quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CPMF na sala

Mesmo com os cofres cheios até a tampa, o governo e o PT começam a articular a ressureição da CPMF. A desculpa é a necessidade de fazer frente a novos gastos com saúde. O Planalto botou o bode tributário na sala para ver se posterga a votação da regulamentação da emenda 29 e escapa de ter de investir mais em hospitais e na melhoria do atendimento à população.

A presidente da República disse ontem, em Pernambuco, que não aceita receber “presente de grego”, mas parece não se incomodar em empurrar um para a sociedade. Diante da possibilidade de a regulamentação da emenda 29 ser levada à votação no fim de setembro, Dilma Rousseff cobrou dos parlamentares que apontem fontes de recursos para a criação de novas despesas.

Imediatamente, como num passo sincronizado de balé, líderes petistas passaram a defender, em Brasília, a volta da CPMF, agora chamada de Contribuição Social da Saúde (CSS). Tudo combinado.

“Precisamos de uma fonte extra e eu não diria que a CSS está fora da mesa”, disse o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), com a autoridade de líder do governo na Câmara. “Quase todo o PT já apoia um novo tributo”, agregou Amauri Teixeira, deputado petista da Bahia e ex-secretário de Saúde de Jaques Wagner.

Em tramitação há 11 anos, a emenda 29 já está em vigor, mas carece de regulamentação. Falta estabelecer o percentual que a União deve aplicar no setor – hoje se gasta com saúde, em média, 6% a 7% da receita líquida federal. Municípios investem 15% e estados, 12%. Também falta clareza quanto a quais dispêndios podem ser computados como gastos em saúde.

A intenção de avançar sobre o bolso do contribuinte para financiar a saúde não é nova. Na primeira semana após ter sido eleita, Dilma anunciou o desejo de ressuscitar a CPMF. Sob uma saraivada de críticas, aquietou-se. A hipótese voltou ao cenário em fevereiro, quando, numa reunião de governadores do Nordeste, a proposta ressurgiu, apoiada pela presidente.

Não se sustenta a argumentação, repisada pelos petistas, de que, para melhorar, a saúde requer mais recursos. O sistema público de atendimento é muitíssimo mal estruturado e gerido, com evidentes drenos de dinheiro. O SUS, por exemplo, repassa R$ 50 bilhões a estados e municípios por ano sem dispor de um sistema decente de informações e acompanhamento, como mostrou O Globo na segunda-feira.

A CPMF morreu em dezembro de 2007, na mais emblemática derrota parlamentar imposta pela oposição ao ex-presidente Lula. Foi uma espécie de basta à derrama que a gestão petista pôs em marcha no fisco.

Quando a CPMF foi extinta, o discurso oficial foi de que seria preciso “cortar na carne” para garantir o financiamento da saúde. Balela. Não só o setor recebia apenas uma parte do que era recolhido com o tributo, como também a arrecadação federal nunca parou de subir – initerruptamente.

Entre 1997 e 2007, a CPMF arrecadou em torno de R$ 340 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. Historicamente, a saúde ficou com não mais do que 45% disso. Outros 18% tiveram como fim o caixa do Tesouro, ou, mais precisamente, o pagamento de juros. Previdência e ações de combate à pobreza dividiram o restante.

Em 2007, a CPMF rendia R$ 40 bilhões ao governo federal. A perda foi mais que compensada desde então. Apenas nos primeiros sete meses deste ano, por exemplo, a Receita Federal arrecadou R$ 97,7 bilhões a mais do que em igual período de 2010. Em agosto deve ter batido mais um recorde, com o ingresso de mais receitas extraordinárias, conforme antecipa O Estado de S.Paulo.

O governo do PT teve condições de sobra para ajustar-se à eliminação da CPMF. Mas o que se viu foi uma escalada incessante dos gastos de custeio, que sempre cresceram muito acima da variação do PIB nos últimos anos: em 2010, subiram 17,2%, após terem se expandido 14,2% no exercício anterior.

O outro lado desta moeda é que a carga tributária brasileira aproxima-se hoje de 40% do PIB. Na Argentina, esta relação é de cerca de 22%; na África do Sul, 26%; na Colômbia 23%; Chile, 17%; Peru, 15%; e México, 10%. “Se existe algo em que a macroeconomia brasileira se distingue das demais economias emergentes é no tamanho da sua carga tributária”, escreve Vladimir Teles no Valor Econômico.

Se a volta da CPMF é ruim, pior ainda é uma das alternativas apresentadas por petistas e líderes aliados, entre eles o do PMDB e o do PDT, para financiar a saúde: a legalização do jogo no país. Ou seja, não contente em colocar um bode na sala para driblar a regulamentação da emenda 29, o Planalto e sua base no Congresso acenam com a possibilidade de pôr um rebanho inteiro para dentro.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Conversão tardia e incompleta

A decisão de aumentar a poupança do governo em R$ 10 bilhões, anunciada ontem, é correta e bem-vinda. Pena que tenha demorado tanto tempo até ser percebida como a melhor forma de enfrentar crises, permitir a redução dos juros básicos e abrir mais espaço para o investimento. O petismo tarda a aprender.

O aumento do superávit fiscal deste ano foi saudado nos jornais de hoje como passo inicial da atual gestão na direção correta, depois de anos em que a política econômica petista seguiu pela trilha errada. Desde a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, vozes fora do governo vinham defendendo uma maior austeridade fiscal, em contraponto à política salgada de juros altos abraçada ao longo do período. Pode ser que agora vá.

Só neste ano, a taxa básica de juros foi elevada em 1,75 ponto percentual, para 12,5% ao ano. O pagamento de juros consome atualmente 6,02% do PIB brasileiro: foram R$ 225 bilhões nos últimos 12 meses, maior valor em dez anos, segundo O Estado de S.Paulo. Mas parece que o governo do PT enfim entendeu que seu mix de política econômica não podia mais ancorar-se nesta jabuticaba, enquanto o gasto público corria solto.

Até agora, a gestão Dilma Rousseff adotou a mais conservadora das receitas: aumentar a arrecadação tributária, garrotear os investimentos públicos e deixar os gastos correntes correr soltos. Investimentos caem 2,4% no ano até julho, enquanto despesas de custeio sobem 11,6% e receitas tributárias, 14%. Trata-se de uma política “da mão para a boca”, como resumiu Vinícius Torres Freire na Folha de S.Paulo: um método que “é ineficiente (atrapalha investimentos em curso, por exemplo), desorganiza rotinas de governo, não lida com os excessos essenciais da despesa”.

O governo Dilma vem cumprindo com folga as metas fiscais porque arrecada como nunca. Entre janeiro e julho, a Receita já recolheu simplesmente R$ 97,7 bilhões a mais do que no mesmo período de 2010, superando qualquer expectativa. A decisão de economizar mais R$ 10 bilhões representa, por exemplo, menos que a arrecadação extra de R$ 14,8 bilhões obtida pelo fisco apenas em junho e julho em razão de antecipação de pagamentos feitos por empresas dentro do Refis da Crise.

Mas vale olhar também os resultados fiscais atuais em retrospectiva, a fim de melhor aferi-los. Entre janeiro e julho, o superávit primário correspondeu a 4% do PIB. É quase o dobro do percentual obtido no mesmo período do biênio 2009-2010, mas inferior aos 4,8%, em média, registrados no período 2003-2008, conforme cálculos da área econômica do Banco Itaú citados por O Estado de S.Paulo.

Como se pode ver, a “austeridade” do atual governo ainda não foi capaz sequer de recompor os níveis de disciplina fiscal vigentes antes da crise de 2008/2009. Ainda estamos num patamar glutão de gastos públicos.

O mais grave é que, infelizmente, o compromisso fiscal anunciado ontem se restringe apenas aos resultados deste ano. Não há, por ora, qualquer comprometimento quanto ao superávit de 2012 e menos ainda com o dos anos seguintes. O esforço extra de R$ 10 bilhões equivale a cortar manteiga com faca quente: com os R$ 91,9 bilhões economizados até julho, o governo já cumpriu mais de 70% da nova meta para o ano.

Não é difícil ver por que a equipe econômica firmou um compromisso fiscal com prazo de validade determinado: 2012 é ano eleitoral e não será surpresa se, novamente, o PT abrir as torneiras da gastança para empurrar seus candidatos nos municípios, como Lula fez em 2010 para eleger Dilma. Para complicar, há pelo menos R$ 47 bilhões em novas despesas já contratadas na forma de aumento do salário mínimo e de subsídios no âmbito do programa Brasil Maior. A conversão tardia do PT à austeridade fiscal ainda é menos meritória do que pode parecer à primeira vista.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

No cardápio, um arrocho fiscal

O governo promete anunciar hoje novas medidas de ajuste fiscal para fazer frente à crise econômica mundial. Acena-se com a possibilidade de maior arrocho nos gastos públicos, corte de despesas correntes e contenção de reajustes salariais. Tudo para permitir que os juros caiam. A prática cotidiana da atual gestão tem sido, porém, bastante diferente disso.

O discurso disseminado ontem pelos porta-vozes oficiais – que recebeu generoso espaço nas edições de hoje do Valor Econômico e da Folha de S.Paulo – é o de que a meta de superávit primário será tonificada, sem qualquer desconto dos gastos com o PAC, e a despesa com custeio da máquina pública, reduzida. Será bom se for verdade.

Por enquanto, o que prevalece é uma falta de sintonia na equipe ministerial. A ponto de Guido Mantega ter tido que ir a campo nos últimos dias para tentar convencer agentes de mercado e opinião pública de que o governo não pretende economizar menos e gastar mais, como vinham defendendo outros integrantes da Esplanada.

Na prática, o que tem ocorrido é que o superávit fiscal do governo central tem sido obtido à custa de aumento de arrecadação de impostos e de redução de investimentos. Ao mesmo tempo, os gastos correntes também têm crescido. Não é a melhor receita, como ficou evidente nos resultados fiscais divulgados pelo Tesouro Nacional na sexta-feira.

O país obteve um vistoso superávit fiscal em julho: R$ 11,2 bilhões, o maior para o mês em 14 anos. Mas um dos fatores que mais pesaram no desempenho foi o forte aumento da arrecadação tributária. “Consegue-se perceber que a arrecadação de impostos é o principal fator que tem predominado para o quadro fiscal”, admitiu Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do Banco Central.

Até julho, o governo federal arrecadou 14% mais do que um ano antes, já descontada a inflação. Alguns exemplos específicos: a receita com IPI subiu 17% e a com imposto de renda, 19%. Ou seja, a carga imposta a empresas e assalariados no país cresce hoje a um ritmo mais de três vezes maior do que o projetado para a economia como um todo.

Já os investimentos apresentaram em julho a primeira queda no ano. No acumulado desde janeiro, houve redução de 2,4%. Pode ter a ver com a paralisia que as seguidas denúncias de corrupção instalaram no governo. “Apenas o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), um dos setores mais atingidos pelos escândalos, viu o pagamento de obras desacelerar 65,2% nos últimos três meses”, destacou O Globo.

