sexta-feira, 27 de abril de 2018

Caindo no real

Quem tiver imaginado que o período eleitoral que se avizinha seria um passeio para a economia brasileira pode ir tirando o cavalo da chuva. A temporada se anuncia turbulenta, ressuscitando riscos e temores que a incipiente recuperação da atividade ainda não se mostrou capaz de afastar.

O indicador mais sensível ao nervosismo tem sido o comportamento do dólar. Nas últimas semanas, a moeda americana vem ensaiando uma escalada e caminha para protagonizar nesta eleição o mesmo papel de termômetro que desempenhou em outros momentos de encruzilhada, como na primeira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.

Até agora a moeda americana já se valorizou 7% no ano. Os efeitos previsíveis vão de impacto na inflação (provavelmente pouco relevante, em razão de outros fatores), encarecimento de produtos importados e maior dificuldade para a realização de investimentos de longo prazo. De positivo, as exportações do país passam a valer mais.

Mas o dólar pode ser apenas um sintoma mais evidente de inquietações latentes, ainda não afloradas, mais desconsertastes.

A economia brasileira como um todo tem se mostrado menos animada do que se imaginava até o início do ano. A retomada da atividade está mais capenga do que o país necessita para superar o estrago da recessão petista.

Há condições gerais positivas para a aceleração do crescimento, mas fatores subjetivos estão travando o ímpeto de firmas e consumidores. Se, por um lado, a queda expressiva da inflação e o corte profundo na taxa básica de juros deveriam estimular os agentes, por outro o cenário eleitoral inspira cautela, para dizer o mínimo.

O temor é de que a trilha que permitiu ao país deixar para trás a recessão e ensaiar a reativação da atividade, com efeito benéfico sobre o mercado de trabalho, não tenha continuidade. O cenário fiscal – com ou sem recuperação – não colabora. As alternativas que hoje despontam em melhores condições na corrida eleitoral colaboram para que a luz amarela acenda.

Este é um tema que precisa ser tratado como central na disputa presidencial. O país corre, efetivamente, riscos de cair de novo na vala das políticas malucas e irresponsáveis que levaram nossa economia para o buraco – e milhões de brasileiros para a fila da busca do emprego. A escolha do eleitor precisa levar em conta esta ameaça concreta.

As candidaturas realmente comprometidas com a recuperação do país, com a responsabilidade e com a solidez daquela que é a oitava maior economia do mundo não podem se furtar a travar o combate franco e aberto com as forças que querem puxar o Brasil de volta para um passado que só nos oferece uma garantia: o atraso.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Reformar dá trabalho

É uma máxima que vale para quem está envolto em obras e construções domésticas, capazes de deixar qualquer um maluco. Mas não apenas: reformar não só telhados ou o piso da cozinha, mas sobretudo leis e instituições de um país, dá trabalho, muito trabalho. Talvez por isso, governo e Congresso tenham simplesmente desistido, por ora, de promover as mudanças estruturais que o Brasil precisa.

A vítima mais recente é a reforma trabalhista. Ontem, caducou a medida provisória (MP) editada para esclarecer e complementar pontos da ousada alteração nas leis do trabalho levadas a cabo ao longo do ano passado. Sem ela, a reforma restou capenga, com efeitos negativos sobre o mercado de trabalho e a geração de empregos.

A caducidade não corresponde a alguma suposta falta de importância. Pelo contrário. A MP despertara o interesse de 967 emendas, condizente com tema que mexe na vida de dezenas de milhões de famílias. Não foi suficiente, contudo, para fazê-la avançar no Congresso.

O episódio da reforma trabalhista reforça uma das maiores fragilidades contemporâneas do país: a insegurança jurídica. Do jeito que ficou, as mudanças na CLT podem não conseguir promover os incentivos às contratações para os quais foram orientadas. Também não conseguirão deixar nem empregadores nem empregados tranquilos em relação a seus deveres e direitos.

Em termos mais abrangentes, o que se constata é que o ímpeto reformista se esvaiu. 

É como se, num passe de mágica, de uma hora para outra, a necessidade premente de promover mudanças tivesse deixado de fazer sentido. E não apenas pela fragilidade evidente do atual governo, mas também por certa pusilanimidade do Legislativo. Com medo da reação dos eleitores, Suas Excelências preferiram se omitir e não votar mais nada que possa tisnar o humor da população.

