quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um ministério ficha suja

A presidente eleita concluiu hoje a indicação dos nomes que irão compor seu ministério a partir do próximo dia 1º de janeiro. Noves fora a brutal influência do presidente que sai – com Lula atuaram 13 dos “novos” ministros, ou mais de um terço da “nova” equipe – o que mais chama a atenção é o envolvimento dos escolhidos com denúncias e escândalos. Dilma Rousseff parece ter dado de ombros à Lei da Ficha Limpa.

Comecemos pelo andar de cima. Para o cargo mais poderoso da estrutura, a chefia da Casa Civil, foi indicado Antonio Palocci, defenestrado da gestão Lula depois de envolver-se em tenebrosos episódios numa casa do Lago Sul brasiliense e, uma vez descoberto, ordenar a violação do sigilo bancário do caseiro que o dedurara. Antes, seu governo em Ribeirão Preto fora acusado de fraudar milionárias licitações de coleta de lixo e até mesmo de compra de molho de tomate para merenda escolar.

Descendo um pouco na hierarquia, mas ainda dentro do coração do poder, Dilma escolheu Gilberto Carvalho para a Secretaria-Geral da Presidência. Tendo ocupado por oito anos a chefia de gabinete de Lula, em outubro Carvalho e o PT viraram réus num processo em que são acusados de participar de uma quadrilha que cobrava propina de empresas de transporte na prefeitura de Santo André (SP). O esquema, da época da gestão do prefeito assassinado Celso Daniel, teria desviado R$ 5,3 milhões dos cofres públicos e seria o precursor do mensalão petista no governo federal, segundo O Estado de S.Paulo.

A lista é longa. Inclui também o futuro ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Ele é alvo de ação penal proposta no último dia 14 pelo Ministério Público de Minas Gerais. Segundo a denúncia, publicada hoje nos jornais, irregularidades em um programa de instalação de câmeras de vigilância nas ruas de Belo Horizonte quando Pimentel era prefeito da cidade causaram prejuízos de mais de R$ 5 milhões ao erário.

No rol dos enrolados em falcatruas também figura o futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante. Nas eleições de 2006, quando foi candidato a governador de São Paulo, assessores diretos dele envolveram-se na compra de um dossiê para supostamente incriminar tucanos. O episódio ficou conhecido como “escândalo dos aloprados”, como a eles se referiu o presidente Lula, e terminou sem que nenhuma das pessoas pilhadas pela Polícia Federal com um R$ 1,7 milhão em dinheiro sujo fosse punida.

O “roçado de escândalos” – para usar uma impagável expressão do ex-futuro ministro Ciro Gomes para se referir à aliança política que elegeu Dilma – abriga também um dos indicados pelo PSB da família Gomes para o novo governo: Fernando Bezerra Coelho, que ocupará a pasta de Integração Nacional. Ele é acusado de ter orientado o pagamento de mesada a líderes comunitários em troca de apoio político, quando era prefeito de Petrolina (PE).

Entre os que retornam ao governo sob as bênçãos de Lula e a conivência da presidente eleita está Alfredo Nascimento. Ele é alvo de denúncia da Procuradoria Regional Eleitoral do Amazonas por compra de votos nas eleições de outubro, quando disputou e perdeu o governo do estado. Em 2006, quando se elegeu senador pelo PR, já fora objeto de outras acusações de irregularidade, como falsificação fiscal, compra de votos e abuso do poder econômico.

Já outro que também retorna é Edison Lobão, que volta ao Ministério de Minas e Energia logo depois de O Globo ter divulgado gravações que o envolvem com empresários suspeitos de chefiar uma quadrilha de sonegadores de impostos no setor de combustíveis no Rio. O filho do futuro ministro e seu suplente no Senado, Edison Lobão Filho, também já fora denunciado por sonegação fiscal no Maranhão.

Para finalizar, a cereja do bolo também vem do Maranhão: o futuro ministro do Turismo, Pedro Novais, foi flagrado por O Estado de S.Paulo apresentando notas fiscais de um motel para justificar despesas junto à Câmara e ser reembolsado: R$ 2.156 foram gastos numa “festa com bastante gente, uma comemoração, (...) vários casais, várias pessoas”, segundo relato do jornal.

O que esperar de uma equipe ministerial com uma ficha corrida como esta? Veremos a partir de janeiro.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O piloto sumiu, de novo

Começou o pesadelo. Os aeroportos brasileiros viveram um fim de semana de caos, numa triste rotina que se repetiu ano após ano da gestão Lula sem que as autoridades aeroportuárias mexessem uma asa para mudar a situação. Há um mês, o governo anunciou que estava se preparando para evitar o pior; não conseguiu entregar a encomenda.

De acordo com a Infraero, até as 19h de ontem, 16,4% dos pousos e decolagens domésticos apresentavam atrasos com mais de 30 minutos. Nos principais terminais do país, a situação era ainda pior. Em Brasília, por exemplo, um de cada quatro voos não saiu no horário previsto. Cumbica, em Guarulhos, registrou 21,9% de atrasos e o Galeão, 20,4%.

Justiça seja feita, quando anunciou seu plano de voo para o fim de ano, nas entrelinhas a Anac já preparava o usuário para o purgatório. Na reunião de um mês atrás, avisou que esperava uma média de atrasos e cancelamentos nos mesmos patamares de 2009. Era uma espécie do que se pode chamar de “política Tiririca”: “Pior do que tá num fica”. Ficou.

Em um ano, fomos de mal a pior. Segundo O Globo, no fim de semana da véspera de Natal do ano passado 9,45% dos voos previstos atrasaram. Ou seja, os índices de desempenho pioraram 73%. O limite considerado tolerável pela Aeronáutica é de 10% e a média dos aeroportos americanos, de 8%.

Os atrasos nos aeroportos do Brasil não são pontuais, são rotina. Em sua edição de ontem, O Estado de S.Paulo mostrou em manchete que a média de atrasos acima de meia hora foi de 20,7% na primeira quinzena de dezembro. Para comparar: em novembro, havia sido de 12,6% e no mesmo período de dezembro de 2009, de 19,2%.

Mas os índices médios camuflam situações ainda mais precárias, que ocorrem justamente nos terminais mais movimentados do país. Em Guarulhos, neste mês o percentual de voos que chegaram ou partiram com atrasos superiores a 30 minutos está em 26,4%. O aeroporto de Natal ocupa a segunda posição no ranking da demora, com 24,5%, seguido pelo Galeão (24,1%) e por Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, com 21,6%.

Voo que sai na hora é miragem na paisagem dos aeroportos brasileiros. Ainda de acordo com o Estadão, neste mês 37% deles atrasaram até 15 minutos; 12,2% demoraram mais de 45 minutos e 7,5%, pelo menos uma hora além do horário marcado para sair do chão. Mas o quadro pode ficar pior com a já anunciada intenção dos aeroviários de deflagrar greve na próxima quinta-feira em prol de melhores salários.

Nada disso, porém, parece sensibilizar o governo do PT. À página 121 do caderno sobre Logística de Transportes de seu alentado balanço de fim de gestão, está escrito que “o governo federal, por intermédio da Infraero, pautou seus investimentos nos aeroportos buscando a manutenção da qualidade, da segurança, do conforto e da eficiência operacional da rede”. Conta outra.

A fila de contratempos que os brasileiros estão enfrentando neste fim de ano nos aeroportos do país são cortesia de Lula e seus subordinados. Uma soma de improvisos que vem de longe, presente daquele senhor de barba branca que se veste de vermelho, a mesma cor do partido do presidente da República. Ho-ho-ho.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vitória contra o jogo sujo

A postura coesa dos partidos de oposição foi fundamental para barrar o projeto de legalização dos bingos que a bancada lulista no Congresso tentou aprovar no apagar das luzes. A proposta foi derrotada ontem na Câmara por 212 votos. Outros 144 deputados votaram a favor e cinco se abstiveram. Os derrotados prometem ressuscitar a infame proposta tão logo a nova legislatura seja empossada. Olho vivo neles.

Enquanto PSDB, DEM e PPS, além do PSOL, votaram em bloco pela rejeição do projeto, PT, PSB e PC do B liberaram suas bancadas – o que significava apoio tácito à aprovação, com as bênçãos, inclusive, de Cândido Vaccarezza, líder governista na Câmara. As demais siglas posicionaram-se abertamente a favor da legalização da jogatina no país.

A leniente posição governista diante do tema tem lá sua explicação: tudo leva a crer que os partidários de Lula e Dilma Rousseff estavam pagando uma dívida de campanha contraída no pano verde da política suja. A documentação oficial corrobora a tese.

Na primeira mensagem encaminhada pelo presidente Lula ao Congresso, em 2004, constava compromisso explícito do Executivo com a legalização dos jogos. Está lá no capítulo “Cidadania e Inclusão Social”, à página 177 do documento: “A regulamentação da atividade dos bingos vai organizar o setor (esportivo) e assegurar recursos para o esporte social.”

Por azar do governo, dias depois de a intenção ser divulgada, veio à luz a gravação em que Waldomiro Diniz, então braço direito de José Dirceu na Casa Civil, aparecia recebendo propina de um bicheiro. O primeiro da série de escândalos do governo Lula fez submergir a proposta de legalização do jogo que o PT acalentava.

Mas tudo indica que o compromisso com a contravenção persistiu – tanto que investigações iniciadas na CPI dos Bingos em 2005, incluindo denúncias de doações de casas de bingo para a campanha de Lula, jamais foram aprofundadas – e ainda pode vir a fazer estragos.

Congressistas favoráveis à legalização – incluindo alguns dos mais empenhados apoiadores da campanha da presidente eleita entre as organizações sindicais – afirmam que ainda vão tentar votar outras versões da proposta em 2011. Com todo este histórico, é bom não baixar a guarda frente às possíveis tentativas de reinstalar a jogatina no país.

Para se ter idéia da nocividade da proposta, tão logo o tema da legalização voltou à discussão, em novembro, verificou-se uma corrida ao Ambulatório do Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Eram jogadores compulsivos temendo sofrer recaída com o retorno da facilidade de acesso às casas de jogos.

Pesquisas indicam que 4% das pessoas que começam a jogar terão algum tipo de problema, enquanto 1,5% desenvolve a dependência, conforme o Diário de S.Paulo. Estatísticas mais pessimistas falam em 6% de adolescentes que abusam de jogos de azar.

“Onde estaria a ‘droga’ do jogo? A resposta um tanto simplificada seria na aposta. O jogador torna-se um dependente da excitação causada pelo ato de arriscar dinheiro ou outra forma valor. Somente esta sensação já basta para envolvê-lo. Se em seguida ao ato de apostar, ele conseguir resgatar o prêmio – tanto melhor”, escreve Hermano Tavares, presidente da Associação Nacional do Jogo Patológico.

O vício é considerado questão de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde e causa, certamente, dano muito maior do que os benefícios que, supostamente, a legalização dos jogos no país poderia gerar: 250 mil empregos e R$ 7 bilhões anuais em tributos recolhidos, conforme sustentam seus defensores.

Felizmente, alguns órgãos federais também se mobilizaram contra a aprovação da legalização – que parecia prestes a acontecer depois que, na semana passada, o projeto ganhou direito a tramitar em regime de urgência na Câmara.

