor dos sistemas públicos de fiscalização e controle – tudo o que o governo do PT não quer.

Os atrasos e as delongas da gestão petista já estão custando bastante caro à sociedade. O que se cobra é que, nesta altura do campeonato, os improvisos nos preparativos para a Copa do Mundo tenham chegado ao seu limite. Que a bola vai rolar a partir de 12 de junho de 2014, ninguém duvida. Mas os que os brasileiros esperam é que sobre algum benefício para contar história depois que a festa do futebol acabar.


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Ministério ficha suja

O dominó da corrupção derrubou mais um. Pedro Novais tornou-se ontem o quinto ministro a cair antes de completados nove meses do governo Dilma Rousseff, uma marca nunca antes vista na história do país. Nesta verdadeira Esplanada da ficha suja, o que menos conta é o interesse público.

Até agora, quatro ministros do governo petista caíram sob acusação de corrupção: Novais, Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes) e Wagner Rossi (Agricultura). Um saiu por incompatibilidade de gênios – Nelson Jobim (Defesa) – e outros dois intercambiaram de cadeira – Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Luiz Sérgio (Pesca).

Tudo considerado, quase 19% do ministério já mudou antes que a atual gestão completasse seu nono mês de vida. É recorde absoluto no campeonato mundial de má gestão e falcatruas em série com o dinheiro público. Sem falar nas dezenas de alterações nos escalões intermediários. Será que Dilma não fazia ideia de quem ela estava escalando para sua equipe?

A saída de Novais também expõe, mais uma vez, a falácia da “faxina ética” da presidente. Mais uma vez, Dilma Rousseff agiu a reboque da imprensa. Depois de seguidos desgastes envolvendo denúncias de mau uso de dinheiro público, que foram de pagamento de motel a contratação de governanta e motorista, Novais pediu demissão ontem. Não foi demitido.

“A fórmula reproduziu protocolo usado em todas as quatro demissões anteriores, em que partiu do ministro, e não da presidente, o ato final de desembarque. Formalmente, a presidente jamais tirou um ministro de sua equipe”, sublinha a Folha de S.Paulo.

A faxina de Dilma é a faxina do paninho e do espanador: só serve para esconder a sujeira. Sua concepção peculiar de economia doméstica dá dimensão do que ela pensa do conceito: “Faxina começa às 6h da manhã e às 8h já acabou”, disse a presidente, numa entrevista recente. Só se for na casa dela.

Quem continua a dar as cartas é o fisiologismo, que exibiu-se novamente já na nomeação do novo ministro do Turismo, Gastão Vieira. Deputado pelo PMDB maranhense, ele chega ao cargo com a vistosa credencial de ser “apadrinhado de José Sarney” e nenhuma outra qualidade visível a olho nu.

Antes de chegar ao escolhido, o PMDB chegou a apresentar uma lista de 80 ministeriáveis, formada por todos os seus deputados na Câmara. Escárnio? Entre os candidatos, tinha desde quem tem pencas de investigações nas costas, como Marcelo Castro (PI), a parlamentar acusado de assassinato, como Manoel Júnior (PB).

Eventuais compromissos com projetos de governo ficaram, de novo, em enésimo plano. Cuidar do turismo no país que sediará uma Copa do Mundo daqui a mil dias e uma Olimpíada em menos de cinco anos ninguém parece disposto a cuidar.

A pasta é um apêndice na estrutura do governo, sem função estratégica ou ações de monta. Do orçamento de que o Turismo dispunha neste ano (R$ 3,7 bilhões), sobraram menos de 20%; o restante foi bloqueado pelo Executivo. Em contrapartida, grassam por lá denúncias de corrupção, prisões em série e desvios, que já chegaram a 60% das verbas repassadas pelo governo federal, segundo O Globo.

O Ministério do Turismo é um microcosmo do que acontece na Esplanada de Dilma: as pastas são entregues às legendas aliadas na base da porteira fechada, ou seja, são tratadas como feudos partidários, dissociadas do fim ao qual deveriam se dedicar. “Tudo em nome da ‘governabilidade’ - inclusive o mensalão”, comenta O Globo em editorial.

Reinando esta lógica, novas baixas não devem demorar a acontecer. O próximo candidato à guilhotina é Mário Negromonte, que, da cadeira de ministro das Cidades, distribui verbas públicas a granel para a Bahia, sua base eleitoral, e é acusado de pagar mesada em troca de apoio dos parlamentares do PP.

