quinta-feira, 30 de junho de 2011

Um negócio de perde-perde

O governo não conseguiu produzir até agora um único argumento razoável para justificar o desvio de R$ 4,5 bilhões de recursos públicos para pôr de pé um meganegócio que só beneficia interesses privados. Na operação de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, amparada em farto dinheiro do BNDES, continua a prevalecer a lógica cara ao petismo: tudo vai sendo feito sob sigilo, sem que sejam dadas as devidas explicações à sociedade.

A fusão entre as duas redes não alcançará nenhum dos objetivos que têm sido apontados pelo governo para justificar a participação do BNDES no negócio. Não criará uma multinacional verde-e-amarela; não abrirá portas para produtos brasileiros no exterior; não trará qualquer benefício em termos de preços mais baixos para os consumidores.

A única resultante visível é o aumento ainda maior da participação do Estado – que já atua direta ou indiretamente de 675 empresas no país – na economia brasileira. O que, em alguns casos, pode até se justificar, no do Pão de Açúcar-Carrefour não encontra razão alguma. Por que motivos o BNDES deveria ser sócio de um supermercado francês?

Dois dos principais ministros de Dilma Rousseff manifestaram-se ontem em defesa da operação. Gleisi Hoffmann disse que todos podem dormir sossegados porque a transação “é uma ação de mercado, não tem nada a ver com decisão de governo”. Já Fernando Pimentel argumentou que o negócio tem “importância estratégica para o Brasil”, porque abre as gôndolas europeias para produtos brasileiros.

Gleisi e Pimentel só podem estar zombando dos cidadãos brasileiros. É evidente que o governo – e mais especificamente a presidente da República – está metido até a alma na concretização da operação, que, de outra forma, talvez não se concretizasse. Informada previamente da operação, Dilma não se opôs ao envolvimento do BNDES no negócio, mostra o Valor Econômico.

O próprio ministro do Desenvolvimento disse ontem que o BNDES foi chamado a atuar porque os bancos privados não quiseram agir – provavelmente porque não viram oportunidade de ganhos na operação... Não custa lembrar que ontem o Senado aprovou mais um empréstimo da União para o bancão de fomento: são mais R$ 55 bilhões, perfazendo total de R$ 230 bilhões desde 2009.

O BNDES já possui participação relevante em 52 empresas. Em 33 delas, detém mais de 25% do capital. A carteira de ações do BNDESPar valia R$ 90 bilhões em março, com destaque para o naco em conglomerados como Petrobras (11,61%), Vale (9,79%), Eletrobrás (18,50%), JBS (17,02%) e Telemar-Oi (16,92%).

Ao contrário do que vem apregoando o governo, nem todos os bilhões que o BNDES está disposto a despejar no Novo Pão de Açúcar (NPA) serão capazes de transformar a empresa numa multinacional verde-e-amarela. O controlador de fato das operações será o Carrefour da França, reforça o Valor, que ontem já antecipara esta resultante.

Já a possibilidade de um negócio privado ser capaz de destravar barreiras a produtos brasileiros no fechado mercado europeu, como defende o ministro Pimentel, é nula. Para que isso venha a ocorrer, é preciso muita pressão e negociação entre governos e em organismos multilaterais de comércio – abertura que a diplomacia petista nunca foi capaz de lograr.

O que parece líquido e certo a esta altura é que a operação bancada com dinheiro público resultará em maior concentração do varejo supermercadista brasileiro, com evidentes prejuízos para o bolso do consumidor. No mercado paulista, por exemplo, Pão de Açúcar e Carrefour dominam 70% do faturamento. Juntos, terão, portanto, poder para fazer gato e sapato da clientela.

Na alça da mira do novo conglomerado também é certo que estão os empregados. Entre 5% e 8% dos postos de venda devem ser eliminados. Para “reestruturar” o NPA, Abílio Diniz – lulista de carteirinha, como mostra O Globo – cogita escalar um executivo que tem em seu histórico cortes sistemáticos de milhares de empregos.

O governo do PT interfere num imbróglio empresarial de dimensões jurídicas ainda incertas – em que um lado acusa o outro de engendrar um “golpe de Estado corporativo” – e se mete numa transação injustificável sob a ótica do interesse público. A pergunta que fica é: por que o dinheiro suado do contribuinte foi parar nesta enrascada? Ninguém até agora conseguiu explicar este negócio de perde-perde para a sociedade.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O BNDES e seus campeões nacionais

O dinheiro público vai servir, mais uma vez, para irrigar cofres privados. Em sua estratégia de eleger “campeões nacionais”, o BNDES colocará até R$ 4,5 bilhões na megafusão das operações do Pão de Açúcar com a parte brasileira do Carrefour, anunciada ontem. Como sempre, ficará para o cidadão brasileiro pagar a conta.

Se prosperar, a transação resultará na criação de uma empresa que dominará 32% do setor de supermercados e 27% do varejo nacional. Será, portanto, uma gigante sem concorrentes à altura. Terá poder suficiente para esfolar consumidores, fornecedores e funcionários.

Percentuais acima de 20% de concentração de mercado indicam a existência de potencial anticompetitivo, de acordo com padrões usados pelo Cade. Quanto maior a concentração do setor, menor a competição por preços. Não há, portanto, ganhos à vista para os consumidores brasileiros.

“Em um país que quer desesperadamente controlar sua inflação, qual o sentido de reduzir ainda mais a competição empresarial? Por que um banco público deveria apoiar uma operação problemática em termos antitruste? Não seria preciso atentar para o bem-estar do consumidor?”, critica Sérgio Lazzarini, professor do Insper, no Estadão.

Pelo desenho conhecido, a BNDESPar ficará com 18% do capital da nova empresa, a NPA. A justificativa oficial do banco – em parca nota divulgada ontem – é permitir a “internacionalização do Pão de Açúcar, (...) abrindo caminho para maior inserção de produtos brasileiros no mercado internacional”. A NPA teria 11,7% do capital da matriz francesa do Carrefour.

Extraoficialmente, porém, porta-vozes do BNDES justificam mais este aporte-monstro pela necessidade de garantir que o varejo supermercadista no Brasil não seja dominado por estrangeiros. Esta visão fia-se no temor de que, em vez do Pão de Açúcar, o Walmart venha a abocanhar o Carrefour e os franceses da Casino assumam a rede brasileira, conforme acordado em negociação feita no passado.

O Valor Econômico desnuda, porém, a tolice do discurso nacionalista do governo: ao final da engenharia financeira montada agora e conhecida ontem, os franceses (Carrefour mais Casino) deterão 65% do capital da empresa operacional constituída com o dinheiro do BNDES. Nada de empresa verde-e-amarela, portanto.

A desculpa de formar “campeões nacionais” é sempre assacada pelo BNDES para justificar sua política de auxílio a grandes conglomerados capitalistas-mas-nem-tanto. Foi assim na composição do JBS-Friboi, na Oi-Brasil Telecom, na VCP-Aracruz, na Sadia-Perdigão. Mas alguém é capaz de apontar algum benefício para a sociedade decorrente da criação destas megacorporações?

Pelo contrário, no caso da empresa de carnes o que se viu foi quebradeira de empresas frigoríficas menores espalhadas pelo interior do país. Já a megaempresa de comunicação resiste a oferecer serviços mais baratos de celular ou internet.

Ao contrário das grandes, empresas pequenas e médias não têm obtido guarida no BNDES. De janeiro a abril deste ano, grandes companhias ficaram com 55% do valor desembolsado em financiamentos pelo banco oficial de fomento. Esse dinheiro foi concentrado em apenas 6% das operações.

Nos últimos anos, o Tesouro já se endividou em R$ 260 bilhões – incluindo R$ 30 bilhões neste ano – para financiar o BNDES nas suas operações. Na maior parte destes negócios, o BNDES enterrou dinheiro público em buracos sem fundo, sempre em volumes cavalares. Poderá ser assim também no Pão de Açúcar-Carrefour.

No fim do ano passado, informa O Globo, a matriz da rede francesa descobriu um rombo de R$ 1,2 bilhão na filial brasileira, e desde então enfrenta pressão dos acionistas para se desfazer do negócio no Brasil. Pelo jeito, os franceses acabam de achar um alegre interessado disposto a levar o mico para casa.

“Por que o dinheiro público, coletado dos impostos, deve ser utilizado para financiar fusões de interesse privado? Quando uma empresa subsidiada pelo BNDES quebra, quem fica com a conta são os consumidores. É o socialismo invertido: o lucro é privatizado e os prejuízos são socializados”, escreve Diogo Costa, professor do Ibmec, na Folha de S.Paulo.

O governo do PT terá dificuldade para justificar mais esta parceria regada a farto dinheiro público em prol de largos benefícios privados. Uma coisa é certa: a sociedade brasileira não tem nada a ganhar com mais este meganegócio. Exige, pelo menos, não ser chamada a pagar a conta.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Bem entendido

A Câmara dos Deputados retoma hoje a votação da medida provisória que institui novo sistema para contratação de obras com vistas à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016. Depois de ter dito que a imposição de sigilo sobre os bilionários empreendimentos era fruto de “má interpretação”, o governo decidiu agora que irá alterar o texto. O que, então, fazia aquele bode na sala?

O Planalto escalou seus porta-vozes ontem para informar que fará alterações na redação da MP assegurando que os órgãos de controle terão acesso permanente aos orçamentos e às planilhas de execução das obras. Os valores resultantes das licitações também serão abertos tão logo encerrados os certames.

Os dois pontos haviam sido incluídos à sorrelfa pelo relator – o petista José Guimarães, de célebre assessor que carregava dólares em cuecas – no texto-base da MP aprovada em 15 de junho. Foram justamente os que mais polêmica e críticas causaram nos últimos dias, por indicarem que o governo buscava o escurinho dos sigilos para tocar os vultosos empreendimentos voltados aos dois eventos esportivos.

Pela versão aprovada há duas semanas, as informações sobre licitações seriam repassadas em “caráter sigiloso” e “estritamente” aos órgãos de controle depois de encerrados os lances das licitações, mas apenas e tão somente quando o governo julgasse conveniente.

Jabuti não sobe em árvore. Tudo indica que o governo petista tentou usar a velha tática do “se colar, colou”. Pego com a boca na botija pela oposição e pela imprensa, tentou explicar o inexplicável e negou o que agora admite.

No dia seguinte à votação, a presidente da República veio a público dizer que a boa intenção do governo estava sendo mal entendida: “Em momento algum se esconde o valor do órgão de controle, tanto interno quanto externo”. Se não se escondia, por que agora será preciso modificar a redação da MP?

Mesmo com as alterações ora previstas, o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) continuará a admitir exageros. O principal é a contratação das obras sem que se conheçam seus detalhes, cuja definição caberá às empresas vencedoras fazer. Sem projetos básico e executivo, ninguém sabe ao certo o que está sendo contratado com o dinheiro público.

A onipotência da Fifa e do COI para definir a bel-prazer o escopo das obras também mantém-se intocada. Exigências feitas pelos dois órgãos de nada ilibada reputação servirão como salvo-conduto para estouros orçamentários.