Segundo a Enccla – que reúne 19 órgãos voltados ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, como o Coaf, a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público, a Receita Federal e a Polícia Federal – o governo não tem mecanismos capazes de evitar que os bingos, caso legalizados, mantenham-se distantes do crime organizado. Em documento, ressalta “a altíssima vulnerabilidade do setor a organizações criminosas e a afinidade que possui com outras condutas ilícitas (sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico)”.

Tudo somado, a experiência recente com os jogos de azar mostra que a atividade oferece muito mais danos do que benefícios. Os argumentos usados para reprovar o projeto que legaliza a atividade valem tanto agora como continuarão a valer caso os incansáveis defensores desta chaga levem adiante a ameaça de insistir na proposta. A contravenção não dá trégua.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Crescimento de má qualidade

A divulgação periódica dos resultados do PIB é sempre um bom momento para aferir a quantas anda a produção de bens e riqueza do país. Os números relativos ao terceiro trimestre, com expansão de 0,5% ante os três meses anteriores, mostram uma economia ainda vigorosa, mas desconjuntada. A qualidade do nosso PIB tem piorado: somos hoje um país glutão que consome muito mais do que consegue produzir.

Os números divulgados pelo IBGE revelam, mais do que escondem, sérios desequilíbrios. O mais evidente deles é que os brasileiros consumimos acima do que as empresas do país têm capacidade de fabricar. Resultado disso é que a demanda interna tem sido coberta cada vez mais por bens vindos do exterior: as importações subiram assustadores 40,9% em relação ao terceiro trimestre de 2009. É a maior alta desde meados de 1995.

Importar mais tem alguns aspectos positivos, como forçar os preços internos para baixo e segurar a inflação. Se não fossem as importações, provavelmente estaríamos pagando caríssimo por uma lista de produtos e serviços ou estaríamos sujeitos a uma taxa de juros reais ainda maior do que a atual – que, mesmo assim, se mantém como a mais alta do mundo.

Se importar ajuda em alguns aspectos, ao mesmo tempo impõe um custo ao país. Nossas firmas produzem menos, geram menos receita e menos empregos. Tudo isso pode ser expresso de várias maneiras, mas uma das mais eloquentes é quanto do PIB se perde quando se deixa de produzir internamente em favor de comprar no exterior.

Sem as importações, o crescimento do PIB no terceiro trimestre em relação a igual período de 2009 teria sido de 10,3% e não de 6,7% como foi, conforme mostrou o Valor Econômico. Em moeda sonante, estes 3,6 pontos percentuais significam R$ 114 bilhões a menos de riqueza produzida no país.

É fácil ver esta perda em exemplos cotidianos. Desde 2004, a fatia do consumo doméstico atendida por importados passou de 8% para 28%. Em setores como máquinas e equipamentos, o percentual já beira 50%, segundo a Abimaq. As compras de aço, setor no qual as siderúrgicas do país são vanguarda, cresceram 154% ao longo deste ano. Hoje, de cada empresa que exporta no Brasil, há duas que importam. O câmbio valorizado explica boa parte destes resultados.

Na outra ponta, o consumo das famílias cresce em parar há 28 trimestres, ou há exatos sete anos. A maior parte dos economistas entende que continuará assim no próximo ano. A consequência é que o Brasil continuará dependente da produção que vem de fora para atender seus ávidos consumidores. Com isso, suas contas com o exterior vão ficar ainda mais deficitárias e a inflação em alta permanecerá à espreita. Riscos que nenhum país gosta de correr.

Não são apenas as famílias as responsáveis pela demanda aquecida. Investimentos também crescem bem, mas explosivos mesmo são os gastos do governo. Nos oito anos da gestão Lula, a média anual de aumento das despesas públicas foi de 7% em termos reais, ou seja, acima da inflação, de acordo com O Estado de S.Paulo. Haja pressão sobre o consumo. Num quadro assim, não surpreende que a oferta nacional esteja longe de dar conta da demanda.

Na semana passada, o IBGE também divulgou os números revisados do PIB de 2009. A retração foi ainda maior do que já se sabia: passou de 0,2% para 0,6%. A “marolinha”, como Lula se referiu à recessão do ano passado, é o pior resultado desde 1990, ou seja, desde o governo Fernando Collor. Como a previsão para este ano é de um crescimento em torno de 7,4%, o governo do petista deverá terminar com o melhor e o pior resultado da série desde 1986.

Mais do que observar o retrato do momento, a divulgação do último PIB de Lula é propícia para avaliar os resultados do mandato do atual presidente numa perspectiva mais ampla. A média anual de crescimento econômico nestes oito anos ficará em 4%. É muito? É pouco? Para responder isso, deve-se ressaltar as circunstâncias mundiais – e, exceto o ponto fora da curva da crise de 2008/2009, elas foram exuberantes neste período.

Pois mesmo com todo este céu de brigadeiro Lula termina seu governo com o país tendo crescido menos que sua média histórica, de 4,5%. Entre os 29 presidentes desde o início da República, 18 saíram-se melhor do que o petista, conforme mostrou O Globo em sua edição de sexta-feira.

Quando olhamos para o lado também vemos que o Brasil avançou muito aquém de outras economias emergentes – e até mesmo do que a média dos países latino-americanos. No continente como um todo, a média de crescimento econômico desde 2002 terá sido de 4,64%, de acordo com o FMI. Na China, o patamar foi de 10,95%; na Índia, 8,2%; e na Rússia, 4,8%. Ou seja, fomos os lanternas dos BRIC.

Diante deste cotejo, é correto concluir que o resultado alcançado por Lula é pouco mais que decepcionante para quem teve tantas e tão favoráveis condições de fazer o país alçar voos mais ambiciosos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

No fundo do poço

Não tinha como acabar bem a regulamentação do novo marco regulatório para exploração do petróleo no país. O último golpe foi a aprovação, na calada da noite, dos projetos que instituem o regime de partilha e criam o fundo social. No lusco-fusco da semana passada também foi alterada a forma de distribuição dos royalties do petróleo, suscitando uma verdadeira guerra federativa. Não há luz nas profundezas deste oceano.

Ontem, o presidente Lula disse que irá vetar as mudanças aprovadas pelos congressistas nas regras dos royalties. Comprou uma briga que ele mesmo semeara, ao transformar o pré-sal em bandeira política e em moeda de troca no toma-lá-dá-cá dos interesses partidários. Mexeu num vespeiro, está colhendo tempestades.

Tudo, ao longo deste um ano e três meses desde que as propostas do pré-sal foram enviadas ao Congresso pelo governo do PT, recendeu a improviso e a apropriação política. As discussões, se é que podem ser chamadas assim, desenrolaram-se de forma extemporânea e sem qualquer aprofundamento. Jogou-se no lixo uma das mais bem-sucedidas políticas de desenvolvimento adotadas no país nas últimas décadas.

O país corre o risco de ver comprometido algo que, bem conduzido, poderia representar nossa entrada definitiva no rol das nações mais desenvolvidas do mundo. A descoberta do pré-sal era a cereja do bolo de um modelo que, nos últimos 12 anos, transformou a indústria do petróleo num dos motores do crescimento econômico brasileiro.

O sistema de concessões adotado a partir de 1997 atraiu centenas de bilhões em investimentos para o país, criou centenas de milhares de empregos e transformou a Petrobras numa gigante mundial do setor – até então, nossa estatal sequer figurava entre as dez maiores. O petróleo responde hoje por cerca de 12% das riquezas brasileiras, quatro vezes mais que há 12 anos.

Travestida de um falso discurso nacionalista, a iniciativa do governo do PT substitui o ambiente da livre concorrência pelo controle mafioso dos contratos multimilionários do setor de petróleo. Troca-se a transparência de um regime testado, aprovado e bem-sucedido pela aposta nos riscos de um salto no escuro.

As consequências já não tardam a aparecer. Ativo cabo eleitoral de Dilma Rousseff, o próprio presidente da Petrobras agora reconhece: a capacidade de investimento no setor está atrofiada. Disse José Sérgio Gabrielli ao Valor Econômico: “O que pode vir a existir é uma limitação da capacidade do sistema produtivo de entregar o que precisamos. Não digo gargalos, mas há áreas críticas, estrangulamentos.”

E o que vai acontecer, segundo ele? Será “preciso modular o crescimento, mas ao mesmo tempo não pode ser muito rápido porque, se o for, chegaremos a uma situação em que a indústria nacional não conseguirá atender às necessidades. E, aí, teremos um problema de desindustrialização e de incapacidade para a indústria brasileira competir.”

Mas foram exatamente as incertezas semeadas pelo novo arcabouço legal proposto pelo governo do PT que desorganizaram o setor mais dinâmico da economia brasileira, paralisaram os investimentos privados e eliminaram qualquer traço de competição e concorrência nos negócios de petróleo, transformando todas as multimilionárias transações do setor em ações entre amigos.

Com as novas regras, a Petrobras fica obrigada a entrar em todos os negócios do pré-sal e as demais empresas tornam-se meras prestadoras de serviço contratadas. Isso significa que o Estado brasileiro, que é dono da maior fatia acionária da companhia, assume todos os riscos associados à delicada exploração das reservas situadas em águas ultraprofundas. No antigo modelo, era sócio dos lucros, apropriados por meio das participações especiais, que deixam de existir no regime de partilha, dos royalties e dos bônus de assinatura.

Não surpreendem, portanto, os frustrantes resultados que a Petrobras vem obtendo. O ritmo de expansão da produção de petróleo caiu a uma média anual de 4,2% desde 2002. Para comparar: no governo tucano, o avanço fora de 16% ao ano. O preço deste retrocesso é a sociedade brasileira quem está pagando. Na calada da noite e na escuridão do fundo do mar, vai ficando claro que o governo petista apostou o futuro do país no pano verde da política miúda.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Voo cego

Até pouco tempo atrás, a aproximação das festas de fim de ano era motivo apenas de comemoração e júbilo. Mas para os que usam aeroportos no país a data tornou-se também uma tremenda dor de cabeça. Voar pelo Brasil para comemorar o Natal e o Ano Novo ou para descansar numa praia ensolarada tornou-se uma aventura – sem nenhuma graça. Ninguém garante que não será novamente assim nas próximas semanas.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) diz que não há razão para temores. Será? Há duas semanas, o órgão enfileirou todos os seus dirigentes e os diretores de todas as companhias aéreas em torno de uma mesa para indicar que estava “pondo ordem” na casa. Não há dúvida de que tenha sido uma medida extemporânea, por tardia demais. Há quem diga que não passou de pirotecnia. Na melhor das hipóteses, serão paliativos.

Uma dos principais deliberações da Anac foi proibir o overbooking, prática pela qual as companhias de aviação vendem um número de bilhetes acima dos assentos disponíveis. Outra foi informar que a agência colocará todo o seu exército de funcionários vigiando a normalidade dos aeroportos. Nenhuma delas deve surtir qualquer efeito: uma semana depois, já tinha empresa apresentando problemas sérios; foi a terceira a falhar em quatro meses.

O overbooking não é exclusividade brasileira; é inerente ao setor aéreo. Como o índice de desistências é alto, sempre se vende mais do que o avião acomoda, para evitar perdas. Quase nunca fica gente de fora. Para fazer diferente, as passagens terão de ficar mais caras para todos. Assim, é possível que quem só agora está tendo o gostinho de voar de avião tenha que cair fora, numa cortesia do governo do PT.