Num governo montado na base do toma-lá-dá-cá, episódios como o de Novais já não espantam; tornaram-se parte da paisagem. O PT ressuscitou a cultura da leniência com o malfeito na administração pública, que tanto tem custado ao país. Não há qualquer indicação de que Dilma pretenda romper com esta nefasta lógica.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

R$ 1.000.000.000.000,00

Ontem foi dia de os brasileiros se darem conta do valor astronômico que pagam de tributo. Neste 13 de setembro, o montante acumulado no ano atingiu R$ 1 trilhão. A cada ano, recolhe-se cada vez mais impostos, taxas e contribuições para saciar a gula do governo.

O impostômetro, iniciativa da Associação Comercial de São Paulo, atingiu a cifra trilionária nesta terça-feira, 35 dias antes da data registrada em 2010. Em 2009, o valor foi alcançado em 6 de dezembro e, em 2008, só no dia 13 de dezembro. Ou seja, o que, há apenas três anos, se arrecadava ao longo de quase todo um ano hoje demanda apenas 256 dias.

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário estima que os brasileiros pagarão cerca de R$ 1,42 trilhão em tributos neste ano. São 12% a mais do que em 2010. Com tanto dinheiro assim, espanta que o governo viva a dizer que não tem recurso para nada.

No ritmo atual, os brasileiros pagam R$ 3,9 bilhões por dia em tributos. Isso dá média de R$ 163 milhões por hora, R$ 2,7 milhões por minuto e R$ 45,2 mil por segundo. É uma carga pesada, pesadíssima.

Em proporção do PIB, os brasileiros recolhem cerca de 35% aos fiscos. Paga-se aqui tributo de país nórdico, em troca de prestação de serviços públicos digna de nação africana. Nos anos de governo petista, a carga nunca parou de subir.

Uma outra forma de calcular quanto se paga em impostos é compará-los com o número de dias trabalhados. Neste ano, o brasileiro consumiu 149 jornadas de trabalho apenas para honrar seus compromissos tributários. Proporcionalmente, num país onde a expectativa de vida é de 72 anos, 26 seriam gastos com esta finalidade.

A maior parte do que a população recolhe vai para os cofres federais: 69,47%, para ser mais preciso. Com esta bolada toda, será que o governo Dilma Rousseff não tem mesmo como arcar com mais investimentos para melhorar a saúde sem espetar mais uma conta no bolso do contribuinte?

Nesta semana, convenientemente, o Planalto moveu-se para tirar o bode da nova CPMF da sala. Divulgou que “não aceita” a recriação do tributo a fim de bancar novos gastos decorrentes da regulamentação da emenda constitucional nº 29, cuja votação deve ocorrer na semana que vem. Até que ponto este recuo é sincero?

As últimas semanas foram de idas e vindas do governo. Ora dizia-se que a nova CPMF era indesejada, ora jogava-se com a possibilidade de que ela fosse recriada, mas à custa do desgaste político do Congresso e do empenho dos governadores. É melhor desconfiar.

“Ao longo dos últimos dois meses em que a ameaça do novo imposto se tornou aguda, o governo foi pesadamente ambíguo e pusilânime. Em diferentes momentos de clara contradição, foi ao escárnio com a população pagante”, analisa Rosângela Bittar no Valor Econômico. “Essa discussão é uma farsa e tudo o que se diz é artifício para iludir. Acredite na última forma quem quiser”, alerta ela.

Apenas nos sete primeiros meses do ano, a arrecadação federal subiu R$ 98 bilhões. A carga cresce hoje no país a um ritmo três vezes mais rápido do que a evolução do PIB. Para o próximo ano, a proposta orçamentária também embute mais aumentos.

Ou seja, não é possível sustentar que não há de onde tirar mais recursos para saúde usando apenas fontes já existentes. O que é preciso é investir melhor estes recursos, coisa que o ralo da corrução e da malversação do governo não deixa – apenas nos últimos nove anos, pelo menos R$ 2,3 bilhões escorreram, como mostra O Globo.

Esta coleção interminável de números e cifras impressionantes serve para refutar toda e qualquer argumentação governista em prol da criação de novos tributos, qualquer que seja a sua finalidade. A sociedade brasileira chegou ao limite da sua capacidade de submeter-se à derrama.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Educação reprovada

Não dá para ficar satisfeito com a microscópica melhora das notas médias do Enem de 2010 divulgadas pelo governo federal. Os resultados confirmam a lentidão da evolução do ensino no país e o abismo que nos separa das nações que encontraram na melhor formação educacional de suas crianças e jovens um caminho para o desenvolvimento.

O Ministério da Educação comemorou o fato de a nota média nas provas objetivas – únicas nas quais é possível fazer comparações entre um exame e outro – ter passado de 501,58 para 511,21 pontos entre 2009 e 2010. Seria o mesmo que um pai ficar satisfeito em saber que, ao invés de ser reprovado com nota igual a 50, o filho tomou bomba tendo obtido média de 51.

