terça-feira, 31 de julho de 2012

A hora e a vez do mensalão

Na próxima quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal inicia o maior julgamento da sua história. Da decisão dos 11 ministros depende o destino dos 38 réus do mensalão, o gigantesco esquema de desvio de dinheiro público para alimentar uma rede de falcatruas. É hora de virar a página da corrupção que assola o país desde a ascensão do PT.

As 50 mil páginas dos 300 volumes que compõem o processo estão repletas de provas de que o partido de Lula, Dilma e José Dirceu surrupiou dinheiro dos cofres públicos para financiar um festival de crimes que vão de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva a peculato, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.

Em reportagem no domingo, O Globo estimou em “pelo menos” R$ 101,6 milhões o montante desviado pelo PT para comprar apoio de parlamentares, corromper servidores públicos, lesar o erário, driblar o fisco – enfim, praticar atos corruptos – a fim de perpetuar-se no poder após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

A cifra resulta de apurações feitas por investigadores da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União, mas pode ser ainda maior. Segundo a Folha de S.Paulo, o mensalão teria mobilizado R$ 141 milhões em dois anos, somando empréstimos bancários e recursos desviados de contratos com o setor público.

A defesa dos mensaleiros argumenta que não houve pagamento de mesada a parlamentares para votar com o governo petista nos idos de 2003 a 2005. A realidade é que existiu não apenas isso, como também coisa muito pior: a montagem de uma rede para corromper o poder público, parasitá-lo, carcomer as estruturas da República. O mensalão é isto.

“A palavra ‘mensalão’ dá a impressão de uma fila de pessoas que, ao fim do mês, vai receber alguma coisa. Nada a ver com isso. Ali tem peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, formação de quadrilha e os crimes fiscal e financeiro”, resume o ex-procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza, autor da denúncia.

Ele assegura, em entrevista a O Globo publicada hoje, que há elementos de sobra para condenar os principais envolvidos no esquema, como José Dirceu e Marcos Valério: “Eram provas, não eram apenas indícios, que foram corroboradas depois com laudos periciais”.

Um dos laudos foi feito pela Polícia Federal e comprova o uso de dinheiro do contribuinte para irrigar os dutos da corrupção, como os saques de R$ 4,6 milhões realizados em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro que tiveram como fonte recursos que a empresa DNA, de Valério, recebeu do fundo Visanet para prestar serviços de publicidade ao Banco do Brasil. Outros R$ 7,2 milhões saíram da SMP&B, também do publicitário.

O mensalão é a mãe de todos os escândalos de corrupção que se seguiram no governo Lula, e se estenderam também à gestão de Dilma Rousseff. Seu DNA está presente, por exemplo, no recém-descoberto esquema de desvio de dinheiro no Banco do Nordeste, usando os mesmos estratagemas espúrios.

“Pelo número e importância das pessoas envolvidas, pela instância máxima do julgamento (STF) e pela grande cobertura da imprensa, pode-se dizer que se trata da mais importante denúncia de irregularidade da história da República”, define o historiador José Murilo de Carvalho. “Acho que não tem nada parecido na história do Brasil”, corrobora a cientista política Maria Celina d’Araújo, da PUC do Rio.

“Trata-se da mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber”, descreveu a Procuradoria-Geral da República na peça acusatória, apresentada em 2007. O mensalão foi “o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”, segundo o procurador Roberto Gurgel, a quem caberá sustentar a denúncia da PGR no Supremo a partir do próximo dia 2.

Com esforço de milhões de cidadãos, o Brasil vem dando, ao longo das últimas décadas, passos importantes rumo à sua modernização, provendo melhores e mais dignas condições de vida à sua população. Julgar o mensalão irá significar mais um passo importante nesta caminhada. Se já restauramos a democracia, estabilizamos a economia e reduzimos a pobreza, a hora, agora, é de extirpar a corrupção, que a tudo dizima. 

sábado, 28 de julho de 2012

A criativa contabilidade do PAC

O governo federal divulgou ontem mais um balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De tão maquiados, os números agora já nem atraem mais tanta atenção da imprensa; com raras exceções, os jornais dedicam espaços exíguos à contabilidade oficial. Também pudera: criatividade tem limite.

Só com muito reforço nas colunas de ativos e passivos, a contabilidade do programa para de pé. Mais uma vez, o que segurou o desempenho do programa foram empréstimos e desembolsos do Minha Casa, Minha Vida. O Ministério do Planejamento diz que a segunda etapa do PAC, lançada há um ano e meio, concluiu R$ 211 bilhões em obras, das quais R$ 129,3 bilhões (ou 61%) referem-se a incentivos habitacionais.

Mas como computar como investimento em infraestrutura, ou seja, pedra, tijolo, areia e concreto, o que, na maioria dos casos, é apenas assinatura em papel? Sim, porque o valor do Minha Casa, Minha Vida incluído nos balanços do PAC representa meramente financiamento concedido a mutuários. É como se um empréstimo tomado nas Casas Bahia para comprar um fogão fosse contabilizado como aplicação na melhoria da infraestrutura do país...

Ainda assim, os financiamentos habitacionais caíram no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2011: passaram de R$ 35 bilhões para R$ 33,5 bilhões, com queda de 4,3%, segundo a Folha de S.Paulo. Também diminuíram as obras de infraestrutura bancadas com recursos do Tesouro Nacional: 7,8%, de R$ 9 bilhões para R$ 8,3 bilhões no semestre.

O que nem o mais carregado pó-de-arroz oficial consegue disfarçar é que o ritmo dos empreendimentos de transportes, essenciais para que o país deslanche, continua deixando muito a desejar. Em média, estes investimentos apresentam queda em torno de 40% na comparação com o mesmo semestre do ano passado.

Um dos casos mais gritantes é o da ferrovia Transnordestina. O Valor Econômico mostra hoje que a obra simplesmente travou no semiárido nordestino. O número de trabalhadores no canteiro caiu a praticamente um terço; o ritmo de colocação de dormentes é de um quilômetro por dia, ante capacidade para 2,5 km diários; e um trecho de 600 km entre Salgueiro (PE) e Pecém (CE) está parado.

Pior que isso, outros dois trechos, já na chegada ao litoral, não foram sequer iniciados. “Sem uma ligação portuária, o trecho atual, do ponto de vista econômico, liga nada a coisa nenhuma”, sentencia o jornal. No entanto, na contabilidade do PAC a Transnordestina – que deveria estar pronta em 2010, mas só sairá no próximo governo – caminha em compasso “adequado”.

A ferrovia não é a única com cronograma atrasadíssimo. A Norte-Sul, a extensão da Ferronorte e a duplicação da BR-101 também já deveriam estar prontinhas, mas só serão concluídas entre fins deste ano e dezembro de 2014. Na criativa contabilidade do PAC, todas estão, porém, em ritmo normalíssimo. Assim fica fácil...

Seria ótimo se as estimativas oficiais correspondessem à realidade. Mas o que os números do balanço do PAC tentam mostrar os olhos dos cidadãos não vêem no dia a dia. Onde estão as ações de melhoria da mobilidade urbana, de modernização dos terminais portuários, as ampliações de aeroportos, as expansões de metrôs? No máximo, o que se avista são placas de publicidade em locais onde deveria haver obras.

Tão importante quanto eficiência e agilidade na execução de investimentos estruturais que gerem benefícios diretos e conforto à vida dos brasileiros é a transparência no trato da coisa pública. Ao apelar para malabarismos em suas prestações de contas do PAC, o governo Dilma Rousseff ludibria a sociedade. Mais desejável seria entregar o que a vultosa propaganda oficial promete; até agora, os gastos publicitários são os únicos realmente bem executados pela gestão petista.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Sem ação, muito perto do caladão

A intervenção na venda de linhas de celulares no país, determinada na semana passada, guarda estreita relação com a forma pela qual a gestão petista costuma agir: as medidas só são tomadas na undécima hora, quando o pior já se avizinha. Bem regular, fiscalizar constantemente e aperfeiçoar de maneira contínua o funcionamento do mercado não é algo que o PT se disponha a fazer.