Ao contrário do que a paralisia do governo e do Congresso poderia sugerir, o Brasil não tem tempo a perder. Restam ainda oito meses para o atual presidente da República, período que deveria ser suficiente para enfrentar muitas mazelas, ou, na pior das hipóteses, encaminhar soluções para o próximo mandatário. Não é o que se vê.

Nas instâncias decisórias, o país está parado, enquanto o Brasil real cobra soluções, mais iniciativas, maior ímpeto para resolver problemas. A dissociação entre representantes e representados, entre o povo e a política, aumenta, o que nunca é bom.

Governar e legislar não são – ou não deveriam ser – atos de mera vontade, que se realizam ao sabor de conveniências de momento. Governar e legislar é enfrentar resistências, confrontar privilégios, mudar a ordem em favor do bem comum. Sempre que Executivo e Legislativo se acomodam, traem aqueles que deveriam honrar. Mais uma vez.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Lei para todos, todos pela lei

O senador Aécio Neves tornou-se réu em ação que investiga suposta prática de corrupção passiva e tentativa de obstrução de Justiça. Tomada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a decisão aniquila, se é que ainda era preciso, argumento de que a Justiça e a Operação Lava Jato têm sido seletivos.

Praticamente todo o espectro partidário brasileiro entrou na mira das investigações que se desenrolam há quatro anos. É, portanto, balela do PT que só eles sejam alvo.

A lista de envolvidos também já alcançara lideranças importantes do MDB e do PP, para ficar no âmbito do consórcio que governou o país de 2003 a 2016, e nos últimos meses também fisgou alguns opositores do petismo.

O PT domina as investigações e as condenações por uma razão simples: porque foi o partido que teve as chaves dos cofres que alimentaram a corrupção nos últimos anos – condição da qual os que lhe faziam oposição em âmbito federal não dispunham.

Como o próprio senador por Minas afirmou na terça-feira, Aécio terá agora oportunidade de apresentar sua defesa na integralidade. Até aqui, neste quase um ano desde que as suspeitas contra ele vieram à tona, praticamente só as acusações se fizeram ouvir. Os argumentos e as explicações oferecidas pelo agora réu tiveram pouca ou nenhuma oportunidade.

Contra ele, Aécio tem uma gravação capaz de fazer qualquer um corar, assim como algumas imagens constrangedoras envolvendo parentes dele. A seu favor, tem um argumento que, quando tiver chance de comprovar, pode ser definitivo: o dinheiro supostamente usado na transação jamais envolveu contrapartida na forma de benefícios públicos e, portanto, não pode caracterizar corrupção.

Os fatos e desdobramentos desde a eclosão do episódio, em maio de 2017, ajudam o tucano. A estratégia que levou às gravações foi contestada posteriormente pela própria Procuradoria-Geral da República e os benefícios dados ao delator, Joesley Batista, anulados. Revelou-se também a participação irregular de procuradores na trama. Sua suposta tentativa de barrar o trabalho da Polícia Federal também nunca se concretizou, como os acontecimentos recentes ilustram.

Para além da questão pessoal do senador, o que precisa ser prontamente rechaçada é a tese de que o episódio iguala toda a política nacional por baixo.

Esse é o argumento dos sonhos daqueles que governaram o país por mais de uma década e que construíram seu método de gestão sobre os alicerces da corrupção, que se espraiou do Executivo ao Legislativo e nas relações com o setor privado. Não há paralelo, talvez em nenhum lugar do mundo, ao esquema criminoso erigido pelo PT e seus sócios.

É salutar que a lei seja aplicada, e que ela sirva para todos. Mas é ainda mais imperativo que os processos sejam conduzidos de forma equilibrada, com amplo direito de defesa aos acusados – como, por exemplo, teve Luiz Inácio Lula da Silva. A necessária limpeza não pode ser transformada em circo midiático voltado a aplacar a (compreensível) sede dos brasileiros por Justiça e pelo fim da corrupção.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

O centro desabitado

A pesquisa divulgada no domingo pelo Datafolha permite vislumbrar alguma perspectiva na corrida eleitoral que se aproxima. Longe de ser um cenário perene, posto que com muitas candidaturas capengas, traz contornos um pouco mais nítidos para delimitar os campos ideológicos em disputa.