Fernando Haddad disse que a evolução, equivalente a uma melhora de menos de 2% de um ano para o outro, “está dentro do esperado”. Só se for para ele. O que a sociedade brasileira espera do governo é que acelere este processo e não que fique a observá-lo avançar a passos de cágado.

Numa pontuação que vai de 0 a 1.000, o MEC fixou como meta atingir a média de 600 até 2028. Se a evolução verificada no ano passado se repetir, o objetivo poderá ser alcançado antes, em uma década. Ocorre que o alvo perseguido pelo governo equivale ao patamar observado nos países desenvolvidos em 2003, ou seja, na melhor das hipóteses estamos pelo menos duas décadas atrasados.

Mesmo com a ligeira melhora na nota média, o quadro geral é desalentador. A maior parte dos estudantes (53%) teve nota abaixo da média global (553,73 pontos), que considera tanto o desempenho nas provas objetivas quanto na redação.

Na rede pública, a proporção é alarmante: oito em cada dez escolas ficaram aquém da média geral do Enem. Nas particulares, foram 8%, ou menos de uma em cada dez. Em números absolutos, aparecem nesta situação 8.926 estabelecimentos da rede estatal e 397 da particular, num universo de quase 24 mil colégios avaliados.

O Enem repisa um problema que já vem sendo verificado em outras avaliações como o Ideb, o Pisa, a Prova ABC, a Prova Brasil: o fosso que separa a qualidade do ensino na rede privada daquele que é oferecido nas escolas públicas.

Das 20 escolas com maiores médias no Enem, 18 são privadas e as duas públicas são vinculadas a universidades federais. Na outra ponta, entre as mil escolas com piores médias, 995 são públicas e apenas cinco privadas, mostrou O Globo no domingo.

A defasagem pode ser medida em anos de estudo. Segundo o professor Ocimar Munhoz Alavarse, da USP, ouvido também por O Globo, os alunos do ensino médio público teriam de estudar mais dois anos para alcançar os colegas da rede particular de ensino. Em termos qualitativos, equivale ao estudante da escola pública deixar o ensino médio com apenas a formação do fundamental.

Diante do quadro, não espanta que também a formação de nível superior no Brasil exiba um estado de penúria. Relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a ser divulgado hoje mostra que o Brasil tem apenas 12% da população entre 25 e 34 anos de idade com ensino superior. É o menor percentual em uma lista composta por 42 países.

Uma das explicações é que o país gasta mal os recursos destinados à educação – na proposta orçamentária de 2012, R$ 69 bilhões estão previstos para o MEC. Nas escolas públicas de nível fundamental e médio, a média aqui é de US$ 2.098 ao ano, enquanto o patamar de dispêndios da OCDE é de US$ 8.111. Tal relação inverte-se no ensino superior: o custo do estudante brasileiro é de US$ 11.610, enquanto a média da OCDE é US$ 10.543, revela a Folha de S.Paulo.

Não é segredo para ninguém que um país só avança no seu nível de desenvolvimento quando joga todas as suas forças na educação. Tome-se, na mesma pesquisa da OCDE, o exemplo do que ocorreu na Coreia: entre uma geração e outra, a média de formandos de nível superior avançou 50 pontos percentuais – enquanto no Brasil aumentou apenas três.

A educação brasileira encontra-se diante do desafio de elevar considerável e rapidamente a qualidade do ensino oferecido em sala de aula, bem como de diminuir a distância entre os que podem e os que não têm como pagar por um bom estudo. É o passo seguinte ao enorme avanço que foi ter colocado todas as crianças na escola, vencido no governo Fernando Henrique.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Perdendo de goleada

Não é só dentro do gramado que vai mal a preparação do Brasil para a Copa do Mundo. O país corre sério risco de torrar uma fortuna nas obras para o torneio, fruto dos improvisos de um governo que demorou quase quatro anos para começar a agir. A deficiência reflete-se em toda a infraestrutura nacional, em condições cada vez mais lastimáveis.

O Brasil foi escolhido sede da Copa em outubro de 2007, mas quem vê o andamento das obras tende a pensar que foi apenas ontem. Faltando 1.004 dias para o início do Mundial de 2014, as intervenções na maior parte das arenas ainda são incipientes e as melhorias viárias e de mobilidade urbana, não mais que uma promessa.

Não espanta que, já agora, se tema que os orçamentos para o evento irão explodir. As estimativas privadas diferem severamente dos cálculos oficiais. Num caso ou noutro, a conta da incúria será paga pelo contribuinte.