A proibição para que TIM, Oi e Claro comercializem novas linhas de telefonia móvel em algumas de suas regiões de atuação vigora desde segunda-feira. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) diz que só autorizará a retomada das vendas depois que as operadoras apresentarem planos de investimentos que assegurem a melhoria da qualidade dos serviços – o que, em alguns casos, já começou a acontecer.

Exigir a prestação do serviço com melhor qualidade é correto e desejável. Há bastante reclamação de consumidores quanto a dificuldades para usar seus aparelhos celulares (em 2011, foram quase 900 mil junto à Anatel), decorrência da enorme expansão deste mercado ao longo dos anos. Mas esta deveria ser uma preocupação constante do governo e dos órgãos reguladores e não apenas o motivo para medidas tomadas bombasticamente.

Que a qualidade dos serviços de telefonia móvel no país vem caindo nos últimos anos ninguém contesta. No entanto, há regras e regulamentos que deveriam ser aplicados diuturnamente pelo órgão regulador e não o são. Se a Anatel tivesse exercido a vigilância que lhe cabe, provavelmente o país não teria se aproximado do caladão.

Mas é notória a birra, para não dizer a sabotagem, dos governos do PT com as agências reguladoras. Concebidas para serem órgãos de Estado, foram transformadas pela gestão Lula em aparelhos de governo, apropriadas para abrigar apaniguados políticos. Dilma Rousseff até prometeu, mas ainda não alterou esta situação e os órgãos continuam a depauperar-se.

A leniência com que a Anatel passou a tratar suas reguladas tem sido crescente. Sua fiscalização é insuficiente e suas decisões, demoradas. Nem as necessárias revisões no marco legal do setor de telecomunicações – decorrentes de naturais mudanças numa área de vertiginosa transformação – são enfrentadas.

Em relatório a ser divulgado nos próximos dias, o TCU considera que a Anatel falhou em apertar os mecanismos de fiscalização e atuar mais fortemente na defesa dos consumidores nos últimos anos. Morosa, demorou nove anos, por exemplo, para regulamentar a imposição de novas sanções administrativas.

Em 2006, uma auditoria do TCU avaliou com profundidade o desempenho da Anatel nas atividades de regulamentação e fiscalização dos serviços de telecomunicações, identificando uma série de falhas e propondo 42 medidas para corrigi-las.

Passados seis anos, os auditores voltaram à agência para monitorar o que saiu do papel e ficaram decepcionados com o que viram. “A Anatel cumpriu apenas 27% das determinações e implementou só 15% das recomendações feitas pelo próprio TCU seis anos atrás”, informa o Valor Econômico.

Há muito as condições objetivas do mercado de telefonia móvel no país, que vem numa expansão meteórica, deixavam clara a necessidade de uma atuação mais incisiva do governo e dos reguladores. Afinal, apenas em dois anos e meio o número de linhas aumentou quase 50%, para 255 milhões, registrados em maio passado.

Mas o modo falho de agir permanece. Só depois da drástica intervenção da semana passada, a Anatel cogitou impor metas de desempenho – incluindo aumento de capacidade de rede e de atendimento de usuários em callcenters – às operadoras de telefonia móvel. Não deveria ter feito isso há muito tempo?

Também apenas agora o governo resolveu cobrar das operadoras de telefonia um plano para que o país não emudeça durante a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. É o velho padrão petista: tudo de afogadilho, tudo de última hora. Ou, talvez, a artimanha velhaca de criar dificuldades para vender facilidades.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O mensalão existiu

Nos próximos dias, o país assistirá a um verdadeiro tiroteio de versões sobre o mensalão e as condições que envolveram sua existência. Pouco interessa. O que importa é que houve, patrocinado pelo governo petista, um gigantesco esquema de desvio de dinheiro público para comprar o apoio de parlamentares no Congresso. Há farta documentação a respeito; o resto é esperneio de quem deve, e muito, à Justiça.

Sete anos atrás, o país tomou conhecimento de que, para perpetuar-se no poder, o PT estava usando recursos públicos, desviados de contratos firmados por empresas estatais com agências de publicidade, para garantir o voto de deputados no Parlamento. Nascia, então, o mensalão, uma das maiores máculas da história política brasileira.

Uma das principais fontes de recursos que alimentou o esquema foram contratos de publicidade firmados entre o Banco do Brasil e a DNA Propaganda, agência de Marcos Valério, o operador do mensalão. Dali saíram exatos R$ 152.833.475,00. Da Visanet, operadora de cartões de crédito na qual o BB tem participação expressiva, também vieram outros R$ 74 milhões, conforme pode ser lido no relatório do ministro Joaquim Barbosa finalizado em dezembro.

Diante de tão aterradoras provas de que o dinheiro do contribuinte foi surrupiado, o PT, candidamente, insiste em dizer que, na realidade, tomou empréstimos bancários para quitar dívidas de campanha. Seria, portanto, tudo legal e parte de mera operação financeira. Entretanto, nem a instituição por onde a dinheirama da corrupção foi movimentada corrobora esta torpe versão.

Em suas alegações sobre o mensalão, o Banco Rural assegura que o dinheiro tomado pelo PT veio, sim, de fontes públicas, conforme informa O Globo em sua edição de hoje. Os recursos que irrigaram o “valerioduto” chegavam ao Rural originados de créditos recebidos de instituições públicas por outra agência de Valério, a SMP&B. Dali, saíam para engordar o bolso de parlamentares.

A alegação do Rural – que tem quatro dirigentes entre os réus do processo – é, apenas, mais uma evidência de que o dinheiro do contribuinte, que deveria ser utilizado para melhorar a vida dos cidadãos brasileiros, foi gasto para benefício do PT e de seu projeto de poder. Um milionário esquema que só veio à tona porque um dos comensais se sentiu prejudicado por embolsar menos do que lhe prometeram.

As provas de que o mensalão existiu e de que se constituiu no maior duto de dinheiro público para bolsos privados que se conhece na história do país são abundantes na denúncia oferecida pelo então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, em 2006. “Negar a existência do mensalão é uma afronta à democracia”, rememorou ele, em maio, em entrevista à revista Veja.

Da perspectiva de quem fez a denúncia e acompanhou o processo até 2009, Souza não tem nenhuma dúvida: o PT usou dinheiro público no seu organograma da corrupção. “Digo que existe prova pericial mostrando que dinheiro público foi utilizado. Repito: há prova pericial disso. E o Supremo, quando recebeu a denúncia, considerou que esses fatos têm consistência”, afirmou o ex-procurador-geral na entrevista de maio.

Não por acaso, a denúncia da PGR indica a montagem, pelo PT, de uma “sofisticada organização criminosa” dentro do aparelho estatal. Os 38 réus do processo respondem por acusações de crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa, peculato, evasão de divisas, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Muitos dos delitos já foram reconhecidos e confessados pelos réus.

O PT, por meio de porta-vozes da estirpe de José Dirceu e Delúbio Soares, bate na tecla de que o “valerioduto” movimentou “apenas” recursos de caixa dois de campanha – o que configuraria, meramente, crime eleitoral, já prescrito. Contudo, do ponto de vista ético e jurídico, isso não altera nada: quando há apropriação de dinheiro público, não é a sua finalidade que vai descaracterizar o crime.

