sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Todos os homens do ex-presidente

João Paulo Cunha é o primeiro petista graúdo a ser condenado pela participação na “sofisticada organização criminosa” cuja meta era desviar R$ 1 bilhão dos cofres públicos. Réu no processo do mensalão, ele disputava a prefeitura de um dos mais ricos municípios do país. A questão é: quantos João Paulo e quantas sofisticadas organizações não estão operando neste momento para vencer as eleições e se preparando para assaltar os cofres de várias cidades do país?

O destino do deputado petista foi selado ontem com os votos dos ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Cunha já foi condenado por peculato e corrupção passiva, e, dependendo do voto do presidente do STF, Carlos Ayres Britto, pode ser considerado culpado também por crime de lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados no início do governo Lula já tem lugar assegurado no xilindró. Em sua última participação no Supremo, Peluso sugeriu pena de seis anos de reclusão para João Paulo Cunha. A sentença pode ficar maior, a depender da manifestação de Britto nesta tarde. Com isso, o petista terá que cumpri-la em regime fechado; na melhor das hipóteses, nos próximos anos passará suas noites na prisão.

O parlamentar petista deve estar assustado. Afinal, ele e o PT apostavam alto na impunidade. Cunha não apenas lançou-se candidato a prefeito de Osasco, na Grande São Paulo, como, dez dias atrás, teve Miriam Belchior estrelando seu programa eleitoral. A ministra do Planejamento foi à TV pedir votos para um mensaleiro condenado pelo Supremo.

Junto com Henrique Pizzolato, Marcos Valério e seus dois sócios na SMP&B, João Paulo Cunha cai levando abaixo consigo também a tese de que o mensalão não passou de mera manipulação de verbas de caixa dois eleitoral. Foi condenado com o STF reafirmando, de uma vez por todas, que o esquema de desvio de recursos públicos existiu sim, não importa o que farsantes tenham tentado afirmar em contrário.

João Paulo é o único dos 37 réus que disputa – melhor dizendo, disputava – a eleição deste ano. Mas quantos petistas não concorrem a cargo de prefeito em outubro movidos pela mesma engrenagem que gerou Cunha e o mensalão? São várias as evidências, os indícios, as provas de que o esquema continua a se reproduzir.

Vão desde a participação descarada de ministros em atos de campanha a revelações de que os cofres do Estado continuam a ser sangrados pelo PT para conquistar votos e, assim, manter-se no poder. Passam, ainda, pela constatação de que a distribuição de verbas públicas, que deveria obedecer a preceitos constitucionais, continua sendo usada pelo governo petista como arma e munição eleitoral.

As palavras do ministro Celso de Mello, decano do Supremo, sobre esta gente são irretocáveis: “Agentes públicos que se deixam corromper e particulares que corrompem os servidores do Estado são corruptos e corruptores, os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, são eles os delinquentes, marginais da ética do poder, são os infratores do erário, que trazem consigo a marca da indignidade, que portam o estigma da desonestidade”.

A definição sobre o destino de João Paulo abre a possibilidade de o Supremo também condenar todo o núcleo político que operou freneticamente para assegurar a compra e a manutenção de uma base parlamentar de apoio ao governo passado. Consideradas culpadas, como se espera, pessoas como José Dirceu e José Genoino, todo o governo Lula e mesmo o ex-presidente também sofrerão uma condenação, ainda que apenas moral.

Diante disso, apresenta-se a questão: como alguém cujo governo está tendo sua lisura cabalmente contestada pela mais alta corte do país apresenta-se faceiro na TV e no rádio em vários cantos do país para pedir votos a correligionários do mesmo partido que reconhecidamente assaltou os cofres públicos? Mais: por que dar votos a quem o maculado Lula está pedindo?