Quanto ao aumento da fiscalização pela agência, mais parece piada. Quem teve algum problema num aeroporto recentemente sabe disso: teve de se queixar ao bispo, porque a Anac simplesmente desativou praticamente todos os balcões de atendimento que tinha nos terminais. Aos passageiros prejudicados, a agência oferece, gentilmente, a opção de reclamar por meio da internet ou de um 0800 da vida. Fará tudo diferente do que fez até hoje?

O problema central, a Anac não enfrenta: a deterioração da infraestrutura aeroportuária do país. É unânime a avaliação quanto ao estado de penúria atual e isso não é de hoje. Junte-se a isso o inexistente planejamento de nossas autoridades aéreas. Da soma, resulta o improviso que grassa no setor, para o qual muito colabora a incúria da tão mastodôntica quanto ineficiente Infraero.

Os “apagões aéreos” se instalaram na rotina dos brasileiros pelo menos desde fins de 2006. Neste meio-tempo, o fluxo de passageiros cresceu 50%, para 153 milhões neste ano. Mas parece não ter sido suficiente para que alguma ação estratégica fosse posta em marcha pelo governo Lula. O pouco que houve foram remendos, que estão fazendo água por todo lado.

Há mais gente com condições financeiras de tomar um avião no país, mas a estrutura aeroportuária é a de sempre. Resultado: a Anac já dá de barato que 18% das decolagens vão atrasar e 5% serão canceladas neste fim de ano. É o mesmo percentual de um ano atrás. Como um órgão regulador pode se dar por satisfeito com uma situação que se manterá tão ruim quanto há um ano?

O governo federal anuncia investimento de R$ 5,6 bilhões na melhoria de 13 dos nossos aeroportos com vistas à Copa do Mundo de 2014. Até agora, porém, quase nada foi feito: neste ano, até outubro, a execução estava em 22% do orçado e só dois terminais tinham obras. Nos de Goiânia e Vitória, por exemplo, elas não saem do papel por causa de irregularidades.

Não surpreende, portanto, que a Iata, que congrega as companhias aéreas de todo o mundo, considere que 13 dos 20 maiores terminais brasileiros não conseguem dar conta da demanda. É um “desastre crescente” que deixa antever um “vexame” daqui a quatro anos, diz.

Para o ministro da Defesa, isso não passa de “terrorismo” das empresas. Mas ele não tem a concordância nem de seus colegas de ministério. Entre os aeroportos mais abarrotados do planeta, estão vários brasileiros, como Santos Dumont (com a segunda maior alta no fluxo de passageiros no mundo em 2009, de 40,6%), Brasília, Confins e Salvador.

O próprio BNDES estima que nos próximos 20 anos a capacidade aeroportuária brasileira terá de ser multiplicada por 2,4 vezes: de 130 milhões para 310 milhões de passageiros por ano. Se tudo continuar como está, a bomba vai estourar bem antes.

Neste quadro de penúria, é positivo que a presidente eleita comece a falar em abrir o capital da Infraero e conceder os aeroportos brasileiros à exploração privada, numa experiência que começaria por sete terminais. Também é salutar tirar a administração da aviação civil da alçada da Defesa – o Brasil é um dos poucos países no mundo em que o Ministério dos Transportes não cuida de um dos modais de transporte. Resta ainda saber o que ela fará com a Anac, único órgão regular inteiramente implantado na gestão Lula e cuja atuação serve como exemplo de tudo o que não se deve fazer em prol do país.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Contas a pagar

Não se deve olhar o resultado das contas públicas divulgado ontem meramente pela ótica contábil. O emaranhado de cifras e conceitos é quase incompreensível para a população em geral. A questão é política: o que interessa é mostrar que a parcela crescente de recursos que o país compromete com gastos do governo é o preço que a gestão Lula impôs à sociedade para eleger Dilma Rousseff. São contas a pagar por muitos e muitos anos.

A despeito de toda a criatividade contábil empregada pelos técnicos oficiais para inflar as receitas do governo, é bem possível que a meta fiscal não seja atingida neste ano. Nos últimos 12 meses, o superávit primário está em R$ 99,1 bilhões ou 2,85% do PIB. O resultado de outubro (superávit de R$ 9,7 bilhões) foi o pior para este mês do ano desde 2005.

Até o mês passado, a meta de superávit para este ano era de 3,3% do PIB. Foi reduzida para 3,1% com a exclusão dos investimentos da Eletrobrás dos cálculos. A estatal é um sorvedouro de dinheiro público e, com sua gestão temerária, estava puxando o resultado das estatais para baixo. Ao invés de tentar saneá-la, o governo preferiu varrer seus gastos para debaixo do tapete.

Mas, mesmo emagrecida, nem Papai Noel é capaz de fazer a nova meta fiscal de 2010 ser alcançada. O resultado primário é tradicionalmente deficitário no fim do ano, quando o governo tem que arcar com pagamento de 13º salário do funcionalismo. No ano passado, o déficit nominal saltou de R$ 114 milhões em outubro para R$ 10 bilhões em dezembro.

Isso significa que o governo petista não executará neste ano o esforço fiscal necessário para reduzir a dívida pública. Se o passivo não cai, o espaço para o corte de juros fica menor, os gastos saudáveis com investimentos públicos não acontecem e o país mantém-se pagando caro para rolar sua dívida, que cresceu R$ 18,8 bilhões em outubro e atingiu R$ 1,64 trilhão.

O governo tenta defender a escalada de gastos dizendo que era preciso fazer frente à crise econômica. Isso poderia ser – e foi – válido para 2009. Mas, neste ano, acelerar a gastança foi pura e exclusivamente irresponsabilidade. Ou em português mais claro: uso descarado dos recursos da sociedade em favor de um projeto político. Gastou-se muito para eleger a sucessora de Lula, não para acelerar o crescimento.

O governo do PT está conseguindo jogar no limbo o arcabouço institucional que permitiu ao país emergir da descrença internacional que grassava até a década de 90 para um patamar respeitável. O firme tripé baseado em responsabilidade fiscal, controle da inflação e câmbio flutuante encontra-se trôpego.

No caso das contas públicas, o resultado deste ano só não é numericamente catastrófico porque a equipe econômica, sob as bênçãos do reconduzido ministro Guido Mantega, lançou mão de uma série de mandracarias para engordar as receitas.

Sem elas, os R$ 99 bilhões do superávit fiscal seriam um terço menores. O golpe mais vistoso foi desferido quando R$ 31,9 bilhões de uma dívida feita para capitalizar a Petrobras foram transformados em R$ 31,9 bilhões de receitas. Shazam! A União também garantiu outros R$ 1,4 bilhão com a venda de créditos que tinha na Eletrobrás para o BNDES e mais R$ 958 milhões com o pagamento antecipado, pela Caixa, de dividendos ao Tesouro.

Um dos vértices desta imensa criatividade contábil foi o BNDES: só nos dois últimos anos, recebeu R$ 200 bilhões em aportes do Tesouro, inflando a dívida bruta. A pretexto de não deixar as fontes de crédito estancarem, o banco foi turbinado para emprestar como nunca. Os critérios para isso foram, porém, bastante duvidosos, para dizer o mínimo.

Uma das operações mais esdrúxulas foram os empréstimos a frigoríficos, em especial ao grupo JBS/Friboi. Foram R$ 11,4 bilhões desde 2008, considerando também a compra de participação pelo BNDES no capital do JBS e do Bertin, hoje enfeixados no mesmo grupo empresarial, conforme análise de Mansueto Almeida. Isso tornou o JBS o segundo maior grupo privado nacional, atrás apenas da Vale – até 2005, o frigorífico goiano jamais figurara sequer entre as 200 maiores corporações brasileiras.

Quase ninguém entendeu a atração do BNDES pelo JBS – conglomerado privado onde o banco mais pôs dinheiro na sua história e do qual é hoje dono de 21%. A operação não aumentou a capacidade de exportação do país (mas elevou a dos EUA, onde o JBS adquiriu a Swift Foods), nem gerou um bife sequer de inovação tecnológica ou criou novos empregos – pelo contrário.

Mais eis que surge agora uma bela explicação para tamanha camaradagem oficial com o JBS: o grupo foi o maior doador da campanha vitoriosa de Dilma Rousseff. Foram nada menos que R$ 10 milhões, conforme mostra O Estado de S.Paulo em sua edição de hoje.

O valor supera até mesmo o de construtoras e bancos, dois dos setores mais satisfeitos com o governo do PT. Depois do JBS aparecem, nesta ordem, a Camargo Corrêa e a Queiroz Galvão. Ambas têm uma vistosa carteira de obras incluídas no PAC, algumas envoltas em suspeita de irregularidades e polêmicas, como a bilionária hidrelétrica de Belo Monte.

Fecha-se, então, o círculo: o governo abriu a torneira dos gastos, irrigou negócios amigos e recebeu em retribuição, na campanha eleitoral, o auxílio financeiro dos companheiros subsidiados. Com o país atolado neste “capitalismo estatal”, não surpreende que os resultados fiscais sejam cada vez piores. A conta da eleição de Dilma está sendo apresentada agora à sociedade. Quem vai pagar por isso?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

União contra o crime

Os principais jornais do país estampam hoje em suas primeiras páginas fotografias de policiais hasteando a bandeira nacional no alto do Morro do Alemão. A imagem busca traduzir mais uma importante vitória na batalha contra o tráfico de drogas: uma das principais cidadelas da bandidagem no Rio de Janeiro foi recuperada pelo aparato estatal. A guerra está apenas começando.

Foram necessárias menos de duas horas para que 2.700 homens ocupassem o Alemão. Para tanto, foi fundamental o auxílio de contingentes das Forças Armadas. Depois que os blindados da Marinha se mostraram decisivos para o êxito da operação na Vila Cruzeiro, na quinta-feira passada, o Exército e a Aeronáutica também entraram na luta. São muito bem-vindos.

Cabe comemorar, sem esquecer que, pouco mais de três anos atrás, a mesma comunidade do Alemão fora ocupada pela polícia, em confronto que deixou 19 mortos. Com a Vila Cruzeiro aconteceu o mesmo em abril de 2008. O crime, porém, sobreviveu às investidas.

Os acontecimentos recentes indicam algumas estratégias bem sucedidas nas quais se deve perseverar. A principal delas é a conjugação de forças dos diversos níveis de governo: o crime não pode ser tratado como questão estadual e seu enfrentamento exige a decisiva participação da União. Esta foi, aliás, uma bandeira que a candidatura oposicionista defendeu com ênfase na eleição deste ano.

O tráfico movimenta uma verdadeira indústria, rentável, poderosa e corrupta. Só na capital fluminense, 16 mil pessoas vivem da atividade, segundo estudo divulgado na edição de ontem da Folha de S.Paulo. As operações policiais dos últimos dias no Rio lograram êxito em enfrentar a turma do varejo, para a qual os chefões têm “peças de reposição” sobrando. Remanesce intocado, porém, o poder do atacado.

O tráfico de drogas tornou o Brasil o segundo maior consumidor mundial e um dos maiores centros de movimentação de cocaína no mundo. Estima-se que o país consuma de 40 a 50 toneladas ao ano, reexportando outro tanto. Junto vem o contrabando de armas e de uma miríade de artigos ilegais que prospera e financia o crime. Combatê-los é atribuição federal.

Retirar territórios importantes da bandidagem nas cidades e, com isso, asfixiar o consumo é parte essencial do combate ao tráfico. Mas de nada vai adiantar se a atenção não se voltar também para as mal vigiadas fronteiras do país. Hoje as polícias estaduais e federal apreendem somente uns 15% da droga que invade o território nacional a partir de Colômbia, Peru e Bolívia.