Há maior clareza nos extremos e uma enorme incógnita no centro. Isso tende a obrigar uma definição mais célere das alternativas que pretendem ocupar este espectro político, sob risco de ver nacos dele engolidos de forma oportunista pelos antagonistas situados em cada uma das pontas.

Dizia-se até pouco tempo que, na corrida eleitoral que se avizinha, o centro político está congestionado. Mais correto seria dizer, com base na pesquisa desta semana, que ele é um vazio a ser habitado por alguma candidatura mais consistente e mais condizente com a gravidade do momento atual.

A miríade de alternativas ditas centristas claramente não se sustentará e irá minguar daqui até a eleição. Até por razões financeiras. Partidos pragmáticos como MDB e em ascensão parlamentar como o DEM não vão torrar dezenas de milhões de reais – o limite são R$ 70 milhões no primeiro turno – apenas para que seus candidatos façam figuração na eleição.

Caricaturas como as apresentadas pelo PRB, pelo PSC, pelo Solidariedade, pelo Novo, por mais bem intencionadas, e até qualificadas, provavelmente passarão em branco na luta pelo voto liberal-conservador não radical.

Resta o PSDB. Seja pela tradição ou pela densidade eleitoral que ainda conserva, o partido ainda tem condições de galgar o espaço que está aberto e assegurar sua vaga no segundo turno. Vai precisar, contudo, de postura diferente da que vem assumindo.

O que parece estar claro é que o eleitorado exige do próximo presidente que assuma posições claras, tome atitudes inequívocas, compre as brigas necessárias para demonstrar sua firme disposição de mudar o estado de coisas em que o país ainda encontra-se afundado. Até porque, com ou sem Lula, o lulismo e o petismo ainda serão atores relevantes desta eleição – e provavelmente de muitas outras.

Não é por outra razão que uma parte significativa de brasileiros se seduz pelo canto da sereia de um ex-capitão do Exército que encarnou o antipetismo e vive a prometer o que os mais conservadores gostam de ouvir. Seu problema, contudo, é que suas ideias não correspondem aos fatos, tampouco aos atos de sua longa trajetória de político.

O maior risco do centro viável é ver-se tentado a mimetizar-se com o espectro ideológico mais à esquerda – este, sim, um campo já congestionado pelas candidaturas da Rede, do PDT e do PSB. São três forças com potencial que podem se parasitar e inviabilizar-se mutuamente, numa disputa tão fragmentada.

Se souber evitar estes caminhos enganosos, o centro tem uma avenida aberta diante de si. Precisa ter a virtude da temperança, da busca de entendimento amplo, mas não pode furtar-se a travar o combate e a denúncia dos erros que levaram o país a estar no fosso em que está. Não se superará a crise passando uma borracha no passado recente.

Uma boa alternativa de centro também precisará demonstrar que, ao contrário da maior parte de seus adversários, tem competência e experiência comprovadas. Necessitará transmitir à população que pensa, sente e age como o brasileiro comum, que experimenta na pele a dificuldade que é viver no Brasil atual. E, sobretudo, que tem a convicção necessária para mudar o país.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Quem está pagando a conta da recessão

A desigualdade social é a chaga mais vergonhosa da sociedade brasileira. A má distribuição da renda persiste de longa data, mas a mais severa recessão das últimas décadas conseguiu piorar o que já era muito ruim. São justamente os mais pobres que estão pagando a conta de uma década de políticas ruinosas levadas adiante pelos governos do PT.

O que é visível nas ruas o IBGE acaba de traduzir em números e indicadores que constam da edição de 2017 da Pnad Contínua – Rendimento de todas as fontes. Uma das conclusões merece ser reproduzida, pela crueza do que traduz.

“As pessoas que faziam parte do 1% da população brasileira com os maiores rendimentos recebiam, em média, R$ 27.213, em 2017. Esse valor é 36,1 vezes maior que o rendimento médio dos 50% da população com os menores rendimentos (R$ 754). Na região Nordeste essa razão foi de foi 44,9 vezes e na região Sul, 25 vezes.” Os 10% mais ricos acumulam riqueza igual à dos 80% mais pobres. A desigualdade pode ser ainda pior, por subestimada.

A recessão continuou a sua razia sobre os rendimentos dos brasileiros, que incluem salários, aposentadorias, pensões, aluguéis e benefícios assistenciais. Comparações mais longas são mais difíceis porque o levantamento só começou a ser feito de maneira abrangente e completa pelo IBGE a partir de 2016.