O governo diz que agora irá adotar um “mix” diferente de política econômica para navegar nas águas turbulentas da crise econômica. Será constituído por maior dose de política monetária do que de política fiscal. Traduzindo: em lugar de gastar mais, como fez em 2008/2009, aumentar a poupança e abrir espaço para que os juros sejam reduzidos (amanhã e quarta-feira tem reunião do Copom).

Quando candidata, Dilma Rousseff sempre negou a necessidade de fazer um ajuste fiscal, ao contrário do que há muito se defende fora do governo. A conferir se esta será a linha a ser trilhada doravante. A prova dos nove começará a ser tirada quando o Planalto enviar ao Congresso a proposta orçamentária de 2012, o que deve ocorrer até quarta-feira. Os desafios não são triviais.

Afora o crescimento inercial das despesas de custeio, o governo terá que suprir uma demanda extra de gastos de R$ 47 bilhões no ano que vem, por causa do aumento já combinado do salário mínimo e dos subsídios incluídos na nova política industrial. É fácil concluir que será preciso muito mais que simples intenções e medidas pontuais para corrigir uma rota que há anos vem sendo desvirtuada.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O que (não) se aprende ‘nos livro’

A educação brasileira foi novamente reprovada. Uma nova avaliação sobre desempenho de alunos do 3º ano do ensino fundamental (antiga 2ª série) mostrou que metade das nossas crianças não aprende o conteúdo esperado para esta fase da escolarização. São recorrentes os sinais de que o país não consegue avançar no mais precioso investimento que precisa ser feito.

Divulgada ontem, a Prova ABC afere a condição dos alunos ao fim do ciclo de alfabetização, quando têm, em média, oito anos de idade. Foi a primeira vez que foi realizada, sob organização de entidades privadas (Todos Pela Educação, Ibope, Fundação Cesgranrio) e do MEC. A prova foi aplicada no começo do ano em 250 escolas de capitais junto a 6 mil crianças.

Os resultados, infelizmente, decepcionam: cerca de 44% dos alunos não têm os conhecimentos mínimos necessários em leitura; 47% não atingem as expectativas de aprendizado em escrita e 57%, em matemática.

“Isso significa que, aos 8 anos, elas [as crianças] não entendem para que serve a pontuação ou o humor expresso em um texto; não sabem ler horas e minutos em um relógio digital ou calcular operações envolvendo intervalos de tempo; não identificam um polígono nem reconhecem centímetros como medida de comprimento”, sintetiza O Estado de S.Paulo.

Assim como outros sistemas de aferição, como o Enem e o Prova Brasil, a avaliação recém-divulgada retrata, novamente, as distâncias que separam as escolas públicas das privadas: em matemática, por exemplo, estas tiveram média de 74% e aquelas, de apenas 32,6%. “A diferença entre os dois sistemas de ensino equivale a dois anos de escolaridade”, compara uma educadora da UFMG.

Os resultados também retratam, mais uma vez, o abismo entre a qualidade dos sistemas de educação das diferentes regiões brasileiras – ainda que em todas o resultado médio tenha sido ruim. A referência usada para as comparações é a mesma do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O nível de 175 pontos indica que o aluno aprendeu os conteúdos mínimos exigidos em leitura e matemática para o 3º ano.

Em matemática, a nota média nacional foi 171 pontos, mas no Sul chegou a 185 e no Sudeste a 179. Foi bem menor no Norte (152) e no Nordeste (158). As escolas privadas alcançaram 211 na média e as públicas não passaram de 158 pontos.

Trocando em miúdos, isso significa que apenas 22% dos alunos das escolas públicas da região Norte cumpriram a expectativa de aprendizado em matemática. No Nordeste, essa taxa foi de 25,2%.

No quesito leitura, a nota média do país foi 186. A pontuação mais alta foi no Sul (198). Centro-Oeste e Sudeste também conseguiram superar o mínimo aceitável, mas Norte e Nordeste (com a pior marca, de 167), não. As escolas particulares chegaram a 216 pontos e as públicas, a 175.

Completando o quadro, em escrita – cujo nível de aprendizagem considerado exitoso é 75 – a média nacional foi de 68 pontos. A prova consistia numa redação cuja proposta era escrever uma carta sobre as férias. Alunos do Sudeste alcançaram 77 pontos e do Nordeste, 50 – região onde apenas 21% das crianças da rede pública cumpriram a expectativa de aprendizado neste quesito. Na rede particular, a média foi de 86 e na pública, 62.

O ideal seria que as crianças brasileiras chegassem ao fim do ciclo de alfabetização tendo aprendido 100% dos conteúdos. Na situação atual, porém, estamos nos contentando em mal ultrapassar o mínimo aceitável. Está aí um alerta para problemas futuros: uma criança com baixo desempenho aos 8 anos dificilmente chegará bem ao ensino médio, quando sua formação com vistas ao mercado de trabalho intensifica-se.

Tempo para alterar esta situação, o governo do PT já teve de sobra. É o caso de se perguntar o que tem feito o Ministério da Educação, hoje comandado por um de seus mais longevos ministros, para enfrentar algo tão grave. Talvez seja o caso de se perguntar, também, se a Prova ABC não é o espelho de uma política educacional em que os alunos são incentivados, em livros didáticos oficiais distribuídos pelo governo federal, a falar “os livro” e a aceitar este como sendo o caminho mais certo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Brasil menor

Não demorou um mês para que a “nova política industrial” do governo se revelasse um engodo completo. Nem medidas que foram recebidas com entusiasmo à época do lançamento do programa, como a desoneração da folha salarial, resistiram ao teste da realidade. O Brasil Maior ofereceu respostas menores à crise brava da indústria nacional.

Depois de consumir meses de discussões e de alimentar promessas de redenção, o programa foi anunciado em 2 de agosto para compor a “agenda positiva” do Planalto, no intuito de contrapor-se à onda de escândalos no governo. Não serviu nem para isso. Pior ainda, está agora se revelando improvisado e inócuo.

A medida mais comemorada do Brasil Maior foi a desoneração da folha de salários, há muito cobrada pelo setor produtivo. Mesmo assim, ela só veio à luz restrita a quatro setores: moveleiro, têxtil, calçadista e de informática. Os demais ficaram para um futuro que sabe-se lá quando chegará, se é que chegará.

Ao invés de recolher a contribuição patronal de 20% para o INSS, estes setores passarão a pagar 1,5% ou 2,5% (no caso da informática) sobre o faturamento. Mas sabe-se agora que nem esta prometida desoneração é para valer. Entidades da indústria perceberam que trocaram seis por uma dúzia em matéria tributária e pagarão até mais ao leão.

“Representantes das indústrias calçadista, moveleira e têxtil dizem que a fórmula anunciada em 2 de agosto não representa desoneração real e em alguns casos haverá até pagamento maior de imposto, o inverso do que prometeu a presidente”, informou O Estado de S.Paulo. Têxteis e móveis estimam que não ganharão nada; calçadistas, um pouquinho de nada.

A sugestão dos industriais é reduzir a nova alíquota para algo como 0,8%, mas a Fazenda já avisou que não aceita, segundo a Folha de S.Paulo. É coerente com a postura da pasta ao longo de toda a preparação do Brasil Maior: a suposta desoneração só foi incluída no pacote na undécima hora, e muito a contragosto de Guido Mantega. Entende-se agora por que entrou: por ser indolor para o fisco.

O saldo líquido da desoneração nestes quatro setores em 2012 seria de R$ 3,7 bilhões, conforme cálculo dos economistas Felipe Salto e Samuel Pessôa. É menos que o impacto da diminuição de IPI contida no programa para bens de capital, material de construção e automóveis – estes sem nenhuma contrapartida na forma de diminuição de preços ao consumidor – e que perfaz renúncia fiscal de R$ 4,3 bilhões.

Os setores que seriam resgatados pela “nova política industrial” do governo Dilma Rousseff são justamente os que mais agonizam em termos de produção e emprego. No de vestuário, a ocupação no primeiro semestre caiu 3,1%; no de calçados e couro, 2%; e no de madeira, 7,8%, informou o Valor Econômico em sua edição de ontem.

Embora a demanda interna ainda esteja crescendo, os estoques estão se acumulando nas indústrias do país. A explicação é que o mercado em expansão está sendo abastecido por importados.

Com produção cadente – hoje ainda 1,6% menor do que em setembro de 2008, epicentro da crise econômica global – a indústria brasileira como um todo deve fechar o ano no zero a zero em termos de geração de emprego e deve puxar o PIB ainda mais para baixo.

A disposição de incentivar a indústria nacional é necessária e bem-vinda. Mas os instrumentos empregados pela gestão petista revelam-se insuficientes, ineficazes e, em alguns casos, contraproducentes. Para complicar, também introduzem uma alta dose de discricionariedade do governo na escolha dos agraciados com benesses públicas. Desenhados assim, não têm risco de dar certo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Vísceras expostas

Há razões em excesso para que a lista de ex-ministros do governo Dilma Rousseff aumente. Pelo menos mais dois auxiliares da presidente estão neste momento equilibrando-se na corda bamba: Mário Negromonte (Cidades) e Paulo Bernardo (Comunicações). Ontem, os dois deram declarações que os habilitam a serem defenestrados, com motivos de sobra, da Esplanada.

O jornal O Globo publica hoje extensa e reveladora entrevista com o ministro das Cidades, às voltas com suspeitas de pagar mesadas de R$ 30 mil a deputados da base aliada para que o apoiem no cargo. É uma aula de como funciona um governo contaminado pelo fisiologismo.

Negromonte fala com despudor sobre como os convivas se debruçam sobre seus feudos no governo petista. Envolvido em uma luta de poder com seus partidários do PP, ele lança mão de ameaças e credencia-se para ser uma espécie de Roberto Jefferson – o deputado que detonou o mensalão do governo Lula, em 2005 – de Dilma.

Diz o ministro: “Vai o meu alerta: em briga de família, irmão mata irmão, e morre todo mundo. Por isso que eu disse que isso vai virar sangue. Esse pessoal não sabe avaliar os riscos. Não devemos expor as vísceras.” Que vísceras são estas que o chefe de uma das pastas mais ricas da Esplanada avisa que não quer ver expostas?

O ministro deixa claro que sabe do que e de quem está falando: “Imagine se começar a vazar o currículo de alguns deputados. Ou melhor, folha corrida.” Os parlamentares a que ele se refere, é bom que se ressalte, são seus próprios aliados e correligionários do PP, terceiro maior partido da base aliada, com 41 deputados e cinco senadores. “Eu trabalhei para que o PP saísse das páginas policiais, quando houve o escândalo do mensalão”.

Os pepistas controlam há seis anos o Ministério das Cidades, com seu fornido orçamento de R$ 22 bilhões para gastar em obras de saneamento, mobilidade urbana, habitação etc. Mas esta montanha de dinheiro não tem servido para realizar muita coisa, segundo o próprio ministro admite na entrevista: “Aqui, não está acontecendo nada. No governo Dilma, é preciso suar para liberar dinheiro. Tem que ser um maratonista. Isso porque a presidente Dilma é muito detalhista”.