Daí a necessidade de jogar todo o peso do Estado contra a criminalidade. Os patamares atuais exigem que a União imiscua-se no combate ao crime, que não respeita fronteiras ou soberanias. Se preciso for, deve-se mudar a Constituição, que reserva aos estados a incumbência de cuidar da segurança pública.

É necessário muito mais do que apenas insistir nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que exigem um efetivo de que o aparato estatal hoje não dispõe. Tome-se o que deve ocorrer no Alemão: para garantir a ordem lá, serão necessários 2.200 agentes treinados, que a polícia só terá condições de escalar depois que formar 3.500 homens no ano que vem.

Também vale ter presente que em 11 das 13 comunidades onde as UPP já foram instaladas no Rio o tráfico sobrevive, o que indica as limitações do modelo. As UPP estão incompletas: falta instalações de saúde, creches, escolas, assistência social, lazer. Ou seja, ainda falta a presença civilizadora do Estado naquilo em que sua atuação é fundamental e não acessória ou indesejável, como em muitas áreas da economia ou da sociedade em que os governos insistem em se meter.

O combate à violência escalou o topo das prioridades nacionais, e não apenas porque estamos às vésperas de abrigar dois megaeventos de proporções globais, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A aprovação da população às firmes ações destes últimos dias indica que ela exige atenção imediata e à altura do problema. Já é tempo de saber o que o futuro governo propõe a este respeito, já que até agora não se ouviu quaisquer manifestações da presidente eleita sobre o que está ocorrendo no Rio.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A galope e com as rédeas soltas

A presidente eleita vai provar do próprio veneno. Receberá do governo Lula uma situação econômica em compasso de desarranjo: inflação em alta, juros subindo, câmbio muito valorizado, contas externas sangrando no vermelho e gastos públicos em disparada. Pode haver herança mais maldita que esta?

Domar esta fera é uma das missões de Alexandre Tombini, escolhido por Dilma Rousseff para ser o novo presidente do Banco Central. Mas as análises correntes dão conta de que a escolha se deve ao fato de que, com ele, será mais fácil encabrestar a autoridade monetária. Se é isso mesmo o que quer, o novo governo pode estar flertando com o perigo, que responde pelo nome de inflação.

Ontem, o IBGE divulgou o IPCA-15, prévia do índice oficial de inflação. A alta foi de 0,86%, a maior para o mês desde 2002. Vale repetir: é a maior inflação para meses de novembro registrada ao longo de todo o governo Lula. Corre o risco de piorar.

Alimentos e bebidas aumentaram 2,11%. Pode ser apenas um salto ocasional, mas se a taxa fosse anualizada equivaleria a reajustes beirando 30% em 12 meses. Não se trata mais da “inflação do feijão”, pontual, como ocorreu pouco tempo atrás; os aumentos se disseminaram.

Houve altas expressivas em vários alimentos importantes na dieta das famílias: feijão carioca (10,83%), açúcar cristal (14,05%), tomate (10,28%), batata inglesa (9,96%), feijão preto (7,15%), farinha de trigo (5,76%) e açúcar refinado (4,50%).

Pôr comida na mesa do brasileiro já está sensivelmente mais caro. Mas pode ficar ainda mais. Prevê-se para 2011 uma oferta global de alimentos mais apertada que a de 2010. Mesmo que não haja escassez, a mera perspectiva de redução de estoques é, em geral, suficiente para elevar as cotações. Os preços tendem a subir, levando junto a inflação, e esta é a mais grave ameaça a ser combatida.

Serviços passaram a acumular alta de 7,38% no acumulado em 12 meses. Nessa base de comparação, a variação de preços no segmento já se aproxima dos picos históricos recentes, verificados em outubro de 2003 e maio de 2009. Como consequência, os IGP saíram de -2% para 10% em 12 meses. Como servem de indexadores para diversos tipos de contratos, a exemplo de energia, telefonia e, principalmente, aluguéis, tais aumentos se propagam no tempo: as tarifas e mensalidades são reajustadas com base no índice e, ato contínuo, geram nova inflação no período seguinte.

Tudo considerado, segundo projeções de mercado colhidas no boletim Focus, a inflação deste ano deve bater em 5,6% e em 5,1% em 2011, ambas acima da meta estipulada pelo BC, de 4,5%. Não é de hoje que os analistas passaram a vislumbrar risco maior de aumento de preços: há dez semanas, ou seja, desde o início de setembro, as projeções para 2010 sobem.

O governo Lula, porém, até agora deu de ombros. O máximo que fez foi continuar a maquiar os resultados das contas públicas, baixando sucessivamente as metas de superávit fiscal. Sem os malabarismos, o superávit fiscal caiu a 0,5% do PIB nos dois últimos anos, segundo estudo do Santander. Nos seis anos anteriores, pelo mesmo critério, havia sido de 2%. A meta era 3,3%.

Já sob as bênçãos da presidente eleita, a equipe econômica decidiu retirar dos cálculos do superávit os investimentos da Eletrobrás, levando a meta de 2011 para 3,1% do PIB. Investir em infraestrutura é saudável, mas o histórico da Eletrobrás no quesito é lastimável. Sob seu guarda-chuva estão várias distribuidoras estaduais que deveriam ter sido privatizadas, mas foram mantidas estatais. São um sorvedouro de dinheiro público. Ou seja, na prática, Dilma aceitou drenar o superávit pelo ralo destas concessionárias, o que colide com seu discurso de austeridade fiscal.

Até agora pouco se sabe do que a eleita propõe de fato para a condução da nossa economia. Tem-se dito que ela perseguirá a redução da dívida pública de 41% para 30% do PIB em quatro anos. Também tem sido divulgado que a meta é baixar o juro real dos atuais 5,3% para 2%.

Papel aceita tudo e os objetivos são positivos, embora pouco factíveis pelo que se sabe até agora. Juros reais podem cair por meios de medidas saudáveis ou por decorrência da alta da inflação. Na Venezuela, por exemplo, eles são próximos de zero, mas os preços galopam.

Se Dilma quer baixar os juros de maneira saudável, e esta é uma necessidade premente do país, é imperativo que freie a expansão dos gastos públicos. É tudo o que o governo Lula não fez, até porque sua política expansionista mirava beneficiar a eleição da sucessora: os gastos públicos cresceram 17% nos últimos 12 meses.

As despesas são ascendentes, mas não se ouve uma palavra a respeito disso da presidente eleita. Dilma poderia começar por ressuscitar uma proposta que integra o PAC, mas foi letra morta até agora: a que limita os reajustes salariais a um percentual pouco acima da variação do PIB.

Lula parece já ter percebido o clima azedo da economia no ar. Esperto como é, vacinou-se: disse que se sua pupila receber uma “herança maldita” será culpa da crise internacional. Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Itália estão derretendo, mas só servem como alerta para a imprevidência que o PT demonstrou até agora. Não como desculpa.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Um trem acelerado e desgovernado

Na próxima segunda-feira o governo Lula pretende dar início à concorrência que poderá resultar na construção do bilionário trem-bala brasileiro. A mais cara obra já realizada no país está sendo imposta goela abaixo à sociedade, que poderá ter de arcar com um papagaio de monstruosas proporções. Não faltam razões para frear este trem desgovernado.

Pelo cronograma oficial, as propostas serão entregues na próxima segunda-feira e o leilão acontecerá em 16 de dezembro, no apagar das luzes da atual gestão. São insistentes os apelos para que o governo suspenda o certame, por uma razão tão singela quanto escandalosa: não há uma única pessoa que possa afirmar quanto, efetivamente, a obra custará.

Quando foram divulgadas as primeiras ideias relativas ao trem de alta velocidade (TAV), há pouco mais de dois anos, o governo estimava seu custo em R$ 19 bilhões. Pelo que estipula o edital da obra, ela sairá por R$ 33,1 bilhões – ou seja, 70% mais do que se previa. Mas possivelmente o trem-bala custará muito mais.

O consórcio que realizou os estudos para o governo não incluiu no valor as estimativas de gastos com contingências, ou seja, aquilo que não está previsto nos projetos iniciais da obra. A literatura especializada indica que, na experiência internacional, projetos de infraestrutura de transporte costumam sair, em média, 45% mais caros que a projeção inicial. Só por este parâmetro teriam de ser despendidos mais R$ 15 bilhões.

Em sua edição desta semana, a revista Veja informa que os primeiros levantamentos da Halcrow, que fez os estudos do TAV, projetavam custo total de R$ 63,4 bilhões. Mas no documento final as despesas com contingências foram suprimidas a mando do governo federal (como explicitado pelo próprio consórcio no relatório) e o valor caiu pela metade.

Não foram só os gastos contingentes que foram varridos para debaixo do tapete. Os projetistas da Halcrow também deixaram de fora de sua avaliação custos com indenizações, aquisições de terrenos e reparações ambientais – que não deverão ser irrelevantes, uma vez que o traçado corta áreas de mata atlântica na Serra do Mar e terá 199 km de pontes e viadutos. Para completar, o TCU informa que só 4,4% dos estudos mínimos de geologia foram finalizados até agora.

A despeito deste emaranhado de incógnitas, o governo do PT defende com unhas e dentes que o projeto avance a toque de caixa. Diz que se trata de empreendimento privado e, por isso, não haveria perdas para o erário. Qual o quê! O TAV já nasce estatal até a medula.

A medida provisória nº 511, editada no último dia 5, autoriza a União a garantir financiamento de até R$ 20 bilhões à empresa concessionária do TAV por meio do BNDES. Também franqueia subvenção de até R$ 5 bilhões para a concessionária na forma de redução da taxa de juros se houver frustração de receita bruta – ou seja, demanda abaixo da estimada.

Esta é uma hipótese para lá de provável. Calcula-se que o volume mínimo de viagens para cobrir apenas os custos operacionais (sem considerar a recuperação do investimento) está em torno de 20 milhões/ano, mas a demanda estimada para o TAV é de apenas 6,4 milhões/ano.

O meu, o seu, o nosso dinheirinho também será usado para criar uma estatal dedicada exclusivamente ao empreendimento, a Etav. Nela serão aportados R$ 3,4 bilhões, o que equivale ao dobro do investimento público feito em ferrovias no país nos últimos dez anos, conforme análise feita pelo Instituto Teotônio Vilela em julho.

Tudo considerado, o capital privado responderá por apenas 20% do valor global do empreendimento. Não satisfeito, Lula já pôs a faca no pescoço dos fundos de pensão para que eles entrem no negócio. Até agora apenas um grupo privado coreano tem se mostrado inclinado a entrar no leilão, mas seu currículo não é dos melhores: sob sua responsabilidade, a construção do trem-bala entre Seul e Busan levará 20 anos para ser terminada.

Segundo se noticia, a presidente eleita teria dado aval à realização imediata do leilão. É um erro que custará muito caro às futuras gerações se não for corrigido. Na MP recém-editada, o próprio governo admite que está diante de “empreendimento de grande vulto que envolve incertezas por parte dos empreendedores em potencial”. Deveria, portanto, redobrar a cautela; alternativas há.

O Ipea estima que, com o que se pretende gastar com o TAV, daria para construir 10 mil km de ferrovias, expandindo em um terço a nossa malha atual. Alternativamente, seria possível instalar 300 km de metrô nas regiões metropolitanas, beneficiando 15 milhões de pessoas por dia. É gente que precisa urgentemente de transporte público de melhor qualidade, ao contrário dos possíveis usuários do TAV – cujas tarifas serão as mais altas do mundo.

