quinta-feira, 31 de maio de 2012

Por que não falas, Lula?

No recente episódio envolvendo a tentativa de chantagear o Supremo, a principal linha de defesa dos partidários de Luiz Inácio Lula da Silva tem sido tentar desacreditar o relato feito por Gilmar Mendes. Mas, enquanto o ex-presidente mantém-se mudo, o ministro do STF reitera o que diz, elevando, inclusive, o tom das revelações. Com atitudes assim, quem demonstra estar com a razão?

Nos últimos dias, Mendes falou à Veja; reiterou sua versão aos jornalistas que o procuraram no domingo, quando a revista começava a circular; voltou a falar com repórteres anteontem em Manaus e, ontem, deu uma entrevista coletiva de 19 minutos, além de atender jornais em separado. Não parece nem um pouco em dúvida de suas convicções.

“A gente está lidando com gângsteres. Vamos deixar claro: estamos lidando com bandidos. (...) O objetivo era melar o julgamento do mensalão. Dizer que o Judiciário está envolvido numa rede de corrupção”, afirmou o ministro, quando foi abordado por repórteres ao se encaminhar para uma sessão da 2ª Turma do STF.

As palavras de Mendes fazem ou não sentido? Evidentemente. Desde que foi apanhado no escândalo do mensalão, o gigantesco esquema de desvio de dinheiro público para comprar apoio no Congresso, o PT bate na tecla de que age como os outros. Ou seja, tenta nivelar a todos por baixo. Exatamente como agora, ao buscar arrastar também o Supremo para a vala comum da escória.

Ao contrário do arrojo de Gilmar Mendes, o outrora palavroso ex-presidente limitou-se até agora a uma nota de 184 palavras emitida pelo instituto que leva seu nome. Microfones a seu dispor não faltam. Mas, por que, afinal, Lula não fala?

Se nada disse ao longo destes dias, o ex-presidente não se eximiu de sacar as armas de que dispõe: conclamar, por meio de Rui Falcão, a militância petista a resistir às “manobras” e, por intermédio de seus asseclas no Congresso, investir contra Mendes na CPI do Cachoeira, como mostra hoje a Folha de S.Paulo.

“Sem alarde, a CPI do Cachoeira requisitou ontem à Polícia Federal as transcrições de todos os diálogos envolvendo personagens com foro privilegiado captados nas operações Vegas e Monte Carlo. A iniciativa, subscrita pelos deputados Cândido Vaccarezza e Paulo Teixeira, é interpretada por integrantes da comissão como uma investida do PT para constranger Gilmar Mendes. (...) Petistas o elegeram como novo alvo das investigações.”

Por que, afinal, Gilmar Mendes incomoda tanto os petistas? Porque a atitude do ministro do Supremo equivale a pôr o dedo numa ferida que está exposta em várias dimensões, momentos e situações, mas que, pela onipresença que vai tomando, às vezes começa a passar despercebida: o achincalhe perpetrado pelo PT, Lula à frente, às instituições da República.

Vale lembrar alguns episódios em que o então presidente tentou desacreditar órgãos de fiscalização e controle cuja função é zelar pelo bem público. Foi assim, por exemplo, com o Tribunal de Contas da União, com o Ministério Público e até com repartições ligadas à preservação do meio ambiente.

Sempre que se interpuseram no caminho de alguma vontade de Lula, foram alvo do escárnio do então presidente. O TCU foi acusado de retardar obras; o MP de proceder a investigações incômodas; os órgãos ambientais de zelar até por “bagres” em detrimento do interesse maior da marcha desenvolvimentista empreendida pelo PT.

Na realidade, o que estas instituições estavam fazendo, assim como o grito de Gilmar Mendes agora faz, é cuidar de impor algum freio ao desmesurado desejo de Lula e do PT de subverter toda a ordem constituída a seu inteiro favor.

Há mais uma penca de exemplos neste sentido: o uso de instituições públicas, como o BNDES, para beneficiar empresas amigas e, em contrapartida, arrancar-lhes gordas doações, como aconteceu em 2011; a montagem de uma rede de descarados propagandistas na internet, também alimentada por polpudos patrocínios públicos; os conluios com empresas favorecidas pelo PAC, como ficou evidente com a construtora Delta. E por aí vai.

A imprudência de Lula ao tentar chantagear Gilmar Mendes permite à sociedade brasileira defrontar-se, mais uma vez, com esta escalada de ilícitos. Reabre a possibilidade de que se dê um sonoro “basta” aos exageros e afrontas praticados pelo PT. Felizmente, este acerto de contas está próximo. Com sua soberba, Luiz Inácio Lula da Silva acabou fazendo um favor ao país: tornou inadiável o julgamento do mensalão e a punição de seus réus pelo STF.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Lula continua o mesmo

Lula se manifestou ontem “indignado” com a revelação de que tentou chantagear um ministro do STF. Indignados e estarrecidos estão todos os brasileiros que tomaram conhecimento da atitude indecorosa do ex-presidente. Até o momento, estão, de um lado, a versão de Lula e de Nelson Jobim e, do outro, a condenação unânime à indecência praticada pelo petista.

Por ora, o sempre loquaz Lula só se manifestou por meio de nota, divulgada ontem à noite pelo instituto que leva seu nome. Ainda não teve coragem de vir a público contrapor, de viva voz, a versão relatada por Gilmar Mendes. Já o ministro não apenas manteve o que contou à revista Veja, como reiterou tudo ontem em entrevista concedida à imprensa em Manaus.

A tentativa de Lula de postergar o julgamento do mensalão para o ano que vem e de chantagear Mendes, oferecendo-lhe “proteção” na CPI do Cachoeira, mereceu repulsa de outros ministros do Supremo, condenação da Ordem dos Advogados do Brasil e críticas da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

Não apenas. Também ensejou representação criminal apresentada pelos líderes de PSDB, DEM, PPS e PSOL contra o ex-presidente. A medida baseia-se no entendimento de que há indícios de que, pelo que Mendes revelou, o petista praticou pelo menos três crimes no curso do processo de julgamento do mensalão: corrupção ativa, tráfico de influência e coação.

Tráfico de influência por Lula ter tentado interferir na atuação de um magistrado – Gilmar Mendes, embora ainda tenha ameaçado coagir pelo menos outros três ministros do STF – para favorecer o PT e os réus do mensalão. Corrupção ativa por oferecer vantagem indevida – “proteção” na CPI – para que o ministro fizesse, retardasse ou omitisse um ato de ofício. E coação no curso do processo em razão da tentativa de ameaçar intervir na ação judicial.

A postura de Lula mereceu condenação generalizada. Em editorial, a Folha de S.Paulo classifica o encontro ocorrido em abril de “suspeito” e a tentativa de chantagem a Mendes, de “intolerável”. Para Dora Kramer, Lula está “investido no figurino do personagem autorizado a desrespeitar tudo e todos no cumprimento de suas vontades”.

Mas a mais veemente condenação à atitude de Lula veio do ministro Celso de Mello, decano do STF. Em entrevista ao site Consultor Jurídico, ele afirmou: “Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de poder tenta interferir em outro. (...) O episódio revela um comportamento eticamente censurável, politicamente atrevido e juridicamente ilegítimo”.

Mello foi ainda mais fundo: “(Trata-se de) Um gesto de desrespeito em relação ao STF. Sem falar no caráter indecoroso, é um comportamento que jamais poderia ser adotado por quem exerceu o mais alto cargo da República. Surpreendente essa tentativa espúria de interferir em assunto que não permite essa abordagem. Não se pode contemporizar com o desconhecimento do sistema constitucional do país nem com o desconhecimento dos limites éticos e jurídicos”.

Entretanto, nem as contundentes e incisivas palavras de Celso de Mello, publicadas ainda no domingo, foram capazes de dissuadir o silêncio de Lula. O ex-presidente só veio a se manifestar na noite de ontem, depois que o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, fez uma cobrança pública para que ele falasse sobre o caso.

Fato é que, em tudo, a versão de que Lula tentou chantagear Gilmar Mendes e coagir a mais alta corte judiciária do país é verossímil. Segundo interlocutores ouvidos pelos jornais, ao ex-presidente a única coisa que interessa tratar, neste momento, é implodir a comprovação – e a consequente condenação dos réus – de que seu governo praticou o mais deslavado esquema de corrupção da história recente do país, por meio do mensalão.

Além disso, na CPI há clara orientação do PT para que seus deputados e senadores centrem fogo justamente em Gilmar Mendes, a quem, na fatídica conversa, Lula ofereceu “proteção”. “O PT busca dados contra o ministro do STF Gilmar Mendes na CPI que investiga as relações do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com empresas e autoridades”, informa hoje o Valor Econômico.

Nos oito anos que passou como presidente da República, Lula sempre contemporizou com malfeitores, jamais puniu acusados de corrupção em seu governo e transformou a leniência no trato com a coisa pública em norma geral. Seu comportamento indigno, intolerável, repulsivo como ex-presidente em relação às instituições é apenas mais um capítulo de uma trajetória que, infelizmente, tem se mostrado deplorável.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Atitudes indecentes

A reentrada de Luiz Inácio Lula da Silva na vida política nacional tem se mostrado lastimável. Desde que se recuperou do câncer na laringe, para o que contou com a solidariedade incondicional de todos os brasileiros, ele tem adotado atitudes indignas para um ex-presidente. Não difere em nada da postura indecente do partido dele, o PT.

O mais recente episódio envolvendo Lula em tenebrosas tratativas foi revelado pela revista Veja em sua edição desta semana. O ex-presidente sugeriu a Gilmar Mendes, um dos 11 ministros do STF, que postergasse o julgamento do mensalão para 2013, data considerada menos “inconveniente” por Lula.

Mas a conversa não parou por aí e foi seguida de uma chantagem explícita por parte do ex-presidente. Ele sugeriu que tem o controle da CPI que investiga as ligações do contraventor Carlinhos Cachoeira com o submundo da política e que, nesta posição, poderia livrar Mendes de qualquer apuração mais constrangedora.

