sexta-feira, 30 de março de 2018

A falta que as reformas fazem

Há pouco mais de um mês, a reforma da Previdência foi varrida para debaixo do tapete. Surgiu, então, como alternativa uma agenda de 15 “prioridades” econômicas que até hoje não avançou um palmo sequer no Congresso. Aos desavisados, pode até parecer que, num passe de mágica, o país tenha voltado à normalidade e os nossos problemas fiscais desapareceram. Doce ilusão.

Na realidade, o cenário é cada vez pior. Uma fornada recente de indicadores permite entender e dimensionar a gravidade da situação. A despeito do superávit registrado nas contas do governo no primeiro bimestre, ajudado por uma arrecadação tributária turbinada pelo Refis, a dívida pública continuou aumentando.

Em percentual do PIB, ela atinge agora 75%. É como se a família de um devedor comprometesse semelhante fatia de seus vencimentos só para fazer frente ao pagamento de suas dívidas, conforme alusão proposta por Celso Ming. Certamente, assim ninguém consegue viver.

Da parte do governo, já são quase R$ 5 trilhões brutos, um buraco que só faz aumentar. Basta lembrar que desde 2013 a alta do endividamento público brasileiro beira 50%. E não vai parar aí. As previsões oficiais são de despesas ascendentes, em especial se a agenda de reformas do Estado não retornar à mesa, transformando em caquinhos o teto de gastos.

Quase todo o orçamento público do país está engessado: mais precisamente, 93,7% dele são despesas obrigatórias, das quais o governo não tem como escapar, como informou o Tesouro Nacional ontem. Com tamanha rigidez, acaba faltando dinheiro para quase tudo mais: investimentos, políticas sociais, infraestrutura, inovação, pesquisa. País assim não anda, tampouco decola.

A carga tributária nacional já é bastante elevada e responde por 32,4% da renda produzida no país. O índice manteve-se estável no ano passado, um ponto percentual abaixo da máxima alcançada em 2011, de acordo com o informado também pelo Tesouro nesta semana. Mas subjaz sempre a ameaça de elevações futuras para financiar a gulosa máquina pública.

Salários e previdência consomem o grosso dos recursos que os contribuintes pagam aos governos. Tem sido assim e assim será. Daí a inescapável necessidade das reformas. Tanto num quanto noutro caso, distorções e privilégios sobrecarregam o Estado e colaboram para a perpetuação de injustiças e iniquidades sociais – portanto, bloqueiam as saídas. O Brasil não será um país melhor enquanto continuar fingindo que esse problema não existe.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Ação e reação

Uma das mais conhecidas leis da física diz que a toda ação corresponde uma reação. O enunciado de Newton vale para a interação entre dois ou mais objetos, mas aplica-se muito bem também à política. É o caso dos recentes episódios de hostilidade envolvendo o PT. Nenhuma violência se justifica, mas não é difícil ver de qual ovo nasceu a serpente.

O PT não apenas disseminou a discórdia. O PT continua insuflando o embate. A semeadura maldita do ódio entre os brasileiros vem de longa data, é da lavra petista, mas não está só no passado. Ela persiste no presente.

Nem é preciso ir longe para perceber. No espaço da última semana, Lula insultou, sem qualquer provocação que justificasse, produtores rurais – e justamente numa região em que eles são centrais para a vida da população – e pediu um “corretivo” da polícia num cidadão que protestava, com ovos, contra ele. Tudo isso na região onde dois em cada três pessoas querem Lula na cadeia, maior percentual do país, de acordo com o Datafolha.

Ao longo do processo judicial de que é alvo, o ex-presidente exercitou gostosamente sua verve de jararaca – a alcunha foi autodenominada por ele próprio, recorde-se. Ameaçou não acatar decisões da Justiça, incitou a desobediência, atacou críticos, afrontou instituições, a imprensa e quem mais ousou interpor-se em seu caminho.

Por sua vez, a presidente do PT disse, em janeiro, que vão ter que “matar muita gente” para fazer valer a lei e prender Lula. Em ato oficial do partido, um senador da República petista pregou desobediência civil, com ocupação de vias públicas, como reação à prisão do seu líder. Mesmo Lula só temperou seu veneno beligerante quando o risco de ser encarcerado tornou-se iminente e ele recuou alguns passos nas suas provocações ao Judiciário.

Enquanto ninguém fez ou disse nada contra, esteve bom para o PT. Os problemas começaram quando os oponentes deixaram de desempenhar no script o papel que o petismo gostaria. É aquela história: saiu da linha, o PT logo diz que “é golpe”.

O PT adora que seus adversários se posicionem de maneira cordata e ajam como vacas de presépio ao serem insultados e admoestados. Quando vem alguma reação, os petistas acionam o procedimento prescrito na próxima linha do seu algoritmo: posar de vítimas.

Os tiros dados na noite desta terça-feira contra dois ônibus da caravana eleitoral de Lula em Quedas do Iguaçu (PR) servem justamente à vitimização do PT, o papel em que o partido mais se sente confortável, mas que é mais enganoso do que fake news veiculada pelo Facebook.

Mas nada, rigorosamente nada, justifica atos de violência e agressividade como os que culminaram com os disparos desferidos contra os veículos petistas ontem. Não se enfrenta adversários com bala. Assim como também merecem repúdio as ameaças dirigidas ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

Episódios desta natureza só interessam ao PT e a extremistas exaltados. O PT tem, sim, que apanhar. Mas é nas urnas, não nas ruas. Tem que levar uma surra, mas é de votos. O confronto com o PT deve se dar dentro dos mais estritos limites da nossa democracia, da civilidade, da lei e da ordem. Jamais, e nem um milímetro, fora deles.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Lula lá, na cadeia

Agora é oficial: Luiz Inácio Lula da Silva está condenado em segunda instância e, portanto, está sujeito a ser preso para cumprir pena pelos crimes que cometeu e pelos quais já foi condenado. Abre-se também, formalmente, o caminho para que seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa e tornado inelegível, conforme determina a legislação eleitoral brasileira.

Muito provavelmente, a inelegibilidade de Lula só virá a ser sacramentada pela Justiça Eleitoral quando esta for provocada, ou seja, somente quando o PT tentar registrar a candidatura de seu líder no período reservado para tanto, isto é, até 15 de agosto. Até lá, que não restem dúvidas: Lula seguirá em sua campanha.

A manifestação proferida ontem pelos juízes do TRF-4 em Porto Alegre apenas consolida o entendimento jurídico pelo qual o ex-presidente já havia sido condenado em fins de janeiro. Por comprovadas práticas de corrupção e lavagem de dinheiro, Lula foi sentenciado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. Deve pagar, tão logo o texto do acórdão seja publicado, o que deve ocorrer até a próxima semana.

Nesse ínterim, cabe ao Supremo Tribunal Federal – em sessão prevista para o próximo dia 4 de abril, caso não seja novamente protelada... – tomar a decisão da qual se eximiu na semana passada, quando, sob as mais estapafúrdias justificativas, concedeu habeas corpus preventivo a Lula e o livrou do risco da prisão iminente.

Retirado o óbice temporário, o que equivale apenas a cumprir o que determina a jurisprudência em vigor no país, e tão logo o juiz Sergio Moro determine que a prisão do ex-presidente da República seja executada, o petista poderá ser enfim levado à cela.

Ressalte-se que, até o momento, Lula foi sentenciado em apenas um dos processos de que é alvo. Há outros seis nos quais já é réu. Ou seja, nos próximos meses ele possivelmente passará a arrastar como atributo uma ficha corrida ainda mais carregada de anos e anos de condenações.

Mas não nos iludamos: nem as condenações nem a prisão irão deter a sanha de Lula pelo poder. A banca de advogados contratada a peso de ouro pelo petista fará tudo que estiver a seu alcance para apelar a instâncias superiores e protelar um desfecho definitivo para o processo. O objetivo claro é manter o candidato do PT vivo até a eleição de outubro.

O PT sabe que a lei não lhe é favorável, mas confia que o processo jurídico lhe seja suficiente para que se cumpra o script que interessa ao partido: levar o nome de Lula à urna eletrônica, iludir o eleitor brasileiro e obter uma votação, mesmo que irregular e inválida, que constranja o legítimo vencedor da eleição.

O objetivo petista é turvar o horizonte do país e jamais colaborar com soluções para uma crise que eles mesmos semearam, adubaram, cultivaram e deixaram para os brasileiros colherem.

Ao longo do caminho, o PT continuará incitando o ódio, como tem feito desde seus primórdios, e intimidando a crítica, como aconteceu ontem mais uma vez, com a agressão a um repórter d’O Globo na passagem da caravana eleitoral petista pelo Paraná.

A missão das forças políticas que se opõem ao modo petista de governar – o mesmo modo que produziu quase 14 milhões de desempregados e a maior recessão econômica em décadas – é desmascarar o lulismo. Esteja Lula na urna ou não, esteja ele livre ou não, o discurso mistificador do PT estará presente nas eleições de outubro.