O próprio Negromonte revela os montantes represados, que fornecem um retrato fidedigno da inação da gestão Dilma. A pasta das Cidades tem R$ 3,8 bilhões de emendas parlamentares inscritas em restos a pagar neste ano, mas só liberou R$ 25 milhões até agora. Isso dá 0,6% do total disponível, passados quase oito meses de governo...

Mário Negromonte parece estar se preparando para deixar o cargo e antecipa a possibilidade em pelo menos dois momentos da entrevista a O Globo. “Quero sair daqui como entrei. Não quero sair do governo com mancha. (...) O que eu não quero é sair com a marca de que fiz coisa errada”. Motivos para ser demitido e tornar-se o quinto ministro a cair em menos de três meses, ele já deu de sobra.

O sexto da lista pode ser Paulo Bernardo, enroscado em voos suspeitíssimos nas asas de empresários amigos. Ontem, em audiência na Câmara, o ministro das Comunicações não conseguiu explicar o uso de jatinhos particulares na época em que era titular do Planejamento e fazia campanha pela eleição de sua mulher, Gleisi Hoffmann, para o Senado. Suas alegações só o complicaram.

Bernardo admitiu que “só” pegou carona em aviões que nem sabia de quem eram e não descartou que tenha voado nas asas da Sanches Tripoloni, empresa suspeita de ter sido beneficiada pelo ministro numa obra em Maringá. Se assim foi, ele feriu o artigo 7º do Código de Ética da Alta Administração Federal: “A autoridade pública não poderá (...) receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade”.

Segundo Bernardo, os jatinhos teriam sido alugados pela campanha de Gleisi. Mas os parcos gastos da hoje ministra-chefe da Casa Civil com este fim em 2010 desabonam a versão do marido: em sua prestação de contas à Justiça Eleitoral, ela declarou despesas de apenas R$ 56,9 mil com empresas de táxi aéreo, o equivalente a 0,7% dos quase R$ 8 milhões que informou ter gasto na disputa, mostra O Estado de S.Paulo. Os gastos declarados de Gleisi com esta finalidade foram sete vezes menores que os do senador Roberto Requião (PMDB), seu companheiro de chapa no ano passado.

A principal suspeita que pesa sobre Bernardo é que ele tenha recebido mimos de uma empresa que foi diretamente beneficiada por ele quando era o responsável pelo Orçamento da União e por definir as verbas para obras públicas. A Sanches Tripoloni constrói em Maringá uma obra incluída no PAC por sugestão do ministro e que já custa o dobro de seu preço original. A empresa foi considerada inidônea pelo TCU, mais isso não a impediu de multiplicar os recursos federais que recebe: passaram de R$ 14 milhões em 2005 para R$ 261 milhões – ou 17 vezes mais – cinco anos depois.

Nos dois casos, fica evidente a forma como as autoridades do governo petista tratam os bens públicos: como se fossem nacos para serem devorados, numa promíscua coabitação com interesses privados. Em benefício da sociedade, há vísceras de sobra para serem expostas, antes que seja tudo tragado pelo fisiologismo.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Decolagem atrasada

Caiu por terra ontem mais um dos velhos dogmas petistas: o governo federal finalmente realizou a concessão de um aeroporto à iniciativa privada. É uma solução mais que bem-vinda, há muito defendida pela oposição e que até agora sempre fora demonizada pelo partido da presidente da República. Tivesse sido tomada há mais tempo, os brasileiros não estariam hoje penando para viajar de avião como estão.

A disputa pela concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, acabou sendo mais acirrada do que o previsto, indicando vivo apetite dos investidores pelo setor. O ágio ofertado pelo grupo vencedor foi de 228% sobre o lance mínimo estipulado pelo governo: R$ 170 milhões serão pagos a título de outorga.

Mais uma vez, porém, sairá do “querido BNDES” a maior parte dos recursos que serão investidos no aeroporto. Porta-vozes do consórcio vencedor, formado pela brasileira Infravix (do grupo Engevix) e pela argentina Corporación América, disseram que pretendem obter do banco até 70% dos R$ 650 milhões que terão de investir ao longo dos 28 anos da concessão.

Uma nuvem de dúvidas paira, porém, sobre a capacidade de o grupo vencedor honrar as obrigações que assumiu em São Gonçalo do Amarante. Os investidores argentinos são os mesmos que administram 33 terminais no país vizinho, numa história que acumula compromissos descumpridos, calotes e renegociações de contratos. “A experiência argentina traz muitas lições para o Brasil sobre os riscos de um processo de privatização mal feito”, diz estudo da Anac citado pelo Valor Econômico.

A despeito disso, São Gonçalo do Amarante encerra uma longa história de resistência do PT à óbvia solução das concessões privadas para exploração de equipamentos de infraestrutura. Foram várias as ocasiões em que a alternativa foi rechaçada pelo partido ao longo do governo Lula. A própria Dilma Rousseff a refutou com estridência tanto quando esteve na Casa Civil quanto quando estava em cima dos palanques na campanha presidencial do ano passado.

As concessões dos aeroportos só foram finalmente aceitas pelo petismo no início deste ano, quando o então ministro Antonio Palocci as anunciou durante uma reunião do Conselhão – naquela que talvez tenha sido a melhor medida gestada na sua passagem pelo cargo de ministro-chefe da Casa Civil... Caberia ao PT admitir o mal que sua postura sectária causou ao país.

Deve-se à resistência petista ao investimento privado boa parte do colapso que assola nossa depauperada infraestrutura. Quanto das bravatas antiprivatistas do PT, bradadas ao longo de anos, não estão subjacentes aos gargalos que atravancam o desenvolvimento do país, impedem uma maior geração de empregos e uma melhor distribuição de oportunidades e renda?

Os aeroportos brasileiros são exemplos evidentes destes malefícios. Submetidos à caótica gestão da Infraero – que se confronta com a atuação de mais um punhado de órgãos “responsáveis” pelos terminais, como a Anac, a Anvisa, a Polícia Federal etc – agonizam a olhos vistos. Superlotados, desorganizados, mal conservados, conseguem transformar em martírio até momentos que seriam de lazer das famílias brasileiras.

São também pessimamente geridos conforme revelou o Valor Econômico na semana passada. Relatório recente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mostrou que, dos 66 aeroportos administrados pela Infraero, apenas sete foram lucrativos em 2010, quando se consideram nos resultados também os custos de depreciação dos ativos e de remuneração dos bens que pertencem à União.

Viracopos e Guarulhos estão entre os poucos que dão lucro. O aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, teve receita maior do que despesas, mas deu prejuízo quando se calculam os outros custos associados. São estes os outros três terminais que o governo Dilma pretende levar a leilão em dezembro.

O caminho a trilhar, aberto com a concessão potiguar, está correto. Mas a parca clareza das regras quanto às novas concessões ainda levanta dúvidas sobre o sucesso do modelo petista, que assegura à inepta Infraero, por exemplo, participação nos futuros negócios. Não vale a pena o PT tentar inventar demais numa praia que nunca foi a sua, a da eficiência.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Lições de FHC para o mundo

O Brasil deveria servir de exemplo para a União Europeia, às voltas com uma crise econômica derivada do excessivo endividamento de alguns de seus países-membros. Não o Brasil de Lula, Dilma Rousseff e do PT, mas o Brasil de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB.

Quem afirma isso é o editor sênior de Economia de um dos mais prestigiados jornais econômicos do planeta, o Wall Street Journal: o artigo de David Wessel foi reproduzido na edição do Valor Econômico da última quinta-feira.

Ele defende que, para enfrentar o problema de endividamento de seus integrantes, a União Europeia deveria adotar um programa de reestruturação de dívida similar ao que foi desenvolvido no Brasil no governo FHC. Em fins dos anos 90, a União assumiu o passivo de 24 estados (só Amapá e Tocantins não aderiram à época) e do Distrito Federal, todos então à beira da insolvência.

“Tensões entre o compartilhamento de uma moeda e um banco central, em meio à busca de políticas fiscais nacionais independentes, agora são dolorosamente evidentes [na Europa]. Alexander Hamilton [secretário do Tesouro americano em fins do século 18] entendeu isso. Assim como Fernando Henrique Cardoso, que foi presidente do Brasil entre 1995 e 2002. Os governos centrais do Brasil e dos EUA usaram a reestruturação das dívidas dos Estados para impor uma medida de disciplina fiscal e para aumentar o poder federal”, escreveu Wessel.

Vale recordar qual era a situação fiscal brasileira na época. Os estados tinham dívidas monumentais roladas junto ao mercado em condições draconianas. A regra, então, era acumular passivos até o máximo possível e, uma vez ultrapassado o limiar, contratar mais um pouco de dívida. O rombo só crescia, legado às gerações futuras; bancos e empresas estatais eram usados na ciranda; e a capacidade de investimento das unidades subnacionais era nula.

Com a renegociação, isso mudou. Ao fim do processo, em 1998, a União tinha assumido R$ 100,4 bilhões em dívidas estaduais. Desses, R$ 77,5 bilhões foram refinanciados por até 30 anos, a uma taxa de juro real de 6% ao ano, com um teto para os desembolsos. Parte da dívida foi amortizada com recursos de privatizações, notadamente de bancos estaduais – tradicionalmente um sorvedouro de dinheiro público. A União ainda subsidiou em R$ 11 bilhões os estados, que ganharam condições de construir um futuro.

Alguns indicadores permitem ilustrar a evolução. Em 1998, as dívidas dos estados equivaliam a 2,18 vezes a sua receita líquida real; em 2009, a proporção já era de 1,58, de acordo com resultados consolidados disponibilizados pelo Tesouro Nacional. No mesmo período, os gastos com pessoal caíram de 68% da receita corrente líquida para 54%.

A despeito de uma ou outra discussão quanto ao peso desproporcional dos indexadores sobre o passivo renegociado, é notável a mudança de desempenho das finanças estaduais após a reestruturação. Em 1998, os estados tinham um déficit orçamentário de cerca de R$ 21 bilhões (em valores atualizados pelo IGP-DI até 2010). No ano passado, porém, já foram capazes de gerar um superávit nominal de R$ 2 bilhões – o que se tornou habitual desde 2007, com interrupção apenas no recessivo 2009.

Os resultados alcançados pelas unidades subnacionais foram significativos, com reflexos indiscutíveis sobre o esforço fiscal do setor público como um todo: nos últimos anos, parte relevante do superávit fiscal e dos investimentos públicos é realizada pelos estados e pelos municípios, sem falar na sua contribuição para a redução do endividamento público global.

A renegociação das dívidas dos estados foi um importante marco da política econômica brasileira dos últimos tempos. Mas a ousada engenharia fiscal empreendida pelo governo Fernando Henrique não parou nela. Em 2000, também foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), até hoje tida como uma das mais avançadas do mundo: o Brasil foi o primeiro emergente a adotar uma legislação desta natureza, sob ferrenha oposição do PT.

“Quando os estados faliram, Pedro Parente, Clóvis Carvalho, Pedro Malan, Murilo Portugal e vários bons funcionários públicos conduziram uma detalhada negociação de refinanciamento. (...) O Brasil desenvolveu essas tecnologias de enfrentamento e solução de crises porque tinha um projeto: uma moeda estável, que encerraria décadas de super e hiperinflação. Enfrentou sozinho e em descrédito as dificuldades”, escreveu Miriam Leitão n’O Globo de ontem.