“Se Gilmar aceitasse ajudar os mensaleiros, seria blindado na CPI. Decupando acena, o que se tem é um ex-presidente oferecendo salvo-conduto a um ministro da mais alta corte do país, como se o Brasil fosse uma nação de beduínos do século XIX com sua sorte entregue aos humores de um califa”, resume a revista.

Como de praxe, Lula negou o conteúdo revelado pela revista, assim como o fez também o ex-ministro Nelson Jobim, anfitrião do encontro. Mas hoje Jorge Bastos Moreno esmiúça, n’O Globo, ainda mais a conversa, ocorrida em 26 de abril, uma quinta-feira: “Gilmar teve a prova definitiva de que tinha sido escolhido pelo PT como símbolo da tentativa de desmoralizar o Judiciário”.

Para tentar constranger a mais alta corte judiciária do país, Lula fia-se no fato de ter indicado seis dos 11 atuais ministros do Supremo. Acha que, por isso, teria ascendência e força suficientes para orientar-lhes os votos. Trata-se de uma visão torpe de como devem funcionar as instituições num regime republicano. Lula acha que o que vale é o poder de mando.

A cruzada do ex-presidente para reescrever a história e tentar transformar o mensalão em farsa não tem limites. Vem desde que ele ainda ocupava o cargo mais alto do Poder Executivo. Mas Lula passou a dedicar-se especialmente à missão depois que voltou à planície.

É certo, por exemplo, que o ex-presidente esteve por trás da criação da CPI, cujo objetivo escancarado é desviar a atenção do julgamento do escândalo comandado por José Dirceu e seus outros 35 réus, atingir a imprensa e o Ministério Público, e constranger a oposição.

Lula é um líder partidário e suas atitudes deletérias acabam servindo de exemplo para seus simpatizantes. Se um ex-presidente se vê no direito de agir com tamanha desenvoltura para deflagrar um ilícito como o que propôs a Gilmar Mendes, o que esperar de seus seguidores?

A postura do PT não deixa dúvidas de que os maus hábitos, desde seu maior expoente, são a tônica por lá. É o que mostra, por exemplo, a suspeitíssima movimentação financeira do partido de Lula em 2011, ano em que os petistas encheram os cofres de dinheiro, arrecadado de empresas agraciadas com contratos firmados com o governo federal.

No ano passado, o PT obteve R$ 50,7 milhões em doações feitas por pessoas jurídicas. O valor corresponde a aproximadamente 20 vezes o que o PMDB e o PSDB, cada um, arrecadaram no mesmo período – respectivamente, o segundo e o terceiro maior montantes. Equivale a 89,5% de tudo o que foi doado por empresas aos 29 partidos brasileiros em 2011, informa o Valor Econômico hoje.

Parte desta montanha de dinheiro – advindo de empresas com milionários contratos com o governo Dilma Rousseff, como mostrou O Globo no sábado – foi usada para pagar uma suposta dívida do PT com o Banco Rural, no valor de R$ 8,3 milhões. O partido tenta dar ares de operação financeira ao que foi, na realidade, pura lavagem de dinheiro do mensalão. Irmana-se, portanto, a Lula na construção de sua própria farsa.

O comportamento do ex-presidente difere de tudo o que se espera de alguém que já ocupou o mais alto cargo da República. Afasta-se do que se poderia aguardar de quem gostaria de entrar para a história como o mais querido presidente brasileiro. Mas que não restem dúvidas: o mensalão existiu e o medo que os principais acusados têm de passar alguns anos na cadeia – corroborado pela atitude indecorosa de Lula – é a prova mais evidente disso.

sábado, 26 de maio de 2012

Navio que não navega

O navio João Cândido vai ao mar hoje. Em outros tempos, o governo petista estaria fazendo a maior algazarra para marcar o “feito histórico”. No entanto, depois de uma trajetória marcada por vexames, o petroleiro tornou-se símbolo de um fracasso do qual a presidente Dilma Rousseff agora quer distância.

Há dois anos, ela e Lula estiveram em Ipojuca (PE) para “inaugurar” o navio – na quarta ida do então presidente ao estaleiro. Na ocasião, não faltaram fanfarras, discursos ufanistas e júbilos, parte da extemporânea e ilegal campanha da então candidata – as imagens são reveladoras. 

Naquele 7 de maio de 2010, o João Cândido tocava as águas pela primeira vez. Deveria começar a navegar oceanos quatro meses depois. Mas só agora, três anos e oito meses após o início de sua construção, o petroleiro está sendo entregue. 

Não se sabe ao certo se o navio irá, de fato, singrar os mares: o portento que foi transformado pelo discurso do PT no “símbolo do renascimento da indústria naval” brasileira – como dizia uma das peças de campanha de Dilma em 2010 – mal consegue boiar.

O João Cândido é desconjuntado, defeituoso, torto. “O navio teve de ser retirado da água, sob o risco de afundar. Uma boa parte da embarcação também teve de ser desmontada, especialmente em função dos problemas de soldagem. Os problemas estruturais são tamanhos que chegou-se a considerar a hipótese de perda total da embarcação”, publicou o Valor Econômico em março.

Imagine a situação: o João Cândido vai ao mar e, por infelicidade, ou justamente em consequência de toda a irresponsabilidade envolvida na sua construção, naufraga com sua carga de 1 milhão de barris de petróleo. Impossível calcular a dimensão de tamanho desastre, humano e ambiental, de vidas e de óleo ao mar.

Os problemas enfrentados pelo Estaleiro Atlântico Sul (EAS), onde o João Cândido foi construído, se devem, em parte, à sanha politiqueira do PT. Para caber no cronograma eleitoral, a construção do estaleiro e a montagem do navio tiveram de ser feitas concomitantemente, de forma atabalhoada. Foi o caminho mais curto para o desastre.

As condições de trabalho, que já seriam difíceis para quem jamais montara sequer uma lancha, tornaram-se sofríveis. Os empregados – o EAS chegou a contar com 11 mil e hoje tem metade disso – trabalhavam sob temperaturas desumanas, agravadas pelo sol inclemente e pelo calor emanado dos equipamentos de solda, o que aumentava o tempo gasto em algumas operações em até oito vezes.

Na base do improviso, o EAS naufragou num oceano de prejuízos. Em 2011, fechou seu balanço com R$ 1,47 bilhão no vermelho – as receitas não cobriram sequer gastos com mão de obra e materiais. Horrorizados, os sócios coreanos pularam fora, e agora o estaleiro busca no exterior parceiros que entendam do assunto – construir navios não é com a Camargo Correa, nem com a Queiroz Galvão, as construtoras remanescentes no negócio.

Este seria um problema privado, não fosse um detalhe: o estaleiro só existe graças às benesses do BNDES. O EAS tem 22 navios encomendados pela Transpetro para entrega até 2016. A carteira soma R$ 7 bilhões, dos quais 90% financiados pelo banco oficial. Apenas com os primeiros três petroleiros que constrói, a empresa perdeu dinheiro suficiente para fabricar um navio (R$ 333 milhões), conforme reconheceu no balanço de 2011. Sem condições de começar pagar o que deve, o EAS já pediu mais prazo para o BNDES.

O naufrágio do João Cândido é parte de uma malsucedida estratégia voltada a ressuscitar, na marra, a indústria naval brasileira, levada a cabo por Lula e mantida por Dilma. À base de uma política de reserva de mercado, que exige conteúdos nacionais mínimos, sai caríssimo produzir embarcações no país. A operação só para em pé com muito dinheiro público.

O João Cândido, por exemplo, deverá custar R$ 495 milhões, ou mais de 53% acima da previsão inicial, segundo mostrou o Jornal do Commercio. Prometido para até o fim deste ano, o segundo navio a ser fabricado pelo EAS, o Zumbi dos Palmares, vai sair 24% mais caro que o estimado, isto é, R$ 424 milhões.

Já outro produto do estaleiro, a P-55 encareceu 20% e custou R$ 1 bilhão. Trata-se de outro vexame. Entregue em dezembro passado, a plataforma ainda não funciona e terá de sofrer reparos no Rio Grande do Sul antes de finalmente começar a produzir. Com isso, a Petrobras, que a contratou, teve de postergar a extração de 180 mil barris diários de petróleo para o fim de 2013, deixando de faturar pelo menos US$ 15 milhões por dia.

Onde quer que se olhe, os resultados da política petista para o setor naval ainda são uma miragem. Dos oito novos estaleiros previstos, destinados a construir equipamentos necessários à exploração do pré-sal, somente três funcionam, ainda que precariamente, como é o caso do EAS. “A única certeza que se tem ao começar um projeto de construção é de que não vai acabar no prazo”, disse um presidente de estaleiro a O Estado de S.Paulo, em março.

Em junho de 2010, Lula publicou no Zero Hora artigo intitulado “Indústria naval renasce das cinzas”. Nele, afirmava: “A retomada da indústria naval é irreversível. (...) Os reflexos desta verdadeira explosão da indústria naval estão se espraiando por toda a economia e beneficiando, direta ou indiretamente, todos os brasileiros.” Como o navegar impreciso do João Cândido atesta, é possível que, nunca antes na história deste país, o ex-presidente tenha se equivocado tanto.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Bola murcha

Faltam 749 dias para o início da Copa do Mundo, mas, a julgar pelo ritmo que o governo petista tem dado às obras necessárias ao evento, parece que ainda temos uma eternidade pela frente. O mais desalentador é que a incúria em relação ao torneio de futebol não destoa do desempenho geral dos investimentos públicos federais.

Segundo balanço oficial divulgado ontem pelo governo Dilma Rousseff, apenas cinco das 101 obras previstas para o Mundial estão prontas. Na outra ponta, 41 empreendimentos ainda não saíram do papel: estão em fase de licitação ou não passaram da etapa de elaboração de projeto, que, pelo cronograma oficial, deveria ter sido finalizada lá atrás, em 2010.

Apenas obras cosméticas em aeroportos foram concluídas – nos terminais de Cuiabá, Porto Alegre, São Paulo e Campinas. Dos R$ 27 bilhões de investimentos previstos para estádios, aeroportos, portos e obras de mobilidade urbana, somente 1%, ou R$ 200 milhões, foi executado.