Hoje a Lei de Licitações limita aditivos a um máximo de 50% do valor contratado, trava que no RDC não mais se aplicará. Tal dispositivo pode cair por terra de vez se prosperar a intenção de Dilma Rousseff de sepultar a 8.666, como informa O Estado de S.Paulo em manchete. “Uma possibilidade é o governo incluir as mudanças em projeto já aprovado na Câmara e que aguarda votação no Senado desde junho de 2009, cujo relator é Eduardo Suplicy”.

Todo cuidado é pouco. Mesmo ao admitir extirpar trechos indecoros do texto-base da MP aprovada há duas semanas, o governo não garante, porém, que esteja totalmente convertido à transparência que deve reger as contratações de obras públicas. Muito pelo contrário.

Exemplo disso é a manobra em andamento para tirar da oposição o poder de fiscalizar as obras exercido pelo Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle de Execução Orçamentária da Câmara. “Com a estratégia dos governistas, o comitê perderia a prerrogativa de acompanhar as ações do governo e de questionar os critérios de aplicação de recursos públicos para Copa e Olimpíada”, informa a Folha de S.Paulo.

A preferência pela opacidade e o desapreço pela transparência continuam sendo marcas da gestão petista. Recuos táticos como o que se anuncia para a votação de hoje na Câmara não autorizam um voto de confiança da sociedade. Quem deixa para agir na undécima hora, como sempre fazem as administrações do PT, quer mesmo é ser sócio do atraso.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Caminho livre para as drogas

Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado durante o feriado trouxe uma má notícia para o Brasil: o país já é a terceira maior rota de tráfico de cocaína com destino à Europa e o mercado onde mais se apreende crack no mundo. Não se chega a uma depauperada condição como esta impunemente; são anos e anos de descaso e políticas fajutas.

Infelizmente, o Brasil passou a ocupar o lugar que já foi de países como México, Panamá e República Dominicana como rota preferida dos traficantes de coca e seus derivados. A explicação é simples: enquanto lá a repressão foi intensificada nos últimos anos, aqui as facilidades para devassar nossos 15.719 km de fronteiras só cresceram.

Segundo o documento da ONU, entre 2005 e 2009 a quantidade de cocaína apreendida na Europa proveniente do Brasil subiu de 339 kg para 1.500 kg. O número de apreensões multiplicou-se por dez: de 25 para 260. Apenas Venezuela e Equador enviam mais droga para o Velho Continente.

Para piorar, o Brasil tornou-se campeão nas Américas em apreensão de crack. Em 2008 (ainda não há dados para 2009) foram interceptados 374 quilos da droga no país, praticamente o dobro do que foi apreendido nos EUA um ano depois – 163 quilos. Trata-se de “um indicador da elevada demanda doméstica por esse subproduto da cocaína”, segundo O Estado de S.Paulo.

Dois fatores ajudam a explicar por que o país está tão vulnerável às drogas. O primeiro diz respeito à parca vigilância de nossas fronteiras. O segundo relaciona-se à fragilidade de nossas políticas de prevenção e combate às drogas. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que o Brasil andou para trás neste aspecto nos últimos anos.

O país não produz nem a cocaína nem o crack que consome, e boa parte da maconha também é trazida de fora. Por isso, qualquer resultado nesta luta só surtirá algum efeito se a oferta da droga importada for bloqueada ou, no mínimo, bastante reprimida.

Mas somente no início deste mês, o governo federal lançou um plano estratégico de vigilância das fronteiras, já depois de transcorridos dois mandatos petistas. Promete-se dobrar o efetivo militar e civil nos limites com os dez países com quem fazemos divisa. Os ministérios da Justiça e da Defesa vão atuar integrados em operações de combate ao crime organizado.

Se vai funcionar, são outros quinhentos. A realidade até agora é de penúria. O ajuste fiscal da presidente Dilma Rousseff cortou 36% da verba destinada ao Ministério da Justiça neste ano: R$ 1,5 bilhão dos R$ 4,2 bilhões previstos. Em consequência, as ações da Polícia Federal minguaram e o combate ao crime nas fronteiras evaporou.

Como se não bastasse, as autoridades nomeadas pelo governo do PT para cuidar da política nacional antidrogas no país vêm o problema sob uma ótica bastante distorcida, para dizer o mínimo.

A secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, por exemplo, acha “bobagem” considerar o crack uma epidemia, conforme declarou à Folha de S.Paulo em maio. Como, então, podemos chamar a situação atual, em que a droga já se disseminou por 98% dos municípios brasileiros, como mostrou há alguns meses a Confederação Nacional dos Municípios?

Também a ONU constatou que, em números absolutos, o Brasil tem o maior contingente de consumidores de cocaína ou de derivados da coca na América do Sul. São 900 mil usuários ou um terço do total do continente. Mas o número pode ser bem maior: segundo a Veja, pesquisa recente da Fundação Oswaldo Cruz indica que há hoje 1 milhão de viciados em crack no Brasil.

Uma das políticas mais exitosas para tratar o problema do vício tem sido a oferecida por redes comunitárias de apoio, por meio de centros privados especializados no tratamento de dependentes. Só na semana passada, porém, o governo federal reconheceu tal esforço e decidiu passar a custear as cerca de 3 mil comunidades terapêuticas ligadas a instituições católicas, evangélicas e espíritas existentes no país.

A melhoria das ações de controle de fronteiras, de combate às drogas e o reforço das políticas públicas de auxílio a viciados ainda é mera promessa. Resta cobrar que as mudanças recém-anunciadas sejam, efetivamente, implantadas, a fim de evitar que o Brasil continue a ser território livre para poderosas organizações criminosas que vivem da desgraça alheia.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

No fundo do poço

A Petrobras está num mato sem cachorro. Apesar de não estar conseguindo dar conta de seus investimentos em petróleo, a terceira maior companhia de energia do mundo acaba de ganhar uma nova incumbência do governo federal: assegurar a expansão da produção de etanol do país. Com rumos tão incertos, a empresa corre risco de ir ao fundo do poço.

O governo decidiu exigir que a Petrobras eleve sua participação no mercado nacional de etanol dos atuais 5% para 12%. O objetivo, segundo O Globo, é “evitar a falta de álcool combustível e a consequente disparada de preços no período da entressafra da cana a partir de 2012”.

A estatal será forçada a construir novas usinas, contando com financiamentos generosos do BNDES, que cobrirão também a formação de canaviais e a ampliação da estocagem. Da operação, resultará uma forte intervenção do Estado em mais um mercado até aqui predominantemente privado.

De sua parte, a Petrobras irá se desviar ainda mais do seu principal e mais caro objetivo: desenvolver a exploração de petróleo das reservas do pré-sal e expandir a capacidade de refino no país, estagnada ao longo de anos. “Não é algo barato. Mas como é de interesse do povo, não se deve medir esforços”, justificou o ministro Edison Lobão. Quem pagará a conta?

A decisão de forçar a Petrobras a entrar com ímpeto no mercado de etanol vem no mesmo momento em que o governo federal, acionista majoritário da empresa, exige cortes no plano de negócios da companhia até 2014.

O valor já decresceu de US$ 260 bilhões para os atuais US$ 224 bilhões, mas ainda não se chegou a um denominador comum. Na sexta-feira passada, o conselho de administração da empresa exigiu novos ajustes. A orientação é ser “mais realista”. Como tocar os 681 projetos que a Petrobras tem em carteira, ninguém diz.

As incertezas decorrentes da forte ingerência do governo na empresa já têm custado caro à Petrobras e a seus acionistas. A companhia está hoje na contramão de suas congêneres globais.

Desde o início de novembro de 2010, quando o preço do petróleo voltou a subir, as ações das principais empresas de energia da América do Norte registram alta de 21,4%. Já os papéis da Petrobras negociados nos EUA tiveram queda de 1,4%, mostrou a Folha de S.Paulo no sábado.

Em moeda sonante, desde fins de 2010 a Petrobras perdeu R$ 60 bilhões de valor de mercado. Equivale à metade do que foi arrecadado no processo de capitalização concluído em setembro passado. A operação resultou num forte aumento da participação da União no capital da companhia: de 39,8% para 48,3%. Desde então, a petroleira só afundou.

Um de seus principais problemas é não poder reajustar os preços dos combustíveis que comercializa. A gasolina vendida hoje no Brasil tem valor 18% inferior ao praticado nos EUA. Na semana passada, a empresa pediu um reajuste de 10% ao governo, que seria contrabalançado por uma redução na Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). A Fazenda não topou.

A manipulação dos preços dos combustíveis, decorrente do monopólio no refino e da predominância da BR Distribuidora no varejo, distorce o mercado e é, inclusive, apontada como uma das principais razões para a falta de investimento privado na expansão do etanol.

“O setor tem dificuldade de investir em plantas dedicadas a etanol pela grande incerteza quanto à evolução do preço da gasolina, administrado pela Petrobras e mantido no mesmo patamar desde 2005. (...) O investidor teme a falta de regras claras que permitam a convivência e a competição entre dois mercados com estruturas distintas – o de etanol, pulverizado e competitivo, e o da gasolina, um quase monopólio”, escreveu Marcos Sawaya Jank, presidente da Unica.

O setor de etanol necessita, de fato, se expandir. Precisará de R$ 80 bilhões em investimentos nos próximos dez anos para atender à demanda. Isso significa 133 usinas, ou 15 unidades por ano, o triplo da média prevista para 2011. A área plantada com canaviais também teria de ser duplicada, para 18 milhões de hectares.

Nada indica, porém, que o ingresso de uma empresa com a força da Petrobras seja capaz de impulsionar os investimentos privados na produção de etanol. O mais provável é que as distorções que já se fazem sentir no setor de combustíveis fósseis migrem para o dos renováveis.

O pior é o que pode ocorrer com a Petrobras, onde centenas de milhares de trabalhadores investiram seu FGTS. A empresa tornou-se um joguete nas mãos do interesse político do governo federal; hoje, o que menos interessa na companhia é gerar resultados. A continuar assim, será difícil a Petrobras cumprir as missões que o acionista espera dela. O futuro mostra-se escuro como petróleo e não cristalino como álcool.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Sigilo ilimitado

Nada justifica o sigilo que o governo quer impor aos gastos a serem feitos nas obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas do Rio. Menos ainda que as regras de exceção adotadas para evitar um fiasco nos eventos esportivos sejam estendidas a todo e qualquer empreendimento realizado no país, como começa a defender a base aliada no Congresso. É hora de redobrar a reação às manobras cavilosas do Executivo.

O Valor Econômico informa hoje que, com as bênçãos do Planalto, o PDT, que integra a base de apoio ao governo, tentará aprovar na próxima semana uma emenda à medida provisória nº 527 que “permite que o Regime Diferenciado de Contratações [RDC] seja usado livremente pela administração pública”. As chances de a proposta ser aprovada não são pequenas, avalia o jornal.