Enquanto o governo fala em gastar R$ 23,4 bilhões com obras em aeroportos, portos, segurança, arenas e mobilidade urbana, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) projeta gastos de R$ 84,9 bilhões, conforme mostrou a Folha de S.Paulo ontem. O pior é que o fosso pode vir a ser muito maior.

Há pouquíssima transparência nos empreendimentos do Mundial. Não se conhece ao certo os orçamentos, que quase nunca são atualizados pelas fontes oficiais. Os projetos técnicos das obras também são precários, dando conveniente margem a gordos aditivos contratuais. É a farra da Copa.

Por isso, veio em boa hora a contestação ao Regime Diferenciado de Contratações (RDC) apresentada pela Procuradoria-Geral da República na última sexta-feira, por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin). A nova fórmula, voltada às obras da Copa e das Olimpíadas do Rio, foi aprovada em julho pelo Congresso, eivada de críticas da oposição.

Roberto Gurgel vê “comprometimento ao patrimônio público” se as contratações das obras forem feitas por meio do RDC. A medida, diz o procurador-geral, “além de ofender a Constituição, conspira contra os princípios da impessoalidade, moralidade, probidade e eficiência administrativa”. Outra Adin nos mesmos moldes protocolada por PSDB, DEM e PPS já tramita no Supremo Tribunal Federal.

Em seu escopo inicial, o RDC era um cheque em branco e praticamente implodia as exigências impostas à realização de obras públicas em vigor, por meio da Lei de Licitações. Diante da repercussão negativa, o governo foi levado a atenuá-lo. Mesmo assim, persistiram exageros.

O principal é a contratação das obras sem que se conheçam seus detalhes, cuja definição caberá às empresas vencedoras fazer. Sem projetos básico e executivo, ninguém sabe ao certo o que está sendo contratado – e por quanto – com o dinheiro público. O limite para aditivos – hoje de até 50% do valor do orçamento original – também deixa de existir.

O RDC não seria tão necessário para livrar o país de um fiasco nunca antes visto num Mundial de futebol se o improviso não fosse regra no governo do PT. Os oito anos e oito meses no poder ainda não foram suficientes para que o partido de Lula, Dilma e José Dirceu tomasse pé da situação e deixasse de agir como se ainda fosse oposição.

A condição dos estádios e empreendimentos vinculados à Copa é apenas uma pequena amostra do que acontece com a infraestrutura brasileira como um todo. O país está em queda livre em relação ao resto do mundo, como mostrou O Estado de S.Paulo ontem.

Entre 2009 e agora, o Brasil passou de 81º para 104º lugar no ranking global de competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. Baseadas na opinião de cerca de 200 empresários, as avaliações abarcam 142 países.

Na edição deste ano, o Brasil saiu-se especialmente mal nos quesitos qualidade da infraestrutura portuária (130º lugar), aeroportuária (122º) e rodoviária (118º). As melhores pontuações são obtidas em telefonia, justamente onde o Estado, a contragosto do PT, cedeu espaço para atuação da iniciativa privada.

O improviso e a farra com o dinheiro público que reinam nas obras da Copa e os resultados aferidos pelo Fórum Econômico Mundial oferecem um retrato acachapante da inépcia da gestão petista. Não é com menos controle e exigências, como estipula o RDC, que se remedia uma situação assim. A hora é de a sociedade redobrar a vigilância.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

BC confunde, não explica

A ata da reunião do Copom que reduziu os juros na semana passada não trouxe as respostas que se esperava para justificar o corte brusco da taxa básica. Se era para explicar, o que o Banco Central conseguiu foi confundir ainda mais. É difícil compactuar com as razões apresentadas sem temer pelo recrudescimento da inflação.

A decisão do BC de cortar a taxa básica, depois de mais de dois anos de manutenção e alta, coincide com o momento em que a inflação brasileira atinge o maior patamar em seis anos. É esta contradição que tem gerado as críticas a uma atitude que, fosse outra a situação, teria sido louvada e comemorada por todos.

A inflação medida pelo IPCA acumula alta de 7,23% nos últimos 12 meses. É o pior resultado desde junho de 2005. O índice que companha o comportamento dos preços no atacado (IPA) também subiu bastante em agosto, em especial os alimentos, após ter tido deflação em julho. Depois, a onda bate no varejo e no bolso do consumidor.

O regime de metas adotado no país estabelece que, neste e nos próximos dois anos, o índice a ser perseguido deve ser de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Ou seja, a inflação corrente já furou o teto. Mas o BC tem fé que ela cairá.