Se, ainda assim, a preferência for mesmo por uma linha férrea ligando as duas maiores cidades do país, também há opções mais adequadas. A experiência internacional mostra que é possível construir uma ferrovia convencional, para operar com velocidade de 160 km/h, gastando de 25% a 60% do custo do TAV, de acordo com brilhante estudo feito pela Consultoria do Senado.

Uma vez iniciado, este é um projeto sem volta, dadas as proporções e as cifras envolvidas. Torna-se um caso típico de algo grande demais para quebrar e, nestas condições, seguirá em frente sangrando o bolso dos contribuintes brasileiros por décadas. Ainda há tempo de brecar esta insanidade cometida em alta velocidade, sabe-se lá por quais interesses do PT.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A ameaça da desindustrialização

Há tempos um fantasma ronda as discussões econômicas: a indústria brasileira está ou não encolhendo? O processo, chamado de “desindustrialização”, sempre foi negado pelo governo Lula. Não mais, a julgar por documento preparado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e alçado à manchete da edição de ontem do Valor Econômico.

Segundo técnicos do MDIC, a indústria brasileira tem perdido força, deixado de exportar, importado mais e, desta forma, ameaçado a saúde financeira do país. Gerando menos divisas, o país tem se tornado cada vez mais dependente de capitais voláteis para fechar suas contas externas. A saída é exportar mais, receita que o candidato da oposição defendeu durante a campanha eleitoral deste ano.

O centro da questão está no fluxo de comércio atual: o setor secundário da nossa economia exporta cada vez menos e importa cada vez mais. Sendo o segmento que mais agrega valor e gera os empregos mais bem remunerados, resulta disso que estamos mandando nossas melhores oportunidades de trabalho e geração de renda para o exterior.

Tome-se o resultado da balança comercial acumulado de janeiro até outubro. O superávit caiu de US$ 22,5 bilhões em 2009 para US$ 14,6 bilhões agora. São 35% menos, mesmo com as exportações crescendo 30% no período. Ocorre que as importações avançaram muito mais: 43,8% de janeiro a outubro.

Vale lembrar que, para igual período do ano, o país já chegou a ter superávit de US$ 38 bilhões. Foi há não muito tempo, em 2006. O saldo atual já é o menor dos últimos oito anos. Pudera: as impostações estão em nível recorde e equivalem atualmente ao triplo do valor verificado no início da década.

Importar muito não é necessariamente algo ruim. Muitas vezes o país recorre a insumos, matérias-primas e máquinas vindas do exterior para melhorar a qualidade, aumentar a produção e dar maior competitividade ao produto nacional. Em parte isso está ocorrendo no Brasil de hoje. A participação dos importados na economia saltou de 12% para 20% desde 2002, segundo levantamento da Fiesp.

O problema é quando tais importações começam a minar a produção local. Há uma miríade de setores em que isso está ocorrendo. Há muitos empresários fechando as portas no Brasil para ir produzir na China. Eles geram emprego lá, produzem lá e mandam o produto acabado para cá, mantendo a rede de clientes e distribuição que já tinham. Pipocam pelo país exemplos disso.

É o que pode ser observado nos eletroeletrônicos. Segundo a Federação das Indústrias do Amazonas, cerca de 90% dos aparelhos de DVD e áudio consumidos no Brasil vêm do exterior, na grande maioria da China. Antes, eles eram produzidos na Zona Franca de Manaus. O déficit comercial do setor cresceu 80% neste ano: saiu de US$ 7,2 bilhões de janeiro a setembro de 2009 para US$ 12,9 bilhões agora.

A indústria metal-mecânica do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, também perde espaço. E a siderurgia em Minas Gerais é outra vítima: compra-se aço no exterior a preços até 40% menores do que os praticados internamente.

Como um todo, produtos manufaturados eram 57% das exportações brasileiras no início da década e agora já representam apenas 39%. Em consequência, o segmento registrou déficit comercial de US$ 30,5 bilhões no primeiro semestre, o triplo de três anos atrás. Já a indústria da transformação passou de superávit de US$ 31,9 bilhões em 2005 para déficit de US$ 13,9 bilhões agora.

O principal vilão desta história é o câmbio. Desde 2003, o real se valorizou 89%, segundo o JP Morgan. Foi a mais alta evolução entre os 20 principais países emergentes. Descontada a inflação, o valor está 8% acima de 1998, quando o câmbio era fixo. Disso resulta a perda de competitividade doméstica.

A apreciação do real deve-se a fatores estruturais, como o movimento global de desvalorização do dólar e o aumento do vigor da economia brasileira, que atraem mais divisas para o país. Mas é causada também por um fator conjuntural: a exótica taxa de juros que o Brasil pratica, num momento em que a média mundial é negativa. Um maná para o capital financeiro.

Na reunião do G-20 encerrada na semana passada, foi autorizado aos países emergentes adotar medidas de controle para se contrapor à valorização indesejada de suas moedas. Serve como luva para o caso do Brasil. Pode começar daí o enfrentamento da extensa agenda econômica que espera a presidente eleita.

O cardápio inclui ajuste cambial, a necessária correção nos juros e a redução dos gastos públicos (que gera efeitos positivos em cascata nos demais itens). A boa nova é que o governo do PT finalmente desistiu de negar o óbvio. É o primeiro passo para corrigir o evidente problema que ronda a indústria nacional.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Enem leva bomba

Será difícil Lula encontrar uma única pessoa que concorde com sua avaliação sobre o desempenho do Enem realizado neste fim de semana. A ninguém parece que a tumultuada aplicação do exame tenha sido um “sucesso total e absoluto”, como afirmou o presidente ontem durante viagem a Maputo. Os jovens brasileiros estão sendo apresentados à inépcia do governo do PT, e da pior maneira possível.

Desde a edição passada sob suspeição, o Enem tomou bomba neste ano. O exame nasceu em 1999, ainda no governo Fernando Henrique. Tinha, porém, apenas a função de avaliar o desempenho dos alunos do ensino médio, de forma a fornecer uma aferição que permitisse traçar estratégias para melhorar o sistema de aprendizagem.

Há dois anos, o MEC resolveu dar caráter distinto para o exame: o Enem passaria a servir para avaliar alunos para o ingresso em instituições federais de ensino superior. Substituiria, assim, o detestado vestibular. Uma ótima intenção. Mas que até agora naufragou nas dificuldades que o MEC ainda não conseguiu transpor para aplicar a prova de maneira eficiente.

Sob a gestão do PT, o Enem já exibia um histórico de fracassos. Isso exigiria esforço redobrado do Ministério da Educação para tornar a edição deste ano um sucesso. Doce ilusão. Com questões truncadas, gabaritos desordenados, suspeita de vazamento do tema da redação, perguntas mal formuladas e mal redigidas, o exame aplicado no fim de semana repetiu o fiasco de 2009 – embora R$ 182 milhões tenham sido torrados na sua execução.

Em outubro do ano passado, a prova vazara dois dias antes da sua aplicação, levando à realização às pressas de novo teste dois meses depois. Em seguida, o MEC anunciou que passaria a aplicar o Enem mais de uma vez ao ano, o que foi saudado pelos alunos. Mas já na primeira tentativa fracassou e teve de cancelar o exame previsto para o meio deste ano. Para coroar o festival de trapalhadas, em agosto último dados sigilosos de milhares de estudantes ficaram disponíveis para quem quisesse ver na internet.

Com este conjunto da obra, o MEC conseguiu desmoralizar uma bela proposta, que interessa a todos os nossos jovens. Aposentar o vestibular e adotar no lugar dele um exame que meça a capacidade de raciocínio e interpretação dos alunos é algo que merece ser saudado por todos. O problema é que, com uma voracidade que tem mais a ver com razões políticas do que com boas intenções educacionais, o governo petista deu um passo muito maior do que suas perninhas.

O Enem é preparado para ser respondido por cerca de 4 milhões de alunos – com as abstenções, chega-se aos 3,4 milhões que o fizeram no fim de semana – em todo o país, numa única data. Um pesadelo logístico. Especialistas dizem que seria mais razoável organizar várias sessões por ano, como ocorre com o SAT, o Enem americano. “O erro estratégico do MEC foi ter sido afobado, sujeitando as cautelas da boa técnica avaliativa à lógica de produzir novidades com valor político”, resume Hélio Schwartsman na edição de hoje da Folha de S. Paulo.

A negligência que o PT dispensa ao Enem ilustra a maneira como é tratado o futuro da nossa juventude pelo governo atual. Para quem tem entre 15 e 29 anos de idade, falta estudo, oportunidades de trabalho e segurança. Na prática, o jovem que tenta se inserir na sociedade enfrenta um funil, que se manteve apertado nos últimos oito anos.

As dificuldades começam na educação: apenas 30,5% dos que têm entre 18 e 24 anos estudam, de acordo com PNAD 2008. Como consequência, a falta de emprego é altíssima. Segundo a OIT, o desemprego entre os jovens é 3,2 vezes maior do que entre os adultos no Brasil. Nesta faixa, metade dos empregados não tem carteira assinada.

Seja a declaração de Lula em Moçambique, seja o desdém com que se manifestaram os responsáveis pela elaboração e aplicação do Enem, nada combina com a seriedade com que os jovens dedicam-se à prestação do exame. Nele muitos jogam seu futuro, experimentando uma angústia própria da idade. Os milhões que foram às provas no fim de semana poderão ter de passar de novo pelo suplício. A culpa é inteiramente do governo.

Um sistema de avaliação que funcione seriamente será um aliado e tanto para pavimentar a estrada da nossa juventude. Mas até agora a gestão petista só conseguiu oferecer um caminho esburacado. Precisa se esforçar muito mais para não pôr o Enem a perder.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

CPMF é novo cruzado no queixo do eleitor

Na primeira semana depois de eleita, Dilma Rousseff abriu seu saco de maldades. Como primeira medida do novo governo, anunciou que pretende ressuscitar a famigerada CPMF. Mau começo. Num país que precisa desesperadamente aumentar seus investimentos e desonerar a produção, elevar tributos é tudo o que não se deve fazer.

A CPMF foi extinta em dezembro de 2007, numa histórica sessão em que o Senado impôs ao governo Lula sua mais dolorosa derrota parlamentar. O presidente nunca engoliu isso. Disse à época que teria de “cortar na carne” para ajustar os gastos ao Orçamento remanescente. Fez o contrário: não parou um instante sequer de elevar a gastança.

Com as contas em escalada, Lula e sua pupila lançam mão agora da medida mais preguiçosa e danosa para enfrentar o assunto: aumentar tributo. Tanto um quanto a outra repetem a atitude de fazer o oposto do que prometeram em cima dos palanques. Tanto o presidente quanto Dilma disseram, como candidatos, que não aumentariam a carga de impostos. Fizeram o contrário, no que muito lembram o Plano Cruzado 2 de José Sarney em 1987. Será esta a regra da gestão que se avizinha?

Nos anos Lula, a carga tributária subiu de 37% do PIB para 40,15%, segundo o IBPT. Mesmo sem a CPMF, os cofres do fisco continuaram a encher. Considerando todos os níveis de governo, só neste ano serão cerca de R$ 110 bilhões a mais do que em 2009. Ou seja, só para a União são o equivalente a mais quase duas CPMF.