Os pedetistas não gritam sozinhos. Na semana passada, o Ministério dos Esportes já havia deixado claro que a Copa seria apenas o teste inicial para a adoção do novo regime em larga escala no país, “enterrando de vez a Lei das Licitações (8.666) que vigora desde 1993”, divulgou O Estado de S.Paulo no sábado.

O governo insiste em dizer que as críticas ao RDC são fruto de “má interpretação” do texto da MP. A presidente da República defendeu tal tese na sexta-feira. Disse que o novo modelo busca evitar a formação de cartéis.

O que Dilma Rousseff não explicou é por que a blindagem dos orçamentos da Copa foi incluída como contrabando na undécima hora pelo relator da MP, o deputado petista José Guimarães. Pelo texto, somente órgãos de controle teriam acesso, “em caráter sigiloso”, aos custos, ainda assim sujeitos ao consentimento do Executivo.

O governo também não consegue justificar por que a mudança no marco institucional que mais para bem do que para mal regula a contratação de obras públicas no país há 18 anos deve ser objeto de uma MP de expedita tramitação e não de um projeto de lei de discussão mais ampla e aberta às manifestações de toda a sociedade.

A Lei de Licitações pode, sim, ser aperfeiçoada. Há iniciativas de sobra em tramitação no Congresso sobre o assunto e que poderiam render um bom projeto comum. Mas o Planalto não parece interessado em buscar um caminho mais equilibrado, e sim o atalho das sombras.

O Executivo diz agora que os orçamentos só serão secretos até que sejam conhecidos os vencedores das licitações. Mas quem irá garantir que o sigilo se estenderá aos apaniguados dispostos a pagar caro por eles? A história recentíssima do poder petista mostra que basta contratar um “consultor” que esses dados chegarão a quem interessa, negociados a preço de ouro no mercado negro da corrupção...

Outro problema insanável da MP governista é a contratação integrada das obras. Os empreendimentos irão se transformar numa caixa preta, um pacote lacrado, cujo limite de custos será o céu. Com as concessões à Fifa e ao COI, e as muitas liberalidades contidas no texto-base aprovado no semana passada, os gastos com a Copa e com as Olimpíadas poderão subir indefinidamente.

Grandiosas obras – só o torneio de futebol movimentará R$ 23 bilhões, quase integralmente bancados com dinheiro público – poderão ser contratadas na base de meros rascunhos. Na prática, as empreiteiras definirão o preço final do empreendimento e, como os valores iniciais são secretos, não precisarão justificar eventuais estouros.

Não é preciso ir longe para enxergar os riscos de drenagem de dinheiro dos contribuintes para bolsos privados. Hoje, com todo o rigor da Lei de Licitações, as obras da Copa já se equilibram sobre orçamentos quase fictícios, como mostrou o Estadão no domingo.

“A conta da Copa do Mundo de 2014 é uma fantasia, um ‘chutômetro’ calculado a partir de projetos básicos incompletos, mal feitos ou ambas as coisas”. Um dos exemplos é o Mané Garrincha, em Brasília. Até agora, seus custos são estimados em R$ 671 milhões, mas nisso não estão incluídos itens como assentos, gramado e trave. Será que o estádio servirá mesmo para partidas de futebol?

A pronta resposta da opinião pública à falta de transparência que a MP 527 instaura na execução de obras públicas no país já começa a surtir efeito. Próceres governistas como o senador José Sarney foram forçados a recuar e ameaçar votar contra o sigilo. O governo, porém, gosta de agir no escuro. Portanto, toda a atenção ainda é necessária para impedir que as portas para a corrupção sejam escancaradas de vez pelo petismo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Eles continuam aloprando

Uma das obsessões do PT é tentar reescrever a história. O partido exercita isso num âmbito mais geral quando desdenha de tudo o que aconteceu no Brasil antes de 1º de janeiro de 2003. Mas se dedica à missão com ímpeto redobrado quando o objetivo é acobertar os ilícitos que seus partidários praticam. Assim tem sido com o mensalão e com o escândalo dos aloprados.

Mas, a julgar pelo que revelou a revista Veja nesta semana, será difícil para os petistas continuar a varrer a sujeira para debaixo do tapete. A edição mostra como caciques do PT se articularam para tentar prejudicar a eleição de José Serra ao governo de São Paulo em 2006. Um petista graduado deu nome e sobrenome a quem comandou toda a farsa: Aloizio Mercadante, o atual ministro da Ciência e Tecnologia do governo Dilma Rousseff.

O autor das revelações publicadas pela Veja não é um pé de chinelo qualquer. Trata-se de Expedito Veloso, ex-diretor de gestão de riscos do Banco do Brasil e atual secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico do governo petista do Distrito Federal. Ele também integrou o núcleo central da campanha à reeleição de Lula em 2006.

Segundo a revista, “em conversas com colegas de partido, [Expedito] garantiu que o verdadeiro mentor, o principal beneficiário e um dos arrecadadores de dinheiro para montar toda a farsa foi o ex-senador e atual ministro da Ciência e Tecnologia Aloizio Mercadante. (...) Ele, inclusive, era o encarregado de arrecadar parte do dinheiro em São Paulo”. Está tudo gravado.

Tem-se claro como a bandidagem era praticada nas altas esferas do petismo, ao contrário do que o presidente da República disse à época, quando a Polícia Federal apreendeu R$ 1,7 milhão que seriam usados para forjar um dossiê contra tucanos: “É coisa de aloprados”. Nada disso: é coisa de petistas.

O PSDB já adiantou que o caso precisa ser reaberto pela PF. O Ministério Público deve ser acionado e Mercadante, convocado para falar no Congresso, assim como a testemunha-chave, Expedito Veloso. Tudo para o bem da moralidade no país. Mas é possível que um governo que se aferra tanto a manter tudo em sigilo, como o atual, faça de tudo para impedir a apuração.

Mercadante chegou a ser indiciado pela PF à época do episódio, por ser considerado o único beneficiado pelo esquema – ele disputou e perdeu em primeiro turno a eleição para Serra. Mas a acusação acabou anulada por falta de provas. O que se soube agora é mais que suficiente para que as mais de 2 mil páginas do processo não morram em arquivos da Justiça Federal.

O momento em que a revelação de Veja vem à tona é dos mais propícios para quem luta pela preservação do interesse público no país. Com desenvoltura crescente, os petistas têm se mostrado cada dia mais empenhados em tentar transformar em miudeza de opositores os vários episódios de roubalheira dos quais o PT foi protagonista.

Para começar, uma das missões declaradas do principal líder do PT é “provar” que o pior escândalo da história recente do país, o mensalão, “foi uma farsa”. Depois que deixou a Presidência da República, Lula dedica-se à tarefa com afinco incomum, como fez neste fim de semana em Sumaré, num encontro partidário.

Para o líder petista, o mensalão só ocorreu por causa da “desunião” do PT à época. Ou seja, para Lula, o duto que durante anos exauriu cofres públicos para comprar apoio parlamentar no Congresso nunca se constituiu num problema ético; o erro foi meramente tático.

Quando o principal dirigente de uma legenda diz isso, seus seguidores se sentem à vontade para fazer o mesmo. Neste estado de coisas, compactuar com o malfeito torna-se natural. A ponto de, recentemente, a agora ministra-chefe da Casa Civil ter dito, com a maior desenvoltura, que a defesa dos partidários envolvidos no mensalão se justificaria pelo fato de eles terem agido em prol do projeto de poder do PT e não em busca de enriquecimento próprio, como fazia Antonio Palocci.

Diz-se que Lula deixou para Dilma uma herança maldita em termos de desarranjo nas contas públicas, de infraestrutura capenga, de descontrole de preços. Tudo isso é verdade. Mas seu pior legado é a leniência com o malfeito, com as irregularidades, com o mau uso dos recursos públicos. Punir a alta esfera do partido que criminosamente contratou bandidos para prejudicar adversários representará um passo importante para implodir esta cultura nefasta que vem prosperando no país à sombra do petismo.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O alto preço do sigilo

O governo do PT conseguiu nesta semana o que tanto perseguiu: tornar as bilionárias obras da Copa e das Olimpíadas uma ação entre amigos, sujeitas a toda sorte de manipulações e falcatruas. A MP 527, cujo texto-base foi aprovado na noite de quarta-feira na Câmara, cria um verdadeiro balcão de negócios sob pretexto de agilizar os eventos esportivos que o país sediará em 2014 e 2016. Protegida por sigilo, a corrupção ganhará os gramados.

A medida provisória proposta pelo governo implode o rigoroso modelo de licitações adotado no país desde 1993. Para “flexibilizar” obras que teve oito anos para realizar, mas em quatro nada fez, a gestão petista aboliu a transparência dos contratos pagos com recursos públicos e concedeu à Fifa e ao COI (Comitê Olímpico Internacional) poderes acima de todas as esferas da República.

O texto aprovado com o voto de 272 governistas anteontem torna sigilosos os orçamentos das obras da Copa e das Olimpíadas e permite que seus custos sejam aumentados indefinidamente. Tudo ao abrigo da luz do sol, nos escurinhos onde as ilicitudes se movimentam com desenvoltura. É o ambiente onde o PT mais se sente à vontade.

Hoje a estimativa de custos de uma obra pública é divulgada no edital de licitação, calculada a partir de estudos e projetos previamente realizados. Vence quem se dispuser a realizar o serviço pelo menor preço. O valor pode até aumentar durante a execução, mas até um máximo de 25% para empreendimentos novos e 50% para reformas. Tudo isso cai por terra agora.

Com “caráter sigiloso”, o orçamento não será mais publicado de antemão, nem será divulgado ao longo da realização do empreendimento. Só “estritamente” órgãos de controle o conhecerão, e depois da obra. As empreiteiras ficarão responsáveis por todo o pacote, desde o projeto até a entrega das chaves, sem fornecer seus detalhes. E os aditivos contratuais não terão mais limite – melhor seria dizer que o limite dos gastos será a estratosfera.

Há outros agravantes: pelo texto aprovado pela base aliada no Congresso, cabe tudo no novo “regime diferenciado” criado pela MP. Cidades que nem terão jogos da Copa, situadas a até 350 quilômetros das sedes, também poderão “flexibilizar” a contratação de obras. Empreendimentos que nada têm a ver com esportes também ficam livres de amarras; basta que estejam, de alguma forma, vinculados aos jogos.

Regras tão obscenas e danosas ao interesse público foram penduradas numa medida provisória cujo objeto era estruturar a Secretaria de Aviação Civil. Não bastasse isso, mudanças de última hora – como a que retirou o acesso permanente de órgãos de controle aos orçamentos – foram incluídas como contrabando na MP pelo relator, o deputado petista José Guimarães, antes célebre por ter tido um assessor detido com dólares na cueca.

As reações não tardaram a aparecer. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, considerou o novo regime diferenciado de contratações criado pelo governo do PT “escandalosamente absurdo”. A União dos Auditores Federais de Controle Externo alertou: “É mais complicado, demorado e custoso resgatar recursos públicos que já foram aplicados indevidamente do que, por meio de atuação preventiva, evitar que eles sejam gastos de maneira irregular, ineficiente ou ineficaz.”