Aconteça o que acontecer, será preciso derrotá-lo. Com fatos, com valores, com compromissos verdadeiros e com o devido respeito que os brasileiros merecem para reencontrar uma vida melhor, mais digna, ética e livre da praga da corrupção que Luiz Inácio Lula da Silva e os governos petistas encarnaram com máxima perfeição.

terça-feira, 27 de março de 2018

Colheita maldita

Luiz Inácio Lula da Silva está colhendo o que plantou. Depois de 13 anos no poder, oito deles em pessoa e mais cinco em encarnação, poderia estar desfrutando louros de fama e reconhecimento. Mas a razia, a recessão e a roubalheira que suas gestões promoveram no país estão levando o ex-presidente a ter de enfrentar situações para lá de adversas, muito além da ameaça de prisão.

A repulsa popular ao petista tem ficado mais evidente ao longo da caravana eleitoral que ele empreende pelos estados da região Sul do Brasil – algo que também já fora registrado na sua passagem por Minas, em outubro passado. Lula tem sido recebido nas diversas paradas com hostilidade muito acima do comum. Sofre a mesma intolerância que o PT cultivou nos tempos em que achava que tudo podia.

Foram Lula e o PT que semearam a divisão do país. Foram o petista e seus sequazes que disseminaram o “nós e eles” como nunca antes na história dos embates políticos nacionais. Essa agressividade transbordou para a sociedade e contaminou ainda mais o terreno já tóxico das redes sociais.

A beligerância petista é antiga.

Recorde-se a pregação de José Dirceu em cima de palanques em São Paulo dizendo que adversários deveriam “apanhar na rua e nas urnas”, num longínquo ano 2000, logo depois seguido por agressões a um Mario Covas já debilitado pelo câncer. Na mesma ocasião, Lula justificou a animosidade dizendo que seu oponente havia “sentado em cima de um formigueiro” do qual o PT “não tem controle sobre as formigas”.

Recordem-se iniciativas de Lula, já presidente, de tentar constranger críticas, censurar a imprensa e massacrar adversários políticos, fosse dentro do Congresso ou em eleições. Enquanto o poderio petista perdurou, o que se viu foi praticamente um só lado da história em ação – e as saúvas prosperando.

Lula e o PT sempre sonharam com um modelo em que a relação do líder com as massas se desse sem intermediários, nos moldes mais tradicionais do populismo e da demagogia política. Foi o vigor da democracia e a prevalência das liberdades civis no país que frearam este ímpeto totalitário que subjaz no petismo.

Em sua encarnação mais recente, já na condição de réu e depois condenado pela Justiça, o próprio Lula só amainou suas pregações depois de instruído pelos seus novos defensores, sob orientação inteligente de Sepúlveda Pertence. Foi caso estudado para reduzir o confronto com as instâncias da Justiça no mesmo momento em que o petista precisa desesperadamente se livrar das grades.

A bílis, porém, escorre sob o couro da jararaca. Na semana passada, o petista exercitou sua verve envenenada e achincalhou os produtores rurais brasileiros – justamente os maiores responsáveis pela recuperação econômica em marcha no país. Coagido, prega revides e “corretivos”, como fez ontem em Santa Catarina. Lula escolheu seu lado: em seus atos, falta povo e agora só o “exército do Stédile”, a militância do MST, dá as caras. 

O embate intoxicado pelo ódio não interessa ao país, não resolve os problemas reais que enfrentam cotidianamente os brasileiros – agravados pelos desmandos, pela irresponsabilidade e pela corrupção dos governos de Lula e de Dilma.

É na temperança, no equilíbrio, na seriedade, na responsabilidade e no realismo que está a trilha a ser traçada em favor da reconstrução de um novo país. Isso não significa, de forma alguma, amaciar para Lula e os seus. Significa, isto sim, travar o embate político nas devidas instâncias da nossa democracia e deixar para a Justiça o papel de repreender, condenar e punir quem semeou esta colheita maldita.

sábado, 24 de março de 2018

Mais uma jabuticaba na árvore da Justiça

A posição adotada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não contribui em nada para alimentar nos brasileiros maior confiança nas nossas instituições. Pelo contrário. A decisão, tomada algo pela metade, de conceder salvo-conduto a um condenado em duas instâncias suscita na população o vívido temor de que, no fim, os culpados sairão ilesos e impunes da cena do crime.

Teria sido bem melhor que os 11 ministros do STF fizessem o que se aguardava e julgassem a pauta que atraia a atenção de todo o país para aquele pedaço de Brasília na tarde de ontem. Mas o que veio, após horas de frívolas discussões acessórias, foi a concessão, em caráter liminar e temporário, de habeas corpus que livra Luiz Inácio Lula da Silva do risco de ser preso, pelo menos até 4 de abril.

A liminar só existiu porque o Supremo decidiu não decidir ontem, sob as mais esdrúxulas alegações – que foram de cansaço a fadiga mental e compromissos de ministros marcados para o dia seguinte... Nenhum ser humano comum terá concordado com nenhuma delas. Pior: terá visto ali apenas subterfúgios para que a corte fosse benéfica com um apenado a 12 anos de cadeia.

Tivesse o mérito da matéria sido levado a voto, os magistrados teriam sido obrigados, um a um, a se manifestar se respeitam ou não a jurisprudência em voga no país ou se preferem decidir ao sabor de suas preferências pessoais. Ou seja, se fazem valer o que o mesmo Supremo decidiu há menos de dois anos e mantêm a prisão após condenação emanada de decisão colegiada (em segunda instância) ou se reescrevem a Constituição.

Soa como menosprezo empurrar com a barriga decisão com tamanhas implicações, que não se detém sobre um condenado comum – ainda que o caso de Lula tenha de ser apreciado como tal, pois todos são iguais perante a lei. Ou parece algo mais grave: ser condescendente com alguém acusado, julgado e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

As implicações vão além da seara política. Jogam instabilidade sobre a própria Justiça. Afinal, o que está em discussão é se uma norma recentíssima será novamente alterada ou se o país vai caminhar para firmar jurisprudência mais sólida e perene, pilar de qualquer Estado democrático de direito, e não ficar decidindo ao sabor da hora – e do réu.

Na próxima segunda-feira, em Porto Alegre, o TRF-4 pode definir a prisão do ex-presidente. A decisão tomada ontem pelo Supremo, porém, protege Lula do cárcere, ainda que temporariamente, e colide com o entendimento jurídico em vigor. Tem mais condenados torcendo para que o petista se dê bem, entre eles José Dirceu. E todo um país clamando para que a Justiça seja feita, nada além disso.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Meio cheio, meio vazio

Efemérides costumam ser boas para chamar atenção sobre assuntos que, na voragem do cotidiano, acabam relegados. Comemorado hoje, o Dia Mundial da Água ajuda a lançar luz sobre problema cada vez mais comum na vida do planeta, mas sobre o qual poucos refletem: a crescente escassez de recursos hídricos.

Apesar da impressão de fartura que alguns ainda alimentam, o Brasil não está livre de riscos e ameaças. A percepção de excesso não condiz com a realidade. “Sob o mito da abundância, sepultado por especialistas, em 20 anos o volume de água retirado de nossos 12 mil rios aumentou 80%. A estimativa é que até 2030 cresça 30%”, resume O Globo em reportagem especial publicada em sua edição de hoje.

Sim, ainda somos o país que detém a maior parcela de água doce do planeta (quase 13% do total), mas nossas reservas estão concentradas longe do consumo, a indesculpável falta de saneamento piora a qualidade dos recursos hídricos e os conflitos pelo seu uso agravam a escassez. Não dá mais para ficar esperando o copo esvaziar todo.

Na Amazônia estão 80% dos reservatórios brasileiros, mas apenas 7% da população. Pior: a região é muito mal atendida por serviços de saneamento. No Norte do país, 68% têm acesso à água tratada, somente 13% da população é atendida por rede de esgoto e 18% do que é gerado é submetido a tratamento. As respectivas médias nacionais melhoram, mas não fazem bonito: 93%, 60% e 45%.

Nas áreas costeiras vivem 45% dos brasileiros, mas situam-se apenas 3% dos recursos hídricos. O descompasso entre oferta e consumo torna o Brasil um mapa em que metade do território tem disponibilidade hídrica similar à de regiões desérticas. Com maior intensificação das mudanças climáticas, ocorrências extremas se multiplicam. De 2013 a 2016, a vida de um a cada quatro brasileiros foi afetada pela seca, segundo a ANA.

As recomendações para enfrentar dificuldades crescentes de suprimento que se avolumam com os desequilíbrios do clima são de diversas vertentes, e estão ao alcance não apenas das autoridades, mas também de cada cidadão.

O uso racional da água deve ser incorporado como hábito por cada consumidor – é possível gastar bem menos! É preciso investir em soluções naturais para a preservação e recuperação da água, como recomenda a ONU como tema de discussão neste ano, optando pelas chamadas “infraestruturas verdes”, como plantio ao longo das margens e tratamentos de água por meio de plantas e resíduos por micro-organismos.