Na área de mobilidade urbana – das raras que, efetivamente, podem vir a gerar algum benefício duradouro para a população – nenhuma das 51 obras previstas foi entregue até agora. O mais preocupante é que, destas, somente 28 estão em execução neste momento; o resto ainda dormita nas gavetas.

Aldo Rebelo não vê problema algum em empreendimentos que, a esta altura, já deveriam ser areia, cimento e concreto não passarem de rascunhos. Sua frase é lapidar: “Não sei por que o preconceito com obras no papel. Não é porque está no papel que significa necessariamente um atraso”.

A manifestação do ministro do Esporte faria algum sentido se já não tivesse transcorrido quatro anos e meio desde que o Brasil foi escolhido pela Fifa para sediar o Mundial de 2014. Teria alguma lógica se, daqui a um ano, o país já não fosse abrigar os jogos da Copa das Confederações e daqui a pouco mais de dois anos não tivéssemos de receber a Copa do Mundo.

Outro lado perverso da negligência da gestão petista, tanto de Lula quanto de Dilma, em lidar com os preparativos para o Mundial é o custo para os cofres públicos. Se, a princípio, dizia-se que o investimento seria eminentemente privado, ao longo do tempo ele foi se tornando preponderantemente custeado pelo governo.

Dos R$ 27 bilhões ora estimados, 84% serão bancados por fontes públicas, seja por meio de investimento direto da União (R$ 4,7 bilhões), financiamentos federais (R$ 11,1 bilhões) ou aportes de estados e municípios (R$ 7,1 bilhões). Da iniciativa privada, virão apenas R$ 4,2 bilhões.

Ressalte-se que o orçamento atual já cresceu mais de 54% em relação à primeira estimativa oficial, de R$ 17,5 bilhões, divulgada no início de 2010, como mostrou a Folha de S.Paulo há duas semanas. Quanto mais lerda a execução, mais cara a obra. E quem paga pela ineficiência somos nós, contribuintes.

O desleixo não é marca dos petistas apenas nos preparativos para a Copa. Também se espraia para a execução orçamentária como um todo, como bem manifestou o Tribunal de Contas da União (TCU) ao julgar as contas do primeiro ano da gestão Dilma.

Embora aprovadas, elas foram alvo de 25 ressalvas e 40 recomendações, entre elas uma que beira o pleonasmo, mas que, nos governos do PT, parece algo impossível: serem “efetivamente priorizadas as execuções das ações definidas como prioritárias”. Para o petismo, prioridades nunca são o que é mais importante para a população.

Segundo o TCU, as obras públicas federais apresentam hoje atraso médio de 437 dias. “Por causa de projetos malfeitos e fatores que deveriam ter sido dimensionados no tempo oportuno, várias obras prioritárias para a infraestrutura do País estão atrasadas”, mostra O Estado de S.Paulo.

Como se fosse possível, o desempenho executivo foi cadente no primeiro ano de Dilma. A presidente reduziu de 652 para 92 as ações que considerava prioritárias em seu governo. Mesmo assim, somente 54% delas apresentaram o que o TCU classifica como “execução alta”. Em 2010, 63% estiveram nesta condição.

A preocupação com o bom andamento e a efetiva realização das obras com vistas à Copa do Mundo não repousa em fazer bonito para o resto do mundo. Dirige-se a aproveitar uma oportunidade única, de alta visibilidade global, para gerar benefícios duradouros para o desenvolvimento do país e para o bem-estar da população. Mas, se depender do governo do PT, vamos chegar atrasados e bater uma bolinha murcha daqui a dois anos.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Afogando em dívidas, e em poluição

Incitar os brasileiros a se endividarem ainda mais, como faz o governo com seu novo pacote, é falar de corda em casa de enforcado. Incentivar o consumo de veículos, sem nenhuma preocupação com a redução das emissões de gases de efeito estufa, é ir na contramão da sustentabilidade. Nada faz sentido nas recentes medidas tomadas pela gestão petista.

É consenso nas avaliações sobre as ações anunciadas na segunda-feira – voltadas, basicamente, a esvaziar os abarrotados pátios das montadoras de automóveis – que o governo Dilma Rousseff tomou a estrada errada. Catapultar o consumo é modelo que já deu o que tinha que dar, num momento em que os devedores já estão com a corda no pescoço e a água pelo nariz.

São números oficiais que comprovam isso. O endividamento das famílias já representa 43% da renda anual do brasileiro, informa O Globo. Comparado com outros países, pode até não soar alto. Mas, dadas as particularidades do nosso mercado de crédito, chega a ser insalubre: aqui os juros são muito mais elevados que em qualquer lugar do mundo – só perdemos para a Rússia – e os prazos para pagamento, mais curtos.

No contracheque do mês, em média 22% já estão comprometidos com pagamento de parcelas de dívida. Quando se considera que o brasileiro médio ainda tem que pagar caro pela escola, pela saúde e pelo transporte que o Estado não lhe provê como contrapartida aos impostos que recolhe, conclui-se que sobra pouco para consumir, como gostaria o governo petista.

Vale comparar com o que acontece na economia americana, por exemplo. Em 2008, auge da crise das hipotecas, que lançou o mundo no buraco do qual ainda não saímos, a renda comprometida com o serviço da dívida estava em 14% lá. No Brasil, já naquela ocasião o percentual chegava a 18% e agora escala aos 22%. Não é pouca coisa.

A contrapartida ao sufoco nas contas a pagar que o brasileiro tem de honrar vem na forma de calote. De acordo com a Serasa, em abril a inadimplência do consumidor em geral subiu 4,8% em relação a março, no maior salto para o mês desde 2002.

Só no cheque especial já há R$ 22 bilhões no negativo. E, apenas no mercado de veículos, outros R$ 10,5 bilhões estão em atraso, o que equivale a 150% acima do verificado no início de 2011. Numa situação assim, quem se arriscará a tomar mais empréstimos? Nem de graça...

“O brasileiro está ficando com menor renda disponível pelo excesso de dívidas, e num momento em que houver dificuldade no mercado de trabalho e a renda não crescer haverá problemas”, analisa Miriam Leitão n’O Globo.

Diante da reação negativa ao sétimo pacote baseado na mesma receita e voltado a beneficiar o mesmo setor industrial, Guido Mantega disse ontem que, para facilitar a vida do devedor, o governo estuda medidas para permitir que eles troquem a dívida velha por nova e mais barata, com suspensão ou adiamento de tributos cobrados na renegociação.

Nenhuma palavra do ministro, porém, sobre o que interessa: ações para alavancar os investimentos, aumentar a produtividade e a competitividade do parque produtivo nacional. “O que emperra o crescimento neste ano, afora os famosos ‘fatores estruturais’ de sempre, é a impressionante contenção do investimento das empresas e a ainda fraca retomada do investimento do governo”, comenta Vinicius Torres Freire na Folha de S.Paulo.

A opção preferencial do governo Dilma Rousseff pelos automóveis também afronta os preceitos da nova economia, que se baseia em modelos de baixa emissão de carbono. Com as recentes medidas, o país – que muito contribui para a sustentabilidade do planeta por meio do etanol – simplesmente está se chocando com a direção para a qual todo o resto do mundo aponta, e justamente às vésperas de sediar a Rio+20.

Ao contrário do Brasil, onde os governos petistas lançaram sete planos, digamos, de “alto carbono”, a grande maioria dos programas lançados no mundo nos últimos anos atrela a redução de impostos à eficiência energética e ao controle de emissões. Enquanto o resto do planeta, de maneira acertada, despeja incentivos em carros elétricos, no Brasil são eles os que recolhem a maior carga de impostos, relata o Valor Econômico.

Não falta apenas ousadia ao governo Dilma para executar as mudanças mais profundas na estrutura produtiva pelas quais o país clama. Falta também uma percepção mais acurada do momento pelo qual passamos. Seja por incentivar endividamento num momento de inadimplência em alta, seja por privilegiar alternativas poluentes, a gestão petista mostra-se totalmente alheia à realidade. Alguma coisa está muito fora da ordem.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Um país engarrafado

Como quem produz pãezinhos, o governo petista tirou ontem do forno seu sétimo pacote de incentivos à indústria desde 2008. A simples repetição de medidas, novamente baseadas em redução de tributos e expansão de crédito para o setor automotivo, sugere que a receita da massa está desandando.

O pacote traz medidas como a diminuição do IPI de automóveis e do IOF para financiamentos à compra de veículos – que, com isso, apenas retorna ao patamar vigente no início de 2011. Novamente pontuais, e novamente beneficiando apenas a indústria automobilística, as desonerações envolvem R$ 2,7 bilhões.

O governo optou por repetir a estratégia que gerou efeitos positivos em 2008 e 2009. Naquela ocasião, para fazer frente à crise que se espalhava pelo mundo, Lula implorou aos brasileiros que consumissem como nunca. Não dá para dizer que não tenha dado resultado.

Ocorre que o mundo girou, a Lusitana rodou e a situação hoje é outra. Se, três anos atrás, o cidadão brasileiro ainda tinha desejos de consumo reprimidos, hoje muito do que gostaria de comprar já o foi. Isso é mais verdadeiro notadamente quando se trata de bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos.

A realidade atual desaconselha novas ondas consumistas. O endividamento das famílias cresceu, a inadimplência decolou e o risco de calotes subiu. É difícil concordar que o brasileiro médio esteja hoje ávido por comprar e só não o faz porque não tem crédito: ele não compra porque boa parte do seu salário já está comprometida com pagamento de dívidas.

Levantamento feito pelo Banco Central mostra que o comprometimento da renda disponível do brasileiro com despesas financeiras – ou seja, para quitar dívidas – hoje é de 22%. Trata-se de percentual muito elevado. 

Com isso, o novo pacote de incentivo ao consumo lançado pelo governo Dilma Rousseff pode estar armando uma bomba-relógio para explodir logo ali na esquina: o risco do aumento da inadimplência. Tome-se o que está ocorrendo justamente no setor novamente beneficiado pelas desonerações camaradas da gestão petista: em um ano, o calote no financiamento de veículos praticamente dobrou, para 5,7%.