O rigor fiscal nascido das medidas implementadas no governo tucano desfruta de expressiva aprovação internacional. No ano passado, por exemplo, o Banco Mundial examinou as condições dos sistemas contábeis, a despesa pública e os processos licitatórios de vários países e deu ao Brasil 17 conceitos máximos nos critérios avaliados – mais do que os alcançados por quaisquer outros países. “Uma cultura sofisticada de controle, cumprimento e transparência foi estabelecida no setor público”, escreveram técnicos da instituição.

Para desgosto dos petistas, David Wessel, do Wall Street Journal, não duvida em atribuir ao arcabouço nascido da renegociação das dívidas estaduais, associado à LRF, uma das razões para que o país tenha resistido bem às crises posteriores. “O Brasil teve seus altos e baixos desde então, e essa não foi a única alteração significativa na política econômica, mas a medida de fato ajudou o país a suportar melhor a crise financeira de 2008 do que muitos outros”.

Ele também não titubeia em apontar um componente fundamental para o sucesso de uma empreitada desta natureza: a existência de um estadista à frente de sua implementação. “Ao contrário dos Estados Unidos e do Brasil, a Europa não tem – ainda – um governo central que funcione ou Estados prontos para criar um. Nem tem outro ingrediente vital – um líder do século XXI com a coragem e a sagacidade de Alexander Hamilton ou de Fernando Henrique Cardoso”. Não há trucagem histórica que apague isso.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Desacelerando

A atividade econômica está se desacelerando no país. As previsões de crescimento estão sendo revistas para baixo e o próprio governo já admite expansão menor do PIB neste ano. A despeito disso, a equipe econômica fala em gastar mais em 2012, ao mesmo tempo em que a cobrança de impostos do contribuinte bate recorde.

O IBC-BR, índice criado e adotado pelo Banco Central como indicador antecedente do comportamento do PIB, caiu 0,26% em junho, na comparação com o mês anterior. Foi a primeira vez que isso aconteceu desde dezembro de 2008, ou seja, em 30 meses. No trimestre (o segundo do ano), a expansão ficou em mero 0,69% sobre os três meses anteriores.

Isso significa que a economia brasileira caminha hoje num ritmo de crescimento inferior a 3% anuais. Como os resultados precedem os recentes movimentos mais dramáticos da crise econômica mundial, a situação tende a ser pior. (Vale lembrar que, em 2010, o PIB brasileiro avançou 7,5% e as previsões para este ano estimavam algo em torno de 4,5%.)

O governo acredita que a diminuição do ímpeto do crescimento, somada à queda das cotações das commodities, ajudará a conter a inflação. Ontem, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, previu que o índice irá convergir para o centro da meta já no ano que vem. Seria o lado bom da história, mas a maior parte dos agentes de mercado não compactua com isso.

O problema maior é a postura do governo frente aos gastos públicos. Na crise anterior, a gestão Lula abriu a torneira e ampliou desmesuradamente as despesas. Isso ajudou a frear o desaquecimento, mas legou um aumento disseminado de preços que até hoje se tenta debelar. A receita agora precisa ser outra: manter os gastos sobre controle estrito e atacar os juros.

Mas, pelo que publica o Valor Econômico hoje, o governo Dilma Rousseff não pretende trilhar este caminho. “O esforço fiscal para 2012 deve ser menor do que o que está sendo executado este ano”, escreve a colunista Claudia Safatle. Segundo ela, no ano que vem, o superávit primário do governo central poderá cair para até R$ 56,4 bilhões.

Para se ter ideia de quanto o governo planeja poupar menos em 2012, o superávit fiscal previsto para este ano é de R$ 81,8 bilhões. A redução decorre da intenção da equipe econômica de abater do cálculo do resultado fiscal todos os gastos previstos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sem o “desconto”, seria preciso perseguir uma meta de R$ 97 bilhões.

Mesmo agora, o desempenho fiscal do governo Dilma já não é nenhuma Brastemp. O ajuste tem sido feito nos moldes da velha ortodoxia econômica, que os petistas tanto adoram dizer que detestam: aumento de carga tributária, corte de investimentos e elevação das despesas correntes, que vão de pagamento de salário a compra de cafezinho, passagens e papel.

Apenas nos sete primeiros meses do ano, foram arrecadados R$ 555,8 bilhões em tributos federais, conforme divulgou a Receita ontem. Somente em julho, foram recolhidos R$ 90,2 bilhões junto aos contribuintes, um recorde absoluto, ajudado por um bilionário pagamento feito pela Vale ao fisco.

O aumento da arrecadação em relação ao período compreendido entre janeiro e julho do ano passado é de 14%, já descontada a inflação. Isso equivale a mais que o triplo do que a economia brasileira deve crescer neste ano, consideradas as projeções mais otimistas. Ou seja, o contribuinte está sendo esfolado como nunca antes na história.

O governo arrecada muitíssimo, mas gasta cada vez mais mal. Nos sete primeiros meses do ano, os investimentos da União diminuíram 18% em valor real e os das empresas estatais, 17,5%. Os empenhos com esta finalidade caíram R$ 10 bilhões, na comparação com os sete primeiros meses de 2010, mostrou ontem O Estado de S.Paulo. Ao mesmo tempo, o gasto corrente subiu 5% acima da inflação no semestre.

O que transparece é que o governo Dilma ainda não tem claro como irá se comportar diante de um quadro mais adverso nas finanças globais. Existe uma oportunidade evidente para uma correção de rumos, com contenção dos gastos públicos, redução dos juros e uma consequente acomodação das cotações da moeda nacional num nível mais favorável às exportações. O que não há, ainda, é um plano de voo estruturado para aproveitá-la.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Time que está perdendo

Caiu ontem o quarto ministro do governo Dilma. Assolado por denúncias de corrupção, tráfico de influência e atuação em franco desacordo com os padrões éticos, Wagner Rossi pediu demissão do cargo que ocupava desde março de 2010. Só time que está perdendo é obrigado a mudar tanto em tão pouco tempo.

Em menos de oito meses de gestão, a saída de Rossi é a sexta mexida na Esplanada. Três delas decorreram de envolvimento em casos de corrupção: Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes) e o próprio Rossi. Uma mudança (Nelson Jobim, da Defesa) resultou de desavenças com a presidente e outras duas de pura deficiência de desempenho (Luís Sérgio e Ideli Salvatti, que intercambiaram Relações Institucionais e Pesca).

Ou seja, decorridos 229 dias da atual gestão 15% dos 38 ministros já foram trocados. Sem falar no sem-número de exonerados por envolvimento em irregularidades. Que gerente eficiente é obrigada a demitir e a remontar tantas vezes sua equipe em tão curto espaço de tempo?

Dilma Rousseff foi apresentada ao eleitorado no ano passado como alguém que era pura competência no trato com as lides da administração pública. Rigorosa na escolha de auxiliares, eficiente na execução de tarefas e operosa na realização de obras e ações. A personagem vendida pelo competente marketing eleitoral petista ainda não debutou no governo.

O ministro mais importante da Esplanada – sempre apresentado como “de inteira confiança” da presidente – caiu por não poder explicar como seu patrimônio se multiplicou às dezenas num curtíssimo espaço de tempo. Coabitava o mesmo palácio da chefe. Os outros dois demitidos ocupavam pastas cruciais para o desenvolvimento do país: Transportes e Agricultura. Foram todos, pois, mal escolhidos pela presidente.

No quesito realização, Dilma não tem o que mostrar até agora. Seu mais vistoso programa, o PAC, executou, até julho, apenas 7,8% do total de obras novas programadas para o ano, mesmo estando livres do bloqueio de gastos promovido no início do governo, como mostrou a Folha de S.Paulo no domingo. Sua agenda de propostas é inexistente.

Já a dita “faxina” de Dilma continua a reboque da imprensa e de uma ou outra investigação de órgãos de Estado, como a Polícia Federal. Há exatos dez dias, Rossi merecera do Planalto uma nota oficial de apoio, na qual a presidente manifestava “confiança” no subordinado – mesmo tratamento dispensado no início de julho a Alfredo Nascimento, que, dois dias depois, também saiu dos Transportes.

Alguns tentam ver nas substituições o afastamento de nomes impostos por Luiz Inácio Lula da Silva à atual presidente. Dilma estaria aproveitando para pôr gente sua para cuidar das pastas. Sob esta ótica, as demissões seriam, pois, convenientes a ela. Só crê nisso quem quer ser enganado.

A presidente aceitou de bom grado a herança que Lula lhe deixou. Mais que isso, ela foi, junto com o ex-presidente, arquiteta deste legado. O que veio de Lula é o mesmo que saiu de Dilma. Não há interrupções nesta linha contínua.

Se não fosse a revelação dos casos de corrupção, os ministros defenestrados estariam agora nos mesmíssimos cargos para os quais Dilma os nomeara em 1º de janeiro. Só por terem sido pegos com a boca na botija, a presidente teve de amargar a necessidade de afastá-los. Se não fosse isso, a palavra “faxina” não teria sido ouvida.

O que está se tornando regra na atual gestão é que ministros e altos dirigentes do governo ou são demitidos por envolvimento em corrupção ou são presos por ordem da Justiça. A gerente montou muito mal o seu time.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Pela estrada de Ourofino

Só a força do fisiologismo explica a manutenção de Wagner Rossi no cargo de ministro da Agricultura. Sua pasta é terreno fértil onde brota uma vastíssima safra de irregularidades. Lá ele montou uma autêntica nova “república de Ribeirão Preto”, com poder de rivalizar com as barbaridades daquela que seu conterrâneo Antonio Palocci instalou em Brasília anos atrás.

O ministério que “só tem bandido”, que movimenta gordos envelopes de propina, que franqueia sala especial para lobista redigir contratos de licitação pública, agora também voa nas asas de jatinhos de empresas amigas, como revelou o Correio Braziliense em sua edição de ontem – e todos os principais jornais do país reproduzem hoje.

Rossi admitiu que “em raras ocasiões” usou o Embraer Phenon 100 da empresa Ourofino para se deslocar. Se foram poucas ou muitas vezes, não importa. O que importa é que o ministro feriu o Código de Ética da Alta Administração Federal e deve, portanto, estar sujeito a penalidades severas. Ele já tem, na realidade, ficha corrida mais que suficiente para estar fora do governo.

Diz o texto do Código, em seu artigo 7º: “A autoridade pública não poderá receber salário ou qualquer outra remuneração de fonte privada em desacordo com a lei, nem receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade”.

Dúvida sobre a probidade das relações entre o ministro e a Ourofino é o que mais há. Em outubro do ano passado, a empresa obteve do Ministério da Agricultura, já sob o comando de Rossi, licença para fabricar vacina contra a febre aftosa. Também no ano passado, foi inserida pela pasta na campanha nacional de imunização contra a doença.