Mas o que é líquido e certo é que, em 2017, de novo a conta pesou mais para o piso da pirâmide. Entre os 5% mais pobres, o rendimento mensal médio caiu 38%, enquanto no extremo superior, a perda limitou-se a 3%. Todas as faixas perderam renda, em quedas que se somam e se acumulam às registradas nos anos anteriores. Infelizmente, vai demorar a mudar.

Por todos os ângulos que se olhe, o Brasil é imensamente injusto. Neste país empobrecido, informa O Estado de S. Paulomais de 10 milhões de pessoas vivem com menos de R$ 40 por mês, o que é insuficiente até para um copo d’água por dia. Mais: 43 milhões ganham abaixo do mínimo, ressalta O Globo. Parece mais uma evidência de que políticas sociais e assistenciais recentes não conseguiram alcançar os resultados almejados.

Um de cada quatro brasileiros vive hoje na pobreza, de acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais de 2016, divulgada pelo IBGE em dezembro. Na ocasião, o Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade) calculou que 9 milhões de brasileiros foram empurrados para baixo da linha da pobreza a partir de 2014. Em 2017, o mergulho continuou: mais 1,5 milhão desceram à condição de pobreza extrema, informa o Valor Econômico em sua manchete de hoje.

Alegar que as perdas registradas no ano passado são decorrência de políticas e iniciativas do governo que sucedeu Dilma Rousseff é, no mínimo, má-fé. Não se altera o curso de um transatlântico, como é a economia de um país como o Brasil, num estalar de dedos. Não se remedia desgraça tão grande em tempo tão curto. Ou seja, a dificuldade ainda remanescente é, sim, herança petista.

A gravidade da recessão promovida pela política desastrosa de Lula e Dilma é tão severa que estende seus efeitos até o presente e atormenta a retomada econômica. Mesmo depois de mais de um ano do fim da retração, a atividade produtiva continua custando a emergir, os empregos demoram a reagir, os rendimentos ainda esfarelam em razão da maior informalidade do mercado de trabalho.

A missão dos governos ao longo das últimas décadas, a começar dos avanços inscritos na Constituição de 1988 e potencializada com a estabilização da economia a partir do Plano Real, tem sido fazer o Brasil fazer a travessia em direção a ser um país mais próspero para todos, reduzindo o fosso que separa ricos e pobres e alimenta a violência e o desencanto. A década perdida em razão dos erros econômicos e dos crimes do PT tornou o caminho muito mais longo e árduo.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Uma ideia do que Lula representa

Lula considera que não é mais um ser humano, tornou-se uma ideia. A imagem é poética e forte, e os petistas não se cansam de propagá-la. Mas os atos, e não a mitologia, definem bem melhor o que a abstração projetada pelo ex-presidente significa de fato hoje. A ideia real que Lula representa é oposta à que ele pretende.

No duro da realidade, Lula encarna a afronta às instituições, a convocação ao enfrentamento, o desrespeito à regra, a ofensa à lei e à Justiça. Lula personifica a desordem e a insegurança. Foi com este figurino que ele desfilou em suas horas finais de liberdade. Esta é a ideia que o líder dos petistas efetivamente encarna.

Lula não se cansa de desvirtuar valores, de conflitar alguns dos pilares de uma sociedade que se pretende igual para todos. Ele se acha acima do bem e do mal, e bem acima da lei.

Tornou-se a antítese de tudo o que deve ser perseguido num país que sonha ser novamente próspero, tudo o que é valorizado por um povo que quer voltar a acreditar que é possível viver bem e dignamente. E é possível!

O ex-presidente, preso desde sábado pela prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, poderia ter entrado para a história na condição de protagonista de algumas de suas páginas mais notáveis. Escolheu, contudo, figurar nos seus capítulos mais deploráveis.

Lula não parece ter se contentado em apenas patrocinar o maior esquema de corrupção que o país já presenciou – e um dos mais cabeludos da história da humanidade. Agora também joga no lixo o papel institucional que, como ex-mandatário do país, deveria cumprir.

Um ex-presidente que desrespeita as mesmas instituições que tornaram possível a sua trajetória de vida não é digno da admiração de seu povo. É menos ainda merecedor de voltar ao cargo que almeja.