O montante perdido com o fim da CPMF desde 2007, em torno de R$ 40 bilhões anuais, foi prontamente reposto com o aumento de receita decorrente do crescimento da economia. Este é o recado da sociedade: menos tributo é mais consumo, mais produção, mais emprego e, por conseguinte, mais arrecadação. Esta cartilha, a voracidade petista teima em não entender.

Um dos argumentos usados agora para recriar a CPMF é que ela pode ter alíquota baixa. A história se repete: o imposto do cheque também começou magrinho e foi engordando com o passar dos anos. Em 2007, seu último ano de vigência, correspondia a 1,4% do PIB e abocanhava, em média, uma semana de trabalho de um assalariado.

O chamado “imposto do cheque” foi extinto porque também prejudicava a competitividade de toda a nossa economia. Ao incidir em cascata, sobretaxava todas as etapas da produção de qualquer mercadoria brasileira. Além disso, somente cerca de metade do arrecadado com a CPMF ia efetivamente para saúde, sua destinação oficial, e algo como 18% era usado para pagar juros. Dificilmente será diferente agora.

Parece evidente que a saúde pode prescindir da CPMF, mas depende de que haja bom governo – artigo em falta hoje no país – para funcionar melhor. Com ou sem o tributo, os gastos no setor em proporção do PIB permaneceram praticamente os mesmos, abaixo de 2%, segundo dados do Tesouro Nacional divulgados pela Folha de S. Paulo. Ou seja, a questão do financiamento da saúde não é, exatamente, de falta de recursos, mas de sua má gestão.

Dilma escuda-se no “argumento” de que os estados clamam pela ressurreição da CPMF. Levantamento feito por O Estado de S. Paulo desmente a tese: metade quer, metade não. Se o que preocupa a presidente eleita é o financiamento da saúde, há uma medida nada danosa e, esta sim, clamada por todos os governadores e prefeitos: a regulamentação da emenda constitucional n º 29.

Com ela, União, estados e municípios teriam disciplinada sua respectiva participação nos gastos públicos em saúde. É o contrário do que ocorre hoje: sem a norma, que tem proposta tramitando no Congresso desde o início da gestão Lula, o governo federal investe menos e os governos subnacionais pagam a maior parte da conta. Aprovar a regulamentação teria, efetivamente, apoio unânime.

De tudo isso, resta claro que uma das promessas de Dilma – diminuir a carga tributária – mostrou-se um embuste. Será apenas o primeiro? Diz-se que Lula quer ressuscitar a CPMF como forma de “vingar-se” da derrota imposta pela oposição em 2007. Temos então duas consequências lógicas e nefastas do episódio: o valor dos compromissos da presidente eleita é nenhum, posto que quem continuará a mandar no país é quem deveria estar se preparando para vestir o pijama.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Um rosário de promessas a cobrar

Dilma Rousseff foi eleita presidente do Brasil na sombra de um mito. Isso produziu pouca luz e muita dúvida sobre sua figura. Pouco se sabe de suas ideias, de seus propósitos, de suas estratégias. Tudo isso terá de ser testado agora, ao longo do exercício do mandato. Se conseguiu sagrar-se vencedora na eleição presidencial deste ano sem uma proposta clara, também deixou pelo caminho uma lista infindável de promessas. Será cobrada pela oposição a cumpri-las, uma a uma.

No discurso que fez no domingo, logo após a proclamação dos resultados, Dilma assumiu como seu principal compromisso erradicar a miséria no país. Conseguirá? Significa tirar da pobreza 21,5 milhões de brasileiros. Causa nobríssima. Mas a petista se fia em resultados alcançados ao longo do governo Lula, produzidos sob condições mundiais de temperatura e pressão quase inéditos e provavelmente com pouca chance de repetirem-se.

Esquece-se também que os mais prósperos feitos da gestão petista que vai chegando ao fim, incluindo a redução da pobreza, valeram-se dos invejáveis avanços e reformas institucionais promovidos nos anos precedentes pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Neste campo, Lula e o PT pouco semearam, mais fizeram colher do que plantar. Sua sucessora encontrará terreno árido adiante.

O que valeu a Dilma seus mais de 55 milhões de votos foi tão-somente o aval do presidente Lula. Sua ficha de serviços prestados à nação não seria suficiente para convencer o eleitor: o Programa de Aceleração do Crescimento, que ela coordenou por mais de três anos, não entregou nem metade do que prometeu – isto se forem usados os critérios mais favoráveis ao governo. Alheia a isso, Dilma já prometeu fazer o PAC 2.

O programa “Minha Casa, Minha Vida”, que em abril de 2009 prometeu a construção de 1 milhão de moradias, conseguiu finalizar até agora cerca de 150 mil unidades. Para famílias realmente pobres, com renda de até três salários mínimos – que a presidente eleita diz serem o principal público-alvo de seu governo – tão-somente 1,2% das casas contratadas foram erguidas. Dando de ombros, Dilma diz agora que fará mais 2 milhões de casas e apartamentos.

É fácil ver que a distância entre o que Dilma promete e o que cumpre se mede em milhares de quilômetros, tantos quantos ela acena agora construir em forma de rodovias e ferrovias – incluindo o dispensável, precipitado e caro trem-bala, que custará pelo menos o dobro do que a petista estima investir em obras de transporte público.

Formalmente, a presidente eleita só apresentou à sociedade um anódino e genérico programa de governo. Composto por 13 tópicos, cumpriu muito mais as vezes de um panfleto do que de uma plataforma séria de gestão. Mas, na falta de algo mais definitivo da parte da campanha petista, o jornal O Globo cuidou de compilar as promessas que Dilma disseminou ao longo dos sete meses de campanha: chegou a 190 delas.

O gigantismo e o irrealismo de muitos compromissos assombram. Dilma prometeu fazer mais 500 UPA, mesmo número que Lula disse que faria, mas nem chegou perto de executar (a quantidade exata não está disponível nas informações divulgadas pelo Ministério da Saúde). A lista de promessas na área de saúde tem 21 pontos, algumas bem contraditórias com a prática de governo petista, como a ampliação do Saúde da Família e da produção de genéricos, sistematicamente boicotados pela gestão Lula.

O “promessômetro” de Dilma claramente não para em pé. É cobertor de menos para cama de mais. No que era necessário rigor, ela oferece platitudes, como em relação ao aperfeiçoamento institucional do país. Assim são tratadas as reformas política e tributária. Na Previdência, ela diz que não mexerá, tampouco na política fiscal. É evidente que eram ambas medidas necessárias, mas mais evidente ainda parece ser a indisposição do PT para promover avanços de longo prazo para o desenvolvimento sustentado do país.

A política de irresponsabilidade fiscal que Lula praticou ao longo do seu segundo mandato só conseguiu ir adiante porque a sociedade brasileira continuou sendo espoliada com tributos crescentes. Dilma promete agora reduzir os impostos. Não inova: Lula assumiu idêntico compromisso em 2002, mas a realidade é que a carga tributária global do país passou de 37% para 40,15% do PIB desde então.

Sugere-se ao eleitor que se prepare para cobrar com rigor a consecução do mundo cor-de-rosa choque que Dilma Rousseff e Lula venderam ao longo da mais extensa campanha eleitoral de que se tem notícia. Nestes mais de três anos em que frequentaram juntos palanques ao redor do país, os dois gastaram muito tempo fazendo promessas, mas, esquecidos de governar, fizeram muito pouco para que elas se tornassem realidade.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Vitória da altivez

José Serra recebeu ontem o voto de 43.711.388 brasileiros. Foi a maior votação já obtida por um candidato à presidência da República que não tenha sido eleito. Também é superior aos votos recebidos por quaisquer dos pretendentes do PSDB que tenham disputado o cargo, incluindo Fernando Henrique Cardoso, presidente por dois mandatos consecutivos. Por distintos ângulos que se olhe, Serra é um vitorioso.

Também em termos relativos, foi o maior sufrágio obtido desde as eleições de 1994 por um candidato à presidência não eleito: 43,95%. Nas últimas duas disputas, decididas em dois turnos, o vitorioso alcançou mais de 60% dos votos válidos. Desta vez, a diferença foi de apenas 12 pontos percentuais, o que impõe ao escolhido pela vontade popular uma maior clareza quanto aos limites de seu poder.

Em 11 estados, Serra terminou a eleição na frente de Dilma Rousseff. Nunca um presidente eleito concluiu a disputa derrotado em tantas e tão importantes unidades da Federação: Acre, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo. Em 2002, a oposição vencera em apenas um estado; em 2006, em sete.

Serra somou mais 10,6 milhões de votos em relação ao resultado que obteve no primeiro turno. Agregou mais apoio nestes 28 dias do que a candidata eleita pelo PT. Em três estados, o tucano reverteu o placar desfavorável da primeira votação: Espírito Santo, Goiás e Rio Grande do Sul.

Quem sai de uma eleição deste tamanho só pode ser considerado um vencedor.

Com José Serra, as forças de oposição adquiriram uma estatura que se julgava alquebrada pela avassaladora força da máquina lulista. Nunca antes na história, tiveram de enfrentar uma luta tão desigual com o governante de turno. Nunca antes na história, estiveram submetidas a tão despudorado uso do aparato público e a tão descarada intromissão do chefe de Estado em assuntos político-partidários.

Não há dúvida de que Serra e a oposição saem desta eleição muito maiores do que entraram.

O PSDB governará oito estados a partir de 1º de janeiro – mais do que administra atualmente. Significativo é que dos seis estados que conquistou em 2006, os tucanos mantiveram-se no poder em quatro deles, e num quinto, a Paraíba, integram a chapa do novo governo eleito. Trata-se de um expressivo percentual de êxito e um sinal claro de aprovação da população às gestões tucanas.

Sob administração do PSDB estará 47,5% do eleitorado nacional. São 64,2 milhões de brasileiros. Considerando-se também os dois estados conquistados pelo DEM (Rio Grande do Norte e Santa Catarina), a oposição terá a maioria do eleitorado sob seu comando nos estados. (Vale lembrar que, embora do PMDB, o governador reeleito de Mato Grosso do Sul apoiou a candidatura Serra, aumentando ainda mais a força da oposição.)

Em seu sereno discurso após a proclamação dos resultados, José Serra deu o tom do que esperar desta oposição a partir de agora: mais luta. “Nesses meses duríssimos, onde enfrentamos forças terríveis, vocês (militantes) alcançaram uma vitória estratégica no Brasil. Cavaram uma grande trincheira, construíram uma fortaleza, consolidaram um campo político de defesa da liberdade e da democracia do Brasil”, disse ele.

Mais do que nunca, a oposição está preparada para exercer o papel que dela esperam seus eleitores: fiscalizar o novo governo eleito, cobrar-lhe o cumprimento das promessas feitas, proteger a sociedade dos excessos antidemocráticos, zelar pela liberdade e pelo amplo direito de manifestação, defender os valores mais caros ao nosso povo.

O PSDB manteve-se na defesa da ética e da democracia. Esta bandeira foi empunhada por 43.711.388 brasileiros. A mensagem das urnas é extremamente favorável às forças oposicionistas. “Tão importante quanto o resultado em si, é em nome do que se vence e em nome do que se é derrotado”, resumiu o senador eleitor por Minas Gerais, Aécio Neves.

As maiores dificuldades da oposição nos últimos anos decorreram de ter tratado Lula com o respeito institucional que um mandatário merece e não com o antagonismo partidário que o presidente preferiu protagonizar.