Não há a menor sombra de dúvida de que, assim que chegou ao Planalto, o PT montou um esquema para drenar os cofres do Estado e assegurar, assim, sua eternização no poder. O mensalão foi descoberto e está prestes a ser punido pelo STF, no histórico julgamento que começa na semana que vem. Não há versão ou tentativa de farsa que conseguirá reescrever esta história.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A tropa da intimidação

Falta pouco mais de uma semana para o mensalão começar a ser julgado pelo STF. Episódios recentes têm mostrado como os acusados do maior escândalo de corrupção da história política do país estão se movimentando para salvar suas peles. Assim como fizeram para se perpetuar no poder, eles estão dispostos a tudo.

Um dos lances mais ousados da investida para tentar reescrever a história foi a decisão tomada no início do mês pelo TCU – mas só revelada no fim da semana passada por O Estado de S.Paulo – considerando regular contrato firmado em 2003 pela agência de publicidade de Marcos Valério, a DNA, e o Banco do Brasil que serviu para irrigar o “valerioduto”.

Numa estranha lógica, a relatora, ministra Ana Arraes, argumentou que uma lei aprovada em 2010, com novas regras para a contratação de agências de publicidade pela administração pública, tornara legal a operação entre a empresa de Valério e o BB, envolvendo R$ 153 milhões e fechada nove anos atrás.

Contrariando parecer técnico do próprio TCU, os demais ministros acompanharam o voto de Arraes – não por coincidência, mãe do governador de Pernambuco, o socialista Eduardo Campos. Travestiram de legalidade o esquema de drenagem de verba pública montado por Valério para a compra de apoio de parlamentares pelo PT.

O que o TCU, bizarramente, agora considerou legal foi o desvio de gratificações pagas por veículos de comunicação que a DNA deveria ter repassado ao BB, mas foram apropriados pela agência de Valério e de lá canalizados para o “valerioduto”, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República.

Mas a tropa de choque que quer transformar o mensalão em pizza – ou em “farsa”, no dizer de Luiz Inácio Lula da Silva – também está avançando por outras frentes. Nesta semana, a revista Veja revelou que Marcos Valério mantém canal direto com o staff do ex-presidente, numa relação cordial demais para quem estaria ameaçando chantagear o líder petista.

O que resta evidente é que há uma clara movimentação dos 38 réus e seus advogados para conduzir o julgamento que se inicia no próximo dia 2 de agosto a uma absolvição em massa. São movimentações subterrâneas, mas que também se somam a outras mais explícitas e constrangedoras.

Recorde-se a conclamação feita por José Dirceu à UNE há pouco mais de um mês. E junte-se, agora, ato marcado para hoje por militantes petistas de Brasília em defesa de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT à época do mensalão, como mostra hoje o Estadão.

A ordem dada à tropa petista é pressionar o Supremo com urros, intimidações e arreganhos. Nada mais fazem do que seguir a senha dada por Lula antes de deixar a presidência da República, quando prometeu tentar transformar o mensalão numa “farsa” urdida pela oposição.

O difícil é contradizer o que o ex-presidente afirmou no auge da descoberta do escândalo, em 2005, em rede nacional de televisão: “Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos de pedir desculpas. O PT tem de pedir desculpas”. Ninguém se desculpa por uma suposta fraude cometida por adversários...

Como se ainda fosse necessário, o advogado de Roberto Jefferson, líder do PTB que primeiro admitiu a existência do esquema de corrupção no governo do PT, disse ao jornal O Globo que Lula “não só sabia [do mensalão] como ordenou toda essa lambança. Não é possível acusar os empregados e deixar o patrão de fora”.

Na reta final para o início do julgamento mais importante da história política recente do país, é essencial manter a vigilância sobre os movimentos dos réus e suas espúrias tentativas de constranger a Justiça. Como já demonstrou em mais de uma ocasião, a “sofisticada organização criminosa” que agiu no governo Lula dispõe-se a tudo para que seus delitos permaneçam impunes.

sábado, 14 de julho de 2012

O homem que mudou o Brasil

Fernando Henrique Cardoso recebeu mais uma justa homenagem nesta semana. Pela sua vasta produção intelectual e sua trajetória política na transformação do Brasil, mereceu o reconhecimento do prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso americano. É motivo de comemoração e orgulho de todos os brasileiros. Não é qualquer país que pôde ter um presidente como este.

O prêmio é uma espécie de Nobel das ciências sociais e humanas, uma vez que a academia sueca não agracia quem se dedica a disciplinas desta área do conhecimento. Apenas sete pessoas haviam recebido o John W. Kluge até hoje. Descrito como “um estudioso de enorme energia intelectual”, Fernando Henrique é o primeiro ganhador cujos trabalhos abarcam os campos da sociologia, da ciência política e da economia.

No rigoroso texto em que anunciou, em maio, o premiado deste ano (que merece ser lido na íntegra), a Biblioteca do Congresso americano justificou assim a escolha: “Sua análise científica das estruturas sociais de governo, relações de economia e raça no Brasil lançou as bases intelectuais para sua liderança como presidente na transformação do país de uma ditadura militar com inflação alta em uma democracia vibrante e mais inclusiva, com forte crescimento econômico.”

O prêmio Kluge existe desde 2003 – quando laureou o filósofo polonês Leszek Kolakowski – e escolhe quem exibe “compreensão da experiência humana”. Não tem periodicidade fixa e desde 2008 não era concedido. Em três das quatro ocasiões anteriores, a premiação foi dividida entre dois ganhadores. Desta vez, o homem que governou o Brasil entre 1995 e 2002 foi agraciado sozinho, escolhido por meio de consulta a cerca de 3 mil intelectuais e pessoas públicas em todo o mundo. Sinal de distinção.

Fernando Henrique merece todo o reconhecimento internacional pela forma como conduziu o Brasil em seus dois mandatos. Nos oito anos de seu governo, o país teve suas estruturas profundamente alteradas. Uma revolução silenciosa dizimou a hiperinflação que por décadas ceifou o horizonte dos brasileiros, modernizou as estruturas de produção, quebrou o círculo vicioso da pobreza e elevou o nível de vida da nossa população.

A lista de realizações é longa, começando pela implantação do Plano Real, que Fernando Henrique conduziu ainda como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco. A estabilidade da moeda reduziu a desigualdade social, abriu as portas do mercado de consumo para milhões de brasileiros e deu-lhes mais dignidade e qualidade de vida.

Passa também pelas privatizações, que, junto com a estabilização da economia, trouxeram mais oportunidades e conforto a milhões de pessoas e desataram alguns dos nós que travavam o avanço do país. E inclui a montagem de uma vasta rede de proteção social, focada na emancipação dos mais pobres e não na perpetuação de sua dependência ao Estado.

Mas o ímpeto de Fernando Henrique não parou aí. Reformas estruturais legaram ao país instituições mais sólidas, independentes, democráticas. Em sua gestão, tanto o poder público quanto o setor privado tiveram de se tornar mais transparentes e responsáveis perante os cidadãos. Políticas públicas inovadoras, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Proer, deram solidez ao país e hoje tornaram-se paradigmas mundiais. Em suma, com a sua presidência, o Brasil ascendeu à condição de grande nação.

O rigor analítico do intelectual sobre processos políticos, econômicos e sociais iluminou as políticas e ações do governante, o que torna Fernando Henrique caso ímpar no mundo. “Talvez a maior prova de sua realização intelectual é que seus sucessores continuaram muitas de suas políticas e asseguraram seu legado como um dos maiores líderes do Brasil”, completa o texto divulgado pela Biblioteca do Congresso americano em maio.

Aos 81 anos, com 23 livros acadêmicos publicados e escolhido pela Foreign Policy um dos cem intelectuais públicos mais importantes do mundo, o presidente continua suas atividades, inquieto, provocativo e inovador. Dedica-se a temas como políticas internacionais antidrogas e formas mais humanitárias de tratamento da aids. “Continuo a tentar fazer minha pequena parte, ainda contando com as reservas da razão e da emoção”, disse ele, na cerimônia de premiação, em Washington.