Os que se prestam a seguir Lula e encarnar a “ideia” que ele diz significar respondem à altura o brado do líder: batem em profissionais da imprensa, depredam patrimônio público e privado, agridem quem ousa contrapor-se a eles. Destilam, em suma, ódio e intolerância. Pelos seus gritos de guerra, dá para ter ideia do que Lula representa. E não é isso o que o país quer para si.

É, no entanto, tranquilizador que sejam cada vez menos numerosos os que se animam a seguir esta ordem unida pela afronta, pelo esculacho e pelo achincalhe ditada por Lula. Tendem a ainda ser ruidosos, fazem alarido em rede sociais, costumam ser os amigos mais espalhafatosos em manifestar adoração ao mito.

Na vida real, contudo, são cada vez menos relevantes. Estão minguando a olhos vistos. Ocupam cada vez menos espaços e, felizmente, respondem cada vez menos aos chamamentos de suas lideranças radicais. Tornam-se mais e mais marginais. O fato é que, apesar das insistentes convocações e ameaças, o povo não foi às ruas defender Lula, só os militantes mais empedernidos.

Lula e seus seguidores escolheram o seu lado: contra tudo o que está aí, bem ao estilo do velho petismo. O Brasil real também optou pelo seu: o do trabalho, da dedicação, do respeito e, sobretudo, o da confiança e da esperança, reforçadas pelos acontecimentos dos últimos dias, de que somos todos iguais perante a lei, valor fundamental para uma nação que precisa urgentemente se reconstruir.

sábado, 7 de abril de 2018

Nunca antes neste país

A decretação da prisão de Luiz Inácio Lula da Silva pode representar um marco na redenção pela qual o Brasil vem passando para purgar os pecados da era petista. Um ex-presidente da República, o mais popular deles, na cadeia é sinal de que, finalmente, é possível crer que ninguém está acima do bem e do mal, nem acima da lei.

Já são quatro anos desde que começou a faxina ética enfeixada nas ações da chamada Operação Lava Jato. Entre alguns excessos e muitos acertos, as investigações vêm passando todo o sistema político e empresarial do país a limpo. Gente de todos os matizes ideológicos foi atingida – e não só os petistas, como eles adoram afirmar.

É difícil comemorar a prisão de um líder popular como Lula. Mas é salutar para um povo que se pretende civilizado, livre, soberano, democrático e igualitário constatar que alguém que teve o poder e a influência que ele teve também está sujeito aos ditames da Justiça.

Uma vez no poder, Lula parece ter desacreditado disso e apostado que, por uma suposta “causa”, seja lá o que isso quisesse dizer, podia tudo. Acreditou-se imune e impune. Esta visão algo messiânica ele ainda não abandonou, como se percebe também em seus discursos recentes.

“Eles não vão prender meus sonhos. Se não me deixarem andar, andarei com as pernas de vocês. Se eu não puder falar, falarei pela boca de vocês. Se meu coração parar de bater, baterá pelo coração de vocês”, discursou o petista na segunda-feira, no Circo Voador, no Rio, conforme registrou o Valor Econômico.

Lula tem importância que não se apagará da história do Brasil. Mas sua trajetória vencedora, sua ascensão, sua exitosa caminhada até a conquista da presidência da oitava maior economia do mundo tornaram-se apenas parte de um enredo de vida polvilhado pelos mais cabeludos casos de corrupção da humanidade.

Lula poderia ter gravado seu nome num panteão de glória, mas seu apetite desmedido pelo poder – e, sim, também pelos mimos que só muito dinheiro pode pagar – transformou o que poderia ter sido uma bonita história de vida numa ficha corrida de fazer qualquer um corar – e chorar.

O ex-presidente não é um injustiçado. Os crimes que cometeu estão fartamente comprovados, e apenas começaram a ser julgados. A irresponsabilidade e a soberba com que conduziu o Brasil, seja nos oito anos de seu governo, seja nos cinco de sua preposta, afundaram o país, cassaram a dignidade e a esperança de milhões de pessoas, instalaram um reino de corrupção.

Lula também não é um humilde, tampouco um pobre coitado acoimado pela elite e açoitado por juízes maldosos. Lula desfrutou de poderio que nenhum chefe de Estado brasileiro jamais teve: pelas engrenagens que a roubalheira patrocinada por seu partido azeitou, pelo compadrio com que reinou apupado pelos donos do dinheiro grosso no país, pela condescendência com que a opinião pública o tratou.