O mesmo PT que os ministros do Supremo estão condenando com riqueza de provas está nas ruas para tentar ludibriar e conquistar o eleitor. O mesmo esquema que os magistrados estão desnudando com fartura de detalhes em Brasília está por trás das campanhas eleitorais petistas ao redor do país. A oportunidade é única: se o STF já começou a condenar os mensaleiros e a dar à corrupção no Brasil a punição que ela merece, nas urnas eles também devem ser reprovados. 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pau na máquina

Há um fio de meada que liga o julgamento que ocorre no STF ao que está sendo revelado na CPI do Cachoeira. Ele mostra que, mesmo depois de descoberto o mensalão, o PT continuou a praticar ilegalidades e a investir sobre os cofres públicos para financiar seu projeto de poder. Usar a máquina do Estado em benefício eleitoral é algo inerente à prática política petista.

Na sessão de ontem, a CPI do Cachoeira ouviu o depoimento de Luiz Antonio Pagot, ex-diretor-geral do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária). A certa altura das quase oito horas de explanação, ele admitiu o que todo mundo já desconfiava: o órgão foi usado para levantar dinheiro para a campanha que elegeu Dilma Rousseff em 2010.

Pagot contou que foi procurado, naquele ano, pelo tesoureiro da campanha petista, José di Filippi. Durante e depois da eleição, o deputado lhe pediu que investisse sobre umas 30 a 40 empresas que prestavam serviços ao Dnit para obter delas contribuições financeiras para a candidata petista. Pagot arremeteu sobre as contratadas do gigantesco órgão e retirou delas R$ 6 milhões para o PT.

O então diretor do Dnit teve a pachorra de pesquisar se as empresas achacadas de fato pagaram. “Algumas enviaram boletos comprovando que doaram para a campanha. Outras eu constatei depois que também contribuíram”, disse aos parlamentares da CPI, segundo o Correio Braziliense. É a corrupção com certidão e papel passado.

O caixa do Dnit é um dos mais bem fornidos da Esplanada – seu orçamento para este ano soma R$ 15,4 bilhões. A investida sobre o polpudo cofre do órgão por parte da infantaria petista era tão acintosa que Filippi instruiu Pagot a não se ocupar dos peixes mais graúdos: dos maiores prestadores de serviço, a própria campanha cuidaria.

Não foi apenas a campanha presidencial que avançou sobre o butim do Dnit. A hoje ministra Ideli Salvatti e o então ministro Hélio Costa também tentaram tirar uma lasquinha. Segundo Pagot, não levaram, o que teria deixado a catarinense “bem contrariada” e feito o mineiro ameaçar tirá-lo do cargo tão logo virasse governador de Minas, o que não se consumou.

O Dnit é um dos mais vistosos casos de assalto ao bem público perpetrados pelo PT, mas está longe de ser o único. O partido de Lula, Dilma e José Dirceu continua a investir sobre o patrimônio dos cidadãos para empregá-lo em proveito próprio, em nome de uma causa política. Está acontecendo, de novo, nas atuais eleições.

Ontem, a Folha de S.Paulo mostrou mais um destes casos. Do alto de um palanque, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, prometeu aos eleitores de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, multiplicar por cinco os investimentos federais na cidade caso o candidato do PT à prefeitura seja eleito em outubro.

Chantagens parecidas estão sendo levadas ao ar em capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Recife. Nestes casos, a propaganda exibida pelo PT no rádio e na TV não é tão explícita, mas a mensagem é a mesma: vencedoras as candidaturas petistas, o governo federal irá despejar dinheiro em obras e sabe-se lá no que mais. Ou seja, recursos que devem servir aos cidadãos indistintamente e serem repartidos segundo preceitos constitucionais são usados pelo PT para tentar comprar a consciência dos eleitores.

Em suas quinze sessões iniciais, o julgamento do mensalão já serviu para deixar esclarecido, de uma vez por todas, que o PT desviou dinheiro público. Também colaborou para sepultar, definitivamente, teses cínicas lançadas pelos líderes petistas para tentar justificar o uso de recursos recolhidos dos contribuintes no financiamento do projeto de poder do partido.

