O que interessa aos petistas
é dar a sua versão particular dos acontecimentos e, acionando sua gigantesca
máquina de guerra e propaganda, transformá-los em fatos. Assim, ações de outros
governos são apropriadas, biografias são revisitadas e revisadas, interpretações
do presente são enviesadas. Pelo poder, vale tudo.
Ontem, durante
comemoração do Congresso pelos 25 anos de promulgação da Constituição Federal,
Lula exercitou sua verve de historiador. Comparou a importância de Ulysses
Guimarães – o principal protagonista, junto com Tancredo Neves, do movimento
pela reconquista da democracia brasileira e, depois, pela realização da
Constituinte – à de José Sarney, que assumiu a presidência da República com a
morte de Tancredo.
“Quero colocar a sua
presença na Presidência no período da Constituinte em igualdade de condições
com Ulysses Guimarães”, discursou
Lula no Senado. A comparação é descabida, como a História, com H maiúsculo, devidamente
registra.
Ulysses teve uma
vida inteira dedicada à luta pela democracia, aos direitos constitucionais e à
defesa dos cidadãos. Enquanto isso, Sarney governava com os militares. Sua conversão
à causa democrática foi tardia. Só a triste fatalidade da morte de Tancredo às
vésperas da posse o fez agente direto do processo de redemocratização do país.
Mas a capacidade de
Lula de metamorfosear-se e distorcer os fatos não para aí. Ainda ontem, numa
outra solenidade em Brasília, o ex-presidente disse que os manifestantes que
foram as ruas em junho – e depois foram sendo paulatinamente afastados pela
ação destrutiva de vândalos – queriam “mais Estado”. Provavelmente a verdade está
no oposto disso.
Os manifestantes
foram às ruas, isso sim, para cobrar do Estado que lhe devolva em forma de serviços
prestados com qualidade o muito que a sociedade deposita diariamente nos cofres
públicos em forma de tributos. Foram cobrar que o Estado lhes atenda com mais
eficiência e proveja saúde, educação, transportes e segurança com a qualidade
que cidadãos de bem merecem.
Talvez o mais
adequado seja dizer que elas pedem um Estado melhor e não maior, como apregoa e
pratica o PT. Vá perguntar à população – e aos manifestantes, em particular –
se concordam com o inchaço da máquina pública empreendido pelos governos Lula e
Dilma nos últimos 11 anos, sintetizada na criação de 4 mil cargos de confiança
desde 2003. A resposta, certamente, será não.
A máquina de
reescrever a história do PT deverá ser mais uma vez acionada hoje, em sua potência
máxima, na comemoração dos dez anos de criação do Bolsa Família, promovida pelo
governo em Brasília. Como nenhum outro, este é um
assunto que os petistas manipulam com imenso prazer – e, sobretudo, método.
É quase certo que o
PT passará longe de reconhecer que as origens da rede de proteção social que
desembocou no Bolsa Família datam do governo Fernando Henrique. Também jamais
admitirá que a correta unificação de programas como Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação e Auxílio-Gás num único benefício, feita na gestão Lula, só foi
possível graças ao cadastro único dos programas sociais criado em 2001,
portanto no governo tucano.
Os antecedentes do
Bolsa Família foram, aliás, reconhecidos, com coragem e honestidade, pela
própria professora Ana Fonseca, formuladora da unificação do Bolsa Família em
2003, em recente artigo publicado na Folha de S.Paulo. O programa, escreveu ela, é “fruto de um processo histórico”.
“Pessoas e instituições que se arvoram como protagonistas de uma construção que
foi coletiva estão equivocadas.”
Mas Lula não ficou
ontem apenas no papel de pseudo-historiador. Como se fosse senhor absoluto dos
destinos do país, também se arvorou dono do nosso futuro. Em tom de ameaça,
disse que pode voltar à presidência da República em 2018 se lhe “encherem muito
o saco”. Quem sabe até lá os atos e fatos de seu período de governo não tenham sido
adequadamente contados e ele não consiga mais se eleger nem síndico de
condomínio, muito menos ser o operador-mor de uma máquina de distorcer a História.