Nunca antes na história, havíamos tido um presidente dedicado a provocar tantas e tão profundas transformações na vida do país, tantas e tão relevantes repercussões no mundo. A trajetória da nação brasileira divide-se em antes e depois de Fernando Henrique Cardoso. Seu governo preparou o Brasil para as próximas gerações – e não para as próximas eleições, como voltou a ser praxe nos anos recentes. Dia após dia, cresce o reconhecimento a seu legado. Nada mais merecido.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Em marcha lenta

Cortes de juros são sempre bem-vindos. Pena que a oitava queda seguida da taxa básica, decidida ontem pelo Banco Central, seja o reflexo mais evidente das dificuldades que o governo Dilma Rousseff tem tido para impedir que a economia do país desabe de vez. Agora, até o varejo já está desacelerando.

A Selic caiu ontem para 8% ao ano, seu menor patamar histórico. Em termos reais, ou seja, descontando-se a inflação, o juro brasileiro está próximo de 2,3% – ainda assim, o terceiro maior do mundo, atrás apenas de China (3,7%) e Rússia (3,5%).

A previsão dominante é de que os juros brasileiros devem baixar ainda mais para tentar reanimar a nossa moribunda economia. Neste aspecto, a presidente poderá dizer que cumpriu o que prometeu: levou a taxa a pisos impensáveis pouco tempo atrás. Infelizmente, a Selic só cai porque o Brasil está metido num círculo vicioso.

Nesta manhã, o Banco Central divulgou o PIB de maio. O resultado é uma queda de 0,02% sobre abril. Em três meses deste ano e em oito dos 17 primeiros meses da gestão Dilma, o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) recuou. Nos últimos 12 meses, a economia brasileira cresceu só 1,39%, segundo o levantamento do BC, que funciona como prévia da estimativa oficial do IBGE.

O mais desagradável é que a marcha lenta, que antes era mais concentrada na indústria, vai se espalhando pelos demais setores. A agricultura vai bastante mal neste ano, menos por culpa do governo, mais por causa de São Pedro, que foi inclemente com a falta de chuva. O campo deixou de ser, pelo menos por ora, um dos motores que sustentava o nosso crescimento.

Agora é a vez de o comércio também ratear. Desde a eclosão da crise, em 2008, o incentivo ao consumo tem sido a mola mestra da economia petista. Funcionou por um tempo, mas enferrujou de uns meses para cá. Dois indicadores divulgados ontem deixam isso muito claro.

O mais relevante foi a queda de 0,8% nas vendas de varejo em maio. É o pior resultado desde novembro de 2008, isto é, desde o auge do paradeiro que se seguiu à quebra do banco americano Lehman Brothers. Caíram, principalmente, as vendas de alimentos, eletrodomésticos e material de construção.

Não é possível dizer, ainda, se se trata de ponto fora da curva virtuosa do comércio ou se já é o começo da descida ladeira abaixo. Mas crescem os sinais de que o modelo petista – se é que pode ser chamado assim – esgotou-se. Até porque o consumidor encontra-se com a corda no pescoço e quer distância de novas dívidas.

Segundo pesquisa da Serasa Experian divulgada ontem, a inadimplência do consumidor cresceu 19% no semestre. A renda, de acordo com análise feita pela entidade, está comprometida com dívidas caras (cheque especial e rotativo do cartão de crédito) e altas (veículos e imobiliárias). É uma situação que periga rumar para o descontrole. O nó apertou.

Não se sabe como o governo federal irá reagir à nova realidade. Nos últimos anos, com Lula e depois com Dilma, executou um samba de uma nota só, que agora está claramente desafinado. Atacar os juros tem sido medida acertada, porém insuficiente. Não adianta consertar uma peça, se toda a engrenagem está falha.

O que tem acontecido é que as medidas necessárias chegam com atraso. Muitas vezes só são tomadas quando o problema já se manifestou ou o desequilíbrio fez novas vítimas pelo caminho. O melhor a fazer seria aproveitar o que há de bom, como a queda dos juros, para estruturar um plano geral para sustentar o desenvolvimento do país. Mas, hoje, isso é apenas uma possibilidade distante.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Otimista demais, atrasado demais

Até o governo já se convenceu de que este ano está praticamente perdido para a economia brasileira. É certo que a reversão das expectativas no mundo todo foi mais profunda do que se imaginava. Mas um dos aspectos que pesam para o mau desempenho brasileiro é que, aqui, as atitudes corretas demoram tempo demais para ser tomadas. É o que acontece com as concessões.

Ao mesmo tempo em que revê suas previsões para o crescimento do PIB neste ano, o governo Dilma Rousseff anuncia agora que irá lançar, no próximo mês, uma nova fornada de privatizações de obras e serviços de infraestrutura. Na lista, constam portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. Com o atraso que lhe é peculiar, a gestão petista endireita – neste particular, pelo menos.

O PT perdeu anos negando o óbvio: em vastíssima área da economia, o Estado é muito pior empreendedor do que o agente privado. O dogma fez Luiz Inácio Lula da Silva passar todo o seu governo execrando as privatizações, enquanto as condições de competitividade do país iam, literalmente, buraco abaixo.

Dilma elegeu-se em cima da mesma crença, mas vai abandonando-a aos poucos. Melhor seria renegá-la de vez. Sem a participação da iniciativa privada na reconstrução e na expansão de sua infraestrutura, o país não tem a menor chance de avançar. Não dá para perder mais tempo defendendo o indefensável.

Foi apenas no início de 2011 que o PT recolocou as privatizações de vez no radar, embora de maneira envergonhada. Na gestão Lula, apenas alguns trechos de rodovias foram concedidos, mesmo assim por meio de um modelo em que as melhorias custam a chegar aos usuários, quando chegam. Aos pedágios baratinhos correspondem estradas ordinárias.

Por volta de abril do ano passado, Dilma anunciou que finalmente se convertera às privatizações para fazer os aeroportos brasileiros decolar. Os leilões de três terminais – Guarulhos, Viracopos e Brasília – ocorreram há cinco meses, mas até hoje as obras não começaram. Com o PT, a distância entre decisão e ação se conta em milhas aéreas. Já se teme pelo que irá acontecer na Copa de 2014...

Também foi preciso a situação chegar à antessala do caos para que o governo resolvesse agir em outras áreas, como os portos. Há R$ 19 bilhões em investimentos em suspense à espera que se resolvam pendengas regulatórios do setor, mostrou o Valor Econômico na semana passada. Há tempos, travadas por medidas tomadas no governo do PT, as melhorias não acontecem, e as filas de caminhões na entrada dos terminais se avolumam.

Ao longo dos últimos nove anos, o total dos investimentos no setor portuário correspondeu a somente 0,07% do PIB. Nesse ritmo, o país levará 19 anos para sanar as restrições já identificadas nos seus portos – isto sem considerar as novas necessidades oriundas do próprio crescimento econômico.

O atraso de obras também em outros modais mais adequados ao transporte de cargas, como ferrovias e hidrovias, encarece bastante o frete praticado no país e retira um naco considerável do poder de competição de nossos produtos frente à concorrência externa. Na logística, se vão US$ 80 bilhões ao ano, ou 4% do nosso PIB.

Para fazer frente a isso, no pacote que prevê anunciar em agosto o governo promete incluir novas regras para o uso das ferrovias brasileiras. A malha nacional demanda investimento de R$ 151 bilhões, de acordo com a CNT. Mas o setor segue em ritmo de maria-fumaça: o valor equivale a seis vezes o que foi aplicado no modal desde 1997, quando a malha foi privatizada.

O mesmo atraso que assola as obras de infraestrutura viária também se abate sobre o setor elétrico. A exatos 36 meses para a data de vencimento dos contratos de concessão, o governo petista ainda não decidiu oficialmente o que fará com elas. Por esta razão, empresas do segmento não estão mais conseguindo financiar-se e estão suspendendo investimentos. Faça-se luz.