Não é só. Os novos incentivos à compra de veículos exprimem pelo menos outros dois inconvenientes: têm efeito limitado e fôlego curto, além de estar em franca desarmonia com o desenvolvimento econômico baseado em baixa emissão de carbono – nos últimos três anos, o consumo de gasolina no país cresceu 76%. Pela ótica do PT, aceleramos para ser um país de engarrafamentos e shopping centers.

O que parece evidente é que bateu o pânico na presidente Dilma. Tudo caminha para que ela entregue, neste ano, mais um pibinho, ao invés do espetáculo de crescimento que os petistas sempre prometeram. Ontem, os analistas de mercado ouvidos pelo Banco Central prognosticaram 3,09% para 2012, mas a tendência é de queda bem mais acentuada doravante.

Constata-se que as medidas pontuais, erráticas, desconexas que a gestão petista vem adotando para reavivar a economia não estão funcionando a contento. Produzem, no máximo, algum lampejo, mas não luz suficiente para apontar novos caminhos. Estão longe de deixar o país “300% preparado”, como afirmou ontem a presidente.

Até porque ações que, de fato, poderiam abrir novas fronteiras de crescimento para o país não são tomadas. É o caso da expansão do investimento público em infraestrutura; da desoneração consistente da estrutura produtiva e da redução da carga que pesa sobre o contribuinte (que, neste ano, deve atingir 41% da renda bruta, segundo o IBPT); e da remodelagem do Estado, para que ele seja um aliado e não um estorvo ao capital privado.

Até Delfim Netto, aliado fiel do governo do PT, já reclama mudanças: “Sem um equilíbrio entre o consumo e o investimento, o sistema não tem energia para se manter funcionando adequadamente. Chega a hora de mudar. O Brasil precisa dar ênfase ao investimento e às exportações sem recuar na inserção social”, escreve ele no Valor Econômico.

Receitas que se mostraram bem-sucedidas numa determinada situação podem se transformar em veneno quando aplicadas em um cenário distinto. É o que pode acontecer com o novo pacote de incentivo ao consumo lançado pela gestão petista. Exaurido, o caminho que o governo busca novamente trilhar pode, na melhor das hipóteses, nos conduzir a lugar nenhum. Na pior, pode nos precipitar de vez no abismo.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Armas erradas contra a crise

O governo petista está usando as armas erradas para fazer frente à crise que começa a se espalhar pela economia. Acena com a possibilidade de apelar para um arsenal que mostrou algum resultado no passado recente, mas parece exaurido: estímulo a crédito e concessão de novos benefícios a setores específicos. Enquanto isso, o que realmente deveria ser executado não o é: alavancar o investimento.

O ritmo de investimentos é cadente neste início de ano. Não apenas o poder público tem fracassado em realizar as melhorias necessárias na infraestrutura, como também os empreendimentos privados estão sendo postos em ponto morto – muitas vezes em razão do desestímulo advindo de medidas oficiais.

Não por coincidência, à medida que os investimentos se reduzem, diminui também a força do crescimento do PIB, como ficou evidente com a divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) na sexta-feira passada.

Em março, o índice caiu 0,35% em comparação com fevereiro. Foi o terceiro recuo consecutivo e a nona queda mensal do indicador – que funciona como prévia bastante realista do PIB oficial, calculado pelo IBGE – ao longo dos 15 primeiros meses do governo Dilma Rousseff.

No primeiro trimestre, a atividade econômica cresceu apenas 0,15% ante os três últimos meses do ano passado. A expectativa, mesmo já contaminada por frustrações neste início de ano, era de que tivesse havido avanço de 0,5%. Não deu.

Com a enxurrada de maus resultados, estão indo definitivamente por água abaixo as previsões mais otimistas quanto à evolução da atividade econômica neste ano, alimentadas pelo governo. Isolado, agora apenas o Ministério do Planejamento insiste em projetar 4,5%. Os prognósticos mais realistas nem chegam a 3%.

Diante deste cenário nada animador, o governo Dilma Rousseff parece meio atônito para lidar com a situação. Volta a falar em estimular crédito, reduzir juros e incentivar, novamente, setores como o automobilístico e o de construção, como informa hoje O Estado de S.Paulo.

Ocorre que tal modelo tem apresentado evidentes sinais de esgotamento. Os níveis de inadimplência estão crescendo e o limite de endividamento das famílias está próximo, quando não ultrapassado. Ou seja, o motor do consumo não aparenta a vitalidade necessária.

Enquanto envereda por estes descaminhos, o governo simplesmente descuida de fazer a sua parte: pisar no acelerador dos investimentos. A Folha de S.Paulo mostra hoje que, no primeiro quadrimestre, a queda foi de 5,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Em moeda sonante, foram R$ 600 milhões menos: de R$ 11,1 bilhões para R$ 10,5 bilhões.

No caso do PAC, segundo o jornal, a situação é ainda pior: redução de 24% nos desembolsos até abril. Os investimentos no programa caíram de R$ 5,5 bilhões, no primeiro quadrimestre de 2011, para R$ 4,2 bilhões neste início de ano.

Há duas semanas, o Estadão havia revelado situação parecida. Dos 492 projetos do PAC com orçamento da União, apenas 84 receberam algum pagamento entre janeiro e abril. Além disso, como tem se repetido nos últimos anos, 96% dos desembolsos feitos no período são de restos a pagar – ainda há R$ 28 bilhões de exercícios anteriores esperando para serem quitados.

Para não ficar apenas nos grandes números, e fiascos de enorme proporção, vale citar alguns programas que ficaram paradões no quadrimestre. É o caso dos desembolsos do Fundo Nacional de Saúde para ampliação e construção de UBS e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento): nada dos R$ 929 milhões previstos foi aplicado até abril, segundo a ONG Contas Abertas.

Praticamente a mesma coisa aconteceu com o programa Mobilidade Urbana e Trânsito. Dos R$ 1,4 bilhão previstos para 2012, só R$ 11 mil haviam sido pagos até abril. O governo deve ter lá suas razões, afinal as cidades brasileiras não enfrentam problemas sérios de locomoção e o atendimento público de saúde é de Primeiro Mundo, não é mesmo?

A situação deve piorar. Analistas mais acurados já preveem que os investimentos poderão até mesmo cair neste ano. Sem que o governo mostre disposição para remover entraves – como os que recaem, por exemplo, sobre o setor elétrico e os portos – o setor privado também está engavetando projetos de expansão. Não se vê energia, nem saídas à vista.

Catapultar investimentos é receita mais que sabida para impulsionar a atividade econômica. No Brasil, especialmente, uma vez que o país, reconhecidamente, aplica muito pouco em proporção do seu PIB. Não é aceitável que a gestão petista demonstre tanta dificuldade para fazer o óbvio, enquanto se perde realizando o desnecessário e o indesejável.

sábado, 19 de maio de 2012

Mais um Pibinho à vista

Feios sinais de crise começam a emergir na economia. A geração de empregos está em queda livre, a dívida em dólar de empresas brasileiras disparou e as companhias locais já não conseguem mais acessar o mercado internacional de crédito para financiar seus investimentos. O melhor que o governo tem a fazer é não apelar para improvisos, como já se teme por aí.

Ontem foram conhecidos os números relativos à geração de empregos formais no país em abril. Foi o pior resultado para o mês desde 2009, quando, recorde-se, o mundo inteiro estava mergulhado numa recessão feia: apenas 217 mil vagas foram geradas, de acordo com o Caged, do Ministério do Trabalho.

O balanço dos primeiros quatro meses do ano no mercado de trabalho brasileiro é bastante negativo. No período, a criação de empregos com carteira assinada caiu 20% na comparação com o quadrimestre inicial de 2011. Em números absolutos, significa que, entre um ano e outro, deixaram de ser criados quase 180 mil postos de trabalho.

Mais uma vez, a indústria continua exibindo o pior desempenho entre os setores. Em abril, foram criadas apenas 30 mil vagas no segmento – ante 51 mil um ano atrás e 82 mil no mesmo mês de 2010. Com isso, a expansão dos empregos industriais acumula pífia alta de 1,4% nos últimos doze meses.

A retração do emprego é o sinal mais feio até agora da crise que começa a se espalhar pela economia. Já se dá de barato que o crescimento do PIB neste ano dificilmente ultrapassará os 2,7% do Pibinho de 2011, com a presidente Dilma Rousseff engatando seu segundo ano de maus resultados.

Outras evidências incômodas da crise em gestação vêm de abalos na saúde financeira de algumas de nossas principais empresas. O Globo mostra que, com a alta de quase 10% do dólar desde o fim de março, o custo das dívidas em moeda estrangeira de 200 companhias brasileiras subiu R$ 18,7 bilhões.

Desde abril, também secou o crédito externo para empresas nacionais. Segundo o Valor Econômico, desde o fim do mês passado “nenhuma companhia se arriscou a acessar os mercados internacionais”. Com a cotação do dólar superando R$ 2, captar lá fora torna-se pecado mortal para os balanços contábeis.

Era previsível que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil seria afetado pela maré negativa que assola os mercados externos – em especial, o da cada vez mais combalida União Europeia. O que assombra é a pouca prudência que nossas autoridades econômicas exibiram ao longo das últimas semanas, agindo como se estivessem numa ilha isolada do mundo.

Do Ministério da Fazenda, a tônica foram comentários róseos completamente descolados da realidade. Até poucos dias trás, Guido Mantega ainda falava numa expectativa de crescimento de 4,5% para o PIB brasileiro neste ano. Puro delírio.

O mais aterrorizante é o risco de o governo apelar para mais medidas voluntaristas a fim de incensar a economia, implodindo alguns fundamentos saudáveis, como a responsabilidade fiscal. Um primeiro alerta veio da confirmação de que a arrecadação federal começou a ceder, o que pode induzir a gestão petista a querer ultrapassar alguns limites e economizar menos.

“O governo voltou a matutar novas mágicas e milagres a fim de fazer o país sair do marasmo, coisas como reduzir o superávit primário e soltar as amarras da prudência nos bancos públicos”, alerta Vinicius Torres Freire na Folha de S.Paulo.