As nossas companhias de abastecimento precisam cortar muito o vergonhoso percentual de perdas de água, hoje em torno de 38% na média nacional, e os órgãos de regulação precisam mediar melhor conflitos em torno da utilização compartilhada – consumo humano, agricultura, indústria, geração de energia e navegação – de um recurso cada vez mais escasso. E, por fim, cabe abrir o setor de saneamento a um choque de investimento privado, que o governo atual até ensaiou no ano passado mas não conseguiu levar adiante, que expanda urgentemente os serviços.

quinta-feira, 22 de março de 2018

O casuísmo já é

O Supremo Tribunal Federal (STF) vem se preparando nas últimas semanas para deliberar sobre o que, para o cidadão comum, só tem uma consequência: livrar Luiz Inácio Lula da Silva da cadeia. Qualquer que seja o desfecho sobre a possibilidade ou não de prisão após condenação em segunda instância, a impressão que fica é de que a mais alta corte do país se pautou por um reprovável casuísmo.

A jurisprudência em vigor no país estabelece que, após decisão colegiada, o condenado pode ser mandado para a prisão para o cumprimento da pena. A determinação decorre de decisão tomada em 2016 pelo próprio Supremo, ainda que por consenso mínimo: foram seis votos a favor deste entendimento contra cinco contrários.

Até então, a legislação brasileira era mais permissiva. Em 2009, ainda o STF entendeu que a prisão só seria cabível após trânsito em julgado, ou seja, após a matéria passar por todas as instâncias da Justiça. Não é difícil ver que este era o caminho mais longo para a aplicação da lei e o mais curto para a impunidade.

Com a nítida possibilidade de Lula ser preso para cumprir a pena de 12 anos e um mês que lhe foi imposta pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, a pressão para que a lei voltasse a ser abrandada se avolumou. Ministros do STF ensaiam mudar de posição e, assim, alterar a jurisprudência.

Os constrangimentos vieram principalmente do petismo, aliado a setores da política que pretendem ver o amaciamento da lei contemplar outros condenados no rastro da Operação Lava Jato – ao todo, nove deles poderiam ser beneficiados com a mudança de interpretação da lei, incluindo o ex-deputado Eduardo Cunha.

A prisão após condenação em segunda instância adotada atualmente no país não destoa da norma vigente no resto do mundo. Merval Pereira informa, n’O Globo, que dos 194 países-membros da ONU, 193 “têm o instituto da prisão em 1ª ou 2ª instâncias”. A legislação nacional já foi bem mais rigorosa, com estabelecimento de detenção imediata após a condenação no primeiro julgamento. Abrandamentos sucessivos nasceram à época do regime militar.

Sustentar que quem já passou por dois julgamentos, em dois níveis distintos do Judiciário e foi condenado ainda pode alegar “presunção de inocência” é escarnecer do bom comportamento daqueles que não devem nada à Justiça. Alguém seria capaz de defender isso para os demais que poderão ser beneficiados caso o STF reveja a atual jurisprudência?

O que a sociedade brasileira clama não é por justiçamento. É pelo mero cumprimento da lei. Se as coações funcionarem e o Supremo Tribunal Federal se ajoelhar diante das pressões que visam deixar Luiz Inácio Lula da Silva livre, leve e solto para continuar sua pregação proselitista, mais uma vez o exemplo vindo de cima terá sido o pior possível.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Virtudes de centro

À medida que se aproxima a data-limite para que possíveis candidatos no exercício do mandato deixem os cargos que ocupam, a corrida eleitoral vai ganhando maior nitidez. Ainda restam mais de seis meses para a votação que escolherá o futuro presidente da República, mas as virtudes necessárias para vencer os desafios que se apresentam ao país estão cada vez mais claras.

As candidaturas que hoje exibem melhor desempenho nas pesquisas de opinião estão situadas onde, aparentemente, o eleitorado menos almeja: nos extremos. A campanha eleitoral e o debate franco das ideias poderão ter o condão de fazer se esvair as intenções de votos naqueles que propõem soluções miraculosas, receitas fracassadas ou engodos salvacionistas ao país.

A tarefa de iluminar o debate, e ditar o rumo do eleitorado, cabe aos candidatos do centro político nacional. Alguns bons ingredientes para tanto surgiram de duas entrevistas de dois agentes importantes deste processo neste ano, publicadas nos últimos dias: o governador Geraldo Alckmin e o formulador de seu programa de governo, o economista Pérsio Arida.

À Folha de S.Paulo, o tucano exibiu o perfil conciliador, o realismo na gestão da coisa pública, a sensibilidade com as mazelas sociais e com a igualdade de oportunidades, a disposição para reformar o Estado. Tem também os ótimos resultados dos 20 anos de gestões do PSDB em São Paulo para mostrar. Do ponto de vista partidário, tem a seu favor ter equacionado um importante palanque em Minas Gerais e superado as prévias para a candidatura ao governo de São Paulo.

Talvez a candidatura tucana precise atentar um pouco mais para o que o petismo ainda representará nestas eleições. Não se pode declinar de desmascarar a todo o momento os partidários dos governos que levaram o país à ruína, uma vez que o papel dos adversários será tentar distorcer a história para sustentar justamente o contrário. O eleitorado precisa ser lembrado: quem quebrou o Brasil foi o PT!

É na pauta econômica que a mudança de agenda do país precisará ficar mais evidente. E parece ser esta a disposição demonstrada por Arida. Em entrevista dada a’O Estado de S. Paulo, aparecem sem rodeios a defesa da redução do Estado, a abertura externa, a maior participação do capital privado nas necessárias obras de infraestrutura e a preocupação inarredável com o equilíbrio das contas públicas.

Em certa medida, a pauta de agora dá sequência a um encontro com as tradições e plataformas tucanas históricas levado adiante pela candidatura presidencial do PSDB em 2014. Mas a maior gravidade da situação nacional, após uma das mais profundas e prolongadas recessões da nossa história, torna a necessidade de uma profilaxia econômica liberal ainda mais evidente e as virtudes do centro político ainda mais notáveis.

terça-feira, 20 de março de 2018

O longo e árduo caminho

A Petrobras é a mais perfeita tradução do legado petista. Mesmo depois de dois anos sob competente gestão, a outrora maior empresa brasileira não consegue se livrar do fardo decorrente de uma década de malversação. É mais ou menos o que acontece com o país como um todo. A herança é mais maldita do que se imaginava.

Em 2017, a estatal registrou o quarto ano seguido de prejuízo. Desta vez, as perdas foram bem menores que as anteriores: R$ 446 milhões. O que vergou os resultados do ano passado foram justamente o legado de maus negócios, as consequências da corrupção e as reengenharias necessárias na contabilidade da empresa para se livrar de encargos acumulados no passado.

No ano passado, a companhia despendeu um total de R$ 24,6 bilhões para três finalidades: encerrar uma ação coletiva movida por investidores nos EUA, compensar obras malparadas e refinanciar dívidas com o fisco brasileiro. Sem isso, teria registrado lucro próximo a R$ 7 bilhões no exercício. Em quatro anos, os prejuízos acumulados somam quase R$ 72 bilhões.

Mais assustadores são os ajustes contábeis que a companhia veio fazendo nos últimos anos para adequar seus números à sua real situação. Neste sentido, desde 2014 a Petrobras reconheceu perdas no valor de R$ 120 bilhões em decorrência de negócios mal feitos, rombos causados pela corrupção e pela roubalheira. O valor representa 46% do patrimônio líquido da companhia quatro anos atrás, segundo o Valor Econômico.

Lideram a lista de maus negócios a refinaria Abreu e Lima, a mais cara já feita em todo o mundo, e o Comperj. Não é surpresa que ambos continuem inconclusos, com anos de atraso, mesmo depois de absorverem investimentos num volume muito acima do previsto nos orçamentos iniciais.

Junto com a empresa, afundou a economia brasileira e, mais particularmente, o PIB fluminense. A violência que grassa no Rio de Janeiro é, em boa medida, fruto do petrolão: o dinheiro de impostos e royalties que faltou para melhor equipar as polícias e combater o crime é o mesmo que escorreu pelo sorvedouro do consórcio de poder petista.

Investidores, incluindo trabalhadores que colocaram seu FGTS na empresa, perderam muito dinheiro, agravado pela leniência da administração da empresa sob o PT, como revela uma investigação em curso na CVM noticiada por O Globo.

A faxina em marcha na Petrobras há pouco menos de dois anos inclui a redução da dívida da companhia – que já foi a maior do mundo, já diminuiu cerca de 20% e deve cair à metade até o fim deste ano, prometem seus gestores – e a venda de ativos, desmontando o delírio megalômano da época de Lula e Dilma. Além, claro, do exorcismo da corrupção que grassou por lá até 2016.