“Corrupção e fraudes são pragas corriqueiras em obras públicas no Brasil. O governo federal conhece bem essa realidade. Parece mais empenhado em ocultá-la, contudo, do que em combatê-la”, manifesta-se a Folha, em editorial. Para O Estado de S.Paulo, também em editorial, a MP é um “verdadeiro habeas corpus preventivo para a bandalheira”: “O único interesse que essa obscenidade preservará será o da corrupção”.

O pior é que o governo Dilma nem esperou a aprovação da MP – que terá destaques votados na Câmara no próximo dia 28 e ainda passará pelo Senado – para dar uma banana para os órgãos de fiscalização.

A Folha de S.Paulo mostra hoje que, em ofício endereçado ao TCU, o Ministério dos Esportes avisa que a prestação de contas de novos contratos relacionados a obras e serviços contratados para a Copa, de valor estimado em R$ 10 bilhões, “vai depender da ‘conveniência do Poder Executivo’”. (Não custa lembrar que, em dois anos, os custos das arenas da Copa já subiram 58%.)

O padrão de opacidade que o PT quer impor à realização das obras da Copa e das Olimpíadas no Brasil só tem paralelo na China, mostra O Estado de S.Paulo. França, Coreia do Sul, Japão, Alemanha, África do Sul, Sidney, Atenas e Londres colocaram à disposição de sua população, de forma detalhada, o andamento dos gastos, em alguns casos com atualização em tempo real. Os próceres governistas, porém, desdenham do interesse do público brasileiro: “Se queremos sediar [a Copa], a regra é essa”, disse o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira.

Orçamentos de bilhões resguardados por sigilo só têm serventia para quem quer fazer negócios escusos. Imagine-se quanto uma empreiteira não pagará para conhecer a proposta de uma concorrente. O que hoje é transparente e aberto ao escrutínio e à fiscalização da sociedade foi transformado em ouro em pó para ser negociado no câmbio negro pelo petismo.

Felizmente este cheque em branco para a corrupção encontrará muita dificuldade para prosperar. Nas votações que estão por vir, o Congresso tem tudo para derrubar o acinte que os governistas aprovaram na noite de anteontem. O governo Dilma terá que pôr todos os seus tratores novamente em campo para institucionalizar a roubalheira. Sem a proteção do sigilo.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Onde está minha casa?

Os governos do PT são especialistas em publicidade enganosa. Costumam lançar projetos grandiosos, mas entregar só um pouquinho do que prometem. Nada que os constranja: a cada programa mal executado, agrega-se uma nova fase. A estratégia acaba funcionando: a meta nunca é alcançada, mas os prazos nunca vencem. É assim com o Minha Casa Minha Vida.

A presidente Dilma Rousseff fará hoje o lançamento da segunda fase do programa habitacional. Trata-se de mais um destes eventos grandiosos, com muita gente, palmas e pouca substância, destinados a engrossar a “agenda positiva” de um governo que nem agenda tem.

O governo anuncia agora que irá construir 2 milhões de moradias até 2014, com investimento de R$ 71,7 bilhões. Frise-se: construir. A ressalva é necessária por um motivo simples: passados dois anos, a primeira etapa do Minha Casa esteve longe de efetivamente entregar aquilo a que se propôs. Por ora, tem muito papel, mas pouco cimento.

Lançado pelo então presidente Lula em abril de 2009, o Minha Casa Minha Vida tinha como meta erguer 1 milhão de moradias. No fim do ano passado, o governo alardeou que não só cumprira como superara seus objetivos iniciais: foram contratadas 1.004.257 unidades habitacionais, segundo o único balanço divulgado até agora pela Caixa.

Entre a contratação de um financiamento e a efetiva mudança de uma família para um novo lar, vai muito tijolo. Coisa rara no Minha Casa, até agora. Até o fim de 2010, apenas 238 mil moradias foram efetivamente construídas, de acordo com relatório recém-publicado pelo TCU. Ou seja, não mais que 23,8% da meta prometida foi cumprida.

O governo federal recusa-se a divulgar números mais recentes mais detalhados da execução do Minha Casa Minha Vida. Limita-se a informar que até este mês o total de moradias construídas já alcança 354.134 unidades, de acordo com O Estado de S.Paulo de hoje. Até o fim do ano, o resultado chegaria a 500 mil – ou seja, é somente metade da promessa de dois anos atrás, mas não é nada que coaja o marketing petista.

Embora o governo insista em nublar as informações, os resultados alcançados até dezembro, e conhecidos em detalhes, dão a exata dimensão do frágil desempenho do Minha Casa Minha Vida.

O pior é o que acontece com a faixa onde o déficit habitacional é mais dramático no país: as famílias cuja renda varia de zero a três salários mínimos. Das 400 mil moradias previstas pelo governo petista para este estrato, somente 92 mil saíram do chão até dezembro, conforme informa o TCU à página 191 do citado relatório (cuja leitura é altamente recomendada).

No município de São Paulo, por exemplo, o programa completou dois anos sem entregar nenhum imóvel às famílias desta faixa de renda: das 40 mil unidades previstas na cidade, somente 3 mil estão sendo construídas.

Na faixa com renda entre três e seis salários mínimos, o desempenho foi um pouco melhor. Foram entregues 139 mil unidades, ou 35% da meta para este estrato. Para as famílias de classe média, com renda de seis a dez mínimos, foram construídas 7 mil unidades, ou menos de 4% do prometido.

Nos primeiros meses deste ano, a paralisia não só continuou, como também as tesouradas marcaram o Minha Casa Minha Vida. Dentro do ajuste fiscal anunciado em fins de fevereiro, o programa perdeu R$ 5,1 bilhões, o suficiente para construir 200 mil moradias. Caiu, assim, por terra promessa feita por Dilma de que não detonaria investimentos. Os financiamentos secaram por “falta de dinheiro”, admitiu, em março, um empresário da construção, aliado do governo.

Nada disso, porém, impediu o governo do PT de usar e abusar do setor habitacional para fazer proselitismo. O relatório do TCU mostra que financiamentos destinados à compra de imóveis prontos foram computados como investimentos, inflando em quase R$ 126 bilhões os resultados do Programa de Aceleração do Crescimento – este filho hoje meio largado pela mãe. O valor representa quase um terço de tudo o que o governo diz ter aplicado no PAC entre 2007 e 2010: R$ 444 bilhões.

O Minha Casa Minha Vida apenas repete um padrão de gestão petista. Programas inócuos se sucedem a projetos pessimamente executados. O PAC gerou seu PAC 2 sem ter, ao longo de quatro longos anos, mostrado a que veio. O fiasco retumbante do Fome Zero ganhou agora um sucedâneo, o Brasil sem Miséria. Seria bem melhor se a publicidade enganosa do PT fosse substituída pela execução ditosa. Mas até agora há saliva demais e concreto de menos.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Tratores no gramado

O governo pretende pôr todos os seus tratores hoje em campo para aprovar a medida provisória (MP) que afrouxa as regras para contratação das obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Facilitar a vigilância sobre negócios bilionários foi a forma encontrada pelos petistas para contornar os atrasos que grassam em seus projetos.

A MP cria um “regime diferenciado de contratações” para as obras ligadas aos dois eventos esportivos. Flexibiliza normas da Lei de Licitações e atenua a fiscalização a que os empreendimentos da Copa e das Olimpíadas deveriam estar sujeitos.

Não é a primeira vez que o governo tenta aprovar a MP. Em maio, a proposta foi contrabandeada numa medida provisória que disciplinava a função de médicos-residentes no país. A oposição resistiu e a base governista concordou em prolongar a discussão e transferiu o tema para outra MP, a que cria a Secretaria de Aviação Civil. Claro está que assunto desta natureza não deveria ser tratado com tamanha ligeireza.

A MP escancara as portas para irregularidades. “As obras vão ficar mais caras, vão acolher muitos aditivos contratuais e o governo vai ficar refém das empreiteiras. É um cheque em branco. Não se pode rasgar a Constituição para fazer a Copa”, afirmou, em maio, à Folha de S.Paulo o procurador Athayde Ribeiro Costa, que integra o grupo de trabalho criado no Ministério Público Federal para acompanhar as ações da Copa e das Olimpíadas.

A medida provisória abre brecha para que o governo aumente o tamanho dos projetos, sem limite – hoje, pela Lei de Licitações, aditivos são limitados a 25% (obras novas) e 50% (reformas). Outro ponto polêmico é o “orçamento secreto”: o texto permite que as estimativas de preços só sejam conhecidas depois que as empresas tenham apresentado suas propostas. Estudo da Polícia Federal mostra que, em contratos com esta natureza (“turn key”), o risco de custos maiores é muito alto.

A julgar pelo que já está acontecendo, as chances de vermos dinheiro público escorrendo pelo ralo são mais que evidentes. Os bilionários investimentos para a Copa – calcula-se algo como R$ 23 bilhões – tornaram-se campo fértil para negócios suspeitos.

Na segunda-feira, por exemplo, a Folha mostrou que a Fifa está se movimentando para pressionar as 12 cidades-sedes do torneio para “cooperar nas licitações dos estádios e contratar empresas patrocinadoras da entidade”. Com a MP, as autoridades da Fifa provavelmente se sentirão ainda mais à vontade.

Não é apenas a atuação da Fifa, acusada em todos os cantos do mundo de meter-se em negociatas, que levanta suspeitas. Também as ações de órgãos federais tem estado longe do que se entende como mais adequado em se tratando de emprego de recursos públicos.

O BNDES, por exemplo, tem assinado contratos de financiamento para obras eivadas de denúncias de irregularidades, como são os casos da Arena Pernambuco e da Arena Amazônia, conforme mostrou recentemente O Estado de S.Paulo. Mesmo com as suspeitas, até meados de maio o banco já firmara contratos para liberar R$ 1,9 bilhão dos R$ 3,7 bilhões previstos para reforma e construção de estádios.

Para piorar, os custos previstos para os empreendimentos estão hoje muito mais altos do que em maio de 2009, quando as sedes brasileiras da Copa foram definidas pela Fifa. Desde então, os valores saltaram de R$ 4,3 bilhões para R$ 6,8 bilhões, com elevação de 58% – no mesmo período, a inflação não passou de 15%.

Mas, mesmo com todas as marretadas, as obras não deslancham. Cinco das 12 cidades-sede da Copa estão com o calendário das intervenções de mobilidade urbana tão atrasado que sequer assinaram contratos de financiamento com a Caixa. Dos R$ 11,8 bilhões que serão gastos nestes empreendimentos, até agora só 0,5% foi investido, mostrou o Estadão no domingo.