Em sua revisão do PIB, o governo Dilma mantém uma previsão para lá de otimista para este ano. Ninguém mais crê que seja possível alcançar sequer os 2,7% de 2011, com o pibizinho se aproximando de ser uma piada. Mas, se a intenção é não jogar fora também o ano de 2013, a atual gestão tem de fazer com as concessões privadas tudo o que o PT não fez em quase dez anos de poder: agir a tempo e a hora, para não perder mais um bonde.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Aloprações mensaleiras

À medida que se aproxima o julgamento do mensalão, previsto para começar no próximo dia 2 de agosto, crescem os esperneios da turma que se acostumou a viver das benesses do Estado concedidas pelo governo petista. A CUT é apenas mais um dos descontentes com o acerto de contas que a “sofisticada organização criminosa” terá de prestar com a sociedade.

O novo presidente da Central Única dos Trabalhadores ameaça levar seus comandados às ruas para protestar contra decisões do Supremo Tribunal Federal que lhe desagradem – ou seja, que levem à condenação de alguns dos réus do mensalão. “Não pode ser um julgamento político. Se isso ocorrer, nós iremos para as ruas. A CUT é um ator social importante e não vai ficar olhando”, disse Vagner Freitas à Folha de S.Paulo.

A atitude da CUT não é novidade. À época em que o escândalo da compra de apoio parlamentar foi revelado, em 2005, a central e outros satélites do PT também ameaçaram parar o país para impedir alguma investigação mais séria sobre a conduta do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A linha de ação é conhecida: acuar adversários, coibir investigadores, salvar corruptos.

Curioso é que a mesma CUT que se ocupa em defender réus num processo que lesou os cofres públicos em milhões de reais não se anima a lutar por seus filiados do serviço público federal, em greve há semanas. “A dúvida, hoje, é se a CUT vai para as ruas a favor dos mensaleiros de Lula, contra o Supremo, ou se vai a favor dos trabalhadores”, comenta Eliane Cantanhêde na Folha.

Não há dúvida de que o PT vai usar todas as armas de que dispõe para conturbar o julgamento do mensalão e levantar, o tempo todo, suspeitas sobre as decisões tomadas pelos ministros do STF. A senha está dada: o que desagradar os petistas será tratado como manifestação política e não técnica – e, portanto, passível de contestação.

Exatamente um mês atrás, a meninada da UNE também deu seus urros ao ser instada pelo chefe da quadrilha do mensalão – na definição da Procuradoria-Geral da República – a ir para as ruas travar o que seria uma “batalha política”. Como se vê, tanto os estudantes quanto os sindicalistas não aceitam as regras do Estado Democrático de Direito. Se não lhes apetece, vociferam e ameaçam.

Desde já, não há dúvida que toda e qualquer decisão contrária aos mensaleiros será vilipendiada pelo PT e seus satélites. Para começar, a própria escolha da data do julgamento, que coincidirá com o processo eleitoral, já tem servido de mote para o esperneio. Não será surpresa se, por esta razão, todo o processo for posto em descrédito pelos 38 acusados e seus advogados.

O uso indiscriminado de estruturas oficiais para coibir apurações e o trabalho da Justiça não é novidade no PT, muito menos uma particularidade do mensalão. Também no caso dos aloprados, a compra de falsos dossiês anti-tucanos em 2006, a mão pesada do Estado foi acionada para impedir que as investigações chegassem aos peixes graúdos, como mostrou a revista Veja desta semana.

O bom da história é que o Supremo já demonstrou que, às pressões, reage com atitudes firmes. Foi assim, por exemplo, com a malfadada tentativa de Lula de intervir no processo, postergando-o para 2013, quando algumas das penas já estariam prescritas. Mais que depressa, os ministros retrucaram marcando o julgamento para já.

Enquanto o PT se movimenta para colocar seus comandados a postos para parar o país, a maioria da sociedade brasileira, que repudia a afronta que o mensalão representou, está mobilizada para impedir que os arreganhos autoritários da turma de José Dirceu prosperem. Chegou a hora de os mensaleiros acertarem as contas com a Justiça. Eles são réus, não vítimas; e não há ameaça que mude isso.

terça-feira, 10 de julho de 2012

De costas para o Nordeste

O Nordeste deu a Dilma Rousseff algumas de suas votações mais consagradoras em 2010. Não é exagero dizer que a presidente deve sua eleição à região. Mas tamanho apoio não vem sendo retribuído à altura: o governo federal tem dado pouca atenção aos estados nordestinos, castigados pela pior seca dos últimos 30 anos.

Atualmente, 1.134 municípios do semiárido encontram-se em situação de emergência devido à estiagem. Além do suplício que a falta de chuvas causa à vida das pessoas, apenas em termos de produção agropecuária estima-se que o Nordeste perderá R$ 12 bilhões neste ano. Numa situação assim, é imperativa a ação do poder público.

Sobre minorar o sofrimento dos afetados pela seca, o governo federal diz muito, mas faz quase nada. Em abril, o Planalto enviou medida provisória ao Congresso para amparar vítimas da estiagem no semiárido brasileiro. Nela, foi autorizada despesa extra de R$ 706,4 milhões para ações de socorro como o seguro-safra, defesa civil e auxílio financeiro emergencial. Passados quase três meses, porém, apenas 4% dos recursos foram aplicados.

O Nordeste é enaltecido em discursos oficiais, mas continua sendo vítima de práticas predatórias, arcaicas, inescrupulosas. Enquanto a seca avança, obras que poderiam servir para aplacar o problema apodrecem sob o sol inclemente. E instituições públicas que deveriam zelar por uma vida melhor para o sertanejo servem de butim para alimentar as alianças petistas.

Tome-se o que acontece, por exemplo, no Dnocs e no Banco do Nordeste. Bem geridos, poderiam ser instrumentos poderosos no combate à seca, mas, nas mãos do PT, são tratados como meras moedas de troca na partilha de poder. Fatiados entre partidos da base aliada, vira e mexe surgem no noticiário policial alimentando escândalos de desvio de dinheiro público.

O Nordeste também tem se notabilizado por ser a região onde as obras federais caminham mais lentamente. O caso mais emblemático é o da transposição das águas do rio São Francisco. Encampada pelo ex-presidente Lula como a redenção da seca, está longe, muito longe de alcançar o objetivo: seja porque efetivamente não se prestará a esta finalidade, seja porque sua conclusão fica cada dia mais distante.

Atualmente, segundo o Jornal do Commercio, grande parte das obras está paralisada. Dos 14 lotes, seis estão com obras suspensas. São eles: o 3, em Salgueiro (PE); o 4, em Penaforte (CE); o 5 em Jati (CE); o 6 em Mauriti (CE); o 7 em São José de Piranhas (PB); e o 9 em Floresta (PE). Todos tiveram seus contratos rescindidos por suspeita de irregularidades e agora aguardam a realização de novas licitações.

A transposição não tem data para acabar e o governo é incapaz de dizer quanto ela irá custar. O orçamento, que começou em R$ 4,5 bilhões, já chegou a R$ 8,2 bilhões, mas continua mirando o céu como limite. Antes prevista para 2010, a obra ficará pronta, na melhor das hipóteses, em 2015 – até hoje apenas 36% foram executados. Somente um trecho de 4 km do Eixo Norte foi entregue até agora, executado pelo Exército.

Mas o Nordeste não precisa apenas de mais água. Necessita também de infraestrutura adequada para acelerar o seu desenvolvimento. Se depender do ritmo de outro grande empreendimento da região, o da ferrovia Transnordestina, ainda terá de esperar muito. A obra é outro exemplo de abandono e inépcia.