Simulações estatísticas indicam que a taxa acumulada tende a ceder no último trimestre do ano: sairão da base de cálculo meses em que a inflação foi muito elevada em 2010 e entrarão resultados supostamente mais favoráveis de agora.

Mas há vários fatores que conspiram contra isso: a persistente alta dos preços dos serviços, próxima de 9% em 12 meses, e o aumento, já contratado, de 13,6% para o mínimo em janeiro de 2012. Há também todo um mercado de trabalho ainda muito aquecido, com ganhos reais de salários sendo concedidos. Serão mais combustível na fogueira da inflação.

Diante disso, os motivos que o BC lista na ata divulgada ontem para sustentar a criticada decisão de cortar os juros básicos em 0,5 ponto percentual, para 12% ao ano, são muito mais apostas do que frias constatações. Crê-se numa freada forte da economia mundial, mas o lance mais arriscado é o que se fia no “cenário de contenção das despesas públicas”.

De concreto, até agora, o que mais se aproxima disso foi a decisão do governo federal de aumentar em R$ 10 bilhões o superávit fiscal deste ano, anunciada na véspera da reunião do Copom. Note-se, porém, que estes bilhões nada mais são do que resultado de arrecadação atípica de tributos. Não é que a gestão petista gastou menos; o que aconteceu foi que ela arrecadou demais.

Já o que poderia ser efetivamente uma sinalização de austeridade fiscal passou longe disso. A proposta orçamentária para 2012 traz previsão de aumento de gastos acima da expansão do PIB e também superior à elevação das receitas. Ou seja, o governo Dilma Rousseff pretende gastar mais e não menos, como prefere apostar o BC. Na prática, a meta de superávit deve cair de 3,15% do PIB para 2,5%. Que “contenção” é esta?

“Em nenhum momento ficou demonstrado que a deterioração das condições externas seja tão forte e que a melhora dos indicadores fiscais internos seja tão relevante a ponto de justificarem a dosagem reforçada no corte dos juros. Há desproporção entre diagnóstico e a decisão tomada”, comenta Celso Ming n’O Estado de S.Paulo.

Outro fator que tende a dificultar a vida do Banco Central doravante é o comportamento do dólar. Com a valorização verificada a partir de agosto, a moeda americana já está perto de zerar as perdas acumuladas desde janeiro. E a tendência é de novas altas. Com isso, o custo dos importados – que implodiu a produção nacional, mas serviu de contrapeso para a inflação geral – tende a subir, gerando mais pressão sobre os preços internos.

Todos querem que a taxa de juros brasileira deixe de ser tão elevada quanto ainda é. O que não se admite é que, para acabar com esta jabuticaba que só existe no Brasil, o Banco Central rife a maior conquista da sociedade brasileira em décadas: a estabilidade da moeda. Por ora, o resultado da atuação da autoridade monetária tem sido apenas mais inflação e menos crescimento econômico.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

É só o começo da luta anticorrupção

Os brasileiros mostraram ontem que não perderam sua capacidade de se indignar. As marchas anticorrupção programadas ao redor do país tiveram boa adesão e a de Brasília chegou a rivalizar com o desfile militar da Independência. Podem ter sido as primeiras manifestações mais explícitas de que a sociedade não tolera a forma como o bem público vem sendo tratado.

O ato mais expressivo ocorreu na capital federal. Enquanto militares marchavam de um lado da Esplanada, cerca de 25 mil pessoas protestavam do outro. Incomodada, a segurança presidencial interpôs imensos tapumes de mais de 2 metros de altura para impedir que as autoridades divisassem os manifestantes. Barras de metal isolaram os protestos.

As marchas anticorrupção nasceram voluntariamente e assim devem continuar a prosperar. Usaram instrumentos de mobilização contemporâneos, como as redes sociais, passando ao largo das formas tradicionais. Também assim surgiram, por exemplo, os movimentos da primavera árabe e os protestos por melhor educação no Chile.

Ao contrário do que gostariam muitos petistas, as manifestações de ontem não foram invenção da mídia. Foram atos espontâneos que pipocaram pelos quatro cantos do país, partindo de pessoas que se cansaram de ver o estado atual de deterioração das coisas.

Os manifestantes anticorrupção independem de líderes; a indignação é combustível suficiente para motivá-los. Os protestos de ontem não tiveram cor partidária; o que moveu os participantes foi a repulsa à roubalheira, à corrupção, à ocupação desenfreada da máquina pública por interesses espúrios.

“Os atos de ontem indicam uma reação estimulante e cidadã contra os níveis alarmantes de desrespeito e desfaçatez demonstrados por autoridades no trato com o dinheiro e os interesses da coletividade”, comenta a Folha de S.Paulo em editorial.

Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) reforçaram o movimento. Não por coincidência são as mesmas que, quase vinte anos atrás, se mobilizaram pelo impeachment de Fernando Collor de Mello.

Em contrapartida, organizações antes inflamadas e dispostas a gritar “contra tudo o que está aí” hoje se refestelam nas benesses oficiais. A UNE engorda seus cofres com polpudos repasses de verba federal; a CUT encastela-se na máquina pública e a maior parte das demais centrais se regozija com o imposto sindical criado pela gestão petista. “Alguns militantes trocaram de lado: das marchas anticorrupção no passado para as cadeias da Polícia Federal e as denúncias do Ministério Público, hoje”, continua o editorial da Folha.

Recentemente, em meio ao turbilhão de falcatruas que assola o governo petista, um comentarista do jornal espanhol El Pais mostrou sua estupefação com a baixa capacidade de os brasileiros se indignarem. Àquela altura apenas dois dos quatro ministros de Estado demitidos do governo Dilma por corrupção haviam perdido o emprego.

Os acontecimentos de ontem parecem indicar que algo começa a mudar. Foi apenas um primeiro passo, ainda tímido para as proporções que a indignação contra a corrupção já vem tomando na opinião pública. Mas, neste 7 de setembro, a sociedade brasileira mostrou que quer ver o país independente, e não submetido às mazelas com que tem sido governado nos últimos anos.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

CPMF no bolso dos outros é refresco

O governo vai preparando terreno para a ressurreição da CPMF. A movimentação começou devagarinho na semana passada e já vai ganhando apoio de governadores, a maior parte deles aliados do Planalto desde sempre. É o rebanho de bodes que o discurso oficial vai pondo na sala para evitar destinar mais recursos para a saúde com a regulamentação da emenda 29.

A senha para tirar mais dinheiro do contribuinte foi dada pela presidente da República ao afirmar há dez dias, em Pernambuco, que não aceitaria “presente de grego”. Ela se referia ao entendimento, fechado no Congresso na véspera, para votação da emenda 29 no fim deste mês. Desde então, lançou-se uma frenética movimentação governista pela recriação da CPMF.

Dilma Rousseff descumpre duas promessas numa só. Quando estava em cima dos palanques, disse que, sim, era totalmente favorável à regulamentação da emenda 29. Afirmou isso num encontro com prefeitos – cujos cofres devem ver-se um pouco aliviados com a aplicação integral do que estabelece a emenda, porque viria mais dinheiro da União.

Pela proposta em tramitação, os estados serão obrigados a gastar com saúde no mínimo 12% de sua receita, e os municípios, 15%. Já a União passaria a despender 10% da receita, acima dos 6% a 7% que destina hoje ao setor.

A então candidata também se comprometeu a não elevar a já extorsiva carga tributária brasileira. Mas a presidente caminha para não honrar nem uma coisa nem outra: Dilma resiste à votação da emenda 29 e só a aceita se o Planalto obtiver novas fontes de receita para bancar os gastos maiores com saúde que o dispositivo prevê.

Como carga tributária no bolso dos outros é refresco, vai sobrar para o contribuinte. Ou melhor, já está sobrando. Estudo recente feito pelo economista José Roberto Afonso indica que o nível de impostos e contribuições pagos pelos brasileiros em proporção do PIB deve bater novo recorde neste ano.

Pelos cálculos, é possível que a carga tenha chegado a 36,2% do PIB na metade de 2011. Isso significa crescimento de 1% do PIB em apenas um ano e leva o indicador a superar a maior marca anteriormente registrada: 35,5% do PIB em 2008. Vale notar que todo o aumento verificado o foi na arrecadação federal.

Até ser extinta, em dezembro de 2007, a CPMF rendia ao governo federal 1,4% do PIB. Ou seja, só o aumento de carga verificado nos últimos 12 meses já é praticamente suficiente para compensar o que se perdeu com o imposto do cheque, que a gestão petista está louca para ver agora ressuscitado. Só de janeiro a julho, a arrecadação federal cresceu R$ 98 bilhões.

“A melhoria da carga tem sido decisiva para o ajuste fiscal em 2011, mas, se não precisasse cobrir tanta expansão de gastos, poderia abrir oportunidades para iniciar uma reforma tributária que melhorasse a qualidade do sistema, ao reestruturar a forma de cobrar tributos”, escreve Afonso.

No governo atual, não há chance de propostas sensatas de reforma do sistema tributário prosperarem. O aumento da carga agora é também bandeira programática do PT. No documento aprovado no congresso petista realizado no último fim de semana, a recriação da CPMF – que pode vir a ser o 64º tributo federal – consta entre as recomendações à militância e ao partido.