O governo do PT teve tempo de sobra para se preparar para a Copa cumprindo todos os rigores da lei e preservando o interesse público. Não o fez. Premido pelo calendário, apela agora para malabarismos legais, como a MP a ser votada hoje na Câmara. Quando os atrasos despontam no horizonte, surgem as melhores oportunidades de negócio. Tudo muito bem pago com o dinheiro do contribuinte.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Pacto de silêncio

Ideli Salvatti estreou com sucesso no cargo de articuladora política do governo. Com a função de aparar arestas com seus aliados pemedebistas no Congresso, foi logo cedendo às graças de José Sarney e anunciou que o Executivo vai retirar a urgência do projeto de lei que redefine regras de acesso à informação pública. Está inaugurada a nova aliança das trevas.

Os senadores ganharão mais tempo para mexer no texto do projeto de lei que tramita no Congresso desde 2009. O resultado prático mais provável é que documentos oficiais classificados como ultrassecretos sejam mantidos eternamente sob sigilo. Além de Sarney, um dos maiores interessados em deixar tudo longe da luz do sol é outro senador e ex-presidente da República: Fernando Collor de Mello.

Atualmente, documentos ultrassecretos são sigilosos por 30 anos, renováveis indefinidamente. Há também papéis classificados como “secretos”, “confidenciais” e “reservados”, com prazos menores prorrogáveis uma única vez. Sobre estes, desenha-se um consenso: ganharão proteções mais curtas e não renováveis – a categoria confidencial deixará de existir.

A proposta que tramita no Congresso foi enviada pela gestão Lula. O texto original previa que o prazo máximo para a divulgação de informações ultrassecretas seria de 25 anos, com a possibilidade de prorrogação indefinidamente. Na Câmara, a proposta foi alterada e a prorrogação passou a ser permitida apenas uma vez, limitando o prazo máximo do sigilo a 50 anos.

A intenção de manter os documentos em segredo eterno foi revelada por Ideli no domingo, antes mesmo de ser empossada, e confirmada ontem pelo Planalto. Para a nova ministra, o melhor é retomar a forma do projeto original, com a possibilidade de renovação indefinida do sigilo.

A retirada da urgência fará com que a proposta fique nas mãos de Collor, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “O projeto só deverá ser votado no Senado a partir de agosto e, como terá de retornar para a Câmara, a proposta pode terminar o ano sem definição”, prevê O Estado de S.Paulo.

Segundo a liderança do governo no Senado, ao retirar a urgência o objetivo é receber a colaboração dos dois senadores ex-presidentes. Para Sarney, o fim da proteção pode “abrir feridas”; para Collor, exibir todos os documentos é “temerário”. Se os dois são pelo sigilo eterno, não será difícil saber de que lado está o interesse público...

Sabe-se que as Forças Armadas e o Itamaraty também são contra a abertura dos arquivos. Quando ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff teria sido favorável ao fim do sigilo, “mas foi voto vencido”, segundo a Folha de S.Paulo. O projeto de Lula atendia o interesse de militares e diplomatas receosos que constrangimentos diplomáticos, comerciais ou históricos viessem à tona.

Se o primeiro ato da nova articulação do governo servir como cartão de visitas de Ideli Salvatti e companhia, é bom pôr as barbas de molho em relação ao que vem por aí. Se a intenção é ceder a qualquer custo para apaziguar ânimos de petistas fratricidas insatisfeitos, pemedebistas sedentos de poder e antigos adversários transformados em aliados, o preço será alto demais.

Articulação política e institucional deveria se fazer em torno de projetos com capacidade para mobilizar a sociedade. É tudo o que não se viu até agora na gestão Dilma. A estreia de Ideli sugere que a nova ministra está muito mais preocupada em operar o balcão de interesses varejistas que sempre caracteriza as relações entre governos petistas e o Legislativo.

Se a nova lei for aprovada da forma como deseja agora Dilma, a única diferença em relação às regras atuais é que a renovação do sigilo dos documentos ultrassecretos se dará a cada 25 anos e não mais 30. Ou seja, nada irá mudar e uma parte relevante da História do país continuará longe do conhecimento do público.

O PT demonstra, mais uma vez, horror à luz do sol e a preferência pela escuridão em que vicejam ilicitudes. Aconteceu assim com Antonio Palocci, que perdeu o cargo, mas não perdeu os clientes, ao se recusar a revelar como funcionava sua “consultoria”. Impera no petismo uma espécie de pacto de silêncio. É o caminho mais curto para as trevas.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Apostas de saltos altos – e altos riscos

O governo federal começa a testar nesta semana seu novo time político. Até agora, a equipe dedicada a tocar a articulação com o Congresso e acompanhar a gestão de obras públicas esteve perdendo de goleada. Resta saber se as duas novas ministras escaladas pela presidente da República conseguirão virar o jogo. É uma aposta arriscada.

Cinco meses após a posse, Dilma Rousseff finalmente conseguiu montar um círculo de poder à sua imagem e semelhança. Pelo que demonstraram em suas vidas públicas até hoje, Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti estão longe de ser o suprassumo da capacidade de negociação e da habilidade de convencimento – são, assim, parecidíssimas com a presidente.

Dilma quis dar à nomeação das novas ministras um caráter de Grito do Ipiranga. É delicado usar pastas tão centrais como as da Casa Civil e das Relações Institucionais como envelopes para mensagens políticas.

Mais grave ainda é usá-las como meio de vingança contra o mau comportamento dos petistas do Congresso, como parece ter sido o caso da nomeação de Ideli. “É como colocar um elefante bravo para cuidar de uma loja de porcelana”, reagiu um destes petistas contrariados com a troca de postos anunciada na sexta-feira.

Nas Relações Institucionais, Ideli terá de conviver com um desafeto, que ocupa, simplesmente, a secretaria-executiva, ou seja, o segundo cargo mais importante da pasta: o ex-deputado federal Cláudio Vignatti, um de seus maiores adversários no PT catarinense. Em 2010, os dois disputaram, e perderam, as eleições em Santa Catarina em clima de divergências e acusações mútuas. Enquanto a ministra teve 754 mil votos para governador, seu sub obteve 1,2 milhão para o Senado.

Coerência é o que menos se vê no ministério de Dilma, que alia neófitos em governos como Ideli a raposas felpudas da política, como, para ficar num único exemplo, Edison Lobão. Há nele muito pouco do brilho técnico que a presidente sempre alardeou ser sua mais reluzente qualidade.

Nas questões administrativas, Dilma Rousseff tem se revelado uma gerente bastante peculiar. Em momento no qual as relações com o Congresso estão evidentemente caóticas e as obras mais importantes caminham lentamente, a presidente utiliza seu precioso tempo para cuidar de questões, digamos, mais substantivas.

“Até a lista de tripulantes de seus voos e das missões precursoras das equipes de segurança ela exige ver. Segundo informação de um auxiliar, ela verifica a relação de nomes, sugere convites e quer saber até qual será o cardápio do lanche ou do almoço”, revelou O Estado de S.Paulo ontem. Dilma comporta-se verdadeiramente como uma “sacerdotisa do serviço público”, na ferina definição de seu “aliado” José Sarney.

Diante destas constatações, fazem todo o sentido alguns resultados da pesquisa de opinião divulgada pela Folha de S.Paulo neste fim de semana. Se a aprovação da presidente não variou, a avaliação que os brasileiros fazem de alguns de seus atributos foi ladeira abaixo.

Por exemplo, a imagem de uma governante “decidida” despencou de 79% para 62% entre março e junho. A de “muito inteligente” caiu de 85% para 76%. Não espanta que 64% considerem que Lula deve continuar a dar pitacos no governo. Será sinal de desconfiança na presidente?

Para pôr ordem na casa, o inédito triunvirato feminino instalado no coração do poder já apresentou as armas com as quais pretende lutar: a velha caneta e o Diário Oficial da União. Senhora de fino trato, a ministra Ideli avisou ontem que sua prioridade será “limpar a prateleira”, isto é nomear o máximo de cargos possíveis e soltar a grana para atender os aliados. O balcão da loja de cristais está aberto.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Mais um desleixo na prevenção à aids

O Brasil já foi paradigma mundial em programas de prevenção e combate à aids. Mas isso ficou no passado. No governo do PT, tornaram-se recorrentes os erros na condução da exitosa política pública antes executada no país. Aconteceu, de novo, com a diminuição da distribuição de preservativos pelo Ministério da Saúde.

O Estado de S.Paulo publica hoje que o governo federal reduziu em 30% a quantidade de camisinhas enviadas a estados e municípios em 2010. Parece que as autoridades de saúde petistas se esqueceram – ou não sabem – que o item é essencial para evitar infecções pelo HIV, o vírus causador da aids.

“Em 2009, o governo distribuiu 465,2 milhões de camisinhas – número recorde. No ano seguinte, com queda de 30%, foram distribuídos 327 milhões de preservativos, total inferior inclusive a 2008 (406,5 milhões)”, informa o jornal.

O Ministério da Saúde argumenta que o total disponibilizado tem sido suficiente para atender a demanda. Muitos estados registram queda na procura pelos preservativos nos postos de saúde. Isso não é um bom sinal; pode, sim, ser sintoma de ineficácia das estratégias de conscientização e prevenção. É preciso redobrar alertas.

O número de novos casos da doença diagnosticados no país está estabilizado num patamar alto: em torno de 38 mil por ano, ou seja, mais de cem por dia. O mais grave é que a incidência tem crescido entre a população mais jovem, com idade entre 13 e 24 anos. É justamente junto a este público-alvo que as estratégias de prevenção, com destaque para o uso da camisinha, precisam ser reforçadas.

Em 2009, a Saúde já observara, por meio de pesquisa, que o uso de preservativos estava diminuindo, pondo em risco a prevenção e o controle da aids no país. Diante da constatação, o governo anunciou então que iria “reforçar a distribuição” e comprar 1,2 bilhão de camisinhas para distribuir.

Mas apenas 60% (750 milhões) foram adquiridas e menos da metade disso, distribuídas a estados e municípios. Para este ano, o governo do PT novamente superfatura suas promessas: compromete-se a comprar 1,4 bilhão de unidades.

Retrocessos nos programas de prevenção e combate à aids não são novidade na gestão petista. No início deste ano, pelo segundo ano consecutivo, faltaram medicamentos antirretrovirais para distribuição na rede pública de saúde. Aconteceu também em 2005. O desleixo põe em risco uma das características mais importantes da profilaxia da doença: a não-descontinuidade dos tratamentos.

Os novos problemas no programa brasileiro de aids vêm à tona justamente na semana que marca o 30º ano da descoberta dos primeiros casos da doença no mundo. O Brasil, que já foi líder, agora destoa do que a ONU propugna como boas práticas.

Em cúpula que se realiza em Nova York, foi estabelecida a necessidade de se intensificar medidas preventivas, principalmente em países pobres, onde o quadro é mais preocupante. Os países reunidos na ONU almejam universalizar o tratamento e eliminar a aids até 2020.