Com as bênçãos de Rossi – que chegou ao requinte de ir pessoalmente aos sócios da empresa anunciar a concessão da licença para fabricar a vacina antiaftosa – a Ourofino ingressou num seleto nicho disputado por pouquíssimas firmas. Foi uma das pioneiras no bilionário mercado nacional, antes dominado por multinacionais.

Os amigos ribeirão-pretanos de Rossi vêm se saindo muito bem: nos últimos tempos, o faturamento da Ourofino explodiu. Só em maio deste ano, a divisão de saúde animal da empresa registrou aumento de 81% em seu faturamento, saltando de R$ 16,4 milhões para R$ 29,7 milhões, mostra O Estado de S.Paulo.

Desde 2004, o capital de duas de suas subsidiárias cresceu exponencialmente. O da Ourofino Tecnologia e Genética Animal passou de R$ 100 mil para R$ 44 milhões atualmente. No mesmo período, o da Ourofino Participações e Empreendimentos subiu de R$ 32 milhões para R$ 150 milhões, informa hoje o Correio Braziliense.

“Integrantes do governo e empresários do setor afirmaram que a empresa é beneficiada pelo ministério por meio de processos mais ágeis para obter licenças de seus produtos. Relatos dão conta de que servidores do Ministério da Agricultura fazem pressões nesse sentido junto ao Comitê Técnico de Assessoramento de Agrotóxicos, que conta com representantes do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária”, revela o Estadão.

Tanto descalabro não parece ser suficiente para que Rossi seja varrido na “faxina” prometida pela presidente da República. Aliás, até agora sua pasta continua imune ao esfregão: apenas o secretário-executivo foi trocado e, na Conab, só o atual procurador-geral da companhia foi afastado do cargo.

Dilma Rousseff não quer bulir com o partido de Rossi, apadrinhado do vice-presidente Michel Temer, e “fará o máximo de esforço para evitar repetir com o PMDB a experiência traumática que vive com o PR”, informa o Estadão. Segundo o jornal, o ministro será mantido no cargo, mas seus amigos, não.

É difícil crer que um ministério seja moralizado se seu comando é mantido nas mãos de alguém atolado até o último fio de cabelo em denúncias de irregularidades. Se o exemplo de cima é o pior possível, como agirão os subordinados? Enquanto lá permanecer, Rossi continuará a abrir porteiras para boiadas passarem, lá pelas bandas de Ourofino...

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Vetos rudimentares

O governo federal perdeu uma boa oportunidade de aperfeiçoar a execução dos gastos da União. Foram divulgados ontem os vetos da presidente da República à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que estabelece as regras para elaboração do Orçamento de 2012. Nunca se cortou tanto, e de forma tão rudimentar.

Foram feitos 32 vetos à LDO aprovada em julho pelos congressistas. Nenhum dos compromissos assumidos pelo governo com os parlamentares, seja da base aliada, seja da oposição, foi honrado. Na prática, o governo simplesmente ignorou as alterações e recompôs a versão inicial do texto, tratorando o Parlamento.

“O governo não cumpriu nada do que acertou comigo. Na verdade, acertou não só comigo como também com os líderes dos partidos do governo e da oposição”, comentou o relator da LDO, deputado Márcio Reinaldo Moreira (PP-MG). Fica fácil entender porque a relação do governo Dilma Rousseff com os congressistas é tão azeda...

Com os cortes, caiu por terra a possibilidade de ganho real, em 2012, para aposentados e pensionistas que recebem mais de um salário mínimo. O texto aprovado no Congresso estabelecia que um reajuste maior seria negociado, ainda que não o garantisse. Mesmo assim, foi tesourado; os benefícios serão recompostos apenas pela inflação.

Já se sabe que os aposentados não aceitarão a decisão de Dilma e prometem iniciar a pressão já a partir de 1º de setembro. “Na era Collor, os caras pintadas iam para rua. Na era Dilma, será a vez dos caras enrugadas”, avisou Warley Martins, presidente da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap).

Os aposentados acabam pagando o pato pela sobrecarga imposta aos gastos orçamentários em função dos aumentos salariais concedidos ao funcionalismo ao longo dos anos Lula – que chegaram a 31,4%. O pagamento a servidores atingiu R$ 87 bilhões no primeiro semestre, ou R$ 8,8 milhões a mais que em igual período de 2010, num crescimento muito superior à inflação do período.

Este ano, os aumentos de remuneração dos servidores decorrentes das reestruturações feitas desde 2008 elevarão as despesas da União com o pagamento de pessoal em R$ 6,9 bilhões. A escalada continuará em 2012, com uma conta superior a R$ 800 milhões a ser paga, conforme calculou o Valor Econômico em sua edição de ontem.

Numa forma de tentar contribuir para uma melhor gestão das contas públicas, a oposição havia apresentado emendas à LDO que visavam dar maior equilíbrio fiscal ao governo federal. Mas nada passou pelas mãos de tesoura da equipe de Dilma.

Entre as propostas aprovadas em julho, estavam a que estipulava meta de 0,87% do PIB para o déficit fiscal em 2012; a que limitava o crescimento das despesas de custeio à evolução dos gastos com investimentos; a que obrigava o governo a submeter a emissão de papéis da dívida pública ao Congresso; a que previa reserva financeira para compensar estados exportadores por perdas decorrentes da Lei Kandir; e a que determinava que gastos decorrentes de emendas parlamentares individuais não seriam atingidas pelo contingenciamento orçamentário. Tudo foi vetado.

A verdade é que o governo tem enormes dificuldades para bem gastar o dinheiro que retira do contribuinte. Especialista em contas públicas, o economista Fabio Giambiagi analisou a execução do Orçamento da União no primeiro semestre deste ano e concluiu que o “ajuste” nas contas executado por Dilma é feito “nos moldes do FMI”, ou seja: mais impostos, menos investimentos e muito gasto de custeio.

“O fato, quando se olha para os números, é que no primeiro semestre as despesas de investimento caíram 5% em termos reais, e as despesas correntes aumentaram 5%, também em termos reais, usando o IPCA como deflator. Não houve corte algum do gasto agregado, que aumentou 4% reais. Estamos diante de um ajuste convencional: mais carga tributária na veia – a receita aumentou 13% reais! – e redução do investimento”, escreve Giambiagi em O Globo.

No primeiro governo Lula, a então ministra-chefe da Casa Civil bombardeou uma proposta urdida pelo então ministro Antonio Palocci que visava levar o resultado fiscal do governo central a um déficit nominal zero no decorrer de dez anos. Classificou-a de “rudimentar” e interditou o debate. Dilma Rousseff mudou de posto, mas mantém a mesma ojeriza a qualquer aperfeiçoamento na execução do Orçamento.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Nova safra de irregularidades

O Ministério da Agricultura continua rendendo vistosas safras de irregularidades. Há três semanas, a pasta chefiada por Wagner Rossi protagoniza casos cabeludos de corrupção e mau uso de dinheiro público. Como é um feudo blindado do PMDB, a vassoura da faxina da presidente da República não se aventura por lá.

Neste fim de semana, a revista Veja trouxe mais uma reportagem sobre as estripulias de Rossi, que comanda a Agricultura desde março de 2010. Segundo o texto, o histórico do hoje ministro exibe desvios de alimentos para beneficiar aliados políticos, licitações viciadas com pagamento de propina e uso de recursos da União para quitar dívidas privadas.

As irregularidades aconteceram em alguns dos postos mais importantes ocupados por Rossi em sua carreira política, iniciada modestamente em Ribeirão Preto (SP) em 1982, quando ele se elegeu deputado estadual. Há casos suspeitos em suas gestões à frente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e da Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo, um órgão federal).

Segundo Veja, na Conab “o próprio Rossi usou o expediente de distribuir alimentos para obter votos, inclusive para favorecer eleitoralmente o filho, Baleia Rossi, deputado estadual e presidente do diretório do PMDB de São Paulo”. Os principais beneficiados eram prefeitos da base eleitoral do ministro e de seu filho, na rica região de Ribeirão Preto.

Mas o caso mais chocante de desvio de alimentos aconteceu na Paraíba. No fim de 2007, 100 toneladas de feijão foram mandadas para lá para serem distribuídas pela prefeitura local. Mas, ao invés de servir para saciar a fome de famílias necessitadas, o alimento permaneceu estocado à espera da melhor oportunidade para ser distribuído: as vésperas das eleições municipais de 2008.

Denunciada a manobra por um funcionário da Conab na Paraíba, 8 toneladas de feijão foram despejadas no lixão de João Pessoa, como forma de evitar um flagrante da Política Federal e da Justiça Eleitoral. O vídeo com as imagens chocantes de grãos de comida espalhados em meio à sujeira está disponível na internet.

Outro caso revelado nesta semana por Veja mostra que, como presidente da federal Codesp, Rossi quitou, com dinheiro público, uma dívida de R$ 126 milhões que empresas contratadas pelo porto de Santos tinham com a Previdência. Em razão disso, o ministro hoje figura como réu numa ação popular na Justiça Federal de Santos, denunciado por “administração temerária, conduta suspeita e má-fé”.

Nas duas últimas semanas, Wagner Rossi teve de ir duas vezes ao Congresso para tentar explicar as falcatruas que grassam no Ministério da Agricultura e na Conab. Seus depoimentos, porém, sempre contaram com a operosa blindagem da base aliada do governo, disposta a manter qualquer esfregão longe do feudo pemedebista.

O PMDB parece ter tanta convicção de que a faxina da presidente Dilma Rousseff é de mentirinha que até ato de desagravo a Rossi protagonizou na semana passada em São Paulo, com a presença de todas as suas principais lideranças nacionais, tendo o vice-presidente da República, Michel Temer, à frente.

Assim como aconteceu nos ministérios dos Transportes e do Turismo, o mais chocante no caso da Agricultura é que pouco se vê a pasta empenhada em impulsionar este setor da economia brasileira. Os esforços são concentrados em sangrar os cofres públicos e não em tornar o campo mais produtivo ou, no caso dos Transportes, em melhorar nossa infraestrutura viária e, no do Turismo, em atrair mais visitantes para o país. O que interessa aos condôminos do poder petista é praticar um assalto continuado ao dinheiro do contribuinte.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Droga de promessa

Diante da avalanche de casos de corrupção que assola Brasília, passou meio despercebida a notícia de que o governo pretende descumprir mais uma de suas promessas de campanha: a implantação de um programa abrangente de combate ao crack. É mais uma comprovação do desdém com que o PT trata o assunto, uma das piores chagas da vida nacional atual.

A admissão foi feita por dois petistas: a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, e o deputado Reginaldo Lopes (MG), que preside a Comissão Especial de Políticas Públicas de Combate às Drogas no Congresso. Ambos participaram de audiência pública realizada na última quarta-feira na Câmara.

Em maio do ano passado, em total clima de campanha política, o presidente Lula anunciou a criação do “Plano de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas”. Previa investimentos de R$ 410 milhões para dar tratamento a usuários, abrir leitos exclusivos em hospitais e treinar profissionais.