O respeito à figura do chefe de Estado vai continuar existindo, a vontade dos eleitores será honrada, o resultado das urnas jamais será desacatado. Mas à humildade de aceitar a vitória dos adversários se somará a altivez e a força de quem saiu das eleições deste domingo respaldado por maciço apoio popular, de norte a sul do país. Oposição existe para se opor. E assim será, desde o primeiro dia do próximo governo, todos os dias.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Em socorro aos municípios

Os municípios brasileiros vivem hoje uma situação de penúria. Trata-se de um problema disseminado por todo o país. O pomo da discórdia é a queda dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). As bondades fiscais feitas pelo governo Lula para enfrentar a crise econômica estão agora cobrando seu preço e apresentando a fatura ao guichê dos prefeitos.

As principais medidas adotadas pelo governo federal para atenuar os efeitos da recessão de 2008/2009 afetaram diretamente os municípios, sobretudo os mais pobres. Com o corte de alíquotas do IPI de produtos como automóveis e eletrodomésticos, caíram também os repasses constitucionais feitos por meio do FPM. Quem mais sofre são os pequenos municípios, que se vêem agora em sérios apuros.

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, até setembro os repasses do FPM às prefeituras somaram R$ 36,8 bilhões. Descontada a inflação, estão menores do que foram em 2009, ano mais agudo da crise. Quando a base de comparação é o exuberante ano de 2008, a queda é muito mais expressiva: 9%. Em moeda sonante, são R$ 3,5 bilhões a menos no caixa dos municípios nestes nove meses. Um rombo e tanto.

A parcela relativa ao segundo decênio de outubro acaba de ser repassada aos municípios e novamente frustrou as prefeituras. Com isso, falta dinheiro para tudo: da merenda ao medicamento, passando pelo combustível das ambulâncias e pela limpeza urbana. O pagamento do 13º salário de milhares de servidores municipais neste ano está ameaçado. A situação tem avivado o descontentamento de prefeitos com o governo federal.

Dois terços dos R$ 24,9 bilhões renunciados pela Receita Federal em 2009 foram concedidos com base em tributos compartilhados pela União com estados e municípios – caso do IPI, do imposto de renda e da Cide. O governo federal prometeu recompor as perdas. Mas, depois de muito cobrar e passar o pires em Brasília, quanto os prefeitos obtiveram como compensação de Lula? Quase nada.

O problema é que 80% dos municípios brasileiros sobrevivem sem receita própria. São, portanto, totalmente dependentes dos repasses constitucionais; não conseguem dar um passo sem eles. Mas, mesmo sufocados pelo poder central, os maiores municípios respondem por parcela preponderante dos investimentos públicos diretos executados no país.

Em 2008, a União investiu 0,53% do PIB; os estados, 0,77%; e os municípios, 0,88%. Ou seja, enquanto o governo federal respondeu por 24% do total investido, os demais entes foram responsáveis por 35% e 40%, respectivamente. Quem, de fato, sustenta a agenda de crescimento do país?

A revisão das atribuições dos entes federativos é central na agenda de estados e municípios. A União, porém, se faz de morta, deitada no berço esplêndido do naco de tributos que lhe cabe. Quase 70% de tudo o que pagamos de impostos e contribuições – e que ontem alcançou a marca de R$ 1.000.000.000.000,00 – fica em Brasília.

O PSDB já se comprometeu com a recomposição da saúde financeira e a independência dos municípios. O candidato tucano, José Serra, reforçou há duas semanas compromisso de não transferir para as prefeituras os ônus das medidas que seu governo vier a adotar: “Minha proposta é que não seja dado mais nenhum incentivo (fiscal) sem que haja automaticamente a reposição aos municípios”.

O tucano também já garantiu que irá regulamentar a emenda constitucional nº 29, que define a participação de União, estados e municípios nos gastos em saúde. A medida foi aprovada em 2000 com amplo acordo suprapartidário capitaneado por Serra, então ministro da Saúde. Depende, porém, de legislação infraconstitucional, que vagou no Congresso ao longo de todo o governo Lula sem que o PT se empenhasse em aprová-la.

Num ano em que o PIB brasileiro pode alcançar crescimento formidável, a situação nos rincões do país é de aperto e desesperança. Os louros do sucesso, a gestão petista colhe; deixa pelo caminho os ônus de suas políticas econômicas desconexas. É mais uma marca da gestão Lula: amealhar benesses com o chapéu alheio para depois pôr os súditos de joelhos, na rua da amargura.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Inimigos imaginários

O presidente Lula pautou toda a sua carreira política baseada no conflito. É assim desde as greves do ABC, no fim dos anos 70. Ele e seu partido só veem razão de existir num ambiente de conflagração e embates. Com sua imensa dificuldade de construir o consenso e dialogar com oponentes, Lula e o PT não conseguem sobreviver sem um inimigo para atacar, mesmo que seja necessário inventá-lo.

O festival de desespero e hostilidade que o comando do PT exibiu nos últimos dias é efeito direto desta ética política – melhor seria dizer da falta dela. O mau exemplo que vem de cima contagia a atitude da militância nas ruas e lhe serve como salvo-conduto. Para os petistas, não há adversários a derrotar, há inimigos a dizimar.

O episódio da última quarta-feira em Campo Grande, zona oeste da capital fluminense, é o mais recente de uma galeria de instantâneos de truculência protagonizados pelos partidários de Dilma Rousseff. Para o PT, não basta vencer os adversários políticos nas urnas, eles têm de “apanhar nas ruas” – na célebre pregação do czar-mor José Dirceu. Não servem os cabos eleitorais; valem mais os cabos de vassoura.

Uma pacata caminhada de José Serra e correligionários pelas ruas do Rio, parte intrínseca da disputa democrática pelo voto, foi barrada por militantes do PT, liderados por um candidato derrotado a deputado pelo partido. Isso já seria um fato gravíssimo e condenável, mas os fanáticos apoiadores de Dilma ainda arremessaram objetos em Serra e em sua entourage, algo mais deplorável ainda. Até jornalistas foram agredidos.

O PT tentou escapar afirmando que Serra havia simulado ter sido atacado. O próprio presidente da República embarcou pesadamente nessa história e disse que o candidato tucano havia “mentido descaradamente”. A raivosa declaração presidencial foi dada durante solenidade oficial, usando a estrutura oficial de comunicação. Tudo posto a serviço da candidatura oficial, que a quilômetros de distância entoava a mesma cantilena de seu mentor.

Lula e Dilma não contavam com uma impecável reportagem exibida pelo Jornal Nacional no dia seguinte. Nela, restou cabalmente comprovado que Serra sofreu sim uma covarde agressão. Lula e sua pupila escorregaram no popular “pega na mentira”.

Quando agridem injustamente, pessoas de caráter costumam pedir desculpas. Não é o caso de quem vive e se alimenta cotidianamente de insultar adversários. Aos escrúpulos, Lula e seu PT preferiram agarrar-se à mentira com intuito eleitoral. Novamente, mesmo contra os fatos, insistiram em acusar Serra de ter fraudado o episódio do Rio. Seus inimigos imaginários são a matéria-prima de sua prática política.

Só esse episódio já seria suficiente para jogar a turma petista definitivamente na lama. Mas como o objetivo é “permanecer mandando”, como eles não se cansam de afirmar, não há limites na maneira mafiosa de agir. A manipulada ação da Polícia Federal na investigação da violação de sigilo fiscal de tucanos reforça o argumento.

Todo o contorcionismo de Lula, da PF e do PT para imputar a responsabilidade pelos crimes a uma suposta disputa interna do PSDB não resistiu aos fatos, estes eternos estraga-prazeres do petismo. Apontado como aquele que comprou as informações sigilosas no mercado negro, o repórter Amaury Ribeiro Jr confessou aos policiais que todas as informações que obteve no submundo do crime acabaram nas mãos de Rui Falcão, proeminente coordenador da campanha de Dilma.

As pontas do novelo vão se entrelaçando. Estrela em ascensão no governo Lula, o secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, também admitiu em telefonema gravado divulgado pela revista Veja: “Não agüento mais receber pedidos da Dilma e do Gilberto Carvalho para fazer dossiês. (...) Eu quase fui preso como um dos aloprados”.

Soma-se a isso o fato de Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula, ter se tornado réu em ação envolvendo cobrança de propina na cidade de Santo André, na época em que o município era administrado pelo prefeito Celso Daniel, assassinado em 2002. São as vísceras dos subterrâneos petistas sendo reviradas. O que mais ainda está por se saber?

Por mais que o PT se esforce, a realidade teima em mostrar sua cara. Contra os fatos, a receita da campanha de Dilma Rousseff mantém-se a mesma: manipular e continuar mentindo até o último instante; fabricar todos os dias inimigos imaginários a combater; pôr o Estado para sufocar quem pensa diferente.

Para nossa bênção, já ficou claro no primeiro turno da eleição que os brasileiros majoritariamente desaprovam este caminho. São 54 milhões de pessoas que não compactuam com o que está aí. Provavelmente reiterarão a mensagem no próximo domingo, porque ganharam nas últimas semanas mais alguns caminhões de motivos – nenhum deles imaginário.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Retrato da cultura de uma era inculta

Alguns artistas anunciaram ontem apoio à candidata do PT à Presidência da República. É do jogo democrático: a sociedade brasileira tem se mostrado radicalmente dividida neste momento.

Mas o que era para ser uma festa acabou por fornecer mais um retrato da maneira truculenta com que o governo federal tem atuado nestas eleições: nomes foram incluídos à revelia no manifesto e instituições de Estado foram utilizadas para constranger outros a participar.

O cineasta José Padilha pôs a boca no trombone. O diretor de “Tropa de Elite” desautorizou publicamente a campanha de Dilma Rousseff por tê-lo citado como um de seus apoiadores. Sem o consentimento dele, seu nome foi incluído na lista pelos coordenadores do tal manifesto, alguns deles de notória proximidade aos guerrilheiros colombianos das Farc (mas este é outro assunto).

Padilha – que informa ter resistido a apelos e constrangimentos de “uma blitz de um grupo que apóia Dilma” – pode ser apenas um entre muitos jabutis postos no alto desta árvore de papel.

Em sua coluna na edição de hoje de O Globo, Merval Pereira relata que “dirigentes da Ancine atuaram fortemente para que pessoas ligadas à indústria (do cinema) assinassem o documento” pró-Dilma. “Há indicações de que vários outros cineastas e atores, muitos inscritos à revelia, foram procurados pela Ancine na tentativa de engrossar a lista de apoiadores da candidatura oficial”.

A Ancine é o órgão regulador dos setores de cinema e audiovisual no país. Como tal, deveria obedecer a políticas de Estado, não a instruções de governos, menos ainda a ações de partidos políticos. Mas, como quase tudo na gestão do PT, teve sua atuação inteiramente desvirtuada nos últimos anos. Assim como outras instituições da República, transformou-se num aparelho político-partidário.

Era só o que nos faltava: além de oferecer à nação uma candidata de laboratório, o petismo agora nos apresenta um rol de simpatizantes e apoiadores de mentirinha, amavelmente coagidos a aderir ao governismo por meio da manipulação do poder do Estado e seu controle sobre polpudas verbas orçamentárias.

Basta dar uma olhada na lista de apoiadores da petista para ver que vários deles tinham motivo$ de $obra para assinar o papelucho: não são poucos ali os que vivem dependurados nas verbas de patrocínio de estatais como Petrobras, BNDES, Banco do Brasil etc.