Ao se apresentar hoje para ser o primeiro ex-presidente da República do Brasil a ir para a cadeia, Luiz Inácio Lula da Silva estará escrevendo algumas das páginas mais deploráveis da sua vida. Mas estará ajudando a acender na nossa cidadania a crença de que a Justiça pode até tardar, mas não falha. E a esperança de que, afinal, o crime não mais compensará em nosso país.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Lula na prisão, e na urna

Prevaleceu o direito na decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A maioria dos ministros não se dobrou ao casuísmo, fez prevalecer a jurisprudência e alimentou na cidadania a esperança de que todos são iguais perante a lei.

O resultado apertado, com apenas um voto de diferença pela rejeição do habeas corpus, já era esperado, em função do histórico de manifestações públicas dos magistrados. O placar final deveu-se à notável coerência jurídica da ministra Rosa Weber, que votou contra seus princípios, mas em obediência ao entendimento normativo em vigor.

Atender ao pedido da defesa e livrar Lula da prisão iminente teria equivalido a dar tratamento distinto a um condenado, ao arrepio do que a lei determina como parâmetro geral. Se desde 2016 o Supremo decidiu que a execução da prisão é cabível após decisão judicial de segunda instância, por que com o ex-presidente teria que ser diferente?

Outra será a discussão se os ministros decidirem mudar a jurisprudência em resposta a duas ações declaratórias de constitucionalidade atualmente sobre a mesa do STF. Caso as acatem, aí sim um caso particular como o de Lula teria justificativa de ser considerado de maneira diversa em razão de um novo entendimento jurídico de alcance universal, e portanto aplicável a todos.

Para além de desdobramentos meramente processuais, o resultado da sessão de ontem e a possível execução da prisão de Lula na próxima semana trazem implicações diretas sobre as eleições deste ano.

O que a crônica política e as análises que se seguiram ao julgamento parecem não perceber é que a decisão desta quarta-feira, por paradoxal que seja, pode não enfraquecer a candidatura lulista. Ao contrário.

O PT sabe que, não sendo Lula seu nome na urna, suas chances de êxito em outubro são mínimas ou inexistentes. Assim, a única opção é seguir com a candidatura do ex-presidente até o fim, preso ou não, inelegível ou não, impugnado ou não, registrado ou não.

Pode parecer fantasioso, mas a miríade de recursos e prazos à disposição dos advogados torna possível que o nome de Lula esteja na urna eletrônica em outubro. Aí os votos dados a ele, mesmo inelegível, seriam computados à parte, mas considerados como nulos para a definição do resultado geral. Nesta hipótese, o ex-presidente pode vir a ter mais votos do que os prováveis classificados ao segundo turno.

Este é o objetivo estratégico do PT: ser uma espécie de vencedor moral do pleito.

Para o petismo, perder com um plano B (as opções são tão vastas quanto inócuas) é muito pior do que poder dispor, nos próximos quatro anos, para seu uso e abuso político, da narrativa de que o vencedor do pleito de 2018 é ilegítimo, posto que eleito com menos votos do que os que podem vir a ser registrados pelo candidato impugnado, caso Lula e o PT consigam fazer com que o retrato do homem apareça na urna eletrônica quando os eleitores digitarem 13.

Será muito mais efetivo e producente para as candidaturas petistas aos governos estaduais e aos legislativos apresentarem-se como partes integrantes de uma frente heroica de resistência ao suposto “golpe” inaugurado em maio de 2016 e consumado em 2018 do que serem apenas mais uma alternativa eleitoral enfraquecida pela ausência de seu principal líder na proa.

Lula preso mas na urna – à base da enxurrada de recursos que o direito põe à disposição de quem está disposto a ir às últimas consequências – é amuleto muito mais poderoso do que algum poste sem luz e sem brilho. É melhor as candidaturas que se apresentam para derrotar e superar o petismo levarem isso em consideração do que apostar que o ex-presidente irá ficar quieto numa cela de cadeia, que, desde ontem, tornou-se seu destino mais imediato, mas não definitivo.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Sangria nos cofres

Está difícil pôr ordem nas contas públicas do país. Falta da principal parte interessada, o Executivo, disposição para o ajuste e sobra, por parte de Legislativo e Judiciário, ânimo para afrouxar ainda mais as rédeas sobre as chaves dos cofres. Nesta toada, a conta dos gastos do governo só aumenta.