Até agora, porém, quase nada foi feito: transcorrido um ano e dois meses do lançamento do plano, somente R$ 43 milhões (10,5%) foram liberados pelo governo. Mas, pelo que revelaram os petistas durante a audiência pública, corre-se o risco de que pouca coisa saia, de fato, do papel. Os recursos destinados ao plano de combate ao crack devem cair à metade.

“A previsão era de que a secretaria [de Políticas sobre Drogas] deveria receber, até 2015, R$ 100 milhões por ano para alcançar as metas, ou R$ 400 milhões no total. A tendência, no entanto, é que a fatia prevista no Plano Plurianual para a Senad seja de R$ 200 milhões no período”, revelou O Estado de S.Paulo em sua edição de ontem.

É, mais uma vez, a prática desmentindo o discurso petista – algo que tem sido a tônica destes últimos oito anos e oito meses, mas que vem se mostrando especialmente recorrente na gestão de Dilma Rousseff.

Nas eleições do ano passado, o combate à droga emergiu como um dos assuntos mais discutidos da campanha presidencial. Na ocasião, a então candidata petista chegou a declarar que o crack era “uma das questões mais desafiantes” de sua futura gestão.

Já à frente do governo, Dilma reiterou compromissos de palanque e prometeu, em fevereiro, uma “luta sem quartel” contra o crack. Na ocasião, foi anunciada a instalação de 49 Centros de Referência em Crack e Outras Drogas, cujo objetivo seria capacitar 14 mil profissionais de saúde e dar assistência social para lidar com viciados e familiares. Até hoje, no entanto, ninguém sabe, ninguém viu quantos foram treinados – se é que foram.

O plano também previa implantar 2,5 mil novos leitos exclusivos para tratamento de dependentes – o que, ainda assim, equivaleria a menos de meia vaga por município do país. Até junho, porém, menos de 300 haviam sido abertos, conforme análise publicada pelo Instituto Teotônio Vilela em julho. Com a inação oficial, hoje já há um déficit de 7,5 mil leitos para atendimento de pacientes em fase de desintoxicação.

Nos últimos anos, o crack se espalhou pelo país, atingiu todas as classes sociais e ganhou contornos de epidemia – só negada pelo próprio governo petista, para quem isso não passa de “uma grande bobagem”. Estima-se que hoje os usuários da droga somem cerca de 1 milhão de pessoas. (As estimativas atuais são precárias, incompletas e antigas.)

Com a leniência da gestão petista em relação ao tema, o Brasil está se tornando um paraíso dos traficantes: o país já é a terceira maior rota de tráfico de cocaína com destino à Europa e o mercado onde mais se apreende crack no mundo. Não satisfeito em não conseguir impedir que o crime devasse nosso território, o governo do PT agora se recusa a dar tratamento a quem definha em consequência do vício. É uma irresponsabilidade sem fronteiras.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Avaliação rebaixada

Já são minoria os brasileiros que têm avaliação favorável do governo Dilma Rousseff. A sucessão de escândalos derrubou os índices de aprovação da atual gestão, passados apenas sete meses do seu início. Tudo indica que o nível de corrosão da popularidade da presidente tende a se acentuar ainda mais daqui em diante.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou ontem a sua segunda pesquisa de avaliação do atual governo feita em conjunto com o Ibope. O resultado mais expressivo mostra que o percentual de entrevistados que consideram a gestão Dilma “ótima/boa” caiu de 56% em março para 48%. O índice coincide com o que o Datafolha anunciou no início da semana.

Já os que julgam o governo Dilma “ruim/péssimo” mais que dobraram em quatro meses: passaram de 5% em março para 12% agora, também em linha com os resultados do último Datafolha. Subiu de 27% para 36% o percentual de entrevistados que avaliam a gestão da petista como “regular”.

São os resultados mais específicos, porém, que captam melhor o nível de aversão da população às ações de Dilma Rousseff e sua equipe. O Ibope perguntou a 2.002 pessoas qual avaliação elas faziam da atuação do governo em nove áreas: em seis delas, o índice de desaprovação superou o de aprovação.

Isso ocorreu em relação a impostos (69% desaprovam e 25% aprovam), saúde (69% x 28%), segurança pública (65% x 32%), taxa de juros (63% x 29%), combate à inflação (56% x 38%) e educação (52% x 45%). Um governo que vai mal em tantas e tão díspares áreas não pode ser considerado bem avaliado.

Em março passado, a desaprovação só superava a aprovação em três setores: segurança pública, saúde e impostos, cujo hiato negativo aumentou consideravelmente nesta nova rodada da pesquisa CNI/Ibope, feita nos quatro últimos dias de julho.

A gestão Dilma só se sai bem em combate à fome e à pobreza (57% aprovam e 40% desaprovam) e meio ambiente (52% x 42%). Em combate ao desemprego, há empate técnico, dada a margem de erro do levantamento: 49% a 47%.

É legítimo concluir que, quando confrontados com a prática cotidiana do atual governo, os eleitores não estão gostando do que veem. A percepção dos entrevistados em relação ao noticiário comprova isso: enquanto em março apenas 7% identificavam notícias mais desfavoráveis ao governo, agora foram 25%.

Os assuntos mais lembrados pelos pesquisados deixam claro qual a marca mais indelével do governo Dilma em seus sete meses iniciais: a corrupção. As irregularidades no Ministério dos Transportes e no Dnit foram o assunto mais lembrado, por 21% dos entrevistados. Em seguida, aparece a demissão de Antonio Palocci da Casa Civil em razão do seu superenriquecimento (14%).

A previsão de aumento do salário mínimo em 2012 é o assunto que aparece em melhor posição entre os que podem ser classificados como favoráveis ao governo, lembrado por apenas 4% das pessoas – abaixo, também, da menção dos entrevistados a atrasos das obras da Copa e ao aumento da inflação dos alimentos.

Pesquisa de opinião é um retrato, em boa medida cristalino, da realidade. Diante do que apurou o Ibope, fica claro que não adianta a presidente e seus subordinados ficarem estrilando a cada novo escândalo que brota em seu governo. Não há “armação da imprensa” que supere a visão crítica e autônoma que a sociedade tem de seus governantes.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

City tour da corrupção

O Turismo é a parada mais recente da caravana da corrupção, que percorre a Esplanada dos Ministérios exibindo a mais vistosa obra do petismo. O roteiro de escândalos passou ontem pela terceira pasta do governo Dilma Rousseff, depois de visitas aos Transportes e à Agricultura. Qual será a próxima atração do city tour?

Nesta terça-feira, a Polícia Federal prendeu 35 de uma lista de 38 denunciados. Tem pessoas de todos os tipos envolvidas, a começar pelo número 2 do ministério, o secretário-executivo Frederico Silva da Costa, cujo currículo é “repleto de denúncias”, como mostra O Globo. Tem também Mário Moysés, ex-ocupante do posto na gestão Marta Suplicy, hoje senadora pelo PT. Ou seja, é gente muito graúda envolvida em roubo de dinheiro público.

O sistema consistia em desviar do ministério recursos destinados a atender emendas ao Orçamento da União apresentadas por parlamentares. O dinheiro era liberado, mas o objeto dos convênios não era executado. Resultado: a verba ia parar no bolso dos criminosos. As operações foram realizadas quando a pasta era comandada pelo PT.

Os R$ 4 milhões que serviram de justificativa para a ação executada ontem pela Polícia Federal são fichinha perto do que há de nebuloso na pasta comandada por Pedro Novais, ministro que se notabilizou por ter pago diárias de motel com verba pública. Desde o governo Lula, o Ministério do Turismo virou uma espécie de “paraíso” dos parlamentares aliados e passou a ser a área que mais emendas recebe no Orçamento.

De 2006 a 2010, o montante em emendas destinada ao Turismo saltou de R$ 292,8 milhões para R$ 1,7 bilhão, desbancando até mesmo aquelas direcionadas à educação. “O interesse dos parlamentares pelo Turismo passou a ser mais evidente a partir de 2007, quando Marta Suplicy assumiu o ministério”, relatou O Estado de S.Paulo em dezembro passado.

Este ano, a farra continuou. O programa “Turismo Social no Brasil: Uma Viagem de Inclusão” (alguém conhece?) recebeu mais de R$ 6 bilhões em emendas dos parlamentares na proposta de Orçamento de 2011. Só ficou atrás das destinadas a “Assistência Ambulatorial e Hospitalar Especializada”.

No esquema de poder instaurado por Lula e mantido por Dilma, as emendas funcionam como uma espécie de voucher – nome que batizou a operação policial de ontem – para a corrupção. Os parlamentares as apresentam no Congresso e passam no balcão do Ministério do Turismo para transformar o papel em serviço; no caso, em dinheiro vivo.

As emendas para o turismo têm o condão de funcionar como um guarda-chuva: sob elas, cabe de tudo um pouco. Podem servir para custear construção de museus e teatros, pórticos, teleféricos e mirantes, praças e parques de exposição, rodeios, reformas de aeroportos etc etc etc. Tudo enquadrado sob a rubrica de transferências a “eventos” e “turismo”.

O melhor de tudo – para a ação dos malfeitores – é que o dinheiro é liberado sem licitação e rápido: até dois meses depois de autorizado o pagamento da emenda ao parlamentar. O azeite na engrenagem deste imenso balcão de negociatas foi besuntado em 2006; até então, apenas municípios turísticos tinham direito a esse tipo de verba.

O Ministério do Turismo serve para tudo, menos para o que interessa. Num país que sediará uma Copa do Mundo de Futebol daqui a três anos e uma Olimpíada daqui a cinco, a pasta não mexe uma palha para aproveitar a oportunidade ímpar de atrair visitantes estrangeiros como nunca antes na história.

O número de turistas que vêm ao Brasil está estagnado. Em relatório divulgado em março, entre 139 países avaliados pelo Fórum Econômico Mundial o Brasil apareceu apenas na 52ª classificação no ranking da indústria do turismo, despencando sete posições na comparação com o levantamento anterior, de 2009.

A reação de Dilma Rousseff a mais este escândalo de corrupção em seu governo deve ser a de sempre: posar de vítima e prometer uma nova faxina. “Dilma faz cara de nojo. Embora pareça sincero, o asco da presidente converte-se rapidamente em pantomima. (...) Em oito meses, Dilma assistiu à conversão de seis ministérios em escândalo. De início, simulou rigor. Conteve o ímpeto quando a sujeira achegou-se ao PMDB. (...) A própria Dilma, ex-gerente de toda a gestão Lula conhece a metástase por dentro. Mas é inocente. Ou cúmplice”, escreve Josias de Souza na Folha de S.Paulo.

A realidade é que as tímidas ações comandadas pela presidente da República continuam pontuais, sempre a reboque da imprensa. A cada dia, surgem novas denúncias, sempre piores que as anteriores. Se a conversa de limpeza for a sério, é preciso lavar o governo inteiro. Mas claro está que falta sabão e disposição da gestão petista para isso.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Na lanterna dos afogados

O Brasil foi novamente o patinho feio do dia mais feio dos mercados financeiros globais desde 2008. As ações de empresas brasileiras, reunidas no índice Bovespa, foram, de novo, as que mais caíram no mundo – exceção feita às argentinas, que contam pouco na ciranda global. Por que o país está sendo tão castigado?