Nos últimos dois anos, o valor de mercado da Petrobras quase triplicou, para os cerca de R$ 300 bilhões atuais. Se nenhum novo esqueleto cair dos armários, neste ano a empresa deverá registrar seu primeiro lucro desde 2013. Quem sabe comece, enfim, a ser superada mais esta herança da década perdida petista e a estatal volte a crescer para servir ao país e não apenas a um partido político.

sábado, 17 de março de 2018

Todos presentes

A morte de Marielle Franco gerou comoção de alcance muito além das fronteiras do país. Ela pode se tornar um símbolo da luta contra a violência que assola o Brasil. Seu assassinato pode revelar-se ter o poder transformador que muitas ações de força empreendidas até agora não tiveram.

Mas será bastante pernicioso se a tragédia vier a ser usada como apenas um amuleto de justas bandeiras defendidas por mulheres, por negras, por ativistas, por militantes de gênero, por moradores de favelas ou por quaisquer dos simpatizantes das causas que a vereadora eleita pelo Psol do Rio empunhava.

O que está em jogo, e o que de fato deveria importar, é bem mais que isso: é a necessidade de travar uma batalha sem tréguas contra a bandidagem, de que lado esteja, de onde vier, onde estiver.

As mortes de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, merecem a mais profunda consternação dos brasileiros, seja que posição ideológica, política, ética ou moral assumam. Mais duas pessoas foram brutalmente assassinadas e isso é inadmissível – assim como são inaceitáveis quaisquer outros crimes contra a vida. Importa agora encontrar e castigar quem cometeu o ato bárbaro, para que a punição sirva, quiçá, como um turning point na insuportável situação de insegurança em que o país vive.

A vereadora agora é parte das estatísticas segundo as quais o Brasil é onde mais se mata gente em todo o mundo. E é isso que não pode mais continuar.

Não se trata de batalhas fragmentadas em causas específicas, de grupos específicos, de bandeiras isoladas. Trata-se, isto sim, de um repto muito maior: a missão de acabar com este estado de guerra é de todos os brasileiros de bem. E os que querem dar um basta nisso somos enorme maioria que não deve se dividir – não, pelo menos, diante desta causa.

Marielle agora é mais uma das 61 mil vítimas de mortes violentas do país a cada ano, uma a cada dez minutos. É contra este monstro que é preciso se insurgir. Essa deveria ser a bandeira comum dos brasileiros. E também de estrangeiros que prezem o país e pretendam colaborar, desde que de boa fé.

Atentar contra a vida de uma representante eleita pelo povo é atentar contra a própria democracia, contra a instituição que ela integrava, o Legislativo, e contra, ao cabo, o próprio Estado democrático de direito. Essa afronta, venha de onde tenha vindo, tem de ser exemplarmente punida. E, sobretudo, não deve dar margem a mais uma escalada de insensatez. Mas ontem, infelizmente, foi justamente isso o que mais se viu.

Com as investigações ainda engatinhando, o ambiente tão fértil quanto leviano das redes sociais não pensou duas vezes antes de se lançar a denunciar seus culpados de estimação: a polícia. E a alardear o que considera a solução: o fim da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Quem age assim só ajuda um lado: o do crime, da bandidagem, do Estado paralelo, da violência, da matança.

A vereadora Marielle Franco morreu denunciando abusos, lutando contra injustiças, defendendo os que clamam pelo simples direito de exercer seus direitos. Suas dignas bandeiras merecem respeito. E sua própria atuação indica o caminho a seguir: combater, sem trégua, quem incita e pratica a violência. Desde a noite de terça-feira, a missão daqueles que se dedicam a pôr ordem na criminalidade do Rio ficou mais árdua. E a intervenção federal se tornou muito mais necessária.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Greve de juízo

O dia de hoje marca uma greve como nunca se viu. Desta vez, aqueles que costumam ser responsáveis por julgar a legalidade de paralisações de trabalhadores é que irão cruzar os braços. São milhares de juízes, magistrados, promotores e procuradores berrando por aumento de salário e manutenção de benefícios. É o ápice do motim de privilegiados que, aqui e acolá, vêm tentando bloquear a reforma do Estado brasileiro.

O cerne da questão do momento é o penduricalho salarial chamado auxílio-moradia. Concebido para ser pago a magistrados transferidos para atuar em locais onde não possuam casa própria, acabou incorporado ao que todos eles recebem, independente de serem sem-teto ou não.

São R$ 4.377,73 a mais por mês – o dobro do salário médio do brasileiro – na conta de cerca de 31 mil funcionários altamente graduados do Estado brasileiro, segundo a Consultoria Legislativa do Senado. Aí estão juízes, desembargadores, promotores, procuradores, conselheiros e procuradores de contas e ministros dos próprios tribunais superiores, como o STF e o STJ.

O que pode parecer exagero a qualquer mortal – e é – torna-se um pouco mais escandaloso quando visto à luz das condições salariais reservadas ao pessoal do andar de cima do Judiciário. São os mais bem pagos do serviço público, em quaisquer instâncias (exceto a Justiça Eleitoral), em qualquer nível da federação.

Graças ao Conselho Nacional de Justiça, esta realidade pode se conhecida em detalhes. O Judiciário brasileiro custou 1,4% do PIB no ano passado. Salários, aposentadorias e pensões, acrescidos dos chamados penduricalhos remuneratórios, sorveram R$ 76 bilhões para pagar 442 mil pessoas.

A extensão do extra a todos os juízes do país decorre de decisão do ministro Luiz Fux, do STF, dada em caráter liminar em setembro de 2014. Desde então, R$ 5,4 bilhões foram despendidos com pagamento de auxílio-moradia no serviço público, calcula o Contas Abertas. O benefício virou penduricalho na carteira, e sequer é gravado por imposto de renda, por ser considerado verba indenizatória.

A greve de hoje é uma faca posta no pescoço do Supremo em razão do risco de a benesse ter fim. Isto porque, na semana que vem, os ministros do STF julgam o caso e a tendência é o auxílio-moradia voltar ao que nunca deveria ter deixado de ser: uma prebenda paga a quem de direito, em situações particulares e excepcionais, ligadas à “transitoriedade de domicílio”. Proprietário de imóvel na mesma localidade em que trabalha não se encaixa em qualquer destes casos – a despesa fere, também, a LDO e é, portanto, não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público.

Os juízes alegam perda salarial de 40% acumulada desde 2005 para justificar a greve. O auxílio seria, segundo este discurso, mera compensação pela defasagem acumulada. Seus vencimentos, porém, já estão acima do máximo permitido pela Constituição. Entre os mais de 17 mil de juízes e desembargadores do país, 71% receberam acima do teto constitucional, de R$ 33,8 mil, em 2017, mostrou O Globo em dezembro. Em média, são R$ 47,7 mil mensais.

Se já ganham mais que a lei que juraram defender estabelece como topo, como querem aumentar ainda mais o que já é, ou deveria ser, inconstitucional?

O levante dos juízes revela-se parte da reação de corporações encrustadas no serviço público brasileiro à necessária revisão de privilégios que desequilibram ainda mais a injustíssima distribuição de renda no país. Sim, eles devem e merecem ser muito bem remunerados. Mas não merecem ganhar o céu.

Tais corporações, com reforço de integrantes muito ativos do Ministério Público, também estiveram na linha de frente da resistência à reforma da Previdência desde o ano passado. Exceto eles, perdemos todos no país com o arquivamento, ainda que momentâneo, da proposta. Assim como o motim daqueles que impediram que o Estado brasileiro dispusesse de um sistema de aposentadorias um pouco menos injusto e um pouco mais eficaz, a greve dos juízes hoje merece repúdio, inclusive por ferir a Constituição.

quinta-feira, 15 de março de 2018

O Brasil que o Brasil quer

Com a aproximação das eleições gerais marcadas para outubro, aumentam as investigações em torno do que os eleitores esperam de seus futuros governantes. É uma forma de auscultar aquilo com que os brasileiros sonham. Neste ano, o que surgiu até agora é um misto de frustração com esperança, polvilhado de pistas de como o Brasil quer ser.

Nesta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou a sondagem “Retratos da Sociedade Brasileira”. A partir de 2 mil entrevistas, feitas em dezembro pelo Ibope, constatou que 44% dos investigados declaram-se pessimistas com as eleições que irão escolher o novo presidente da República. Citam como principais razões para o desalento: corrupção (30%) e falta de confiança no governo e nos candidatos (19%).

Em contrapartida, os 20% que se declaram otimistas apostam, principalmente, na expectativa por mudança e renovação (32%). Também manifestam fé no voto e na participação popular (19%), em melhorias de maneira geral (11%) e econômicas em particular (9%).

Ser honesto e não mentir em campanha (87%), nunca ter se envolvido em casos de corrupção (84%) e transmitir confiança (82%) estão entre as características mais mencionadas como “muito importantes” para um candidato à presidência da República – independente de faixa etária ou de classe social. Por tais requisitos, muitos dos atuais postulantes podem se considerar desde já limados das urnas...

A suposta preferência atual de eleitores brasileiros por “não políticos” não se confirma na investigação patrocinada pela CNI. 50% dizem concordar totalmente ou em parte que prefeririam votar em candidatos que “não sejam políticos profissionais”. Contudo, 45% discordam da mesma proposição total ou parcialmente. É quase um empate.