Ontem, o Congresso derrubou vetos presidenciais a propostas legislativas que concediam novas renúncias fiscais a alguns setores produtivos – uma conta que, nunca é demais recordar, já soma atualmente R$ 285 bilhões ou pouco mais de 4% do PIB, segundo a Receita. Os principais beneficiários das decisões desta terça-feira são produtores rurais, micro e pequenos empresários.

Sem entrar na discussão de maior ou menor mérito das concessões, o que é líquido e certo é que a generosidade vai custar muito dinheiro. Os jornais falam em valores que variam de R$ 10 bilhões de impacto apenas neste ano a R$ 23 bilhões em até 15 anos. O orçamento público vai sangrar um pouco mais e os futuros governos terão maior dificuldade para governar.

Infelizmente, a sangria não vai parar por aí. No fim de semana caducam mais duas propostas fiscais encaminhadas pelo Executivo ao Congresso ainda no ano passado. Como se trata de medidas provisórias (MP), perderão a validade sem terem sido apreciadas e votadas pelos parlamentares.

A mais dramática é a MP que postergava a concessão de aumentos salariais a servidores públicos e aumentava para 14% a alíquota previdenciária cobrada da categoria. Em dezembro, o PSOL conseguiu suspender seus efeitos por meio de liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski.

O mérito da questão acabou não sendo levado ao plenário do Supremo Tribunal Federal e não o será, já que o prazo da MP vence no domingo. Com isso, esvaem-se mais R$ 6,6 bilhões com os quais o governo esperava contar neste ano a partir do adiamento dos reajustes e do aumento da contribuição dos servidores ao regime próprio de Previdência. Os contracheques do funcionalismo agradecem.

Também virará fumaça a proposta de taxar fundos exclusivos de investimentos. Aqui não há qualquer desculpa plausível: a medida atingiria apenas quem tem condições de acessar mecanismos financeiros sofisticados, em geral restritos à altíssima renda – os mortais comuns já pagam tributos sobre suas aplicações. A frustração de receita, neste caso, soma R$ 6 bilhões a partir de 2019.

A impressão que fica é que o esforço fiscal que a atual gestão ensaiou levar adiante desde 2016 não passou da aprovação do meritório teto de gastos inscrito na Constituição. As reformas mais robustas, como a da Previdência, fracassaram e os necessários ajustes nas contas públicas estão patinando. Pior para o próximo governo. Pior para o país.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

O risco da impunidade

A decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve tomar nesta quarta-feira extrapola o caso específico de Luiz Inácio Lula da Silva. Terá implicações sobre o estado de espírito geral da população, num momento em que a nação clama por justiça e por uma correção que permita aos brasileiros voltar a sonhar com um país mais justo e equilibrado.

Estará em questão amanhã se um condenado em duas instâncias, ou seja, por um juiz isoladamente e por uma decisão colegiada posterior, pode ou não ter sua sentença executada para começar a cumprir a pena na prisão. A alternativa a este entendimento é uma autoestrada escancarada para a certeza de que, para quem pode pagar, a punição jamais virá.

Advogar que a execução da pena só é cabível após a decisão transitar em todas as looongas instâncias do nosso Judiciário é pavimentar o caminho para a impunidade. Sobretudo de quem tem bons e caros advogados capazes de dar nó em pingo d'água, de torcer pelo avesso a interpretação das nossas leis e de dobrar magistrados com sua boa lábia.

“Se o STF mudar o entendimento e estabelecer que o início do cumprimento da pena será apenas após se esgotarem todos os recursos possíveis na última instância, será impossível condenar um culpado em crime de colarinho-branco, que são os crimes que em geral não deixam prova material. Nesses casos a regra será a prescrição, em razão das inúmeras oportunidades de protelação”, bem resumiu o físico e economista Samuel Pessôa na edição de domingo da Folha de S.Paulo.

A maior parte dos países no mundo adota a possibilidade de prisão após a segunda instância – há casos em que ela ocorre até mesmo apenas com base na decisão do juiz inicial. Por uma razão que parece cristalina e insofismável: nestas rodadas já terá havido produção de provas e exercício suficiente do contraditório para firmar-se convicção de culpa ou inocência.