O PT afirma seu “compromisso histórico” com o “retorno ao orçamento da saúde pública dos recursos a ela negados pela oposição ao governo Lula, que extinguiu a CPMF”. Diz o texto, à página 14: “O Congresso orienta nossas bancadas na Câmara e no Senado a buscarem suplementares fontes de recursos”. Junto com a imposição da censura aos meios de comunicação, é uma bandeira e tanto para os partidários de Lula, Dilma e José Dirceu.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Guerreiros da censura

O PT não sobrevive sem inimigos. Escolher alguns Judas para serem malhados foi sempre a melhor fórmula que o partido encontrou para angariar votos e galgar posições a fim de conquistar o poder. No governo, o alvo preferencial sempre foram os meios de comunicação. O petismo tem horror à crítica e flerta com a censura.

O partido realizou neste fim de semana mais um de seus congressos. É sempre uma ocasião em que o partido de Lula, Dilma e José Dirceu exercita seu comportamento pendular: defende ações de governo ao mesmo tempo em que critica mazelas e brada por mudanças. Faz as vezes de opositor, como se não fosse o responsável, há mais de oito anos, por tudo o que está aí.

Na resolução aprovada neste domingo, o PT ressuscita velhos lemas para inflamar a militância e desviar o foco da corrupção que assola seu governo. O “neoliberalismo” surge como o demônio de sempre, citado 26 vezes ao longo do documento, para explicar tudo de ruim que existe no mundo. Seu antípoda é o “socialismo”, cuja “construção” é um dos “compromissos” firmados pelos petistas (página 9).

A avalanche de irregularidades que tem vindo a público não passa – segundo a visão da realidade que as 25 páginas da resolução petista sustentam – de fruto de uma “conspiração midiática”. “O PT deve repelir com firmeza as manobras da mídia conservadora e da oposição de promover uma espécie de criminalização generalizada da conduta da base de sustentação do governo”, bradam os petistas à página 21.

O noticiário de hoje indica que, no texto da resolução, a direção do PT atenuou suas teses de controle da mídia, para atender pedido do Planalto. Se o fez, foi algo meramente tático, jamais programático. O PT não apenas flerta, como namora para casar com mecanismos de regulação dos meios de comunicação. O partido conclama seus filiados a “lutar” por “um marco regulatório capaz de democratizar a mídia no país”. O que isso significa?

Diz o texto, à página 24: “(O 4º Congresso) Convoca o partido e a sociedade na luta pela democratização da comunicação no Brasil, enfatizando a importância de um novo marco regulatório para as comunicações no País, que, assegurando de modo intransigente a liberdade de expressão e de imprensa, enfrente questões como o controle de meios por monopólios, a propriedade cruzada, a inexistência de uma Lei de Imprensa, a dificuldade para o direito de resposta, a regulamentação dos artigos da Constituição que tratam do assunto, a importância de um setor público de comunicação e das rádios e televisões comunitárias. A democratização da mídia é parte essencial da luta democrática em nossa terra”.

Não é preciso mais do que estas 102 palavras para revelar as reais intenções do PT: calar a crítica e só abrir espaço aos áulicos do poder. Aos partidários de Lula, Dilma e José Dirceu só serve a mídia companheira, cevada por generosas somas de publicidade oficial – só nos anos Lula, foram gastos quase R$ 10 bilhões. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a forca.

“O PT proclamou sua disposição de ir à luta para regular o comportamento da mídia. Em diversos países existe algum tipo de regulamentação. Nada haveria de absurdo que, por aqui, também fosse assim. Ocorre que o verdadeiro propósito de parte do PT é controlar o que a mídia divulga. Isso é censura. Isso contraria a Constituição”, comenta Ricardo Noblat n’O Globo de hoje.

Segundo a Folha de S.Paulo, o presidente do PT, Rui Falcão, disse que o partido fará uma “campanha forte” para pressionar o Congresso a aprovar um projeto que regule os meios de comunicação no país. Por “campanha forte” entenda-se também o uso de mecanismos de democracia direta, como referendos e plebiscitos, igualmente defendidos com ardor no documento aprovado ontem.

“Entraves às reformas democráticas e populares poderão muitas vezes ser enfrentados através da consulta popular sobre temas de interesse nacional, solicitados pelo Partido e seus aliados no Congresso e nos movimentos sociais”, lê-se à página 20. Ou seja, se não for por bem, vai na marra...