Estamos diante do esgotamento de um modelo que, bem ou mal, mostrou resultados nos últimos anos: crescer pelo consumo, mediante abundante oferta de crédito. Os governos do PT apostaram nesta rota e jamais conseguiram fazer o que era realmente necessário: preparar o país para avanços mais robustos por meio de investimentos estruturantes.

Em momentos de turbulência como o atual, prudência e responsabilidade são as palavras-chave. Medidas açodadas ou ações carcomidas – como os manjados incentivos à indústria automobilística, novamente em pauta – não serão suficientes para resolver problemas estruturais. Para vencer as dificuldades, será preciso bem mais do que continuar apostando em lotar shopping centers.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O tempo da transparência

A entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação e a instalação da Comissão da Verdade merecem ser saudadas e comemoradas. A transparência é um bem fundamental para a democracia. Resta ver como o PT, que convive muito mal com a diferença e com o contraditório, lidará com a nova situação.

O Brasil demorou a abrir seus arquivos, mas o fez de forma decidida. Em tese, a partir de agora, o cidadão terá livre acesso a dados oficiais do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Qualquer um poderá solicitar, sem justificar o motivo, todos os documentos públicos que quiser, com a exceção, amplamente justificada, de papéis sigilosos ou referentes à intimidade.

Ao mesmo tempo, numa feliz coincidência, foi instalada ontem a Comissão da Verdade, com a presença de todos os ex-presidentes vivos. Trata-se de oportunidade ímpar para os brasileiros tomarmos amplo conhecimento de crimes e abusos praticados durante o regime militar.

Nas palavras equilibradas e conciliadoras de Fernando Henrique, “chegou o momento (de) revelar tudo e essa revelação não tem como objetivo colocar alguém na cadeia. Tem como objetivo impedir que se repitam fatos que ocorreram. Uma coisa dessa natureza não pode ser de partido, de governo, tem que ser de Estado”.

A lei de acesso e a Comissão da Verdade são resultado de um esforço conjunto das milhões de pessoas que lutaram pela volta da democracia e da transparência ao Estado brasileiro. É o coroamento de jornadas pessoais de figuras públicas como Tancredo Neves, Franco Montoro, Leonel Brizola, Mario Covas e Teotônio Vilela, além do próprio Fernando Henrique. Também participaram dessa travessia outros integrantes de partidos como o PMDB, o PDT, o PFL (hoje DEM), o PCB (hoje PPS) e mesmo do PT.

Com o início da vigência da lei de acesso, documentos antes impossíveis de serem conhecidos poderão estar acessíveis a qualquer um, a qualquer tempo – não será preciso nem mesmo sair de casa. Órgãos públicos federais já começaram a disponibilizar links para receber solicitações da população, e terão até 30 dias para fornecer as respostas.

Um bom termômetro de como anda o humor da população sobre o que se quer ver esclarecido: os primeiros pedidos endereçados ao Palácio do Planalto, segundo O Estado de S.Paulo, versam sobre os ex-ministros José Dirceu e Erenice Guerra, ambos apeados do governo petista em razão de grossas denúncias de corrupção.

O difícil, a partir de agora, será tirar a lei efetivamente do papel. Pela regra, desde esta quarta-feira todas as informações já deveriam estar disponíveis ao cidadão. Mas apenas ontem o Congresso começou a definir as regras de classificação dos documentos. Nos tribunais, ainda será criada uma comissão para regulamentar a legislação. A maioria dos estados também está despreparada para lidar com as novas regras.

Há ainda um longo caminho a ser percorrido. É com grande atraso que o Brasil está permitindo o livre acesso às informações. Só agora começa a compor um grupo de 91 países que reconhecem as informações guardadas pelo Estado como bem público. A Suécia, por exemplo, dispõe de legislação desta natureza tipo desde 1766.

É certo que apenas a existência da lei não garante a conquista da transparência. O dever imediato dos governantes, a começar pelo federal, é tirar a norma efetivamente do papel, abrir-se à luz do exame externo e prestar as contas que a sociedade exigir. É direito, não mera liberalidade.

Certamente, instrumento importante para tanto será a imprensa livre. E é justamente aí que os interesses maiores da sociedade brasileira e a sanha autoritária do PT podem vir a se chocar. Não é novidade, nem segredo para ninguém, a aversão que o partido tem à transparência, já classificada como “burrice” por um de seus maiores próceres, Delúbio Soares.

Na contramão de todo o esforço de abertura, o PT, diuturnamente, busca barrar o trabalho da imprensa independente no Brasil. Os petistas insistem em ver a mão pesada do Estado baixar sobre os que professam opiniões diferentes das suas. Mas a chegada da lei de acesso e a instalação da Comissão da Verdade podem servir para indicar que o tempo de quem prefere as trevas terá ficado, definitivamente, no passado. 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

RDC: é preciso mais, e não menos, controle


Situações de crise, como a que ameaça tanto a economia mundial, quanto a brasileira, exigem ações firmes e duradouras por parte dos governos. Mas não é isso o que se vê por aqui. A gestão petista continua agindo na base do improviso e apelando para contrabandos legislativos.

É o que está acontecendo, mais uma vez, com a medida provisória (MP) n° 556, que altera a contribuição de servidores públicos federais ao plano de seguridade e trata, ainda, de matéria tão díspar quanto a prorrogação da vigência de incentivos fiscais à modernização e ampliação de portos do país.

Ontem, o governo incluiu um tremendo contrabando no texto, desvirtuando-o ainda mais: quer, por meio da MP, estender a possibilidade de adoção do regime diferenciado de contratações (RDC) a milhares de empreendimentos do PAC e a obras do sistema público de ensino.

“Deverão entrar no RDC mais de oito mil obras do PAC, basicamente de saneamento básico, de saúde e educação. (...) Para obras com preço acima de R$ 37,5 milhões haverá o regime de ‘contratação integrada’, em que a obra será licitada só com o anteprojeto, para as quais o consórcio interessado pode propor também a metodologia de execução”, informa O Globo hoje.

Até agora, a aplicação do RDC está restrita a ações relacionadas à Copa do Mundo e à Olimpíada do Rio. O sistema também contempla empreendimentos em aeroportos de cidades distantes até 350 quilômetros das sedes. Ainda não serviu, contudo, para espantar o risco de vexames nestas obras.

Os atrasos são mais comuns, principalmente, nas intervenções de mobilidade urbana, justamente as que deveriam merecer maior atenção por parte das autoridades públicas, por representarem benefício que poderia ser duradouro para a população.

“A apenas dois anos e dois meses do evento, apenas 4,1% do montante total financiado foram desembolsados e 72% dos empreendimentos com financiamento contratado ainda não tiveram o contrato de execução das obras assinado”, revelou O Estado de S.Paulo no domingo.

Em relação aos estádios, a Folha de S.Paulo mostrou ontem que pelo menos cinco arenas – ou seja, quase metade das previstas – correm risco de não ficar prontas a tempo do Mundial. Para a Copa das Confederações, daqui a um ano, o vexame é quase certo.

Afora o risco de um fiasco, uma das consequências nefastas da imperícia governamental em tocar as obras da Copa é o aumento considerável de seus custos. A conta já chega a R$ 26,8 bilhões, segundo a Folha. Se considerada a primeira estimativa oficial, de R$ 17,5 bilhões no início de 2010, a alta já é de mais de 50%.

Numa situação assim, o que se exige é mais fiscalização e não menos. Mas o desejo petista de libertar-se das amarras da lei de licitações é antigo, e recorrente. Desde o governo Lula, a gestão federal convive muito mal com os sistemas de controle existentes no país. Seu sonho sempre foi instalar um vale-tudo nas contratações feitas pela administração pública.

É o que pode acontecer agora caso prospere o contrabando do governo na MP 556. Ocorre que, adotado no fim do ano passado, o RDC mal foi testado. Sabe-se de seu uso apenas em seis contratações feitas pela Infraero, nas quais teria havido ganho de tempo e alguma economia de preços. Nenhum benefício, porém, que tenha sido efetivamente comprovado a ponto de chancelar sua extensão a uma carteira ampla, geral e irrestrita de obras.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Violência contra as mulheres

Dilma Rousseff foi à televisão no Dia das Mães para dizer que está preocupada com as brasileiras. Anunciou mais uma série de benefícios sociais que, assim como as promessas nunca cumpridas da presidente, perigam não sair do papel. A julgar pelo que o governo petista tem feito para prevenir a violência contra as mulheres, o risco é grande.

Há alguns dias, o Instituo Sangari divulgou levantamento sobre casos de criminalidade que vitimam mulheres. Os dados do Mapa da Violência são assustadores: o Brasil é, atualmente, o sétimo país do mundo onde mais se matam pessoas do sexo feminino.

Numa lista de 84 nações para as quais há dados disponíveis, a nossa situação só não é pior que as de El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize. A taxa brasileira de mortalidade feminina é de 4,4 para cada 100 mil.

A cada cinco minutos, uma mulher é agredida no país e, a cada duas horas, uma é morta. Segundo a estatística mais recente, em 2010 foram registradas 48 mil agressões a mulheres brasileiras. O número de mortes chegou a 4.297.

A divulgação do Mapa da Violência abre oportunidade para avaliar as políticas públicas voltadas à população feminina do governo federal. Afinal, pela primeira vez na história, o país está sob o governo de uma mulher.

Além disso, uma secretaria especial voltada ao segmento foi criada pela gestão Lula em 2003 gozando de status de ministério. Sua principal linha de ação é, justamente, prevenção e enfrentamento de violência contra mulheres: desde que a pasta passou a existir, metade do seu orçamento sempre foi destinado a este fim.

Para começar, não há nenhuma melhoria nos indicadores a respeito da violência contra as mulheres nos últimos nove anos. Enquanto a taxa de mortalidade não se alterou em nada, mantendo-se em torno de 4,4 para cada 100 mil brasileiras, o número de mortes cresceu 11,2% desde 2003.

Levando-se em conta o que os governos Lula e Dilma executaram em termos de ações de combate à violência contra as mulheres, dificilmente o quadro irá mudar. Desde 2005, a partir de quando há informações disponíveis da Secretaria de Políticas para Mulheres no Siafi, R$ 131 milhões foram destinados a esta finalidade. Contudo, somente R$ 32 milhões, ou 24%, foram efetivamente executados.