Estender o processo até as calendas, como acontecerá se a interpretação da lei brasileira mudar, servirá apenas a protelações que visam livrar culpados do cumprimento de suas penas. É, pois, um atestado de impunidade dado num momento em que a sociedade brasileira mais clama pelo mais básico: que quem errou pague pelo que cometeu.

É curioso que mais de 3 mil juristas e causídicos que ontem divulgaram abaixo-assinado pela mudança da jurisprudência só tenham resolvido se insurgir agora contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Enquanto mais de 230 mil pessoas estão presas sem sequer terem sido julgadas, muito menos condenadas, isso não os estimulou a se manifestar. Mas bastou a iminência de reclusão de Lula para que exercitassem sua indignação. Por quê?

Em termos políticos e eleitorais, a prisão, por contraditório que possa parecer, pode acabar sendo mais benéfica do que maléfica para o ex-presidente. Ajudará a envergar em Lula a vestimenta que ele mais gosta: a de vítima. Paciência. É mais importante que a lei se cumpra e se prove que ninguém está acima dela.

Os eventuais dividendos eleitorais do petismo não superam o poder pedagógico, profilático e redentor que significa levar à cadeia um ex-presidente da República que foi acusado, devidamente julgado e duplamente condenado por ter cometido crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Importa menos sobre quem recairá a decisão que o STF tomará amanhã – se sobre A, sobre B ou sobre Lula. Importa tudo que se consolide no país um ambiente estável, equilibrado, perene e seguro de aplicação da lei. Mudar a jurisprudência ao sabor das circunstâncias não interessa a quem preza o fortalecimento do Estado de direito e a prevalência da democracia.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Fim de feira

Até o fim desta semana, o governo Michel Temer ganhará as feições com que, provavelmente, completará o mandato em dezembro. Embora metade dos atuais ministros deva dar adeus a seus cargos, importa menos a dança das cadeiras e mais o compromisso que a gestão atual deve manter em concluir bem a transição nascida do impeachment de dois anos atrás.

As muitas mudanças nos ministérios e nos primeiros escalões – que se reproduzem também nos governos estaduais – têm a ver com as eleições gerais de outubro. A lei obriga aqueles que querem ser candidatos a se desincompatibilizar seis meses antes do pleito, com exceção do presidente da República e dos governadores que decidam buscar a reeleição.

Do seio do governo Temer podem sair até três postulantes à presidência: ele próprio, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o ex-presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro. Outros tantos tentarão virar governadores. Trata-se de situação no mínimo incomum e que recomenda cautela redobrada para que os nove meses pela frente não se transformem num melancólico fim de feira.

Não há brilho evidente na equipe escalada para completar o mandato herdado do impeachment. Mas é imperativo que remanesça nela algum ímpeto para tentar levar adiante as iniciativas de governo possíveis para que o país seja entregue em melhores condições ao sucessor de Temer.

Este não é, evidentemente, o governo dos sonhos de ninguém. Mas é aquele que a Constituição determinou que o país tivesse, como decorrência do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Teve acertos significativos na área econômica enquanto manteve práticas éticas deploráveis, legado também do contubérnio de mais de uma década com o PT.

Mesmo com seus muitos pecados, a gestão Michel Temer precisa ser vista dentro da perspectiva histórica. Qualquer governo que herdasse a ruína em que as gestões petistas transformaram o país enfrentaria dificuldades descomunais para avançar. Este talvez tenha ido até mais longe do que inicialmente se esperava.

Os avanços econômicos são evidentes. Emplacar em menos de dois anos uma trinca formada por retomada do crescimento, queda acentuada da inflação e baixa dos juros para patamar histórico não é trivial. Um quarto elemento vai se juntando à equação, ainda que mais timidamente que o desejável: a alta do emprego.

Tal êxito não se refletiu em necessária probidade na administração. O presidente da República tornou-se, na semana passada, alvo de novas investidas que investigam supostas irregularidades ligadas aos portos brasileiros, em especial o de Santos (SP). Deve esclarecer as suspeitas e não se esquivar de dar respostas.

Reconhecer os méritos de Michel Temer nesta difícil travessia entre o impeachment e a posse do novo governo eleito não significa abonar-lhe atitudes quaisquer. Ao mesmo tempo, serve, sobretudo, a interesses do PT imputar ao atual presidente da República a culpa por calamidades das quais, na pior das hipóteses, ele foi mero coadjuvante nos governos de Lula e Dilma.