A pesquisa tem muito mais, mas estas breves balizas talvez sejam suficientes para rascunhar o que as campanhas em gestação precisam levar aos corações e às mentes dos eleitores nos meses que faltam até outubro. Os eleitores expressam valores que os candidatos não deveriam ignorar. 

Ética e moralidade administrativa são alguns deles. Sensibilidade social (44% pedem como foco do futuro presidente melhoria da saúde, educação, segurança e desigualdade social), preocupação com o bem-estar econômico (prioridade para 21%) e responsabilidade no trato da coisa pública são outros. Também valorizam candidatos que sejam pessoas simples, “gente como a gente”.

A eleição deste ano parece indicar com clareza que os eleitores querem alguém que responda a uma pergunta simples: o que o candidato a governante pode fazer para melhorar a minha vida e a vida da minha família? Esta sempre foi questão-síntese de disputas eleitorais, mas agora as respostas tendem a ser um pouco distintas do que vimos no passado recente.

O estelionato eleitoral representado pela reeleição de Dilma Rousseff em 2014 pode ter servido para transformar promessas faraônicas embaladas pelo marketing das candidaturas em algo indesejado pelos eleitores. O que vier em forma de Brasil Grande tende a ser rejeitado pelo cidadão. Voto, possivelmente, não dará.

A constatação crescente de que os limites da capacidade de ação do Estado estão cada vez mais estreitos também cobrará dos postulantes demonstrar capacidade de bem gerir, com eficácia, realismo e, ao mesmo tempo, arrojo.

Será hora de o país fazer alguns acertos de contas que permitam ao governo servir melhor a quem mais precisa dele e, ao mesmo tempo, deixar de atrapalhar quem tem capacidade de se virar sozinho, ou seja, de empreender.

Para 84% é “muito importante” que o próximo presidente defenda o controle dos gastos públicos – o percentual supera os 72% que defendem maior importância para políticas sociais. Oxalá! Será hora de vacas sagradas, direitos supostamente “adquiridos” e benefícios generalizados para corporações não mais restarem de pé.

Também será tarefa indelegável de quem vier a concorrer pelo campo político centrista ressaltar, a todo momento, a perspectiva histórica na qual estas eleições se desenrolam. O país vive fase de recuperação, após ter sido levado ao mais fundo poço pela ineficiência, pela irresponsabilidade e pela roubalheira petista.

Embora os entrevistados pela pesquisa da CNI não tenham dito isso, eles terão de ser lembrados durante toda a campanha que o país não pode voltar a esse tenebroso passado recente que vitimou milhões de brasileiros, nem tampouco cair no canto da sereia de salvadores da pátria.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Janela indiscreta

Desde a última quarta-feira, 7, deputados em Brasília vivem sob intensa movimentação. Nada que diga respeito diretamente ao interesse dos cidadãos. O que aguça parlamentares é a chamada “janela partidária”, a possibilidade de mudar de partido sem sofrer risco de punição. Serão mais 25 dias de agitação frenética pela frente.

Esta é mais uma das excentricidades do sistema político brasileiro. A legislação em vigor coíbe a mudança de partido, como forma de forçar o respeito à vontade expressa pelo eleitor na urna. Afinal, os mandatos emanam do voto popular e, em parcela esmagadoramente predominante, dos excedentes do coeficiente eleitoral, dentro do sistema proporcional. São razões mais que suficientes para cobrar fidelidade partidária.

Dos 513 deputados em exercício, apenas 36 obtiveram o mínimo de votos necessários para se eleger em 2014, segundo o El País. Os demais 477 devem sua vaga na Câmara à divisão da soma dos votos dados pelos eleitores a todos os postulantes da coligação pela qual disputaram a eleição. Ou seja, 93% dos parlamentares se elegeram em função das legendas, e não de si próprios. Também por esta razão, a lei coíbe a troca de partido e ameaça com perda de mandato quem não a respeitar.

Mas a política achou um jeitinho de contornar o empecilho. É a tal janela que se encontra aberta até o próximo dia 7 de abril, quando faltarão seis meses para as próximas eleições. Até agora, o site da Câmara registra oito movimentações parlamentares, ou seja, mudanças de partido, ocorridas desde o começo do prazo, na última quarta-feira. Mas possivelmente haverá muito mais nos próximos dias.

Neste ano, um fator adicional estimula migrações: deputados que buscarão a reeleição esperam contar com verba maior do fundo eleitoral, criado no ano passado para ser distribuído pelos partidos para bancar candidaturas nestas eleições. A avidez pelos recursos, um naco de R$ 1,7 bilhão do Orçamento da União, explica boa parte do troca-troca.

Trata-se de decorrência direta da proibição do financiamento das campanhas por parte de pessoas jurídicas, ou seja, empresas. Como as doações de pessoas físicas são tímidas no Brasil, o fundo tornou-se a tábua para salvar financeiramente campanhas. Terá sido a melhor saída?

A presente situação desnuda pelo menos duas disfuncionalidades do sistema político-eleitoral brasileiro. A primeira diz respeito ao próprio financiamento. Pela primeira vez, nestas eleições estamos experimentando o modelo custeado com recursos públicos. Seria, segundo os que o defendem, uma forma de moralizar as eleições. O troca-troca partidário não parece corroborar a tese, bem como a vívida possibilidade de que candidatos muito ricos destoem na disputa e mesmo de que o famigerado caixa dois continue sobrevivendo.

A outra distorção vem do modelo proporcional de escolha dos mandatários. As campanhas para cargos no Legislativo federal são disputadas tendo o território da respectiva unidade da federação como campo de batalha. São milhares de proponentes em busca de algumas dezenas de vagas que se digladiam em imensos colégios eleitorais.

Numa situação assim, as campanhas tornam-se muito mais caras e onerosas – no sistema ora vigente, para os cofres públicos. E, pior: a representação legislativa acaba muitíssimo fragmentada, de péssima qualidade. Hoje há 25 partidos representados na Câmara, outros dez registrados no TSE e uma inacreditável lista de 72 legendas à espera de autorização da Justiça Eleitoral para existir.

Num sistema em que o mandato parlamentar respeitasse mais fielmente a vontade expressa pelo eleitor ao votar, a janela partidária não deveria existir. Tampouco haveria a fragmentação partidária – afinal, não há tantas ideologias assim a serem representadas... O retorno do financiamento eleitoral advindo de empresas, desde que as doações sejam transparentes, bem regulamentadas e fiscalizadas, retiraria um incentivo à infidelidade surgido nestas eleições e estimulado pela repartição dos recursos do fundo público.

A proibição de coligações em eleições proporcionais – resultado de emenda constitucional de autoria dos senadores tucanos Aécio Neves e Ricardo Ferraço já sancionada, com vigência a partir de 2020 – e a adoção do voto distrital misto – proposta pelo senador José Serra, já aprovada no Senado e à espera de apreciação pela Câmara – podem mudar esta situação para melhor. 

Num sistema assim, o Parlamento e as bancadas eleitas tendem a representar melhor a população, bem como criar ambiente que dê maior governabilidade aos eleitos para o Executivo, com maiorias legislativas mais estáveis. O que parece certo é que o modelo político em vigor não é bom. E nem é preciso abrir nenhuma janela para perceber isso.

terça-feira, 13 de março de 2018

A inflação e os juros

A inflação voltou a surpreender e marcou novo recorde negativo em fevereiro. O índice foi o mais baixo para o mês em 18 anos. O comportamento dos preços escancara a janela para queda ainda maior da taxa básica de juros.

O IPCA fechou o mês passado em 0,32%, de acordo com o IBGE. Com isso, o acumulado em 12 meses, número que realmente conta para o regime de metas, desceu a 2,84%, abaixo do piso estabelecido pelo Comitê de Política Monetária para a inflação deste ano.

Novamente a vedete da inflação baixa foi o item alimentação e bebidas, que mais uma vez caiu de preço. Em um ano, a comida na mesa dos brasileiros ficou 3,8% mais barata. Esta, sim, uma verdadeira dádiva do comportamento recente dos preços no país: permitir que mais gente se alimente mais e melhor.

Já há reflexos, inclusive, nos hábitos de consumo das famílias. De acordo com levantamento feito por uma consultoria privada publicado na edição de hoje d’O Estado de S. Paulo, o carrinho de compras está voltando agora a ser abastecido com produtos um pouco mais caros e sofisticados.

Até os serviços estão bem comportados no momento, muito por conta da ainda incipiente retomada da geração de empregos no país, também ainda bastante concentrada na informalidade.

No geral, menos da metade (48,5%) dos itens acompanhados pelo IBGE registrou alta de preços em fevereiro. Menos endividados e com renda levemente mais alta, os brasileiros devem gastar mais R$ 124 bilhões em consumo neste ano, calcula o Santander.

Todas as indicações são, portanto, de que o Banco Central terá de injetar mais adrenalina na demanda para que os preços em geral não continuem abaixo do piso da meta – o que seria a segunda vez na história, repetindo 2017.