A pasta, hoje comandada por Eleonora Menicucci, é mais um dos 40 ministérios da Esplanada petista que não consegue mostrar a que veio. Na média, nestes sete anos, apenas 60% da verba orçamentária foi aplicada.

Assim como a Secretaria para a Igualdade Racial e o quase folclórico Ministério da Pesca, a Secretaria de Mulheres é daquelas em que se consome muito mais dinheiro com a manutenção da burocracia do que com a efetiva execução de ações em favor da população.

Por várias razões, a população feminina merece atenção especial. O enfrentamento da violência – causada, segundo o Instituto Sangari, principalmente por conflito entre cônjuges – é uma delas. Mas os decepcionantes resultados das ações do governo federal no combate à violência contra as mulheres indicam que não é apenas criando estruturas burocráticas que se alcançará o objetivo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Bolsa Mamãe

Como primeira mulher a governar o país, Dilma Rousseff tem tentado transmitir à população que dispensa atenção especial ao público feminino. É bom que a presidente cuide das mamães, mas seria melhor ainda se o zelo se estendesse por todos os dias do ano e não apenas às datas comemorativas.

Ontem, ela ocupou cadeia de rádio e televisão para anunciar medidas destinadas a combater a miséria na faixa etária de 0 a 6 anos, no que pode ser chamado de Bolsa Mamãe. Oficialmente batizado de Brasil Carinhoso, o programa terá três eixos: acesso a creches, ampliação da cobertura de saúde para crianças e reforço da renda familiar.

Está virando rotina: o Planalto aproveita a modorra de notícias em dias festivos para tentar emplacar manchetes em jornais, como já havia acontecido no 1° de maio. Infelizmente, Dilma continua pródiga em anúncios, mas muito ruim de execução. Na área social, não tem sido diferente.

Segundo os jornais, o pronunciamento irá desdobrar-se em cerimônia no Planalto hoje para a presidente detalhar as medidas ladeada por um séquito de ministros. Se for fiel aos fatos, ela terá de explicar, por exemplo, como pretende agora garantir vagas em creches para as crianças, antiga promessa de campanha jamais cumprida.

O compromisso era inaugurar 6.427 unidades até 2014, mas até hoje só 411 foram feitas, de acordo com informações do Ministério da Educação divulgadas hoje pela Folha de S.Paulo. Isso significa que, para honrar a palavra, a presidente teria que inaugurar seis creches por dia, todos os dias, até 31 de dezembro de 2014, quando termina seu mandato.

No ano passado, o ProInfância, programa que deveria cuidar da construção de creches no Ministério da Educação, executou apenas 16% do seu orçamento. Não surpreende que menos de 4% das crianças do Bolsa Família na faixa etária de 0 a 3 anos estejam em creches e que a média nacional não ultrapasse 24%.

Nas ações voltadas à saúde de mamães e bebês, a situação não é melhor. Vistosas promessas de campanha também continuam no papel, como é o caso da Rede Cegonha, destinada a atender gestantes no pré-natal e crianças nos seus primeiros dois anos de vida.

O orçamento deste ano destina R$ 196 milhões ao programa, mas até agora vergonhosos R$ 8 mil (não é erro de digitação, é mil mesmo) foram pagos. Vale lembrar que o Rede Cegonha foi copiado das propostas do candidato tucano em 2010 e da exitosa experiência de atendimento a gestantes desenvolvida por Beto Richa na prefeitura de Curitiba – com a diferença de que lá funcionava...

Mas as mamães não querem apenas boa gestação. Esperam também contar com atendimento de saúde digno. Todos vão se lembrar que, na campanha, Dilma também prometeu tratamento carinhoso às brasileiras por meio da construção de 500 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento).

Dinheiro no Orçamento tem, e muito – R$ 578 milhões nestes dois anos. Mas tratamento médico que é bom, nada: até agora apenas 13% da dotação do ano passado foi executada e, da deste ano, nenhum centavo.

Segundo balanço oficial, no primeiro ano de governo foram construídas apenas 31 UPAs. Isso significa que, a continuar assim, para honrar o compromisso firmado, Dilma precisaria de quatro mandatos. Não vai dar para esperar.

Não se sabe ao certo como o Planalto pretende reforçar a renda das mulheres que serão beneficiadas com o Bolsa Mãe, conforme anunciado pela presidente ontem. Mas, diante da baixa execução orçamentária, esta parece ser a forma mais fácil que a gestão petista tem encontrado para aplicar o dinheiro.

Mas governar é muito mais do que distribuir bolsas. Garantir saúde digna, gestação tranquila e atenção adequada à primeira infância são deveres básicos do Estado perante as mamães. Também neste quesito, a primeira mulher a governar o país não fez diferença. Continua tudo na promessa.

sábado, 12 de maio de 2012

Bom pra poucos

Começam a surgir indícios de que a queda de juros propalada pelo governo tem fôlego mais curto do que o prometido. Há muita pirotecnia nas ações anunciadas, mas até agora elas só se mostraram boas para poucos. Com as evidentes limitações da economia brasileira, a inflação também ameaça.

Desde o 1° de maio, quando lançou sua ofensiva contra a “lógica perversa” dos juros, Dilma Rousseff indicou que as instituições privadas deveriam fazer o dever de casa e seguir os bancos oficiais, baixando agressivamente as taxas. Deveria ter olhado antes para o próprio umbigo e percebido que não tinha lições a dar.

O discurso oficial não resiste ao cotejo da realidade. Levantamento divulgado anteontem pelo Banco Central mostra que Banco do Brasil e Caixa não estão entre os que cobram menos para emprestar a seus clientes. Em alguns casos, pelo contrário, estão entre os mais usurários – mesmo com os cortes recentes.

Numa das linhas divulgadas pelo BC, a de conta garantida, o BB aparece como dono da nona taxa mais alta num ranking com 38 instituições, informou a agência Reuters. Na concessão de linhas de crédito pessoal, Caixa e BB apresentaram apenas a 13ª e a 32ª melhores taxas, respectivamente, de um total de 91 instituições consultadas. Ou seja, em banco de ferreiro, o juro é de pau.

Ontem, em nova rodada de foguetório, o Banco do Brasil anunciou a redução de suas taxas de administração. É ótimo que isso aconteça e teria sido melhor ainda se o governo tivesse cortado os encargos antes de ter tungado a poupança dos brasileiros. Mas se é para cortar, a conversa tem que ser para valer, ser boa pra todos.

O que o BB fez, porém, foi mero malabarismo. Os oito fundos cujas taxas foram reduzidas cobravam até 3,5% para administrar o investimento de seus clientes. Isto é quase metade do rendimento projetado. Agora, os encargos caíram para entre 1,5% e 2,6% – portanto, ainda altíssimos.

Para não apanhar das cadernetas de poupança, os fundos de renda fixa que o governo diz estar oferecendo baratinho para a clientela só poderiam cobrar taxa de administração de, no máximo, 0,64%, calcula o professor Marcelo Moura. O BB não apenas cobra muito mais, como também obriga seus correntistas a aderir a um programa pelo qual espetam até R$ 54 de mensalidade na carteira do cliente.

Outro aspecto da estratégia voluntarista do governo é o efeito das ações sobre a contabilidade dos bancos oficiais e, em última instância, sobre o bolso dos contribuintes. Ontem, a Caixa anunciou que, em função de sua agressiva concessão de empréstimos, precisará de aporte “urgente” da União: estima-se algo como R$ 10 bilhões, segundo a Folha de S.Paulo.

Não é apenas o marketing em torno da redução dos juros que se mostra distante da realidade cotidiana. Limitações de ordem econômica geral começam a indicar que a inflação não será amansada apenas no gogó, restringindo o espaço e as possibilidades de cortes mais incisivos na taxa básica de juros.

Em abril, os preços subiram num ritmo três vezes maior do que no mês anterior. O IPCA passou de comportado 0,21% para um ousado 0,64%. A alta não foi só do cigarro, como disse ontem Guido Mantega, mas disseminada por 2/3 dos preços. Neste mês de maio, os índices virão pressionados também por aumentos de tarifas de energia elétrica, água e esgoto.

Para piorar, o índice que mede exclusivamente o comportamento dos preços dos serviços disparou: de janeiro a março, tinha subido 2,86% e em abril escalou a 3,62%, mostrou ontem O Estado de S.Paulo. Nesta dinâmica, a subida do dólar – com alta de 7% nos últimos 30 dias – não ajuda.

A redução dos juros é muito bem-vinda. Mas é preciso muito mais do que ações cosméticas, voltadas a produzir mais fagulha do que luz. O governo deveria ocupar-se de medidas que gerassem efeitos benéficos duradouros sobre o ambiente econômico. Da forma atabalhoada como age, pode acabar atiçando mesmo é fogo.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Tem boi na linha

O que era para ser um negócio estritamente privado tem tudo para ser mais uma das tenebrosas transações sustentadas por dinheiro do contribuinte. A compra da Delta pelo grupo J&F põe o BNDES, e, portanto, o governo, como sócio e credor de uma carteira de obras recheada de suspeitas de corrupção. Tem boi nesta linha.

Em tudo a operação montada para repaginar a Delta e tirá-la do foco das investigações relacionadas ao bicheiro Carlos Cachoeira cheira a grossa armação com digitais do Palácio do Planalto – ainda que este negue. O grupo comprador não só tem no BNDES um parceiro camarada, como também é comandado por Henrique Meirelles, ex-presidente do BC de Lula.

Do mesmo jeito que subiu de maneira meteórica, a Delta despencou. Em velocidade igualmente sideral, mesmo em sérias dificuldades, arrumou um comprador de peso, disposto a assumir os negócios de uma empresa prestes a ser considerada inidônea – e, portanto, proibida de ser contratada pelo poder público. Por que alguém se meteria num lance tão arriscado?

Em manchete, o sempre comedido Valor Econômico permitiu-se classificar o negócio de “inusual”. Segundo comunicado oficial da empresa, a aquisição da Delta pela J&F só será sacramentada após auditoria na companhia, que não tem prazo para terminar. Só então serão definidos valor e forma de pagamento. O negócio pode até sair de graça.