A ferrovia é privada, mas conta com grosso recurso do BNDES. Seu custo já subiu 20%, para R$ 5,4 bilhões, mas pode crescer mais R$ 1,3 bilhão, de acordo com O Estado de S.Paulo. A Transnordestina está em construção há cinco anos, mas até agora só um terço da obra ficou pronta, impedindo o Nordeste de escoar sua produção até os portos de Suape (PE) e Pecém (CE) de forma mais barata e competitiva.

Em fevereiro, a presidente da República foi pessoalmente aos canteiros de obras da transposição e da ferrovia. Na ocasião, foi enérgica e garantiu que o tempo dos atrasos havia ficado para trás. Não foi o que aconteceu e os dois empreendimentos permanecem em marcha a ré.

Uma região com as características do Nordeste merece atenção especial de qualquer governo que pretenda imprimir uma marcha de desenvolvimento equilibrado ao país. Reclama políticas estratégicas e estruturantes para lançá-lo num salto à frente, que já se manifesta na intensa ampliação de seu mercado de consumo.

Na era petista, o Nordeste tem servido de mote para a retórica afinada do governo federal. Mas não recebe em troca o que lhe prometem. Os nordestinos são credores da eleição de Dilma Rousseff, mas, até agora, o que a presidente da República fez foi virar-lhes as costas. A região merece mais atenção e respeito, e não castigo.

sábado, 7 de julho de 2012

Escândalo sobre trilhos

O trem de planos mirabolantes da Valec está descarrilando. A Polícia Federal descobriu um esquema milionário de desvio de recursos públicos na estatal que deveria zelar por ferrovias no país. A empresa converteu-se num pátio de escândalos.

Ontem, a PF prendeu José Francisco das Neves, mais conhecido como Juquinha. Por oito anos, ou seja, durante todo o governo Lula, ele presidiu a Valec, estatal que cuida de obras como a encrencada ferrovia Norte-Sul. Durante sua gestão, embora tocasse empreendimentos importantes para o PAC, cuja “mãe” é hoje presidente do Brasil, não foi incomodado. Até que, um ano atrás, depois de muita lambança, Juquinha foi mandado para casa pela professora Dilma.

Agora, numa operação batizada “Trem Pagador”, a PF descobriu que Juquinha tinha enchido os bolsos, não de bala, mas de muito dinheiro. No tempo em que esteve na Valec, sua fortuna – camuflada em nome de esposa, filho e um monte de terceiros – teria crescido 830%, para algo na casa de R$ 60 milhões, como descobriu O Globo. Haja vagão para tanta grana.

Juquinha chegou à Valec pelas mãos de José Sarney, o bem-tratado aliado do PT que, em 1987, deu início à Norte-Sul por meio de uma concorrência fraudulenta. Em sua gestão, o apadrinhado deixou um rastilho de malfeitorias, trilhos por onde não se trafega, fábricas de dormentes que só produzem prejuízos e licitações destinadas a avançar sobre os cofres do Estado.

Nos inquéritos que resultaram na prisão de Juquinha, a PF já constatou superfaturamento de R$ 129 milhões só na construção de trechos da Norte-Sul em Goiás. As fraudes teriam beneficiado o presidente da estatal e mais três pessoas. A construtora Delta, que tinha contratos de R$ 574 milhões com a Valec, também pode estar envolvida no esquema.

Mas o rombo produzido por Juquinha e sua turma nos cofres públicos deve ser muito maior. Há um mês, o Valor Econômico já havia revelado que cerca de R$ 400 milhões terão de ser gastos apenas para consertar obras malfeitas durante a gestão dele à frente da estatal. Os contratos envolviam uma série de falcatruas.

O nova gestão da Valec descobriu dormentes adquiridos com preço 36% acima do que seria possível, prejuízo potencial próximo a R$ 200 milhões na aquisição de trilhos e quase mil quilômetros de ferrovias para transportar grãos e minérios sem um único pátio para os caminhões fazerem carga e descarga, como revelou O Estado de S.Paulo em junho.

A Norte-Sul poderia ser uma vistosa realização, mas, nas mãos do PT, se converteu num comboio de corrupção, ineficiência, roubalheira e incapacidade de gestão. Embora a obra fosse tida como prioritária no PAC, os descalabros que fizeram com que ela atrasasse pelo menos três anos passaram incólumes sob o nariz da “gerente” Dilma Rousseff.

Reiteradamente, a conclusão da Norte-Sul foi prometida por Lula e Dilma para 2010, mas só sairá, se sair, em fins de 2013. O atraso penaliza quem trabalha e produz, notadamente os agricultores do Centro-Oeste brasileiro.

Sem a opção ferroviária, cerca de 12% das cargas ficam pelas estradas, o custo do frete no país sai muito mais caro que o de seus concorrentes e o Brasil perde R$ 12 bilhões por ano entre cargas não transportadas, tributos não arrecadados e prejuízos com o uso de caminhões, como mostrou a Folha de S.Paulo em junho.

O modal ferroviário demanda atenção do poder concedente, de forma a tornar-se mais competitivo e uma opção real para que o país reduza seus dispêndios com logística, que levam US$ 80 bilhões das empresas brasileiras por ano. Mas, hoje, os trilhos estão subaproveitados e os custos são muito mais altos do que poderiam ser num ambiente mais adequado.

No entanto, ao invés de concentrar-se em reformar o modelo, injetando mais concorrência e eficiência, o governo federal prefere apelar para ideias mirabolantes, como a do trem-bala: só o seu projeto de engenharia custará R$ 540 milhões, revela hoje o Valor. O PT insiste em levar adiante a obra, que ninguém sabe sequer por quantas dezenas de bilhões sairá.

Ao mesmo tempo, o governo Dilma quer que as futuras expansões da malha ferroviária sejam tocadas pela encrencada Valec: programa-se para os próximos anos a construção de 2,7 mil quilômetros de trilhos, em investimentos que podem chegar a R$ 13,7 bilhões, tudo com recursos públicos. Como Juquinha está cansado de saber, pode ser mais uma chance para o desvio de mais um comboio de dinheiro do contribuinte.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Investimentos em curto-circuito

Dilma Rousseff quer promover um “choque de investimentos” no país, mas é mais certo dizer que eles estão mesmo é em curto-circuito. Cada vez mais importantes para evitar um apagão ainda maior da economia brasileira, os gastos em obras, melhorias logísticas e equipamentos continuam relegados pelo governo petista.

O fracasso nesta seara não é novidade. No ano passado, a desculpa da presidente foi a mudança de gestão, que sempre atrapalha a continuidade das ações. Em 2011, os investimentos federais caíram 6%, o equivalente a R$ 3 bilhões menos em relação ao exercício anterior. Do Orçamento de 2011, somente 24,6% foram aplicados, segundo informou a ONG Contas Abertas em janeiro.

Mas o que já era ruim ficou ainda pior agora. No primeiro semestre deste ano, a gestão Dilma só conseguiu aplicar 21% do previsto para o exercício. Para simplificar: de cada R$ 5 reservados para investir neste ano, apenas R$ 1 saiu do caixa do governo federal até agora. Vale perguntar: será que estão esperando o ano acabar para começar a gastar?

Novamente de acordo com a Contas Abertas, dos R$ 90,1 bilhões previstos para investimento no Orçamento deste ano, a União aplicou apenas R$ 18,9 bilhões até junho. Desse valor, nada menos que R$ 14,1 bilhões são restos a pagar – isto é, despesas herdadas de outros exercícios, muitos ainda da gestão Lula. Ou seja, com o PT o investimento chega sempre atrasado.

Um governo que sequer consegue executar o próprio Orçamento a que se propõe – e que é aprovado pela sociedade por intermédio do Congresso – não parece saber aonde quer chegar. A peça orçamentária é a melhor indicação do que deveriam ser as prioridades de uma gestão. Se é reduzida a uma obra de ficção, aponta, no mínimo, pouca seriedade dos gestores.