As atenções se voltam agora para a reunião do Copom agendada para a próxima semana. Depois do novo mergulho do IPCA, cresceram as apostas em novo corte na taxa básica, o que aprofundaria a mínima histórica em que a Selic se encontra desde fevereiro, provavelmente para 6,5% ao ano.

Inflação e juros baixos configuram um ambiente extremamente benigno para a economia. Tanto para as famílias, que podem consumir mais e viver melhor, quanto para os governos, que passam a despender menos recursos com rolagem de suas dívidas – em 2017, esse gasto caiu R$ 6 bilhões no âmbito federal em comparação com o do ano anterior, para 6,2% do PIB.

Tudo caminha para um ano bom na economia, minorando os efeitos da razia causada pelo triênio recessivo semeado pelo petismo. É o ambiente ideal para que as discussões da política avancem melhor. E é justamente aí que ainda mora o perigo.

sábado, 10 de março de 2018

Esses pobres moços

Não é novidade para ninguém que o Brasil não está cuidando bem de suas gerações futuras. Mas quando as parcas perspectivas são traduzidas em números, o cenário torna-se mais assustador. Investir nos nossos jovens é tarefa urgente a ser encarada com políticas públicas mais eficazes, a fim de que também o horizonte do país como um todo melhore.

O Banco Mundial divulgou relatório nesta semana em que mostra que 52% da população jovem do país (com 19 a 25 anos de idade) não está ou corre risco de não estar inserida a contento na atividade econômica e na cidadania. São quase 25 milhões de pessoas cuja vida depara-se com diferentes níveis de precariedade.

Começa com os mais desalentados: são 11 milhões de brasileiros que não estudam e não trabalham, os chamados “nem-nem”. E inclui também os que estão defasados nos estudos – em 2015, apenas 38% dos adolescentes não estavam atrasados e 13% haviam abandonado as salas de aula – ou trabalham apenas de maneira informal.

O problema é que este exército – que o estudo chama de “desengajados” – tem perspectivas muito limitadas de melhor formação, de ascensão profissional e, em consequência, de viver em condições mais dignas. É como se estivessem condenados a uma vida sem futuro.

O desalento que assola a juventude compromete o avanço do país. Funciona como uma correia de transmissão da baixa produtividade de mão de obra que marcou os últimos 20 anos e que ameaça as chances de desenvolvimento daqui em diante.

Fica mais grave porque a janela demográfica que poderia ter feito o país dar um salto adiante – com aumento absoluto e proporcional da população ativa – está se fechando. Já em 2030 crianças e idosos com mais de 65 anos de idade serão maioria entre os brasileiros, sem que o país esteja habilitado para custear este dependência.

Melhorar as condições dos jovens deve ser o foco. Alguma política de incentivo ao primeiro emprego, com remuneração diferenciada, não afetada pelas regras de salário mínimo, é desejável e necessária – há experiências neste sentido em países como Reino Unido e Nova Zelândia. Hoje, entre os brasileiros de 18 e 24 anos a taxa de desocupação  é de 25%.

Outra recomendação é preparar melhor o jovem para o mercado de trabalho, com ênfase na etapa final de ensino, o médio. Hoje o Estado falha e perpetua iniquidades: o investimento médio no ensino superior é quase três vezes maior do que nas etapas básicas. Resultado: poucos chegam ao nível universitário e os que chegam são, em geral, os mais ricos. Atualmente apenas 43% das pessoas com mais de 25 anos concluíram ensino médio no Brasil, metade do percentual, por exemplo, dos EUA.

Está em marcha a implantação de uma reforma educacional que tem, entre seus objetivos, atacar a distância entre a sala de aula e a realidade dos jovens. A mudança deve estar orientada a dar preparo e melhores condições de inserção deles na vida adulta, seja na compreensão do mundo, seja na cidadania ou seja, sobretudo, em termos de capacitação profissional. Isso reduziria a evasão e diminuiria o contingente de desengajados.

Se o Brasil precisa construir um futuro melhor, é nos jovens que a aposta e o investimento têm que ser feitos. Há consenso de que educação é a chave para enfrentar o problema. Vai levar tempo, mas é preciso começar já. Para que não fique tarde demais, como já ficou para esses milhões de desengajados que hoje sobrevivem pelo país.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Delas, por elas, para elas

Desigualdades são uma chaga no Brasil. De todos os tipos: sociais, econômicas, culturais, de gênero. Nenhuma delas se justifica, mas a discriminação contra as mulheres é particularmente perversa por atingir aquelas que hoje são maioria em quase todos os quesitos e, sobretudo, porque é a elas que cabe cuidar do que será o futuro do país.

Mulheres são maioria na população brasileira, no eleitorado, nos bancos escolares de ensino médio e superior. A proporção de adultos com curso superior completo também é mais alta entre mulheres que entre homens – entre as mais jovens, a distância entre os dois gêneros é ainda mais larga e ascendente.

Mulheres assumem cada vez mais responsabilidades. Segundo o IBGE, mais que dobrou o número de famílias chefiadas por elas, para 29 milhões em 2015. Elas dedicam tempo 73% maior para cuidar da casa e dos familiares do que os homens, de acordo com a pesquisa Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, divulgada ontem.

Se são fortes no lar, as mulheres não têm o mesmo poder no mundo do trabalho. O rendimento médio delas é 23% menor que o dos homens. A presença feminina nos níveis hierárquicos mais altos das empresas também é diminuta, e em queda: somente 38% dos cargos gerenciais no país são ocupados por mulheres, taxa que caiu 1,2 ponto em relação a 2012. O percentual diminui também à medida que avança a idade. Entre mulheres negras, a disparidade é ainda maior.

Agora, uma pesquisa acadêmica também concluiu que com a discriminação da mão de obra feminina perdem todos, e não apenas elas. Salários menores pagos a mulheres redundam em menor crescimento e geração de riqueza. A renda per capita deixa de subir 1,5% a cada 10% de aumento na diferença entre a remuneração de homens e mulheres, registra a Folha de S.Paulo.

Na política, a desvantagem não é menor. Elas ocupam apenas 10,5% das vagas na Câmara dos Deputados. Com isso, o Brasil figura apenas na 152ª posição numa lista de 190 países em que o quesito foi avaliado pela União Interparlamentar, e que é liderada por Ruanda. No Senado brasileiro, as mulheres somam 16% do total.

Políticas públicas podem ajudar a enfrentar a situação geral de desigualdade, e não apenas a de gênero. Atribuir a titularidade das casas entregues em programas habitacionais às mulheres é uma delas. Os benefícios do Bolsa Família também saem em nome delas. Ambas permitem dar maior segurança às mães de família.

Ontem o Congresso aprovou projetos que punem com mais vigor a violência contra mulheres, com penas maiores para violação da intimidade, como exposição de votos e vídeos íntimos sem o consentimento feminino, e casos de estupro coletivo. São passos apenas incrementais para encarar uma situação em que 135 mulheres sofrem este tipo de abuso a cada dia no país, de acordo com o Fórum Brasileiro da Segurança Pública.

Hoje se comemora o Dia Internacional da Mulher. Só 24 horas é pouco. Tratar a população feminina com o devido reconhecimento que elas merecem é agenda urgente da sociedade, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. E não por mera concessão ou liberalidade masculina, mas por direito, por respeito, por justiça.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Cumpra-se a lei

Luiz Inácio Lula da Silva viu ontem o seu caminho até a prisão ser um pouco mais encurtado. Mas, condenado em duas instâncias por crime de corrupção e lavagem de dinheiro, não desiste de tentar arrastar para baixo também a integridade das instituições, em particular a Justiça brasileira.

Nesta terça-feira a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de habeas corpus protocolado pela defesa do ex-presidente para evitar a prisão de Lula. Não foi uma derrota qualquer: a decisão foi tomada por cinco votos a zero. É o terceiro revés seguido do petista, em três instâncias distintas: primeiro por um juiz, depois por três e agora por cinco.

O cerne do julgamento foi sobre se a prisão após condenação em segunda instância fere ou não o preceito constitucional da presunção da inocência, como os defensores de Lula alegam. E o entendimento – unânime – foi de que não, não fere.

Entre outros aspectos, como ressaltou o ministro Felix Fischer, que relata a Lava Jato no STJ, porque a análise de fatos e provas esgota-se na segunda instância e, portanto, uma vez proferida a sentença, o réu está apto a ser punido – afinal, diabos, já foi condenado em duas jurisdições e não há que se alegar cerceamento de defesa.

A jurisprudência foi firmada pela maioria do Supremo Tribunal Federal em 2016. Há pressão de petistas para que seja mudada pela mesma corte, mas grito não é voto de ministro – pelo menos enquanto prevalecerem as normas e os ritos do Estado democrático de direito.

Além disso, os ministros do STJ consideraram o pedido da defesa extemporâneo, posto que anterior à manifestação final do Tribunal Regional da 4ª Região sobre recurso apresentado em Porto Alegre pelos advogados do petista, prevista para ocorrer até o fim deste mês.