A Bovespa caiu ontem 8,08%, ampliando para 29,78% as perdas no ano. Entre 91 índices acompanhados pela agência Bloomberg, o da bolsa brasileira lidera as quedas. Apenas nesta segunda-feira negra, as empresas listadas na bolsa de São Paulo perderam R$ 174 bilhões em valor de mercado.

A crise desencadeada desde a última semana e agravada agora pelo rebaixamento da dívida pública norte-americana fez o Ibovespa encolher dois anos em poucos dias. O índice recuou ontem para o patamar de 30 de abril de 2009.

Petrobras e Vale estão entre as empresas mais machucadas. Só ontem, suas ações caíram 7,8% e 9,4%, respectivamente. A estatal perdeu R$ 66,6 bilhões em valor de mercado desde a última semana; a mineradora, R$ 51 bilhões.

Petrobras e Vale sofrem, em parte, porque negociam commodities, cujas cotações encaram agora perspectiva de forte queda no mundo. Mas sofrem também porque viram seus negócios capturados pelo governo federal. A ingerência espúria dos últimos meses cobra agora um preço altíssimo.

Analistas ouvidos pelos principais jornais prognosticam que a crise deve bater no Brasil, principalmente, por meio do recuo das cotações das commodities. Com preços muito altos, tais produtos – em especial, soja, minério de ferro e açúcar – ajudaram a turbinar a entrada de capital externo no país. A fonte deve parar de jorrar.

Cairão as exportações e, com elas, a oferta de capital para financiar as contas externas. Como as vendas deste ano já estão, na maior parte, contratadas, o resultado de 2011 não deve se alterar. Mas já há quem preveja déficit comercial no ano que vem.

O crescimento do PIB também ficará comprometido. Ontem mesmo, o ministro Guido Mantega já cuidou de preparar o país para um nível mais baixo que os 4% que o governo Dilma vinha prevendo. “Não podemos fazer milagre”, afirmou ele.

A percepção dos investidores sobre o Brasil já vinha se deteriorando, segundo o Valor Econômico. O jornal cita análise feita pelo Instituto Internacional de Finanças segundo a qual houve aumento das “incertezas sobre a direção da política [econômica]” e do “sentimento de baixa que tem pesado tão fortemente sobre o mercado de ações brasileiro este ano”.

“A aversão global ao risco já vinha se refletindo na redução de 70% do fluxo de investimentos de portfólio para o Brasil no primeiro semestre, comparado ao mesmo período de 2010. O fluxo para títulos de dívida também caiu 25% em relação ao segundo semestre do ano passado”, ressalta o Valor.

A resposta mais esperada pelos analistas brasileiros à crise deve ser o corte dos juros e a redução dos depósitos compulsórios dos bancos. Em suma: uma ação preferencialmente monetária, e não fiscal, como ocorreu em seguida à crise de 2008 quando o governo Lula afrouxou os gastos públicos e insuflou a inflação que até hoje tentamos debelar.

Outro aspecto escamoteado e algo obnubilado pela farra do endividamento que vivem outros países é que o Brasil também tem um nível alto de dívidas. A bruta chegou a bater em 64% do PIB em outubro de 2009 e hoje está em 56% do PIB, nível quase idêntico ao de setembro de 2008.

 “Reduzir para valer os gastos em custeio é uma medida de segurança diante da possibilidade crescente de haver algum impacto mais forte proveniente do exterior. (...) Ser conservador na política fiscal é o mais indicado para uma fase de maior turbulência mundial”, defende O Globo em editorial.

O Estado de S.Paulo vai na mesma linha: “O uso da política monetária, isto é, a redução dos juros, exige que a política fiscal dê sua contribuição para que isso seja feito de modo eficaz. Com efeito, é indispensável que o governo reduza paralelamente seus gastos, que hoje estão contribuindo para manter uma demanda elevada de bens e serviços que nossa fase de desenvolvimento-investimentos não permite”.

Surge, portanto, no horizonte uma oportunidade ímpar para que seja feito o tantas vezes adiado ajuste na exótica taxa de juros que o Brasil pratica. Em 2008, esta janela também se abriu, mas se fechou sem ser aproveitada, por causa da imperícia do nosso Banco Central: enquanto todo o mundo reduzia as taxas, nós a aumentamos. Espera-se que novas barbeiragens não se repitam agora e que o governo não fique fantasiando que vivemos numa ilha.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Celeiro de falcatruas

Está para ser testada a real intenção da presidente da República de limpar a barra de seu governo. O Ministério da Agricultura está se revelando um celeiro de irregularidades tão pródigo quanto a autoestrada da corrupção pavimentada na pasta dos Transportes. Mas fica cada vez mais claro que a “faxina” anunciada há duas semanas por Dilma Rousseff não passa de mero golpe de marketing.

Neste fim de semana, pipocaram reportagens mostrando o descalabro que grassa na Agricultura. A mais incisiva foi publicada na revista Veja e resultou na demissão, ainda no sábado, do número 2 da pasta: o secretário-executivo Milton Ortolan. Homem de extrema confiança do ministro Wagner Rossi, com quem trabalha há 25 anos, ele caiu por ver seu nome associado à desenvolta atividade do lobista Júlio Fróes.

Mais uma vez, revelou-se a existência de práticas espúrias envolvendo a negociação de bens públicos em favor de interesses privados. No caso de Fróes, os aliados do petismo chegaram ao requinte de franquear sala, computador e secretária para que o lobista despachasse dentro do órgão – mais especificamente na sua Comissão de Licitação – e redigisse documentos oficiais em que o beneficiado era uma empresa representada por ele mesmo.

“Mesmo sem nenhum vínculo formal com a pasta, o lobista cuida dos processos de licitação, redige editais, escolhe empresas prestadoras de serviços – e, ao fim de cada trabalho bem-sucedido, distribui pacotes de dinheiro aos funcionários [do Ministério da Agricultura]. Em outras palavras, paga propina aos que o ajudam a tocar seus negócios escusos. O lobista faz tudo isso com o conhecimento e o aval da cúpula do órgão. E, segundo suas próprias palavras, com a autorização de seu amigo, o ministro Wagner Rossi”, sintetiza Veja.

Acossado por mais um fim de semana de denúncias deste calibre, o Planalto teve de sair a campo ontem para expressar, por meio de nota oficial, “confiança” na atuação de Rossi. É um mau sinal para o ministro: no início de julho, a mesma “confiança” foi manifestada pela presidente da República em relação a Alfredo Nascimento, que, dois dias depois, foi demitido do Ministério dos Transportes...

Assim como os Transportes, a pasta comandada por Wagner Rossi tem sua central de falcatruas: a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab. Seu orçamento de R$ 2,8 bilhões para este ano pode não ser tão vistoso quanto o do Dnit, com seus mais de R$ 17 bilhões, mas é suficiente para atiçar a sanha de corruptos e corruptores.

A Conab foi transformada num “cabide de empregos”, esquadrinhado pela Folha de S.Paulo no domingo. Também O Globo mostrou que sobrenomes vistosos de próceres do PMDB e do PTB são comuns na lista de cargos do órgão distribuídos entre afilhados políticos e aliados – muitos dos quais sequer se dão o trabalho de dar expediente por lá.

Os descalabros na Conab datam da época em que o atual ministro da Agricultura comandava o órgão, entre junho de 2007 e março de 2010. Para alimentar as bocas sedentas por cargos, cevadas pela estratégia de poder do PT, Wagner Rossi mais do que quadruplicou o número de cargos de confiança na empresa, que passaram de 6 para 26 no intervalo de menos de três anos. Até presidente de time de futebol do interior paulista ganhou cargo lá.

Seguidas vezes, a associação de servidores da Conab alertou o Palácio do Planalto para a ocupação política da empresa, mas o máximo que a assessoria de Dilma fez foi remeter as denúncias para que o Ministério da Agricultura tomasse ciência delas. Pôs o lobo para cuidar do galinheiro. Resta claro que, no feudo do PMDB e do PTB, o ímpeto da “faxina” da presidente parece não ter fôlego para prosperar.

O desdém da presidente da República por zelar pelo bem público contrasta com sua dedicação a detalhes insignificantes do dia a dia de governo. Já virou folclore em Brasília o afinco com que Dilma se lança a conferir listas de convidados, de passageiros de voos presidenciais e de ingredientes de menus servidos em solenidades.

Também viceja entre seus subordinados o incômodo por ver projetos importantes mantidos na gaveta em razão da demora da presidente em dar-lhes aval, como mostrou ontem O Estado de S.Paulo. Igualmente inquietante é a forma deselegante com que Dilma trata os integrantes de sua equipe, desde ministros a assessores, de acordo com o que divulgou O Globo.

O que se tem de concreto é uma presidente atrapalhada com as lides cotidianas do mais importante cargo da República. Dilma dedica atenção demais ao que merece importância de menos. Naquilo que realmente interessa – varrer a sujeira da corrupção para fora do aparelho estatal e punir corruptos e corruptores – suas intenções manifestas não correspondem aos fatos. Neste governo, falta sabão e escovão e sobra saliva.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A tormenta voltou

O mundo está mergulhando de novo numa crise econômica. Por mais que o governo brasileiro se esforce para dizer que o país está em condições de enfrentar o que vem pela frente, é difícil acreditar. É melhor se preparar para o pior porque a tormenta voltou.

Há quase três anos o mundo foi sacudido por um furacão que derrubou bolsas de todo o planeta e implodiu empresas e instituições financeiras. No Brasil, houve uma rápida recuperação ao longo de 2009 e 2010, mas as economias centrais – EUA, Europa e Japão – continuaram combalidas. Estão todos, agora, voltando para o fundo do buraco.

Ontem, as bolsas de valores de todo o mundo despencaram, num frenesi comparável ao de 2008. A brasileira teve a segunda maior queda, abaixo apenas da argentina – que, todavia, movimenta apenas um décimo da Bovespa. O índice nacional caiu 5,72%, na maior queda em um único dia desde 21 de novembro de 2008.

No ano, a bolsa brasileira já acumula perda de 23,8%. É a que mais cai em todo o mundo neste 2011. Até ontem, as empresas listadas na Bovespa haviam perdido R$ 445,3 bilhões em valor de mercado. É como se duas empresas do tamanho da Vale tivessem evaporado nestes oito meses. Apenas nestes quatro dias de agosto, as perdas somam R$ 182 bilhões.

Não há como o Brasil passar incólume pela debacle global. Os olhos dos investidores já miravam com desconfiança o país, identificando desequilíbrios e excessos na nossa economia. Percebiam o aumento exponencial do crédito, com riscos sobre as carteiras das instituições financeiras. Desconfiavam do gasto elevado do governo e tinham certeza da supervalorização da moeda local.

“O Brasil, segundo as autoridades, está preparado para qualquer novo impacto. Seria preferível um pouco mais de preocupação. O governo terá pouco espaço em suas contas para uma política anticíclica, porque o orçamento está muito comprometido com despesas improdutivas e as pressões inflacionárias ainda são consideráveis. Faltou preparação para enfrentar uma nova fase de turbulência”, opina O Estado de S.Paulo em editorial.