O congresso do PT deste fim de semana foi marcado pela defesa do enfrentamento aos meios de comunicação; o repúdio ao combate à corrupção; o patrocínio da criação de mais tributos; o desprezo por instituições da democracia representativa. Não espanta que a militância do partido tenha elegido para desfraldar tais bandeiras gente como José Dirceu, o “guerreiro do povo brasileiro” da nação petista.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Tripé implodido

Uma das primeiras promessas de Dilma Rousseff, logo depois de empossada no cargo de presidente da República, foi reduzir a taxa de juros reais brasileira. Ela caminha para cumpri-la, mas de uma maneira perversa: permitindo que a inflação suba.

O atual governo está pondo em risco a fórmula macroeconômica que deu sustentação à economia nacional nos últimos tempos: o tripé que une responsabilidade fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante. Não se sabe ao certo, porém, o que pretende pôr no lugar.

O grande sonho de Dilma, manifestado na intenção anunciada no início do ano, é levar a taxa de juro real praticada no país à casa de 2% ao ano. No primeiro semestre, a diferença entre a Selic e a inflação rodou à casa de 6% a 7%. Nas últimas semanas começou a cair, e está agora ao redor de 5%, quando se toma como referência os títulos negociados pelo governo.

Juros menores são uma ótima notícia. Ajudam o país a gastar menos com a rolagem da sua dívida – R$ 225 bilhões foram gastos nos últimos 12 meses –, colaboram para atrair menos capital especulativo do exterior (que, por sua vez, barateia o dólar) e ampliam os incentivos para o investimento produtivo, já que o custo do dinheiro fica mais barato. O que não é bom é reduzi-los na marra, como fez o Banco Central nesta semana.

A consequência sobre as taxas de inflação projetadas foi imediata. As remunerações implícitas nos papéis negociados no mercado financeiro (que servem como termômetro do comportamento dos preços) projetaram ontem uma subida na inflação exatamente igual ao corte da Selic.

Já se dá de barato uma inflação anual em torno de 6%, implodindo a crença de que o Banco Central, por meio de sua política de juros, perseguirá a meta de 4,5% definida pelo Conselho Monetário Nacional para os próximos dois anos.

Todos os resultados recentes indicam presença de recidiva do risco inflacionário, após brevíssima trégua em junho e julho. O IGP-M subiu 0,44% em agosto, puxado pelos preços no atacado, que depois vão bater no varejo. Em 12 meses, acumula alta de 8%. O IPCA, índice oficial que baliza o regime de metas, já ultrapassou o limite de tolerância e encostou em 7% nos últimos 12 meses, período em que os serviços sobem em torno de 9%.

Para cortar os juros em 0,5 ponto percentual, o BC apostou no arrefecimento da atividade econômica internacional, com reflexos sobre os preços globais e efeitos diretos sobre a economia brasileira. Mas fato é que as cotações das commodities estão subindo com gosto: em agosto, em comparação com o mês anterior, o milho ficou 9% mais caro; a soja, 0,5%; o trigo, 8%; e o café, 2%, mostrou o Valor Econômico.

Ao mesmo tempo, os juros projetados pelo mercado estão caindo substancialmente após a inesperada decisão do Copom. Já há quem preveja taxa básica de um dígito na virada do ano, ou seja, alguma coisa em torno de 9% anuais. Se assim for, o juro real estará abaixo de 3% quando 2012 chegar. O preço terá sido a perda de estabilidade da moeda. Vale a pena pagá-lo?

“Poucas coisas são tão perigosas para a inflação quanto um BC capturado pelos interesses do governo. O guardião da moeda se transforma em cúmplice do populismo eleitoreiro, alimentando o dragão inflacionário”, escreve Rodrigo Constantino no Valor.

Além de um compromisso mais tênue com a contenção dos preços, o governo Dilma também não mostra convicção quanto ao equilíbrio fiscal. A semana começou com juras de amor à austeridade nos gastos públicos e anúncio de aumento do superávit, mas termina com uma peça orçamentária que renega o compromisso.

A meta formal de superávit em 2012 será menor do que neste ano, embora o governo garanta que irá perseguir um resultado mais robusto, sem descontar os investimentos no PAC. Se este é o objetivo, por que não o colocou no papel?

No ano que vem, as despesas primárias crescerão 15,9% em relação aos gastos previstos para 2011, enquanto o aumento previsto do PIB, em valores nominais, é de 10,4%. “Ou seja, o governo custará proporcionalmente mais para o contribuinte”, ressalta O Estado de S.Paulo, em editorial.

É salutar que o governo persiga um “mix” mais saudável de política econômica, que repouse em menor pagamento de juros e menos gastos públicos. Mas não é desejável que isso seja feito de forma voluntarista. A gestão Dilma está implodindo um modelo que garantiu bons resultados, sem dar nenhuma garantia do que pretende pôr no lugar.