É preciso, contudo, que a Justiça vá além. Parece mais que evidente que bastou a sensação de impunidade ter voltado a reinar entre os petistas para que o PT tocasse pau na máquina, transformando, sem pudor, o bem público em benefícios privados. O julgamento do mensalão também precisa servir para frear farras como as que ocorreram no Dnit e continuam a acontecer pelo país afora.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Os primeiros condenados do ‘megadelito’

Sete anos depois de revelado, o escândalo do mensalão conheceu ontem seus primeiros condenados. O Supremo Tribunal Federal (STF) inaugura, assim, a perspectiva de que delitos que lesam o patrimônio público não passarão mais incólumes. A sessão de ontem representou um soco no estômago dos que apostam no cinismo e na impunidade.

Quatro dos réus já têm maioria de votos pela condenação por desvio de dinheiro público: Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil; Marcos Valério, operador do mensalão; Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, ex-sócios do publicitário numa agência de comunicação. Seus crimes são corrupção e peculato.

Embora os ministros que já se manifestaram ainda possam alterar o voto, é incomum que isso aconteça. O próximo da lista de condenados deve ser o deputado petista João Paulo Cunha. Sobre o caso dele, os integrantes do Supremo apenas começaram a votar ontem: quatro já pediram sua condenação; com mais dois, sua cabeça também rolará.

Das manifestações dos ministros do STF na sessão de ontem, extraem-se firmes condenações ao cinismo com que o PT, os mensaleiros e seus advogados vêm tratando o assalto aos cofres públicos que marcou o maior escândalo da historia política do país. Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia deram belas lições a quem gostaria que a impunidade continuasse a imperar no Brasil.

Os votos proferidos pelos três ministros – o outro a votar ontem foi José Antônio Dias Toffoli, comprovando que teria sido muito mais digno se tivesse se manifestado impedido de julgar seus ex-chefes petistas – jogam mais uma pá de cal na profana tese levantada pelo PT de que o mensalão não passou de “mero” caixa dois eleitoral.

“Não importa o destino dado ao dinheiro, se foi gasto em despesas pessoais ou dívidas de campanha. Em qualquer hipótese, a vantagem não deixa de ser indevida”, ensinou a ministra Rosa. Fux cuidou de dar cores vivas ao tema sobre o qual a mais alta corte está se debruçando: trata-se de subtração de dinheiro do contribuinte.

“A cada desvio de dinheiro público, mais uma criança passa fome, mais uma localidade fica sem saneamento, mais um hospital, sem leitos. Estamos falando de dinheiro público, destinado à segurança, à saúde e à educação”, disse, fugindo dos eufemismos que os cínicos adoram empregar para tentar reduzir o mensalão a uma “farsa”, criada por alguma imaginação fértil. Estamos, isto sim, diante de um “megadelito”, asseverou o ministro.

Também serviram para embasar os votos proferidos ontem por Cármen, Rosa e Fux o descaramento e a desenvoltura com que os mensaleiros se movimentaram à época em que os milhões de reais foram drenados dos cofres públicos para irrigar bolsos privados comprados pelo PT.

Cármen Lúcia sublinhou o fato de a mulher de João Paulo ter ido pessoalmente sacar R$ 50 mil numa agência do Banco Rural – o que a defesa argumentou ser indício de inocência: “Isso se deve a uma singeleza extremamente melancólica para nós brasileiros, que é uma certa certeza de impunidade. Mande-se lá alguém, um parente, e nada será descoberto”. Ela ressaltou, ainda, a bizarrice de Pizzolato receber pacotes com R$ 326 mil em dinheiro vivo sem ter a menor noção do que se tratava...

Na sessão de ontem também começaram a ser abandonadas teses que, no passado, já serviram para livrar a cara de um ex-presidente da República que sofrera impeachment. Os ministros do Supremo defenderam que, para condenar alguém por corrupção, não são necessários os chamados “atos de ofício”. Ou seja, basta que fique caracterizado o recebimento da vantagem indevida para que o crime exista.