A nova rodada da crise econômica mundial deve afetar o Brasil especialmente por causa da possível redução das cotações das commodities, como soja, minério de ferro e açúcar. Como se sabe, foi a vigorosa alta destes preços que puxaram o desempenho recente das exportações brasileiras, inundaram a economia com dólares e permitiram que nossas contas externas fechassem.

As empresas brasileiras também vão sentir o baque da retração que deverá atingir EUA e europeus em geral. Como os governos destes países não têm como injetar mais dinheiro público para ressuscitar suas economias, o mais provável é que se avizinhe uma prolongada recessão, com queda de demanda por produtos manufaturados. Por quanto tempo perdurará, ninguém arrisca prever.

Nos últimos anos, o governo brasileiro teve condições excepcionais para preparar melhor o país para uma nova tormenta global. Teve dinheiro sobrando para melhorar a infraestrutura e aumentar a competitividade das nossas empresas. Teve oportunidade para reduzir as nossas exóticas taxas de juros e neutralizar parte do impacto da desvalorização do dólar. Nada disso, porém, foi feito.

O discurso petista sempre foi o mais róseo possível, sustentando que o Brasil estava mais sólido do que nunca e em melhor situação do que o resto do mundo. Pior que isso, nos momentos de bonança o governo Lula aumentou a dose de gastos públicos a fim de garantir, a qualquer preço, a eleição de Dilma Rousseff.

O PT desdenhou das dificuldades como se fossem “marolinhas”, enquanto surfava, despreocupadamente, na onda do momento. Tudo indica que, agora, vai sair muito mais caro passarmos pela tempestade que se aproxima. O tamanho do vagalhão é inimaginável e ele ainda nem bateu na praia.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O poder dos lobbies

O que a “nova política industrial” petista tem de pior é o alto grau de discricionariedade na escolha dos favorecidos pelas benesses franqueadas pelo Estado. Definir quem deve receber os incentivos públicos é sempre uma porta aberta para a concessão de privilégios, muitas vezes retribuídos com gordas fatias de corrupção.

Com o Brasil Maior, a lojinha do PT abriu mais um balcão de negócios, bem ao gosto do partido. É a mesma lógica que preside a ocupação dos espaços públicos na máquina federal desde a era Lula: o Estado dá a quem melhor lhe retribui os favores. Tudo é transformado em moeda de troca.

Muitas das regras da “nova política industrial” anunciadas anteontem como sendo de caráter geral, ontem ganharam definições específicas, por meio da edição de atos legais. Da letra fria dos documentos fica fácil verificar que os ganhadores serão eleitos pelo poder. Provavelmente pagarão por isso. Vamos aos fatos.

Uma das medidas do plano mais comemoradas pelos exportadores já mudou de cara: o mecanismo que prevê a devolução em espécie de até 3% dos valores dos bens manufaturados embarcados, batizado de Reintegra. A restituição não será linear, como divulgado inicialmente pelo governo; os percentuais serão estabelecidos “por setor econômico” e por “tipo de atividade exercida”, de acordo com a Medida Provisória nº 540, editada ontem.

Se quiser, o governo poderá atribuir alíquotas diferentes a cada produto, o que “pode gerar uma corrida de lobistas a Brasília, em busca de enquadramento dos seus produtos nas alíquotas maiores do mecanismo”, antevê o Valor Econômico. Os percentuais vão variar de zero a 3%.

Com o balcão petista funcionando em sistema 24 horas, o poder dos lobbies encontra abrigo fraterno em Brasília, como comprova o benefício, mais um, concedido ontem à indústria automobilística – “composta exclusivamente de multinacionais”, como ressalta O Estado de S.Paulo. Como parte de sua política industrial, o governo anunciou a extensão, até 2016, da redução do IPI incidente sobre veículos. O tributo pode ser zerado, a depender de critérios como aumento do conteúdo nacional, elevação de investimentos e maior inovação.

O benefício às montadoras será dado, mais uma vez, a despeito de a venda de veículos manter-se em vigorosa ascensão: no primeiro semestre, foram emplacadas 1.638.082 unidades no país, segundo a Fenabrave, que representa as concessionárias. O resultado representa aumento de 9,52% em relação aos seis primeiros meses de 2010.

Há mais outros aspectos da “nova política industrial” que significarão interferência direta do governo na escolha dos vencedores. O benefício a produtos nacionais nas compras governamentais – que poderão custar até 25% mais caro que concorrentes importados – será definido com base em índices de conteúdo nacional e taxas de inovação em relação ao faturamento, tudo devidamente sancionado por uma “comissão para elaborar as diretrizes sobre as margens de preferência”, divulga O Globo.

“As margens serão fixadas levando em consideração o potencial que aquela fábrica ou prestadora de serviço tem de gerar emprego, renda e arrecadação, bem como de contribuir para a pesquisa e estimular o desenvolvimento regional. No caso de produtos, o conteúdo nacional corresponderá à parcela do bem composta por insumos e equipamentos fabricados no Brasil. Em serviços, terão vantagens empresas nacionais que, além de abrir vagas, contratem, em sua maioria, brasileiros”.

Ou seja, cabe de tudo um pouco neste balaio de gatos de empresas que terão o privilégio de poder vender mais caro para o Estado brasileiro, tudo devidamente permitido e protegido pela lei e regulamentado por comissões de burocratas que sabe-se lá como funcionarão...

Para coroar, também como parte da nova política industrial, o BNDES pisará fundo no acelerador da escolha dos “campeões nacionais”. Serão ampliados os empréstimos do Tesouro ao banco e estendido por mais um ano o Programa de Sustentação do Investimento, criado após a crise de 2008 para oferecer empréstimos com taxas de juros bem mais baixas que as de mercado.

“O Banco Central pediu moderação nas concessões de subsídios por meio de operações de crédito. Mas na direção contrária, a nova política industrial foi lançada pelo governo com mais um caminhão de subsídios, de efeitos incertos sobre a economia e a inflação em 2012. (...) O banco estatal vai, inclusive, voltar a atuar no crédito de capital de giro, como fez durante a crise para socorrer as empresas. Tudo bancado com mais subsídios bilionários do Tesouro, até agora pouco explicitados”, avalia o Estadão.

Tentar auxiliar empresas brasileiras em dificuldade é algo bem-vindo, especialmente para preservar empregos e manter acesso o vigor do parque produtivo local. O que não é aceitável é que, mais uma vez, o governo opte por medidas pontuais, destinadas a favorecer este ou aquele setor, devidamente eleito por quem detém o poder e a caneta. Nestes arranjos, sobra para a sociedade pagar a conta dos benefícios, enquanto uns poucos usufruem das benesses.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Rainha da sucata

Dilma Rousseff demorou exatos oito meses para conseguir anunciar uma medida de peso. Mas sua “nova política industrial” debutou ontem sob uma saraivada de críticas. Diante de uma indústria em frangalhos, a gestão petista ofereceu remendos de uma colcha de retalhos.

A presidente passou longe de cumprir uma de suas mais vistosas promessas de campanha: a desoneração ampla, geral e irrestrita da folha de pagamentos. Apenas quatro setores, e em caráter temporário, serão contemplados com a redução da alíquota de contribuição à Previdência a zero. Os demais continuarão a ver navios.

O governo vai zerar a contribuição previdenciária patronal apenas das empresas de confecções, calçados, móveis e software – que, juntas, respondem por menos de um quinto do PIB industrial do país. Em compensação, criará uma nova cobrança sobre o faturamento, de 1,5% nos três primeiros casos e 2,5% no último. O Tesouro ficará encarregado de colocar R$ 1,6 bilhão na Previdência para cobrir possíveis perdas.

O valor total da desoneração anunciada ontem também ficou muito aquém do que vinha sendo aventado. O governo vinha prometendo benefícios tributários de R$ 45 bilhões. Fechou o pacote em R$ 24,5 bilhões, dos quais R$ 3,8 bilhões já concedidos neste ano. Tudo somado, as bondades caíram a menos da metade do previsto: R$ 20,7 bilhões.

Há medidas positivas, como a que prevê a formação de especialistas em defesa comercial e o aumento da equipe que cuida desse tema dentro do governo. Hoje o Brasil está muito mal servido: a média mundial é de três investigadores para um processo; aqui, são três processos para cada investigador.

Outras medidas, ainda que bem intencionadas, podem se transformar num problemão. É o caso, por exemplo, da preferência a produtos nacionais, que poderão ser comprados pelo poder púbico por preços até 25% mais caros do que de concorrentes importados. Os riscos são dois: corrupção e redução do número de competidores, com maiores chances de sobrepreço. A ficha corrida de falcatruas do governo petista sugere que daí não se deve esperar boa coisa...

De maneira geral, o plano do governo junta medidas de caráter microeconômico, mas passa longe de atacar os desarranjos macro, já conhecidos de todos: câmbio supervalorizado, juros muito elevados, alta carga tributária, infraestrutura capenga que impacta o custo de produção e um Estado perdulário que sobrecarrega todo o resto da economia. Nada disso mudou, nem parece fadado a mudar tão cedo.

“Nem se pode chamar o imenso e díspar conjunto de medidas de ‘política industrial’, pois há de tudo ali – menos linhas-mestras de um plano sobre o que fazer da indústria nacional no médio prazo”, avalia Vinicius Torres Freire na Folha de S.Paulo.

A equipe econômica argumentou que, como precisa perseguir o rigor fiscal, não tem como ajudar a indústria com mais recursos do que os anunciados ontem. É estranho que para projetos mirabolantes e suicidas, como o trem-bala, há dinheiro de sobra, mas para dar suporte ao segmento que gera os empregos mais qualificados e bem pagos não há.

Os dados sobre a produção de junho, divulgados ontem pelo IBGE, corroboram a fraqueza da indústria e a necessidade de medidas bem mais potentes do que as anunciadas ontem. Os resultados foram os mais baixos do ano e, no acumulado no semestre, os piores desde 2009. Dos 27 setores industriais pesquisados, 20 apresentaram redução, o que mostra que a desaceleração é ampla, geral e irrestrita.

O desaquecimento já vem desde outubro. Desde então, o crescimento da indústria brasileira acumulado em 12 meses caiu de 11,8% para os atuais 3,7%. Como consequência, a expansão do setor no ano deve cair abaixo de 3%, ou menos de um terço dos 10,4% anotados em 2010.

Se a indústria local definha, a importação avança e lhe rouba cada vez mais espaço. No segundo trimestre, a participação das importações no consumo interno de bens industriais atingiu 21,6%, revela o Valor Econômico. Em 2007, esse índice era de 15,2% e em 2002, 12,4%. “O aumento reflete o crescimento das compras externas a um ritmo bem superior ao da produção local, num cenário de câmbio cada vez mais valorizado e expansão de demanda interna”.

Em suma, ontem a montanha pariu um rato. Tímida, incompleta, pouco ousada e, principalmente, insuficiente para dar conta dos problemas que realmente afligem a economia brasileira, a “nova política industrial” nasce com gosto de velhas práticas que correm o risco de não nos levar a lugar algum.