O mais provável é que tanto Lula quanto sua banca de advogados de alto calibre saibam que o destino dele está dado. Ele tem uma sentença de 12 anos e um mês de prisão a cumprir, por ter se locupletado do cargo de presidente da República, que ocupou por oito anos em pessoa e por mais cinco como eminência.

Pelo que diz a letra fria, Lula tem que ser punido e sujeitar-se ao que diz a sentença proferida pelos juízes do TRF-4 em janeiro. Ponto. Se isso é conveniente ou não em termos políticos e eleitorais, são outros quinhentos – o PT acena com uma resistência popular e um exército da militância que até hoje não passou de miragem. Se é desairoso para o ex-presidente, problema de quem cometeu os crimes.

A prisão pode acontecer tão logo o TRF-4 termine de analisar embargos da defesa, o que deve ocorrer em até três semanas. Com Lula preso seria mais fácil a Justiça Eleitoral impugnar o registro da sua candidatura em agosto, avaliam alguns.

Lula e seus advogados agora miram o Supremo, apostando numa cambalhota jurídica segundo a qual a prisão não se estabelece após a segunda instância, mas sim somente depois da terceira, no caso o STJ. Isso lhe daria fôlego para chegar em liberdade pelo menos até o período eleitoral. O próximo passo, quem sabe, será apelar aos céus...

É direito de todo réu usar todos os recursos à mão para se livrar de punições. É o que o pessoal das bancas de advocacia e dos tribunais costuma apelidar jocosamente de jus esperniandi. Mas o caso de Lula, um líder popular e histórico do país, envolve outros aspectos mais relevantes que vão além de sua tentativa de lograr mais uma chicana jurídica protelatória.

O ex-presidente da República deveria dar exemplo de obediência e respeito à Constituição. Contudo, ao investir contra preceitos basilares consagrados pelo direito, presta serviço oposto: insufla o desacato. Este, o maior dano da resistência dos petistas em aceitar fazer cumprir o que determina a letra fria da legislação. Mas a resposta dada pelo STJ ontem foi clara: aplique-se a lei, a quem quer que seja.

quarta-feira, 7 de março de 2018

A praga do protecionismo

Donald Trump deflagrou na semana passada nova ameaça à tranquilidade global. Desta vez, o temor não é com o risco de detonação de alguma arma bélica, mas os efeitos da guerra comercial pretendida pelo presidente americano podem ser igualmente danosos para economias ao redor do mundo, que alimentam bilhões de pessoas.

O governo Trump promete tarifar as importações de aço em 25% e as de alumínio em 10%. A alegação é proteger a indústria local e garantir a segurança americana, já que ambos os produtos também são insumos básicos do setor bélico. Em tom populista, ele usou suas redes sociais nos últimos dias para defender sua “guerra comercial”.

O tema diz respeito diretamente ao Brasil. Quase metade do aço produzido pelo país é exportado e, desse volume, 1/3 tem os EUA como destino. Em 2017, equivaleram a 4,7 milhões de toneladas e renderam US$ 2,6 bilhões em receitas.

O Brasil é o segundo maior fornecedor do produto ao mercado americano, com 13% do total – o Canadá lidera, com 17%. Segundo a CNI, o impacto da medida para a balança comercial brasileira, incluindo também as vendas de alumínio, pode chegar a US$ 3,1 bilhões, cerca de 1,5% das exportações previstas para este ano.

Os detalhes das barreiras sonhadas por Trump ainda não são conhecidos, mas é certo que se a opção for por mais protecionismo – o que ele reiterou em todas as ocasiões em que foi questionado a respeito desde quinta-feira – todos serão prejudicados.

Também por isso, Trump sofre críticas até internamente, e até de seus correligionários do Partido Republicano. Só a parte atrasada da indústria americana – cujo aço que fabrica é bem mais caro que o importado – comemora. Segundo o Valor Econômico, aço e alumínio representam apenas 2% do total das importações americanas e envolvem somente 0,1% dos empregos do país.

Consumidores americanos serão os primeiros a pagar o pato: como o país não é autossuficiente, importa maciçamente produtos que poderão ficar bem mais caros. Mas temem-se efeitos bem mais danosos e generalizados se a ideia de Trump for adiante, afetando trabalhadores do mundo todo.

Menos comércio pode conduzir a economia global a uma recessão. Inflação maior e juros mais altos nos EUA também tornam-se mais possíveis, com efeitos generalizados sobre a atividade em todas as nações do mundo – Brasil, claro, inclusive.

A escalada da insensatez já começou. A União Europeia ameaça retaliar o repto lançado pelos EUA e cogita sobretaxar alguns produtos icônicos da economia americana, como os jeans da Levys, uísques bourbon e até as motocicletas da Harley-Davidson. O Brasil, junto com dezenas de países, promete apelar a organismos multilaterais, como a OMC.

O protecionismo americano tende a ser respondido com mais protecionismo. Em consequência, o comércio global se reduzirá. E toda vez que o comércio retrocede perdem todos.

terça-feira, 6 de março de 2018

Na aba do chapéu alheio

O Congresso prepara-se para votar nos próximos dias projeto de lei que suspende benefícios tributários concedidos a alguns setores econômicos. Trata-se de política que surgiu bem intencionada, em 2011, mas desvirtuou-se nas mãos do PT e transformou-se em sorvedouro de dinheiro. A chamada desoneração da folha deveria ser página virada, mas o Parlamento caminha para dar-lhe sobrevida.

Instituída pelo governo Dilma Rousseff, a redução de tributos incidentes sobre a folha de pagamentos nasceu correta. Para, de acordo com a justificativa oficial, impulsionar a economia, empresas intensivas em mão de obra, ou seja, que empregam muita gente, deixaram de recolher tributos sobre salários, num percentual de 20%, e passaram a ser descontadas conforme sua receita bruta, num percentual entre 2% e 4,5%.

Era para ser uma boa política de indução de investimentos e de geração de novas vagas de trabalho. Mas não foi. Deveria concentrar-se em cinco setores específicos, mas acabou virando uma colcha de retalhos em que entrou quem conseguiu gritar mais alto – o total de segmentos favorecidos chegou a 56. Virou, portanto, mais um remendo no cipoal tributário brasileiro.

Mais grave, converteu-se num dreno de recursos públicos, afetando a arrecadação de impostos e, sobretudo, o financiamento da Previdência. Em meio a outros fatores, com a iniciativa o governo federal perdeu receita, viu sua capacidade de atuação reduzida e, pior, comprometeu a solvência do INSS.

Isso fica especialmente evidente no desempenho recente da previdência urbana. No curto espaço de três anos, a partir de 2014, ela despencou de superávit de R$ 31 bilhões para o rombo atual de R$ 72 bilhões. É claro que outros fatores, como a recessão, são os principais responsáveis pelo mergulho, mas a desoneração também pesou.

A desoneração chegou a ser classificada como “brincadeira” pelo então ministro Joaquim Levy, em razão de seu alto custo: R$ 25 bilhões por ano ou o equivalente a quase um Bolsa Família. Nas contas do governo atual, é menos. Inicialmente a reoneração da folha traria para os cofres públicos receita de R$ 32,6 bilhões até 2020, como parte dos esforços para corrigir os rombos fiscais. No entanto, agora o montante deve ficar bem menor.

Ocorre que a proposta enviada pelo Executivo ao Congresso em agosto último está sendo desfigurada no Parlamento. O texto inicial mantinha o benefício para apenas três setores, mas o relator da matéria na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB), opera um balcão em que a cada dia mais segmentos se salvam e preservam o privilégio fiscal. Na aba do chapéu alheio, quem roda é o erário.

A política que vigorou desde 2011 – que, haja vista também a recessão e o desemprego monstruosos recentes, mostrou-se ineficaz – escancara os limites que iniciativas de caráter discricionário e localizado têm para produzir justiça tributária e, pior, seu poder de gerar novas distorções no já bastante disfuncional sistema produtivo nacional.

Sim, o Estado brasileiro precisa ser menos guloso para ajudar a recuperação econômica e a geração de empregos. Mas isso não se faz livrando apenas alguns contribuintes enquanto a maioria continua esbulhada. O que o país precisa mesmo é de uma ampla reforma do sistema tributário, a fim de aliviar a carga de quem é muito onerado e taxar melhor quem hoje é menos castigado. A desoneração da folha fará sentido se for parte desse processo.

sábado, 3 de março de 2018

Lula em seu labirinto

Luiz Inácio Lula da Silva tem hoje uma única missão: sobreviver aos processos que o condenam e livrar-se de anos de cadeia pelos crimes que cometeu. Todo o resto serve apenas para dar contornos mais, digamos, heroicos à sua luta. Em particular, os interesses maiores do país são quase irrelevantes para os planos de Lula.

A constatação salta da longa entrevista que o ex-presidente concedeu à Folha de S.Paulo, publicada na edição desta quinta-feira. O que se percebe ali é um personagem em missão pessoal, quase personalíssima. Lula está mais autocentrado do que nunca, se sente mais ungido do que jamais se sentiu. Considera-se, sobretudo, acima do bem e do mal. O Brasil e os brasileiros que se danem.