Empurrar o desfecho para um futuro incerto é a forma ideal de tirar a transação de perto dos olhos do público: daqui a um tempo, a Delta pode não estar mais no foco da imprensa e ficará mais fácil o BNDES, ops, a J&F fechar o negócio, expandindo uma parceria público-privada que já chega hoje à casa de R$ 8,1 bilhões – cifra que, dependendo do cálculo, alcança R$ 13,3 bilhões.

Isto seria um problema rigorosamente privado se o BNDES não fosse o principal sócio dos compradores: o banco detém 31,41% do capital do frigorífico JBS, empresa sob o controle da J&F Holding e que responde por 96,6% da receita líquida do grupo. Ou seja, é dinheiro do contribuinte o que está sendo usado na operação de socorro à Delta.

E para quê? Para assumir uma empresa que, comprovadamente, desviou recursos públicos para alimentar uma teia de corrupção em torno do grupo contraventor de Carlinhos Cachoeira. Uma empresa que, em dez anos, saiu do limbo para ser a sexta maior construtora do Brasil, não se sabe por que meios. Uma empresa que detém R$ 4,7 bilhões em contratos, 99% deles com o poder público, conquistados de forma muitas vezes suspeitamente tortuosa.

Nos últimos anos, BNDES e BNDESPar se meteram numa série de negócios, financiamentos e empréstimos ao JBS. Jamais se ouviu explicação razoável do banco sobre as razões pelas quais despeja tanto dinheiro público num grupo cujas investidas empresariais têm se mostrado tão temerárias – e cujas ações em bolsa dão notória dor de cabeça a seus detentores.

“O JBS vai fazer agora um grande favor ao governo e um grande negócio, ao mesmo tempo. Até então, o grupo tinha feito grandes negócios com favores do governo”, comenta Miriam Leitão n’O Globo. “(O BNDES) é o começo do grupo e seu principal ativo”.

Com este providencial empurrão de dinheiro público, o grupo J&F tornou-se gigantesco – sua receita líquida é hoje de R$ 62,7 bilhões. E espraiou-se por setores tão diversos quanto díspares: além do frigorífico JBS, a holding está presente em negócios de celulose e papel (Eldorado), alimentos (Vigor), higiene e limpeza (Flora) e financeiros (Banco Original).

O Planalto enxergou risco de encrenca e fez circular ontem que “não aprova” a operação. Se é assim, é o caso de acionar o comando do BNDES e determinar que o banco, como principal sócio da J&F, não aceite dar prosseguimento ao negócio. Se o procedimento não for este, o governo estará dando total aval à transação.

Os interesses da J&F e o petismo não estão irmanados somente por laços financeiros. Um dos sócios do grupo, José Batista Júnior, filiou-se há menos de um ano ao PSB e já se arma para disputar o governo de Goiás em 2014. Para enfrentar quem? Marconi Perillo, um dos alvos prediletos de Lula e seus asseclas.

Para completar a rocambolesca e em tudo suspeita história, teremos agora a esdrúxula situação em que o principal programa de obras do governo, o PAC, terá como principal executora uma empresa que tem como principal sócio o BNDES. Ou seja, o banco oficial financia, o governo paga, a “nova” Delta recebe e de lá continua a desviar. É o círculo vicioso perfeito. 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Imprensa no alvo da CPI

A parcela governista da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as relações de Carlinhos Cachoeira com o submundo da política elegeu seu primeiro e favorito alvo: a imprensa. A estratégia equivale a culpar o mensageiro pelo conteúdo indigesto da notícia. É a velha obsessão do PT por calar seus críticos.

No primeiro depoimento colhido pela CPI, o principal assunto, segundo mostram os jornais de hoje, não foram as ligações entre a contravenção e o desvio de recursos públicos, como seria de se esperar. A base governista no Congresso lançou-se mesmo foi na jugular dos meios de comunicação.

Quem comanda o ataque são a bancada do PT e o ex-presidente Fernando Collor, que 20 anos atrás sofreu processo de impeachment e foi afastado do cargo por suspeita de corrupção. A aliança entre aquela e este, que seria impensável no passado, hoje rola soltinha no Congresso, irmanada no espírito predador que ambos demonstram ter em comum.

Com a CPI fortemente blindada pelo governo, seu comando tem feito de tudo para torná-la o menos transparente possível. O acesso a documentos é cerceado, controlado e filmado, como se criminosa fosse a investigação e não os ilícitos que se investiga. Até mesmo os depoimentos – como o do delegado da PF Raul de Souza, ontem – são feitos a audiências restritas.

O PT, que no passado viveu, abjetamente, da violação alheia, hoje se apressa a erigir muros em torno das atividades de um criminoso preso por ter lesado o patrimônio público em milhões – quiçá bilhões – de reais. Mas o melhor desinfetante para lambanças desta natureza continua sendo a luz do sol, não as sombras.

A atitude firme da imprensa foi decisiva para revelar e bloquear assaltos ao interesse público nos últimos anos. Se o que ela desnudou mostrou-se até agora verdadeiro, por que colocá-la no banco de réus? Será porque os meios de comunicação atrapalham e incomodam um projeto de dominação política de longa duração?

Fato é que a investida liberticida dos petistas no Congresso não é ato isolado. Está articulada com um desejo mais amplo do partido de Dilma e José Dirceu de silenciar os opositores do regime. Em recentes e reiteradas declarações, Rui Falcão, presidente do PT, não tem dado margem a dúvidas: o objetivo é botar o cabresto nos meios de comunicação.

Na última sexta-feira, ele voltou à carga, num encontro com a militância petista na Grande São Paulo. “(A mídia) é um poder que contrasta com o nosso governo desde a subida do Lula. Esse poder nós temos de enfrentar”, disse Falcão, logo após anunciar que, em breve, o governo Dilma pretende apresentar a proposta de um marco para regular os meios de comunicação.

A esta proposta, acalentada desde os primórdios do primeiro governo Lula, o PT dá o pomposo nome de “controle social da mídia”. Trata-se, na realidade, de um eufemismo para o que não passa, simples e objetivamente, de censura. Como o governo controla os chamados “movimentos sociais”, o círculo se fecha: o que se pretende é o controle dos meios de comunicação pelo governo.

Falcão, assim como boa parte da militância e dos líderes do PT, tem outra ideia fixa na cabeça: turvar a percepção da opinião pública sobre o mensalão, o maior escândalo de desvio de dinheiro público para compra de apoio parlamentar da história brasileira. O sonho dos petistas é transformar a CPI no instrumento desta vingança.

Boa parte do PT e de quem hoje está no governo federal comunga do apreço aos velhos regimes totalitários que, no século passado, trucidaram a liberdade em nome de uma ideologia de bem-estar comum que só serviu para privilegiar uns poucos. É este modelo que está na raiz da ojeriza do partido a instituições que vivem da transparência.

Não é só a imprensa que o PT detesta. Os partidários de Lula, Dilma e José Dirceu também têm horror a órgãos que têm obrigação constitucional de fiscalizar, controlar e zelar pelo patrimônio público. Quem não se lembra da ira do ex-presidente contra o Tribunal de Contas, que teimava em reprovar a reiterada malversação de recursos do contribuinte na gestão passada?

Seja na CPI, no julgamento do mensalão ou na investida contra a imprensa, o que está em jogo é o desejo hegemônico do PT. Mas esta farsa eles não vão conseguir perpetrar. À sociedade brasileira interessa mais, e não menos, liberdade: esta é a batalha que vale a pena ser travada, dia após dia.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Bonitinho e ordinário

Ninguém gosta de pedágio, mas a maioria prefere pagar para trafegar por estradas seguras do que correr risco nas rodovias da morte que existem no país. O problema é quando, mesmo pagando, a condição das vias continua tão ruim quanto antes. É o que está acontecendo com os trechos concedidos pelo governo petista à exploração privada.

Em outubro de 2007, o governo Lula levou 2,6 mil quilômetros de sete rodovias a leilão. Saiu baratinho: a disputa foi vencida à época por empresas que se dispuseram a cobrar pedágios de menos de R$ 1. Para os motoristas e usuários, parecia um negócio da China de tão bom. Mas está se mostrando tão enganoso quanto a duvidosa qualidade das quinquilharias que vêm do outro lado do mundo.

Passados quatro anos da assinatura dos contratos, poucas melhorias podem ser notadas nos trechos concedidos pela gestão passada. Agora, um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) dá tons oficiais ao que já podia ser constatado a olho nu: os investimentos que deveriam ter sido feitos simplesmente não aconteceram.

O levantamento analisa apenas os trabalhos iniciais das concessionárias, isto é, as obras consideradas emergenciais. Pelas regras, estas intervenções têm de ser realizadas nos seis primeiros meses do contrato para melhorar as condições de tráfego e segurança na estrada. Sem elas, as empresas não poderiam sequer começar a cobrar pedágio.

Mas nem o que seria cosmético foi feito. Seis das sete rodovias então concedidas não cumpriram plenamente as obrigações contratuais. A CGU apontou uma lista de 38 problemas, desde buracos no asfalto, desníveis nos acostamentos, falta de iluminação em passarelas a deficiências no sistema de drenagem.

“O atendimento parcial dos parâmetros de desempenho evidencia condições indesejadas, de segurança e de trafegabilidade, das estruturas físicas da rodovia após a execução das obras e serviços previstos na fase dos trabalhos iniciais, prejudicando os usuários da rodovia”, avaliam os técnicos da CGU, segundo informou o Valor Econômico em sua edição de ontem.

Os problemas se fizeram notar nas seguintes rodovias: Fernão Dias (BR-381), Régis Bittencourt (BR-116), Transbrasiliana (BR-153), Rodovia do Aço (BR-393), Autopista Fluminense (BR-101) e Autopista Planalto Sul (BR-116, entre Curitiba e Florianópolis). Apenas a Autopista Litoral Sul  (BR-101 e BR-376) cumpriu os requisitos iniciais mínimos.