Com este precedente, crescem as chances de os cabeças do mensalão – que agiram “entre quatro paredes de um palácio presidencial”, conforme a definição do procurador-geral da República – também terem que acertar as contas com a Justiça. Assim, “abre-se uma avenida para que o Brasil deixe para trás definitivamente a pecha de país da corrupção”, como escreve o deputado Sérgio Guerra, em artigo na edição de hoje da Folha de S.Paulo.

Ainda demorará um tempo para serem conhecidas as penas de Henrique Pizzolato, Marcos Valério e seus sócios, o que só será deliberado ao final do julgamento. Mas, a partir da sessão de ontem, o país caminha a passos largos para ver a “sofisticada organização criminosa” que assaltou o Estado brasileiro começar a pagar seus débitos com a sociedade. Chegou a hora de devolverem o que surrupiaram.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Viúvas do estatismo

O governo Dilma não gosta de elogios. Só isso pode explicar a recaída estatizante exibida nos últimos dias, logo depois da acertada decisão de privatizar boa parte da infraestrutura viária do país. Suspender a concessão de aeroportos e continuar a criar empresas estatais para cuidar de tudo é perseverar no atraso.

Na semana passada, o governo fez circular a informação de que desistiu de repassar a exploração dos aeroportos do Galeão, no Rio, e de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, à iniciativa privada. Será desastroso se, de fato, a administração federal insistir em manter a Infraero à frente de duas das principais portas de entrada no país.

No novo escopo aventado pelas viúvas do estatismo que grassam em Brasília, a Infraero constituirá uma empresa de participações, a Infrapar, e firmará parcerias público-privadas (PPP) com investidores. Com isso, irá se manter no comando dos dois aeroportos que apresentaram o maior crescimento de fluxo de passageiros em 2011 (32% em Confins e 21% no Galeão).

A justificativa das chorosas viúvas é que, sem as receitas dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, já concedidos à iniciativa privada, a Infraero não conseguirá sobreviver, nem manter os outros 63 aeroportos que permanecerão sob sua alçada. Não poderia, por esta ótica, abrir mão de Confins e do Galeão.

“Essa é uma falsa questão porque, desde o início das discussões, estava claro que a Infraero deixaria de gerir os grandes aeroportos por uma razão muito simples: ela não possui recursos, nem muito menos o Tesouro Nacional, para bancar os investimentos necessários. A privatização, assim como no caso de rodovias e ferrovias anunciado pela presidente, não tem motivação ideológica. É uma necessidade”, analisa Cristiano Romero na edição de hoje do Valor Econômico.

A inépcia da estatal independe do que acontecerá no futuro. Desde sempre, a Infraero foi um poço de malversação. A estatal não tem estrutura nem fôlego para acompanhar o crescimento na casa de dois dígitos ao ano exibido pelos aeroportos brasileiros. Os grandes investidores do setor já fizeram saber que PPP com uma empresa como a estatal nem pensar...

Até porque a Infraero simplesmente não consegue fazer o mínimo que dela se espera: bem cuidar dos aeroportos do país. Neste ano, por exemplo, executou apenas 18,4% dos investimentos previstos no Orçamento da União. De R$ 2 bilhões reservados, somente R$ 370 milhões foram gastos até o fim de junho. Nos últimos 12 anos, a média de execução é de 51%.

A privatização dos aeroportos tem sido defendida há anos pela oposição ao governo petista. E há anos vinha sendo rechaçada, até a bendita decisão anunciada há duas semanas pela presidente Dilma Rousseff. Mas os anos de relutância cobraram seu custo e levaram nossos terminais a um estado lamentável.

Segundo o Ipea, 17 dos 20 maiores aeroportos brasileiros não têm capacidade para dar conta do fluxo de passageiros previsto para a Copa do Mundo de 2014. Pior: as melhorias necessárias para ampliá-los e modernizá-los dificilmente ficarão prontas em tempo hábil até a data da competição. Infelizmente, o governo Dilma parece, agora, preferir insistir no erro que tomar o bom caminho das privatizações. As viúvas agradecerão.