Mas o governo do PT parece não gostar de ser visto como exemplo pela comunidade internacional – a não ser como exemplo negativo, como no caso do italiano Cesare Battisti... O vírus da aids não espera a burocracia se organizar e mata 30 brasileiros por dia. Enquanto flerta com o perigo, o governo federal continua devendo uma atitude mais séria em relação à prevenção e ao combate da doença.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Questão de fé

A troca de Antonio Palocci por Gleisi Hoffmann foi recebida com evidente boa vontade pela opinião pública, a julgar pelo que os jornais publicam hoje. Fala-se em “recomeço” do governo Dilma Rousseff, em tomada das rédeas por parte da presidente da República e em redução da tutela de Lula sobre a atual gestão. São, ainda, meras conjecturas que dependerão de muita atitude antes de se verem comprovadas.

Mesmo em meio a este oba-oba, persistem as críticas à dificuldade de articulação política do governo. Se fosse só este o problema, ainda estaria bom. O que temos hoje é uma paralisia quase completa da máquina sob o comando de Dilma. Alguém é capaz de citar uma única iniciativa de vulto tomada até agora pela presidente?

Dilma Rousseff teria muito menos dores de cabeça, e poderia até mesmo manter-se distante dos meandros políticos que tanto a desgostam, se tivesse uma proposta clara para o país. Em torno de projetos, seria muito mais fácil aglutinar apoios, inclusive, e principalmente, da sociedade. Mas é evidente que este projeto não existe – pelo menos a olho nu.

O Congresso não recebeu da gestão Dilma uma única proposta com poder de mobilizar corações e mentes em torno dela. Mas continuou a ser alvo de avalanches de proposições tratadas de maneira desconexa e em forma de contrabandos inseridas em medidas provisórias. Como se muda um país desta maneira?

“O governo desperdiçou sua lua de mel sem ter tocado um único projeto de reforma ou de superação dos obstáculos ao crescimento sustentado. Em 2010, quando o Brasil estava crescendo a 7,5%, era mais fácil superar esses obstáculos; com a queda do nível de atividade, a lentidão do governo está provocando mais estragos”, avalia Merval Pereira n’O Globo.

No discurso de ontem, a presidente parece ter se dado conta do pouco que realizou nestes cinco primeiros meses. Parecia até a fala de quem estava assumindo ontem o governo. “Temos promessas a cumprir e vamos cumpri-las. Temos programas a executar e vamos executá-los”, disse ela, ao empossar Gleisi Hoffmann. OK, estamos todos de acordo. Mas já não passou da hora de ir de palavras a atos?

Na solenidade, Dilma também criticou o comportamento “quase sempre ruidoso” da oposição. Quis, assim, imputar à ação da minoria no Congresso a responsabilidade pela queda de seu principal ministro, sem querer se dar conta de que Palocci caiu por suas próprias escolhas e pela dificuldade de comprovar que agira eticamente enquanto chefiava a campanha da presidente e enriquecia – não se sabe em qual ordem...

De mais a mais, jogar sobre os ombros das bancadas reduzidas da oposição no Parlamento o peso da crise é desdenhar solenemente da lógica. Quem, como Dilma, tem 77% da bancada do Senado e 75% da da Câmara não deveria se preocupar tanto com a oposição. Ou será que o incômodo está no que a oposição revela?

É também desdenhar da inteligência alheia ignorar a guerra fratricida que os petistas travaram entre si pela queda de Palocci e travam agora para promover a próxima baixa do governo, a do ministro de Relações Institucionais. Assim como não enxergar a insatisfação convenientemente contida e prestes a explodir do PMDB.

“A cúpula do PMDB ameaça se rebelar, caso não tenha peso na escolha do novo articulador político, e alertou a presidente que a crise política não se encerra com a saída de Palocci, pois a articulação política do governo motiva muitas insatisfações”, informa O Globo.

Se os parceiros são os mesmos do governo passado, se o projeto político não mudou, por que Dilma tem tanta dificuldade em agregar seus aliados e em apresentar à sociedade brasileira uma agenda clara de desenvolvimento do país? Não parece sensato imaginar que, sem um cardeal experiente como Antonio Palocci do lado, a vida da presidente vá melhorar.

Mesmo com o respiro que os formadores de opinião parecem dispostos a lhe dar, o idílio de Dilma com o público estilhaçou-se. A presidente não dispõe mais do conveniente pedestal que a apartou da necessidade de ter de responder assertivamente às demandas de um país que precisa fazer muito mais para crescer com equilíbrio.

Pode até ser que, finalmente, a atitude do governo melhore, que titubeios e balbucios desapareçam. Mas considerar que aquilo que começou mal passará a ir bem de uma hora para outra não passa de crença ou torcida.

Por tudo o que se viu nestes cinco meses, apostar no sucesso do governo Dilma Rousseff ainda é mera questão de fé. Mas, para o bem do país, seria bom que as montanhas começassem a ser removidas.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ainda há muito a investigar

Com menos de seis meses de existência, o governo Dilma Rousseff enfrentou sua primeira crise braba. E não foi pouca coisa, posto que resultou na queda de seu principal ministro, o futuro novamente consultor Antonio Palocci. O desfecho mostra que ainda há muito a ser investigado no episódio. A história está apenas começando.

Há fundadas suspeitas de que o enriquecimento de Palocci esteja umbilicalmente ligado ao sucesso eleitoral de Dilma. O ministro caiu sem explicar a multiplicação de seu patrimônio no interregno dos quatro anos em que acumulou o papel de consultor com os de deputado federal, coordenador de campanha presidencial e chefe do governo de transição da atual presidente. Terá de fazê-lo.

Palocci saiu sem abrir a boca sobre o que realmente interessa: para quem trabalhou como consultor e por que recebeu tanto dinheiro? Certamente tem muito mais a revelar, com implicações que podem ser muito mais sérias do que a simples queda de um ministro. A demissão saiu barata. “É preciso procurar as razões pelas quais Antonio Palocci não conseguiu, ou não pôde, explicar como e por que enriqueceu no exercício da vida pública”, escreve Dora Kramer n’O Estado de S.Paulo.

Temeroso do que investigações mais aprofundadas podem desnudar, o governismo vai tentar dar ares de página virada ao caso Palocci. Não é. A demissão anunciada ontem encerra apenas um capítulo; a história segue e o “the end” ainda está distante. Os esclarecimentos terão de ser dados, seja no Congresso, seja a outros órgãos de controle, como o Ministério Público.

Promotores do MP do Distrito Federal continuam a investigar se Palocci cometeu ato de improbidade administrativa. Terão agora acesso à lista de clientes da Projeto, a empresa do ex-ministro, informações fiscais e bancárias que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que irá lhes enviar. Poderão chegar a conclusão mais abalizada do que a da PGR, que isentou o ex-ministro das suspeitas.

O discurso oficial, com algum amparo na imprensa hoje, também irá buscar dar ares de “recomeço” ao governo Dilma após a saída de Palocci. Qual o quê! Seria aceitar como natural a presidente da República não ter exercido nestes cinco meses a autoridade devida sobre seu governo. Seria chancelar como algo corriqueiro a ascendência que o antecessor exerce sobre ela.

Dilma deve, sim, responder pela equipe que tem, pela linha que adota, pelo governo que há cinco meses faz. Se escolheu Palocci para ser seu braço direito e o manteve sangrando por mais de três semanas sob suspeitas gravíssimas, a responsabilidade é dela. Se aceitou e continua a aceitar a tutela de quem não tem mais a caneta, é porque não demonstra estatura para o cargo para o qual foi eleita.

Parte do noticiário diz que Dilma decidiu tirar Palocci da equipe à revelia dos conselhos de Lula, que preferiria a manutenção dele. O Valor Econômico vai em outra direção: “É certo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi decisivo na definição”, crava o jornal sobre a escolha de Gleisi Hoffmann para ocupar a Casa Civil.

O comportamento exibido por Dilma nos últimos 23 dias corrobora a conclusão. Durante a crise que envolveu seu principal e mais importante ministro, a presidente da República só se manifestou publicamente uma única vez. E nesta única oportunidade foi lastimável: acusou a oposição de fazer “politicagem”, ecoando o discurso emanado de seu tutor.

Isso foi há dez dias. Como nada de novo surgiu contra Palocci desde então, é de se perguntar: por que Dilma aceitou, então, a demissão de seu primeiro-ministro, se as suspeitas de tráfico de influência eram era só “politicagem” de oposicionistas?

A presidente não tinha encarado nenhum problema mais sério até agora e, logo na primeira crise, mostrou fragilidade e pouca autoridade para enfrentar adversidades. Saiu do episódio bem menor do que entrou, mais flagrantemente dependente de outrem e mais sem luz própria do que se havia podido supor até aqui.

Antonio Palocci foi o terceiro dos quatro ministros que ocuparam a Casa Civil, o mais importante ministério da Esplanada, nos governos petistas a cair envolvido em suspeitas de corrupção – em alguns casos, mais que suspeitas. Há quem queira ver aí uma “maldição”, mas o mais provável é que seja consequência de um modo de conduta. A conclusão é uma só: ainda há muito a investigar.

terça-feira, 7 de junho de 2011

‘Fuerza, fuerza’

A Procuradoria Geral da República (PGR) forneceu ontem os motivos que faltavam – se é que faltavam – para a instalação de uma CPI para investigar Antonio Palocci. Se o órgão do Ministério Público Federal prefere não apurar o caso, que o Congresso cumpra, então, a função e esclareça o que a PGR recusou-se a elucidar. As dúvidas a explicar continuam as mesmíssimas, nem um centímetro menores.

Na decisão divulgada ontem, o procurador Roberto Gurgel sustenta que “não há indícios de que ele [Palocci] tenha praticado crimes”. Por essa razão, segundo o procurador, não haveria motivo para que ocorra a quebra de sigilo fiscal ou bancário, nem “justa causa” para abrir investigação contra Palocci.

Ele diz ter se baseado em informações que Palocci teria enviado à PGR sobre a Projeto. Mas ninguém sabe, ninguém viu os esclarecimentos que poderiam dissipar as dúvidas: com quais clientes a empresa de “consultoria” negociou, quanto e quando recebeu por isso e quais foram os serviços prestados. O ainda ministro continua tão suspeito quanto estava.

Gurgel não afastou a possibilidade de Palocci ser investigado por ato de improbidade administrativa. Destacou, inclusive, que a Procuradoria da República no Distrito Federal já apura estes indícios, por meio de inquérito civil. Deixou, pois, aberta a fresta da investigação.

O inexplicável enriquecimento do “consultor” ainda carece de muita explicação. A cada dia, os negócios de Palocci mostram-se mais rocambolescos. Segundo O Globo, o apartamento em que ele mora de aluguel pertence a um petista de antiga filiação. A imobiliária citada no contrato de locação do imóvel só existe no papel e, nos últimos três meses, mudou de ramo duas vezes e passou a vender automóveis e depois colchões.

A julgar pela forma como gere seu padrão de vida, Palocci deve ter sido um consultor de meia tigela. Ele vive num imóvel nababesco pelo qual gasta, entre aluguéis e taxas, algo como R$ 20 mil mensais. Ao mesmo tempo, mantém um milionário imóvel próprio fechado, o que, na melhor das hipóteses, contribuiu para simplesmente dobrar suas despesas. O megaconsultor parece não ter noção sequer do que seja custo de oportunidade...