Como 2011 foi péssimo em termos de investimentos públicos, o governo Dilma até conseguiu aumentar um pouquinho a execução no primeiro semestre deste ano, na comparação com o mesmo período do anterior: a alta foi de 2,2%, quase uma irrelevância. Quando cotejados com 2010, porém, tais gastos caíram 13,7%, mostra hoje O Estado de S.Paulo.

O pior desempenho é o do Ministério dos Transportes, justamente o que lida com as principais áreas com condão de auxiliar os empreendedores privados a alavancar os negócios e reaquecer a economia brasileira. Foram R$ 2,5 bilhões a menos, uma queda livre de 41%, segundo o Valor Econômico.

Os exemplos de incúria na aplicação do recurso do contribuinte se acumulam, ao mesmo tempo em que nossa infraestrutura se deteriora. Enquanto isso, a alternativa das concessões à iniciativa privada continua travada – seja pelas obras nos aeroportos que não começam por falta de autorização da Anac, seja pelas rodovias que permanecem sem ser licitadas.

Um dos casos mais emblemáticos continua a ser o da ferrovia Norte-Sul, que tinha tudo para ser um belo marco e transformou-se num feio nódulo da gestão petista. A ligação entre Tocantins e Goiás, prevista para 2010, até hoje não saiu, ao mesmo tempo em que se acumulam as constatações de absurdos sobrepreços na obra.

O desleixo resulta no aumento dos custos logísticos e em prejuízos para sociedade como um todo. A Fundação Dom Cabral calculou que a falta de investimentos públicos no setor de transportes – portos, aeroportos, rodovias e ferrovias – provoca perdas de US$ 80 bilhões às empresas brasileiras por ano, o que equivale a 4% do PIB, informa o Brasil Econômico.

Resta claro que, enquanto os investimentos definham, o governo Dilma gasta tempo demais tentando corrigir o apagão da economia por meio de uma estratégia equivocada e malfadada – o incentivo ao consumo por meio de seus sucessivos e inócuos pacotes de benesses fiscais. Parece ter percebido, segundo a Folha de S.Paulo, que os fios estão desencapados, tanto que já se contenta com crescimento do PIB de 2%, mais uma piada produzida pelo PT.

Se o governo petista não executa os investimentos tão clamorosamente cobrados pela sociedade para tentar reverter a situação, é porque não tem competência para transformar em realidade o que, desde os anos Lula, continua apenas como discurso. Mais que isso, a “gerente” Dilma Rousseff dá mostras de não ter a menor ideia de como sair desta corrente contínua de más notícias que colocam sua gestão em xeque.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Indústria em sucata

O caminhão de incentivos oficiais concedidos à indústria brasileira não está surtindo efeito. O setor continua sua trajetória ladeira abaixo, afetado pela falta de competitividade e atropelado pela força da concorrência externa. Se pretende chegar a algum lugar, o governo federal precisa mudar sua estratégia. Na realidade, deveria adotar uma política estrutural coerente e não tentar costurar uma colcha de retalhos como tem feito.

Segundo o IBGE, a indústria brasileira caiu 4,3% em maio na comparação com igual período do ano passado. Foi a nona queda seguida nesta base de comparação e o pior desempenho desde setembro de 2009. Num curto espaço de tempo, o setor retrocedeu tudo o que conseguira avançar nos últimos anos.

A indústria brasileira opera hoje no mesmo nível em que estava em fins de 2009. Isso significa que toda a expansão registrada no pós-crise de 2008 foi anulada. Segundo O Globo, foram necessários apenas 14 meses de maus resultados – que praticamente coincidem com a duração do governo Dilma Rousseff até agora – para fazer tamanho estrago.

No ano, a indústria brasileira já encolheu 3,4%. O recuo é generalizado: em maio, houve queda em 17 das 27 atividades pesquisadas, em 46 dos 76 subsetores e em 430 dos 755 produtos investigados pelo IBGE. Historicamente, entre 2003 e 2011, cerca de 60% dos ramos industriais conseguiam manter-se em alta, mas agora apenas 40% estão nesta privilegiada condição.

A partir dos novos dados, a perspectiva do setor para este ano é de encolhimento. Para fechar 2012 no azul, a indústria brasileira teria de reverter completamente sua dinâmica atual. Segundo a LCA Consultores, será necessário saltar da queda média de 0,6% ao mês registrada até maio para uma alta média de 1,5% mensal entre junho e dezembro. Parece difícil.

Um dos complicadores é a dinâmica dos bens de produção – a fabricação de máquinas e equipamentos, que indica a direção para a qual aponta o comportamento futuro do setor. Em maio, também neste segmento houve queda de 1,8% em relação a abril e de 12,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado, revertendo seguidas altas que vinham desde setembro de 2011. A perspectiva é nebulosa.

O que parece evidente é que o caminho seguido pela gestão petista não está levando a lugar algum. Foram anunciados nove pacotes de incentivos desde 2009. Destes, sete foram adotados na gestão Dilma e, somados, representam R$ 102 bilhões em benefícios, de acordo com O Globo. Não se enxerga reação à altura.

A insistência do governo federal em medidas pontuais, fragmentadas tem sido criticada pelos analistas e pela oposição. Mas até mesmo órgãos oficiais já detonam a trilha perseguida pelas gestões petistas. Ontem, o Ipea divulgou relatório em que considera “esgotado” o modelo de crescimento baseado no incentivo ao aumento de consumo.

“Se o governo não considerar essas medidas como parte de um plano maior, o que se faz é apenas enxugar gelo, apagar incêndio ou tapar o sol com a peneira. Ou seja: não faz nada”, disparou Roberto Messemberg, coordenador do Grupo de Análise e Previsões do Ipea.

A alternativa, sugere o órgão, é alavancar os investimentos públicos. Mas está ocorrendo justamente o contrário: dos R$ 80 bilhões aprovados no Orçamento para 2012, menos de R$ 17 bilhões foram executados até agora, segundo informou a Tendências Consultoria na semana passada.

O país padece da falta de uma agenda robusta voltada a reestabelecer a competitividade da nossa economia, em especial do setor industrial. Entre 2000 e 2009, a produtividade da indústria caiu 0,9% ao ano. Sem condições adequadas para produzir, com dificuldades logísticas sérias, custos financeiros altos e carga tributária muito onerosa, nossas fábricas curvam-se à concorrência externa.

O comportamento do comércio exterior brasileiro comprova isso. O saldo acumulado no primeiro semestre foi o mais baixo em dez anos, com recuo de 0,9% nas exportações e aumento de 4,6% nas importações. Ou seja: demanda existe, mas ela está sendo suprida pelos fornecedores estrangeiros e não pelas plantas locais.

Os novos resultados divulgados pelo IBGE indicam que os pacotes lançados nos últimos anos não conseguiram impedir sequer que os setores privilegiados por benefícios também sucumbissem. A indústria brasileira tem condições de se soerguer, mas precisa, para tanto, de políticas públicas estruturantes, uma espécie de agenda da competitividade. É tudo o que não se viu nas gestões do PT até hoje.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O golpe dentro do ‘golpe’

A diplomacia brasileira está produzindo lambanças em série. Depois de conduzir a Rio+20 a um desfecho melancólico, o governo petista está envolvido até o pescoço num golpe: não, não se trata do impeachment de Fernando Lugo no Paraguai, conduzido estritamente dentro dos preceitos constitucionais do vizinho, mas sim da incorporação tortuosa da Venezuela ao Mercosul. O Brasil liderou uma espécie de quartelada neste fim de semana.

Na reunião de cúpula ocorrida em Mendoza, o periclitante bloco comercial formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai ganhou novo sócio: a República Bolivariana da Venezuela. O ingresso do país comandado ditatorialmente pela mesma pessoa há quase 13 anos só foi possível porque os demais sócios suspenderam os paraguaios do Mercosul sob a alegação de que a ascensão do novo governo de Assunção tisnou princípios democráticos. Quanta contradição...