É de estranhar o fato de a CGU só se manifestar agora, passados quatro anos. Mas, mesmo com tanto atraso, não dá para considerar que Inês é morta. Se o que o órgão federal aponta é verdade, e quem trafega por estas estradas sabe que é, os motoristas foram lesados, pagando pedágio por um serviço que não estava à altura do que os contratos de concessão preconizam. Caberia, pois, até ressarcimento.

Segundo o jornal, os pedágios na Régis Bittencourt foram liberados sem que a OHL tenha sanado 51% das falhas apontadas no pavimento. No trecho paulista da Transbrasiliana, a BR Vias pôde começar a faturar sua tarifa baratinha sem ter consertado 75% dos elementos de drenagem. Vê-se quão ordinária foi a atitude das empresas e, principalmente, do órgão regulador, que autorizou a cobrança.

Mas os motoristas não foram logrados apenas nas obras iniciais. Também as melhorias que deveriam estar sendo realizadas ao longo dos contratos – estas, sim, estruturais e ainda mais imprescindíveis – não estão sendo respeitadas. Em outra reportagem, o Valor cita auditoria do Tribunal de Contas da União na Autopista Litoral Sul (BR-101 e BR-376) apontando atraso e má qualidade nas obras feitas, além de cobranças indevidas de pedágio.

Não são poucos os exemplos de rodovias que deveriam ter sido recuperadas, mas receberam apenas maquiagens. O modelo de concessões rodoviárias a preço de banana, que o PT alardeou como um sucesso, é, na realidade, um engodo. A gestão passada entregou bens públicos à exploração privada sem sequer exigir em troca a garantia de prestação de bons serviços. Se há privatização nefasta, esta, sim, é uma delas. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

O limite do crescimento

O governo lançou sua ofensiva contra os juros – que, na semana passada, vitimou os rendimentos das cadernetas de poupança – num momento em que começaram a ficar evidentes as dificuldades para o país crescer neste ano. A cruzada mostrou-se oportuna: acabou servindo para desviar o foco do limite do PIB brasileiro. Mas ele continua aí.

A gestão Dilma Rousseff estreou 2012 falando num crescimento robusto, em torno de 5%. Aos poucos foi colocando a viola no saco e passou a mirar em 4,5%. Oficialmente, esta ainda é a meta de expansão do PIB neste ano. Mas, possivelmente, ninguém além de Guido Mantega acredita na sua consecução.

Para chegar a este resultado, a economia brasileira deveria ter crescido 1% nos primeiros três meses do ano. Entretanto, a maior parte das estimativas feitas por analistas dá conta de que o país só avançou à metade disso – oficialmente, só será possível confirmar os prognósticos dentro de um mês, quando o IBGE divulgar o PIB do primeiro trimestre.

Nestes pouco mais de quatro meses do ano, a economia só rendeu notícia ruim. Os motores da indústria continuam em marcha a ré, o outrora dinâmico comércio exterior perdeu fôlego e os investimentos públicos mantiveram-se a miragem de sempre. Há, ainda, o consumo acelerado, é verdade, mas um país não se constrói apenas com shopping centers.

O ritmo do primeiro trimestre, se mantido, só será suficiente para fazer o país expandir-se 2% até dezembro. Ninguém, em sã consciência, aposta em algo muito acima de 3%. Ou seja, nos aguarda neste ano a repetição do Pibinho de 2011. Pelo jeito, a presidente da República ainda terá que suar muito a camisa para entregar o crescimento espetacular que prometeu.

Algum alento só deve surgir no segundo semestre, se é que surgirá. As indústrias, por exemplo, demorarão mais que o previsto para religar as máquinas. Primeiro, porque ainda não superaram a fase de encolhimento: nos primeiros três meses do ano, a produção diminuiu 3% frente ao mesmo período de 2011. Segundo, porque estão abarrotadas de estoques, como mostrou O Estado de S.Paulo ontem.

Setores importantes como automóveis, confecções e materiais de construção estão com excesso de mercadorias armazenadas nos galpões. Isso significa que, para retomar a produção com ímpeto, terão, antes, de desovar o que está guardado. Por aí se vê que o caminho da retomada da economia tende a ser lento e penoso.

Outro termômetro do esfriamento geral é o que acontece no comércio exterior. Em abril, as exportações caíram 8% em relação ao mesmo mês de 2011. Foi a primeira queda neste tipo de comparação desde novembro de 2009, informa hoje o Estadão.

Pelas estimativas oficiais, neste ano as exportações brasileiras devem crescer 3%, bem abaixo dos 27% do ano passado. A previsão é de que o país produza um superávit magro, de cerca de US$ 3 bilhões. Será uma reversão e tanto em relação aos últimos resultados: em 2006, o saldo foi o maior da história, US$ 46,6 bilhões, e no ano passado ainda se sustentava em US$ 29,8 bilhões.

“A letargia da atividade econômica vai além de um fenômeno cíclico. Há esgotamento do modelo de crescimento baseado no crédito ao consumo e na alta de preços das commodities exportadas”, comenta a Folha de S.Paulo em editorial na edição de hoje.

Na semana passada, Dilma Rousseff elencou o que considera os três maiores problemas da economia brasileira hoje: juros, câmbio e impostos. Os primeiros têm caminho livre para uma baixa histórica depois da tunga na poupança. O segundo melhorou, mas ainda não é suficiente para reanimar o comércio com o exterior. Os terceiros continuam nas alturas.

Para ressuscitar a economia, não bastará o governo mexer apenas algumas peças do tabuleiro. A mudança tem de ser mais profunda, a fim de criar ambiente favorável a um novo círculo virtuoso de crescimento, com equilíbrio. Por ora, as soluções são limitadas e capengas. A desaceleração é prova evidente disso.

sábado, 5 de maio de 2012

A tunga na poupança

A partir de hoje, o pequeno poupador passa a receber menos pelas parcas economias que guarda nos bancos. Ontem, o governo apresentou a redução dos ganhos das cadernetas como sendo necessária para a diminuição dos juros. Caberá, agora, entregar o que prometeu: taxas civilizadas.

Dilma Rousseff aproveitou a gordura que sua cruzada retórica contra os bancos está lhe rendendo para investir no bolso dos poupadores. Argumenta que, em troca, levará o país a ter juros reais na casa de 2% ao ano. É bom que consiga cumprir a palavra.

A tunga na poupança foi vendida pelo governo como a retirada do último empecilho para a derrubada dos juros. Mas, de concreto, ainda somos os vice-campeões mundiais na modalidade usura. Nossas taxas só perdem para as russas. Nada mudou, ainda.

A partir de agora, os depósitos realizados pelos poupadores nas cadernetas passarão a ter rendimento menor do que o atual sempre que a Selic ficar igual ou abaixo de 8,5% ao ano. Quando isso ocorrer, a remuneração da poupança será de 70% da taxa básica de juros mais TR.

Ou seja, pela mudança anunciada ontem pela equipe econômica de Dilma, o pequeno investidor da caderneta será brindado sempre com o menor rendimento. Como se vê, um baita negócio para o poupador, não?

Banqueiros, empresários e políticos aliados aplaudiram. Obviamente porque nenhum deles, possivelmente, tem dinheiro guardado na poupança. Mas quem entende de finanças pessoais não tem dúvida: o poupador perdeu, e muito. Segundo O Estado de S.Paulo, o rendimento da poupança cairá dos atuais 6,53% para cerca de 5,95% ao ano.

“Caso o juro real chegue a 2%, como é o objetivo declarado de Dilma, o rendimento da poupança para os novos depósitos ficará cerca de 18% menor do que o previsto hoje”, calculou a Folha de S.Paulo. Quanto mais a inflação se distanciar da meta fixada pelo governo, maior será a perda da poupança.

“O investidor da poupança saiu perdendo”, atesta Rafael Paschoarelli, professor da FEA/USP. “A medida, infelizmente, vem para piorar o rendimento da poupança”, completa Fábio Colombo, administrador de investimentos – ambos ouvidos por O Globo.

O jornal fez simulações que quantificam as perdas em moeda sonante. Com as novas regras, um poupador que guardar R$ 10 mil na caderneta terá R$ 10.582,91 ao fim de um ano, considerando uma Selic de 8,5%. Pelas regras antigas, teria R$ 10.616,78. Isso significa que ele perderá R$ 33,87.

À medida que a taxa básica cair, a diferença entre a rentabilidade antiga da poupança e a da nova se ampliará, sempre em prejuízo do pequeno poupador. Com uma taxa de 8,25%, por exemplo, a perda de rendimento da caderneta, para a mesma aplicação de R$ 10 mil, sobe para R$ 50,81 ao fim de um ano.

Quem conhece de finanças também tem outra convicção: o cenário mais provável é que os bancos lucrarão com a tunga na poupança. Isso porque, a partir de agora, terão dinheiro mais barato para emprestar na forma de crédito imobiliário – 65% dos depósitos em caderneta são direcionados, por lei, a financiamentos habitacionais. E continuarão cobrando por isso tão caro quanto cobram hoje.

Haverá também, do lado de quem toma financiamento, o risco de descasamento entre o valor das parcelas e a capacidade de pagamento. A alteração na regra de remuneração das cadernetas também pode modificar a forma de definição dos juros da casa própria e as prestações podem até subir. Os mutuários que se cuidem.

Tudo considerado, fica o recado de que o governo terá de tombar os juros de qualquer jeito. Primeiro, porque assumiu, implicitamente, este compromisso ontem, ao tentar justificar a redução da remuneração das cadernetas de poupança. Segundo, porque, de fato, a economia está necessitando disso.

A debilidade do setor produtivo tem ficado cada vez mais evidente, como comprovado pela nova queda na indústria, divulgada ontem: 3% no trimestre. O comércio exterior também perde força: teve em abril o pior resultado para o mês desde 2002, isto é, em dez anos. Como consequência, estão desabando as expectativas em torno do crescimento da economia brasileira.

Todos, sem exceção, somos a favor de juros mais baixos. A bola da queda das taxas está com o governo, que começou cortando-a na cabeça do pequeno poupador. Não é possível que os que sempre ganharam continuem com seus privilégios. Mas, por ora, eles permanecem intocados pela gestão petista.