Diante de tamanhas suspeitas, a investigação por meio da CPI é necessária justamente para esclarecer se há ou não elo entre os ganhos astronômicos de Palocci e imoralidades no exercício – sucessivamente – dos cargos de deputado federal, principal coordenador de campanha presidencial, chefe da equipe de transição e ministro-chefe da Casa Civil do atual governo.

O que interessa investigar não é a relação entre renda e patrimônio de um contribuinte, mas entre exercícios simultâneos de atividades incompatíveis com a defesa do interesse público. O patrimônio de Palocci não deve ser incompatível com a renda que ele auferiu por meio da sua empresa. Pelo contrário: deve ter havido muito mais renda do que o patrimônio conhecido até agora. A decisão da PGR é, pois, diversionista.

Seria exagero levantar suspeitas sobre a manifestação do procurador-geral, que depende de decisão da presidente da República para ser reconduzido ao cargo por mais dois anos. Seu mandato expira em julho e até a corporação prefere que ele fique. Mas é fato que Gurgel incomodou pouco o poder na sua gestão.

Mostra O Globo que, nos últimos dois anos, ele pediu ao STF a abertura de 68 inquéritos contra autoridades e apresentou 28 denúncias. Bem menos que seu antecessor, Antonio Fernando, que ficou no cargo quatro anos. Roberto Gurgel também questionou pouco leis baixadas pelos governos federal e estaduais: foram 20 ações diretas de inconstitucionalidade.

De qualquer forma, a manifestação da PGR não livra Dilma Rousseff de tomar ela mesma uma decisão. Informa a Folha de S.Paulo que ela e Palocci “chegaram a acertar ontem os termos de uma carta de demissão do ministro, mas a decisão final depende do impacto do arquivamento do pedido de abertura de investigação” na PGR. Ah, e não será tomada sem antes consultar seu tutor Lula, com a atual presidente escancarando o titubeio de sempre.

Palocci já demonstrou, por todos os meios, que sua fidelidade aos clientes é canina e muito maior do que o respeito que nutre pelo interesse público. Segundo O Estado de S.Paulo, ele próprio vende a imagem de “ministro do mercado”. Por que, então, mantê-lo no segundo cargo mais importante da máquina pública federal?

Nem o apoio incondicional dos aliados, Antonio Palocci tem mais. Força Sindical e PCdoB elevaram ontem o tom das cobranças e sugeriram o afastamento dele. Mas, em contrapartida, Hugo Chávez bradou-lhe com voz tonitruante em cerimônia no Palácio do Planalto: “Fuerza, fuerza”. Vai ver o ditador venezuelano está precisando de um consultor para suas estatais deficitárias...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Lugar da ‘boa fé’ de Palocci é na CPI

Depois de 19 dias de silêncio, Antonio Palocci teve na sexta-feira excelente oportunidade de se explicar por iniciativa própria. Ocupou 15 minutos do telejornal de maior audiência no país para falar sobre seu enriquecimento faraônico. Também concedeu extensa entrevista publicada no dia seguinte pela Folha de S.Paulo. Em ambas as ocasiões, porém, não esclareceu rigorosamente nada. Chegou a hora, portanto, de explicar-se onde de direito: no Congresso, provavelmente já fora do cargo que ainda ocupa.

Palocci preferiu jurar e honrar lealdade aos que lhe pagaram fortunas durante os anos em que dividiu seu tempo entre o cumprimento do mandato de deputado federal eleito por São Paulo e a concessão de “consultorias”. Desdenha da obrigação de ser transparente, em especial com quem hoje lhe paga o salário: a sociedade brasileira. Não merece, pois, o cargo público que ainda ocupa.

É difícil achar quem aposte numa sobrevida que vá além desta semana. Palocci sabe que seu futuro no governo está selado: a presidente Dilma Rousseff terá de demiti-lo. Aguarda apenas a melhor oportunidade para fazê-lo, provavelmente após a manifestação do procurador-geral da República. Ah, e não sem antes ouvir seu tutor, o ex-presidente Lula, conforme mostrou a Folha de S.Paulo ontem...

O ainda ministro não rasga dinheiro. Desempregado, Palocci voltará, docemente constrangido, para os braços privados. Seu passe provavelmente será menor desta vez do que foi no passado, mas continuará valorizado. Cairá da condição de “Pelé”, na visão de Lula, para um, digamos, Petkovic.

Como seu partido ainda tem mais três anos e meio no poder, Palocci terá um radiante futuro de “consultorias” pela frente. Por isso, prefere afundar calado a dizer o nome de seus clientes escorados em “cláusulas de confidencialidade”. Não matará a galinha dos ovos de ouro que lhe rendeu um patrimônio de pelo menos R$ 20 milhões e o passaporte para uma vida de padrão nababesco.

A situação a que chegou Palocci reforça a convicção pela instalação de uma CPI para investigar o episódio. Trata-se do principal ministro do atual governo, que coordenou a campanha vitoriosa da atual presidente enquanto fazia milionários negócios com banqueiros, industriais, empresários de todo o tipo. Quais destes interesses terão sido traficados para dentro do aparelho estatal? Quais ainda estão encastelados lá?

Nas duas entrevistas de sexta-feira, Palocci repetiu à exaustão que as informações que poderiam dirimir as principais dúvidas – para quem trabalhou, quanto recebeu, se atendeu estes clientes também na condição de ministro, se praticou tráfico de influência – estão à disposição dos órgãos de fiscalização e controle.

Pois bem, o Congresso é um destes órgãos; basta que mais oito senadores aponham sua assinatura no requerimento pela criação da CPI. Ou, antes disto, basta que a bancada governista não atropele a decisão tomada na semana passada na Comissão de Agricultura da Câmara e mantenha a convocação do ministro para que ele tenha uma excelente oportunidade de explicar-se melhor e de uma vez por todas. Basta querer.

Num dos trechos mais emblemáticos da entrevista dada ao Jornal Nacional, Palocci conclamou os milhões que o assistiam a ter “boa fé” e acreditar que seus contratantes não obtiveram nenhuma benesse do Estado petista, nem ele se aproveitou disso. “Não há nada mais difícil de se provar do que aquilo que você não fez”, disse ele.

Palocci tem razão: não há nada mais difícil de provar do que aquilo que não se fez, como consultorias das quais não se viu até hoje um mísero papelucho, o menor rascunho, uma única foto, uma reles apresentação de powerpoint. Os conselhos que o ministro admitiu ter dado são tidos como triviais no mercado; a mercadoria que ele entregava era de outra natureza.

Pela sua história pregressa, Antonio Palocci não dispõe do benefício da dúvida que cercam os homens de boa fé. Devassou a vida privada de um caseiro de uma residência brasiliense onde, como ministro da Fazenda, regozijava-se com amigos ribeirão-pretanos. Tudo por causa de um depósito de R$ 24 mil, ou quase mil vezes menos do que ele insiste agora em omitir.

Nas avaliações correntes, as entrevistas de sexta-feira teriam servido como ato final de Palocci no governo. Mais ainda, tiveram o objetivo principal de livrar a cara da presidente da República. Segundo o ministro, Dilma não foi informada sobre coisinhas insignificantes como uma empresa de um homem só que faturava mais do que firmas de porte. Assim, ela poderá repetir, como seu tutor, que “não sabia” de nada.

Demitindo Palocci ou não, a presidente sai do episódio que mina seu governo há três semanas muito menor do que entrou. Mostrou-se incapaz de contornar adversidades, foi absurdamente inábil no auge da crise – quando ameaçou demitir os ministros do partido que lhe garante a mais canina, ainda que interesseira, fidelidade no Congresso – e curvou-se às ordens de seu tutor. A julgar pelos auxiliares que escolhe para ter por perto, como Palocci e Erenice Guerra, Dilma Rousseff também está se revelando uma péssima gestora.

Aguarda-se para as próximas horas a decisão que Lula – ops, Dilma – irá tomar sobre o destino de Palocci. Já não importa. Para a opinião pública, ele já caiu faz tempo. Na promíscua relação que estabeleceu entre interesses públicos e privados, Palocci fez sua escolha. A sociedade brasileira também fez a dela: quer vê-lo longe do poder público. E rápido.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Aproxima-se o ato final de Palocci

O governo começou a semana propalando que teria dias seguidos de “agenda positiva”. Chega ao fim dela atolado vários palmos a mais na crise que se arrasta há 20 dias e com o ministro Antonio Palocci em vias de ser jogado fora do barco, abandonado até pelo PT. Nem todo o marketing do mundo foi capaz de superar a realidade.

Os últimos dias pouco acrescentaram ao que já se sabia sobre o enriquecimento faraônico de Palocci. Mas a continuidade da recusa do governo em esclarecer como seu principal ministro fez tamanha fortuna em tão curto espaço de tempo, ao mesmo tempo em que dava expediente no Congresso, foi suficiente para azedar de vez a situação dele.

Se tivesse provas de que não traficou influência, de que não feriu a ética e o decoro, de que não usou o privilegiado acesso ao poder para beneficiar clientes e a si próprio, Palocci já teria há muito dissipado a nuvem que paira sobre sua cabeça. Um silêncio que dura 20 dias está longe de servir ao benefício da dúvida. Qualquer defesa já vem tarde.

Depois de semanas de cobranças, ontem, finalmente, Palocci decidiu que virá a público dar explicações. Pode ser que aconteça hoje, pode ser que ele ainda aguarde até segunda-feira. Mas um pronunciamento que demora tanto a acontecer já chega completamente esfacelado, com nenhuma credibilidade para ser ouvido.

As tais explicações podem não vir hoje, segundo o Valor Econômico, porque Palocci quer “primeiro tomar conhecimento do noticiário dos jornais e revistas no fim de semana” para “não ser surpreendido com o surgimento de novas denúncias”. Se está tão convicto assim, dá para imaginar o quanto ainda há para ser conhecido.

“Talvez suas palavras cheguem tarde demais. A não ser que o artista surpreenda a plateia. A ponto de explicar, inclusive, porque demorou tanto para apresentar provas tão cabais de que não é apenas um exímio consultor, mas um homem público de conduta irrepreensível”, comenta Fernando de Barros e Silva na Folha de S.Paulo.

Também no Valor, o sociólogo Alberto Carlos Almeida calcula a desproporção do êxito financeiro da Projeto, a empresa de consultoria de Palocci, em 2010 para ressaltar o inverossimilhança de qualquer explicação que o ministro venha a dar. É coisa difícil de esclarecer – e de engolir.

Descontando-se os três dias da semana que Palocci teria trabalhado na Câmara, os recessos, os sábados e domingos, sem direito a férias e feriados, o então deputado teria dedicado 165 dias do seu último ano de mandato à sua “consultoria”. Se a Projeto faturou R$ 20 milhões, isso significa que Palocci ganhou, em média, R$ 121 mil para cada dia de trabalho.