O Senado paraguaio era o único que resistia a aprovar a entrada dos venezuelanos no bloco. Desde 2005 o ingresso do país de Hugo Chávez dependia do aval dos congressistas em Assunção, uma vez que precisa ser ratificado por unanimidade pelos quatro membros. Com a suspensão temporária do Paraguai do Mercosul, decidida há dez dias, o entrave foi levantado e a porteira para a incorporação da Venezuela, aberta.

Surge daí a contradição: o Paraguai está suspenso do bloco sob a alegação de que o impeachment de Lugo representou “ruptura da ordem democrática”, conforme a manifestação oficial do Itamaraty acerca da questão. É certo que a celeridade com que o processo transcorreu em Assunção causou estranheza, mas a Constituição do Paraguai, promulgada em 1992 e elaborada por uma assembleia eleita para tanto, não foi afrontada. Não há, portanto, que se falar em “golpe”.

O que se assemelha em tudo a um verdadeiro golpe é aproveitar-se da situação de excepcionalidade por que passa o Paraguai para pôr dentro do Mercosul um sócio que os vizinhos – por meio de seus representantes no Congresso – não desejavam. A decisão tomada em Mendoza no fim de semana é, em tudo, discutível e pode ser legalmente contestável.

Os países que acusam o Parlamento paraguaio de ter produzido um  “golpe” contra Fernando Lugo usam requintes de crueldade para penalizar e prejudicar Assunção. Por exemplo: quando vier a ser reincorporado ao Mercosul, o que é previsto para daqui a nove meses, o Paraguai não poderá reexaminar qualquer dos acordos e tratados que Chávez tiver estabelecido com os demais sócios do bloco durante o período.

“O Paraguai terá que aderir a tudo que for pactuado durante sua ausência", disse Luis Inácio Adams, ministro-chefe da Advocacia Geral da União, no fim de semana ao Valor Econômico. As decisões tomadas pelo Mercosul neste ínterim serão, pois, empurradas goela abaixo dos paraguaios. Cabe, portanto, perguntar: quem, afinal, está produzindo um golpe?

No sábado, a Folha de S.Paulo mostrou que há fundamentos jurídicos sólidos para questionar a decisão de Mendoza. O artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto, que implantou o bloco, diz que “as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados partes”. Ou seja, sem o Paraguai, nem pensar.

Para coroar, soube-se ontem que Dilma Rousseff foi o artífice do estratagema que abriu as portas do Mercosul para Chávez. O chanceler uruguaio veio a público informar que Montevideo foi contra a entrada da Venezuela no bloco nas circunstâncias atuais, isto é, aproveitando-se da suspensão temporária de um de seus sócios-fundadores. De acordo com o relato, o Uruguai foi coagido pela presidente brasileira a calar-se e avalizar o ardil.

“O chanceler Luis Almagro [do Uruguai] garantiu ontem que, sem unanimidade, a decisão só foi tomada em Mendoza por pressão direta da presidente Dilma Rousseff, não é definitiva e, agora, será reavaliada juridicamente por seu governo”, resume O Globo. Por meio do bolivariano Marco Aurélio Garcia, o Planalto negou a versão uruguaia.

Pela decisão anunciada neste fim de semana, a entrada da Venezuela no Mercosul só será oficializada em 31 de julho, numa nova reunião dos países do bloco. Quem sabe os uruguaios não consertam por lá a lambança feita por cá? Do contrário, o bloco regional, que hoje já mal se aguenta sobre as pernas, terá agora que viver a reboque de Hugo Chávez e seus bolivarianos. Alguém duvida que, nestas condições, e de golpe em golpe, o Mercosul avança para um naufrágio?

terça-feira, 3 de julho de 2012

Real, 18 anos

Há 18 anos, o país começava a viver uma mudança que marcaria para sempre sua história. Uma nova moeda, o real, estreava, recebida com um misto de ceticismo e esperança. Passado tanto tempo, a moeda estável demonstrou que veio para ficar. O sucesso do Plano Real contrasta, porém, com a falta de ousadia dos governos petistas: para voltar a dar saltos à frente, o Brasil clama por novas transformações institucionais, mas não tem tido quem as lidere.

O real foi o oitavo plano de estabilização – décimo-segundo, se considerarmos também as experiências ortodoxas do fim do regime militar – a ser tentado no país no intuito de pôr fim à hiperinflação, que durante anos persistia na casa de dois dígitos mensais. Todas as tentativas anteriores só haviam resultado em mais carestia, reaceleração dos preços e frustração. Os mais pobres eram sempre os mais penalizados, por não contar com mecanismos de proteção financeira.

Em 1993, Itamar Franco pôs em marcha uma estratégia inovadora, bolada por um grupo de jovens e brilhantes economistas: seu cerne era desarmar a engrenagem da indexação, que sempre retroalimentara a inflação. Para conduzi-la, o presidente escalou Fernando Henrique Cardoso, que deixou o comando do Itamaraty para assumir o Ministério da Fazenda. A uma ideia ousada juntou-se um líder capaz de emprestar credibilidade à empreitada, como Itamar precisava.

Uma das características do plano, e fundamental para seu sucesso, foi a transparência. Então acostumada a pacotes baixados na calada da noite, a sociedade brasileira foi envolvida no processo de adoção da nova moeda, de modo a preparar-se para aquele 1° de julho de 1994, dia em que o real finalmente estreou. Tratava-se de uma postura absolutamente inovadora, franca, honesta.

Antes do real, o Brasil experimentou o cruzeiro real como padrão monetário; foi nossa nona moeda e só existiu por 334 dias. Para ter noção de quão dramática era a situação, neste curto período o cruzeiro real acumulou inflação de 3.673%. Trocando em miúdos: naquela época, os preços subiam em dois dias mais do que sobem hoje, em média, num ano todo. O real veio enfrentar esta realidade e vencê-la.

A estabilização foi o passo inicial de uma profunda transformação institucional do Estado brasileiro. A ela, seguiram-se a renegociação das dívidas estaduais e municipais; o saneamento do sistema bancário, por meio do Proer; a Lei de Responsabilidade Fiscal; a adoção do regime de metas de inflação e de câmbio flutuante. Concomitantemente, vieram também a liberalização comercial e as privatizações. O PT opôs-se a todas estas iniciativas, mas, a despeito de sua truculência oposicionista, o Brasil foi renovado.

Todo este ciclo de mudanças transcorreu ao longo dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique. Lá se vão dez anos desde seu fim, e a pergunta que fica é: o que aconteceu de novo no Brasil desde então? É certo que, no empuxo de uma expansão sem precedentes no comércio global ao longo dos anos 2000, milhões de brasileiros foram incorporados ao mercado de consumo nos últimos anos. Mas que avanços institucionais ocorreram na era petista? A resposta é: nenhum.

O Brasil teve, nos últimos anos, oportunidades preciosas de ingressar num longo ciclo de desenvolvimento sustentado. Para tanto, eram necessárias novas mudanças, lances de ousadia, reformas estruturais, instituições adequadas aos novos tempos. Mas, nos governos petistas, vivemos aprisionados no curto prazo, sem preparar o país para voltar a dar novos saltos adiante, como o Plano Real fez.

Muito do sucesso do governo Lula e da relativa estabilidade da gestão Dilma Rousseff deve-se ao arcabouço institucional herdado da administração tucana. Fica-se a imaginar o que teria acontecido se a chegada do PT ao poder não tivesse sido precedida das inovações e das transformações desencadeadas naquele longínquo 1° de julho. O Brasil que temos hoje – melhor que o de ontem, mas ainda distante do que precisa ser amanhã – só existe graças ao Plano Real.