Nas respostas, ele também dá a antever o script que o PT prepara para turvar o processo eleitoral que se avizinha e emparedar a democracia brasileira. O partido e seu líder emitem sinais de que irão até o fim nas eleições, com objetivo evidente: deslegitimar o eleito em outubro, partindo da premissa de que Lula sub judice na urna, votos brancos e anulados possam superar o obtido pelo vencedor do pleito.

“Eu quero saber o seguinte: eu, proibido de ser candidato, na rua fazendo campanha, como eles vão ficar? Eles estão me transformando numa vítima desnecessária”, ameaça o petista. No mesmo contexto, ganha maior sentido também a afirmação de Lula de que é contra o PT boicotar a eleição. Claro está: ele pretende estar lá, disputando-a, do jeito que for, com ou sem permissão, com ou sem seu nome na urna, preso ou não.

Lula está impedido de concorrer por razões legais, por ser ficha suja. Foi condenado em duas instâncias da Justiça por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro a, até agora, pena de 12 anos e um mês de reclusão – que pode começar a ser cumprida já no próximo dia 23, segundo aventa a revista Veja em edição que circula hoje. No total, o ex-presidente está envolvido em nove processos e já é réu em outros cinco deles.

Está fartamente provado que o petista se locupletou do cargo de presidente da República para colocar dinheiro no bolso, na forma de patrimônio – sobre os quais, na entrevista, mais uma vez ele nada esclarece. Merece, portanto, a devida punição. Mas Lula trata a Justiça e seus ritos quase como detalhes, miudezas.

Considera as instituições como algo de somenos importância. Investe contra autoridades e órgãos cujo único pecado foi contrapor-se a ele. Tenta até subverter os ditames processuais. Também mistifica e insufla conflitos – o “nós contra eles”, que agora incluem até “os americanos”... – que só existem para embalar seu projeto político. Ao agir assim, o ex-presidente, mais uma vez, deseduca, no que não chega a ser nenhuma novidade em seu comportamento.

Lula não honra sua história. Gozou de prestígio que nenhum outro presidente brasileiro experimentou. Teve oito anos de triunfos, quase sem ser admoestado. Elegeu e reelegeu sua sucessora, a mesma que levou ao paroxismo a receita que ele havia inaugurado e que destruiu a economia do país, hecatombe da qual só agora, três anos depois, estamos começando a nos recuperar.

Deveria, pois, dar-se por satisfeito. Mas não. Lula quer mais. O PT quer mais. A questão é: para quê?

A missão de quem se apresentar ao eleitorado nos próximos meses – além, claro, de conquistar os votos necessários à vitória – deve ser impedir que o plano maquiavélico dos petistas triunfe. Lula e o PT precisam ser derrotados no coração e na razão dos brasileiros. E superados nas urnas, para que o mito erigido em torno do ex-presidente da República suma do mapa político brasileiro e descanse em paz, na cadeia.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Mais um prego no caixão da crise

Deu o esperado: o PIB brasileiro cresceu 1% em 2017 e encerrou, assim, a mais tenebrosa recessão da nossa história. Embora a percepção da maior parte da população ainda não corrobore, a economia nacional dá mostras de estar ingressando num novo ciclo virtuoso. A dúvida é até quando ele pode perdurar.

Em 2017, o motor da retomada foi o campo. A agropecuária cresceu 13% no ano, num desempenho espetacular – a melhor marca desde 1996, início da série estatística do IBGE. Serviços avançaram quase nada (0,3%) e a indústria, com seu 0%, só conseguiu evitar aquele que seria seu quarto mergulho anual consecutivo.

O consumo voltou a crescer na comparação anual (1%), depois de um biênio de baixas. O setor externo também deu colaboração positiva, com alta tanto das exportações quanto das importações, ambas na casa de 5%.

Os investimentos registraram a quarta queda anual consecutiva (-1,8%), perfazendo baixa acumulada de 27,3% desde 2013. Com isso, a taxa de investimento como proporção do PIB continuou despencando, agora para 15,6%. No entanto, na comparação com mesmo trimestre do ano anterior, tiveram uma primeira alta (3,8%) depois de 14 trimestres seguidos de recuos.

Em comparação com as demais economias do globo, o desempenho brasileiro também melhorou. Entre países da OCDE, deixou para trás Suíça, Itália, Japão, México, Reino Unido, Noruega, Grécia e Dinamarca. Entre as nações em desenvolvimento, superou a Rússia, segundo estatísticas compiladas pelo Trading Economics, quando cotejado o resultado do último trimestre de 2017 com o do mesmo período de 2016.

Embora pareça magra, a alta do ano passado é valiosa por colocar ponto final naquela que foi a mais duradoura e a segunda mais profunda recessão da economia brasileira. Em dois anos, 6,8% do PIB foi embora pelo ralo, drenado pelas políticas equivocadas postas em prática pelos governos do PT. O PIB per capita afundou mais ainda (8,7% em três anos), o que a alta de 0,2% vista em 2017 não consegue sequer arranhar.

O 1% anunciado nesta manhã representa uma vitória do receituário econômico adotado a partir de maio de 2016. Tirar a atividade do fosso em que estava para colocá-la de volta ao terreno positivo em espaço de tempo relativamente curto não é trivial. Em todo o mundo, apenas a Argentina conseguiu reversão econômica tão significativa nos dois últimos anos. Falta agora recuperar os empregos dizimados, naquele que será o último prego no caixão da crise.

Todas as indicações são de que a curva é ascendente, com perspectiva de alta do PIB próxima a 3% neste ano, segundo a média de mercado. Nos próximos meses, os brasileiros terão a oportunidade de dizer se querem continuar neste caminho ou se preferem correr o risco de retroceder ao descalabro da última década. Para quem tem olhos para enxergar, a escolha parece óbvia.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Começar de novo

A criação do novo Ministério da Segurança Pública está sendo recebida com ceticismo. Não sem razão. O histórico de iniciativas federais no combate à criminalidade não suscita expectativas de dias melhores. Mas a situação de violência conflagrada em vários cantos do país exige e recomenda que agora seja diferente.

A nova pasta preenche lacuna há muito denunciada por quem faz política pública: o poder central pouco tem feito pela segurança e integridade física dos cidadãos. O ministério teria a função de acabar com esta omissão, reunir esforços hoje dispersos nas polícias estaduais – por sua vez, cindidas entre militares e civis – e, assim, organizar a repressão nacional ao crime, hoje caótica, para dizer o mínimo.

Este desafio está agora posto. Raul Jungmann terá pouco tempo para mostrar resultados, mas se pelo menos conseguir enveredar pelo básico que ninguém fez ao longo de décadas já terá cumprido sua missão. A substituição, logo na largada, do diretor-geral da Polícia Federal ajuda a mostrar a que veio o novo ministro. Mas é só um passo tímido de uma longa travessia.

Há 30 anos, ou seja, desde a promulgação da atual Constituição, os governos começam e terminam propondo iniciativas federais na segurança pública. Quase nada sai do papel, conforme levantamento feito pela Folha de S.Paulo. Mesmo Michel Temer já teve investida lançada um ano atrás: de dez metas, apenas uma foi atingida, reportou O Estado de S. Paulo a partir de dados oficiais.

O objetivo é sempre o mesmo: reduzir o acintoso nível de violência presente na sociedade brasileira. Somos o país onde mais se mata gente em todo o mundo, superando quaisquer zonas de guerra. Um lugar onde 61 mil pessoas são assassinadas por ano não pode estar bem, nem são. Urge, portanto, enfrentar a bandidagem.

Há por onde começar. Se existe alguma unanimidade entre quem trata do assunto é a necessidade de compartilhamento de dados criminais e o uso científico da tecnologia no combate às quadrilhas organizadas e internacionalizadas. Há décadas espera-se por um mero cadastro unificado de informações, mas as autoridades estaduais não colaboram para sua consecução, temendo expor sua incompetência na segurança pública. Como proceder então?

Uma alternativa seria vincular repasses de fundos constitucionais à efetiva integração e cooperação dos aparatos estaduais de segurança. Só receberia dinheiro do Funpen e do Fundo Nacional de Segurança, que juntos têm R$ 1,5 bilhão neste ano para repassar aos estados, quem estivesse dentro do sistema integrado, compartilhando informações.

Tal medida poderá estar no bojo da criação do esperado Susp, destinado a emular o SUS e articular uma estratégia federativa para a segurança pública, com a definição de atribuições para União, estados e municípios. O tempo urge, mas iniciativa tão fundamental não pode passar pelo Congresso a toque de caixa, ao sabor da crise da hora, como as primeiras articulações a respeito deixam transparecer.

A criação do novo ministério, somada à intervenção federal na segurança pública do Rio, instaura um recomeço na tentativa de se fundar uma estratégia nacional e articulada de combate ao crime. O tempo mostra-se curto demais para que resultados efetivos apareçam ainda nesta gestão. Mas não importa: esta é uma missão que, seja qual for o governo, precisa ser iniciada. E vencida.