Ele faturou tanto quanto, por exemplo, a top model Kate Moss e a tenista Serena Willians, que figuram na lista das “mais poderosas celebridades” da revista Fortune. “Seria interessante que o Ministério Público, a Justiça, os economistas, universidades etc. procurassem estudar e investigar em que condições um deputado federal consegue ganhar R$ 121 mil por dia no exercício do mandato”, sugere o sociólogo.

Não foi só no caso Palocci que o marketing petista esbarrou em seus limites. Também aconteceu com o programa “Brasil sem Miséria”, lançado ontem por Dilma Rousseff. Dos anunciados R$ 20 bilhões de investimentos nas ações, apenas 20% são de fato dinheiro novo; o resto já é gasto com o Bolsa Família. Não colou.

Para O Estado de S.Paulo, “o Brasil Sem Miséria é um pacote que junta intenções do governo, projetos que não saíram do papel no governo Lula e reafirmações de compromissos da presidente na área social”. Para a Folha, o programa “recicla ações”. Se for tratado como peça publicitária, o projeto não terá como avançar.

O ato que está para se desenrolar nas próximas horas deve ser o réquiem para a carreira política de Antonio Palocci, o principal ministro do governo Dilma. Mas o caso não se encerrará aí. Ainda restará ao petista explicar seu enriquecimento e dissipar as fundadas suspeitas de irregularidades. A crise será afastada do Planalto, até que um próximo escândalo brote na Casa Civil, transformada em bunker de falcatruas na gestão do PT.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sai logo daí, Antonio

Antonio Palocci parece estar com os dias contados na Casa Civil. A cobrança da opinião pública, o ímpeto da oposição e o silêncio ensurdecedor do ministro sobre seu espetacular enriquecimento ajudaram a traçar um destino que, neste momento, mostra-se inexorável. Até os governistas deixaram de defendê-lo.

Todos os principais jornais do país registram hoje a implosão do que restava de apoio a Palocci na base aliada. Segundo O Estado de S.Paulo, “dirigentes e líderes do PT não só querem a saída do ministro da Casa Civil, como já discutem pelo menos dois nomes para substituí-lo”. Seriam Paulo Bernardo e Gilberto Carvalho.

Os chefes de Palocci – a atual e o antigo – também já começam a lavar as mãos. Segundo a Folha de S.Paulo, “em conversas reservadas, Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ampliaram a pressão para que o chefe da Casa Civil rompa o silêncio e explique seus negócios em público”.

A Executiva do PT reúne-se hoje e já adiantou que não pretende emitir qualquer posicionamento oficial, nem contra nem tampouco a favor, sobre o ministro. Também pipocam cobranças, entre os aliados, para que ele se explique. Senadores como Gleisi Hoffman, tratada como queridinha do governo, sugerem a saída de Palocci.

Ontem, O Globo publicara declaração de um governador petista, sob anonimato, a respeito do ministro. É lapidar: “Ninguém tem perfeita segurança do que ocorreu. Ele [Palocci] não explica nada! A imagem mais fiel ao caso é um cara vestido com macacão largo, camisa florida, chapéu de florzinha, nariz vermelho e, no fundo, o circo pegando fogo”.

O problema de Palocci – que em sua trajetória política tanto misturou negócios públicos com interesses particulares – passou a ser meramente privado. “Amplia-se na opinião pública a sensação de que, se Palocci prefere o silêncio diante de tanta pressão, de fato tenha algo a esconder”, opina a Folha em editorial publicado hoje.

Se quer uma oportunidade para esclarecer a sociedade, o ministro tem. Ontem a oposição aprovou a sua convocação para falar à Comissão de Agricultura da Câmara. Mas, pelo jeito, seu desejo é continuar omitindo-se. Os governistas falam em “golpe” e tentam a todo o custo derrubar a decisão – algo que só será definido na semana que vem.

“Confirmada a convocação aprovada ontem na Comissão de Agricultura na Câmara, são quase nulas as chances de Palocci dar um show de convencimento. Não depois de tanta luta para se esconder. Derrubar a convocação, faltar? É pior”, observa Dora Kramer n’O Estado de S.Paulo.

Ao invés de exigir de seu subordinado que esclareça o caso, a presidente da República preferiu escancarar a carteira. “Dilma Rousseff decidiu abrir o cofre, liberar o preenchimento de cargos no segundo escalão e mudar de postura na relação com o Congresso na tentativa de debelar a crise política e manter no cargo o ministro”, informa o Valor Econômico.

Para apaziguar a base, o Planalto irá manejar um mapa com mais de cem cargos cobiçados por governistas, com instruções da presidente para nomeações, e liberar R$ 500 milhões em restos a pagar para atender emendas aliadas. Há prova mais evidente da convicção de Dilma sobre a lisura das atividades do seu ministro da Casa Civil?

As revelações de que o patrimônio de Palocci se multiplicou por, pelo menos, 20 vezes em quatro anos vieram a público em 15 de maio – há, portanto, 18 dias. Neste período, o ministro foi incapaz de produzir uma explicação razoável para a compra de bens no valor de R$ 7,5 milhões e para o faturamento de R$ 20 milhões no ano eleitoral de 2010.

Não conseguiu, tampouco, dizer por que metade da bolada que embolsou no ano passado veio após Dilma Rousseff ter sido eleita e ele ter pulado do posto de coordenador da campanha vitoriosa para o de coordenador da transição de governo – com acesso, portanto, a todos os mais sigilosos dados da administração federal.

Alega-se que os R$ 10 milhões depositados na conta corrente da empresa de Palocci entre novembro e dezembro seriam decorrência do encerramento dos contratos de “consultoria” firmados pela Projeto. Nunca se viu contratante pagar por serviço que teve que ser interrompido.

Mais razoável é supor que o pagamento deveu-se a futuros serviços a serem prestados pelo contratado, já na valiosa condição de ministro. Mesmo fora da Casa Civil, Palocci ainda será devedor de explicações sobre o seu show dos milhões.

A condição de todo-poderoso de que Antonio Palocci desfrutava até outro dia está definitivamente perdida e sua saída do cargo tornou-se questão de dias, ou mesmo horas. Pelo jeito, o governo está louco para aparecer um Roberto Jefferson para sugerir: “Sai logo daí, Antonio”.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Bem-vindos!

Demorou muito, mas finalmente o PT decidiu injetar eficiência nos combalidos aeroportos brasileiros. Depois de anos de críticas, o governo anunciou ontem a intenção de privatizar os principais terminais do país. Mas a insana resistência petista a abrir a gestão à participação privada ainda deve nos custar muito caro até ser definitivamente superada.

O governo promete pôr editais de privatização de Cumbica (Guarulhos), Viracopos (Campinas) e Brasília na rua até dezembro. É mais uma delonga num processo que já se arrastou muito além da conta. Em abril, quando a possibilidade foi inicialmente aventada pela gestão Dilma Rousseff, prometia-se novas regras para “os dias seguintes”, no máximo até julho. Puro engodo, vê-se agora.

Também ainda não será desta vez que os demais aeroportos brasileiros verão o horizonte desanuviar-se. A privatização do Galeão (Rio), o maior do país, e de Confins (Belo Horizonte) só virá depois. Não se sabe se os outros terminais, menos rentáveis, serão obrigados a viver eternamente sob as pesadas asas da Infraero.

Até chegar à óbvia solução da privatização, o governo Dilma Rousseff ainda ziguezagueou muito. A ideia inicial era promover uma desestatização branda, talvez para evitar admitir o erro histórico do PT.

O governo gastou tempo precioso estudando a concessão apenas da exploração comercial dos três aeroportos, mas percebeu que o modelo não seria viável. Os possíveis ganhos com lojas, estacionamentos e espaços publicitários não cobririam os investimentos e, possivelmente, não seriam suficientes para atrair empreendedores privados.

A relação do governo do PT com os aeroportos brasileiros é dúbia há tempos. A penúria em que estão os terminais já é sentida há anos. Mesmo assim, as melhorias necessárias não saem do papel, a despeito de a Infraero, que administra o setor, ter um polpudo caixa para investir: há R$ 5,2 bilhões programados para obras, mas pouco disso foi executado até agora.

O bilionário plano de investimentos voltado à Copa de 2014 foi anunciado pelo então presidente Lula há cerca de um ano. O que aconteceu desde então? Quase nada. Até março, mostrara O Estado de S.Paulo, das 24 obras planejadas pela Infraero nas 12 cidades-sede, somente quatro haviam sido iniciadas. Apenas 44% da verba autorizada para a estatal entre 2003 e 2010 foi aplicada.

Os investimentos de Guarulhos (R$ 1,2 bilhão), Viracopos (R$ 742 milhões) e Brasília (R$ 748 milhões) mal decolaram. Planejadas para ficarem prontas em dezembro de 2013, as obras estão muito atrasadas. Com isso, a solução foi apelar para a construção de improvisados puxadinhos.

O Ipea já previu que 9 dos 13 aeroportos das cidades brasileiras que vão sediar os jogos em 2014 não estarão prontos a tempo do evento. E, mesmo quando estiverem concluídas, as obras de reforma dos terminais já chegarão defasadas: daqui até a Copa, o fluxo de passageiros deve crescer 45%, superando em muito as projeções da Infraero.

Mas, mesmo com este histórico de ineficiência, a estatal terá sobrevida. No modelo anunciado ontem, à Infraero foi reservada participação de 49% nas sociedades de propósito específico (SPE) que serão criadas em parceria com a iniciativa privada. Será, certamente, um sobrepeso para os futuros investidores carregarem.

Mesmo esticado até dezembro, o prazo para lançamento dos editais é curto. Para comparar: primeiro do país a ser privatizado, o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, levou mais de dois anos para ter edital publicado, o que só ocorreu no início de maio. O leilão ainda não saiu.

A atratividade ou não do modelo anunciado ontem dependerá de detalhes que ainda não foram definidos. As dúvidas do setor privado são muitas: Como se dará a remuneração do investimento? Quais as obrigações por parte da iniciativa privada? Quais as regras para reajuste de tarifas aeroportuária?

Mas, neste momento, uma vez colocada a proposta na rua, a única preocupação do governo é desvencilhar-se da incômoda fiscalização dos órgãos de controle. Ontem, a presidente da República cobrou de prefeitos e governadores apoio à medida provisória que afrouxa as regras para contratação das obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Não é o melhor caminho. O aeroporto de Guarulhos, por exemplo, já teve a licitação para construção do seu terceiro terminal de passageiros suspensa pelo TCU em função de suspeita de irregularidades. A ampliação do acanhado aeroporto de Vitória está parada há anos pelo mesmo motivo.

É positiva a admissão, pelo PT, de que a melhor solução para a expansão de setores de infraestrutura é abrir sua gestão à participação privada. Trata-se de iniciativa adotada há anos, e com comprovado êxito, em administrações tucanas. Medidas que sempre foram, oportunisticamente, demonizadas pelos petistas. A conversão é bem-vinda; pena que tenha chegado tão tarde.