Tirante o motivo sonante, teriam estes artistas algum outro mais palpável para incluírem-se no manifesto? Se o que importasse fosse a real atenção que o governo atual deu à cultura, sobrariam razões para estarem a léguas de distância.

Mostra O Globo de hoje que o presidente Lula esteve longe, muito longe de cumprir o compromisso assumido com a classe artística em 2002, a saber: elevar a verba destinada ao Ministério da Cultura a pelo menos 1% do Orçamento da União. Em oito anos, não passou nem perto disso.

Lula legará a seu sucessor um orçamento em que ao ministério ocupado até outro dia por Gilberto Gil caberá nada mais do que 0,16% da verba total, retrocedendo em relação ao pico de 0,23% a que se chegou neste ano. Em moeda sonante, são R$ 1,65 bilhão num mar de R$ 1,009 trilhão. Piores na fita só as pastas da Pesca e do Esporte.

A cultura só não esteve mais à míngua porque contou com as mãos amigas de parlamentares, que ano após ano garantiram-lhe no Congresso dotações sempre maiores do que o Executivo lhe destinava. Este ano, por exemplo, deputados e senadores aumentaram a verba do setor em mais de 60%, o que equivaleu a R$ 850 milhões extras.

Mas o despudorado uso da máquina estatal nas eleições não se limita a episódios como o do manifesto dos artistas. Pululam casos em que a mão pesada do Estado move-se em favor da candidata oficial, como mostrou a Folha de S. Paulo em sua edição de ontem: verbas da Petrobras e Banco do Brasil patrocinaram a publicação de uma revista da CUT com textos defendendo o voto em Dilma, o que é vedado pela lei eleitoral, que proíbe sindicatos de fazer campanha.

São exemplos eloquentes da forma como o PT apossou-se do Estado brasileiro, numa sub-reptícia e subterrânea privatização do patrimônio brasileiro. O dinheiro dos súditos, o petismo destina aos amigos do rei, que lhe retribuem na forma de assinaturas firmadas num papel. Nem todas elas, é verdade, de bom grado.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um sorvedouro de dinheiro público

A realização do segundo debate deste segundo turno – promovido pela Rede TV! e pela Folha de S. Paulo neste domingo – expôs, mais uma vez, a carcomida estratégia do PT de demonizar as privatizações. Acontece a cada quatro anos, sempre nos períodos eleitorais. Sobre o tema, os petistas improvisam todo o tipo de falsidades. A má-fé é evidente.

O PT aposta numa difusa antipatia de alguns por empresas privatizadas para tentar angariar uns votinhos a mais. Mas bastam alguns minutos de reflexão para perceber os benefícios que o processo de desestatização, que se desenrolou durante toda a década de 1990 e continuou no governo Lula, trouxe para a população brasileira.

Há os exemplos mais vistosos, como o das telecomunicações. Antes artigo de luxo, os telefones estão hoje nas mãos de praticamente todos os brasileiros: existem mais linhas operando do que o total de habitantes do país. Um produto que custava caro e demorava meses para ser obtido, hoje se consegue em minutos, de graça. Com isso, chegou ao fim a época do “teleorelhão”, de que o PT tanto sente saudades.

Mas há também os avanços a partir da abertura do setor de petróleo, que não foi uma privatização. A lei aprovada em 1997 elevou a Petrobras a um patamar de ganhos e eficiência nunca antes visto, com benefícios evidentes para os cofres públicos, e, em conseqüência, para a população como um todo, na forma de tributos recolhidos e dividendos pagos. Pode-se lembrar, ainda, a privatização dos bancos estaduais, antes um verdadeiro sorvedouro de dinheiro público, ninhos de desvios e corrupção.

O PT parece achar que nada disso fez bem ao país. E, embora também tenha transferido dois bancos estaduais e milhares de quilômetros de rodovias e ferrovias para a iniciativa privada, promete na TV que, sob seu governo, o país vai “continua não privatizando”. Será que alguém, exceto os parasitas de dinheiro público, ganharia com este caminho?

Numa área da economia, o PT fez clara opção por “continuar não privatizando”: o setor elétrico. Quando Lula assumiu o poder, herdou algumas concessionárias de energia que haviam sido federalizadas em 1998 com o intuito de serem saneadas e transferidas para a iniciativa privada. Todas atuam nas regiões Norte e Nordeste.

Sob Lula e com as bênçãos de Dilma Rousseff, a decisão foi não levar o processo de privatização das elétricas adiante. Qual terá sido o benefício desta estratégia para os contribuintes e usuários de energia destas regiões? Vejamos isso em números e fatos para chegar a nossas conclusões.

Do grupo de seis concessionárias nestas condições, apenas duas não tiveram prejuízos no primeiro semestre deste ano. Um ralo de quase R$ 100 milhões apenas neste curto período de seis meses. Isto significa que o governo tem de drenar recursos da Eletrobrás, que controla estas empresas, para continuar tapando os rombos. Uma rotina que não se encerra.

Não é apenas no bolso dos consumidores que a ineficiência pesa. Tome-se o que está ocorrendo na área de atuação da distribuidora que atende o Amazonas, a Amazonas Energia. Ainda hoje sob administração estatal, por opção do governo do PT, a empresa transformou Manaus na “capital nacional do apagão” onde diariamente falta energia elétrica, conforme mostrou a edição de O Estado de S. Paulo deste domingo.

Perdem não apenas os consumidores residenciais, que se vêem às voltas com os contratempos da cotidiana falta de luz, como também as linhas de produção da Zona Franca de Manaus, que responde por 90% do PIB regional. Sem luz, as fábricas param todos os dias, num gigantesco prejuízo econômico.

Noticia-se também que, desde 2006, a Amazonas Energia investiu apenas 22,7% do seu orçamento destinado a obras de melhoria, ampliação e reforma da infraestrutura elétrica no estado. A estatal mergulhou o Amazonas nas trevas, conforme conclusão da própria Aneel: “A aplicação inconclusa de recursos contribui para a deterioração das condições de conservação e operação do sistema elétrico da concessionária, gerando piora na qualidade do serviço prestado”.

Manter empresas deficitárias sob controle estatal muitas vezes acaba por ter outra serventia, nunca confessada: utilizá-las para negócios escusos, subjugando-as a interesses privados. É o que aconteceu na CGTEE, conforme reportagem da revista Época desta semana. Nela, um antiqüíssimo colaborador de Dilma aparece no centro de uma trama que resultou numa fraude de € 157 milhões.

Vale registrar que a CGTEE, junto com as subsidiárias da Eletrobrás do Norte e Nordeste do país, também vive sob permanentes prejuízos, cobertos com o meu, o seu, o nosso dinheirinho. É este o modelo que o PT defende: o dos apagões e das empresas estatais que só servem para sugar dinheiro do contribuinte. É para isso que o partido de Dilma Rousseff se propõe a “continuar não privatizando”. Não parece ser a melhor alternativa.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A perversa privatização dos Correios

Toda vez que se vê acuado ou instado a mostrar qual rumo propõe e quais as propostas tem para o país, o PT abre seu baú de mistificações e tenta desviar a atenção da opinião pública. As privatizações são seu tema predileto para fugir da raia. Como teve algum efeito eleitoral em 2006, os petistas julgaram que seria útil assacá-lo novamente agora, mas ninguém mais vai engolir esta lorota.

Melhor seria se o PT e sua candidata explicassem como sujeitaram algumas das mais vistosas empresas públicas do país a interesses privados e partidários, numa privatização às escuras e sem benefícios para a sociedade. É o que acontece a olhos vistos hoje nos Correios, à beira de uma débâcle sem precedentes.

Não vai longe a época em que a empresa que tem o monopólio dos serviços postais no país sempre pontuava como a instituição mais respeitada pelos brasileiros em pesquisas de opinião feitas de tempos em tempos. Na era petista, tamanha eficiência foi solapada por interesses partidários, muito embora a dedicação de seus funcionários continue irretocavelmente a mesma.

Por tratar diuturnamente com o dinheiro miúdo, mas constante, de quem recorre aos serviços postais, os Correios se tornaram alvo da cobiça de quem usa o serviço público em benefício próprio. Não foi por outra razão que de lá saiu a primeira centelha da descoberta do esquema de compra de votos que o PT armou a partir do gabinete de José Dirceu, o “chefe da quadrilha” do mensalão, “companheiro de armas” de Dilma Rousseff e então ministro-chefe da Casa Civil de Lula.

O tempo passou, a Lusitana girou, e os Correios continuaram a ser parasitados pelos escusos interesses do petismo. Erenice Guerra, braço direito de Dilma desde os primeiros dias do governo Lula, e sua parentela foram os próximos a ser pilhados com a boca na botija usando a empresa para fazer soturnos negócios. A vampirização era tão flagrante que, iluminada pelo escrutínio da imprensa, quase toda a direção da estatal foi defenestrada e a empresa que se beneficiava das negociatas dos Guerra agora agoniza.

Em setembro, o Valor Econômico deu cores vivas ao prejuízo que a incúria petista está impondo à centenária instituição postal: grandes clientes dos Correios simplesmente estão debandando em busca de prestadores privados de serviços de entrega e encomenda – dos quais a empresa não é monopolista.

“Só em São Paulo, cerca de 40 empresas já enviaram cartas às franquias informando que estudam propostas de empresas privadas para evitar o risco de atraso nas entregas do último trimestre do ano”, informou o jornal. O contrato de centenas de franqueados corria o risco de expirar sem que uma solução fosse dada. Acabaram de ser prorrogados por mais sete meses.

Todo este quadro é muito distinto do processo transparente de privatização levado a cabo pelos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990. Nenhuma delas, vale sublinhar, foi sequer contestada por alguma medida tomada em oito anos de governo Lula – que, aliás, privatizou dois bancos (do Maranhão e do Ceará) e milhares de quilômetros de rodovias. Se, quando são governo, os petistas também privatizam, por que em época de eleição dizem-se oportunisticamente contra?

Os resultados das benéficas privatizações feitas à época do governo tucano estão aí para todo mundo ver. Pincemos o exemplo da Vale do Rio Doce. Durante os 54 anos em que foi uma estatal, investiu em média US$ 481 milhões anuais. De 1998 em diante, já sob controle privado, tal cifra saltou para US$ 6 bilhões. “O retorno para a sociedade foi além – o recolhimento de impostos pulou de US$ 31 milhões para US$ 1,093 bilhão por ano”, escreveu Cristiano Romero no Valor Econômico.

Não são apenas os Correios que ilustram a visão distorcida que o PT tem das estatais. Para o partido interessam muito mais os dividendo$ político-partidários que as empresas podem render, não seus benefícios para a sociedade. O setor elétrico está coalhado de concessionárias postas pelo governo Lula sob as asas da Eletrobrás cujo único resultado é drenar os cofres públicos. A lista de exemplos é infindável e inclui os portos, usados como apetitosa moeda de troca pelos petistas.

A sociedade brasileira já demonstrou que está madura para avaliar os benefícios que políticas de Estado lhe rendem, muito distante de simplórias mistificações eleitorais. Dizia Karl Marx, filósofo político que os petistas adoram citar, embora nunca o tenham lido, que a história só se repete como farsa. Vale para a ressurreição das privatizações intentada pelo discurso petista: o eleitorado reconhece os ganhos que obteve e vai mudar de canal.