Assim como devem estar exultantes com a criação de mais uma empresa estatal: a Segurobras. Se não tivermos perdido a conta, será a 127ª estatal verde e amarela, o que provavelmente é um recorde mundial. A criação da Segurobras, noticiada pela Folha de S.Paulo no sábado, aconteceu à sorrelfa, no último dia 7, embutida em mais uma medida provisória do tipo árvore de Natal, ou seja, daquelas que tratam de tudo um pouco, longe da vista do público.

O Brasil necessita alavancar os investimentos em infraestrutura, cujas condições hoje atravancam o desenvolvimento do país, prejudicam as empresas e dificultam a vida das pessoas. A gestão petista deu um passo certo com a privatização das rodovias, ferrovias e aeroportos. Mas parece disposta a andar léguas para trás ao insistir em deixar nas mãos de um Estado guloso e paquidérmico o que ele já demonstrou que não consegue fazer. Só as viúvas comemorarão.

sábado, 25 de agosto de 2012

Incentivo à impunidade

Divergências são comuns em julgamentos. Mais que isso, são bem-vindas, porque asseguram o exercício do contraditório e, em alguns casos, preservam réus de linchamentos ditados pela burra unanimidade. Muito diferente é quando o direito de divergir acaba servindo para premiar as piores afrontas cometidas por criminosos confiantes de que são impunes.

Por esta razão, são nefastos os efeitos previsíveis do voto proferido ontem pelo ministro Ricardo Lewandowski livrando o petista João Paulo Cunha das acusações de crime de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro no processo do mensalão. A manifestação do revisor pode acabar servindo de salvo-conduto a falcatruas e abrir uma porteira de absolvições para quem, durante anos, assaltou os cofres públicos.

Em 2003, o deputado do PT sacou R$ 50 mil de uma conta de uma das empresas de Marcos Valério numa agência do Banco Rural em Brasília. Ato contínuo, a SMP&B, uma das firmas do operador do mensalão, abocanhou um contrato de R$ 10 milhões com a Câmara dos Deputados, que Cunha então presidia. Há evidências de que uma coisa esteve ligada à outra.

Para despistar, à época o parlamentar enviou sua esposa à agência para sacar a dinheirama. No transcurso da apuração do processo, primeiro Cunha negou que tivesse passado pelo banco. Com a mulher flagrada por câmeras de vídeo, mudou a versão e disse que ela fora ao Rural pagar contas de TV a cabo – revelando que sabia da origem ilegal da grana. Pego novamente na mentira, acabou admitindo o saque polpudo, mas sustentou que os recursos teriam servido para pagar despesas de campanha.

Esta história da carochinha obteve ontem o aval do ministro do Supremo. Com seu voto, Lewandowski reduziu o delito praticado pelo então presidente da Câmara dos Deputados – e, naquela condição, o segundo na linha sucessória presidencial – a um “mero” crime eleitoral. O revisor do processo do mensalão parece considerar que traficar dinheiro à margem da lei é mal menor.

Embora importante, o voto do revisor é apenas um dos 11 que serão proferidos no caso – ou dez, se não der mesmo tempo de Cezar Peluso, prestes a se aposentar, votar. Cabe esperar que os demais não deem razão ao ministro nem hipotequem apoio a tão descabida tese. Será deletério se a posição de Lewandowski prevalecer.

Afinal, o caso de João Paulo Cunha é um dos mais emblemáticos da postura petulante do PT em relação às instituições. O deputado é o único mensaleiro que, a despeito de estar no banco dos réus da mais alta corte do país, disputa a eleição deste ano: é candidato a prefeito de Osasco, rica cidade da região metropolitana de São Paulo.

Só a confiança na impunidade, ou a insolência explícita, explica como o PT não apenas lançou um mensaleiro como candidato, como também escalou uma ministra de Estado – no caso, Miriam Belchior, do Planejamento – para figurar ao seu lado nos vídeos da campanha eleitoral. O voto do ministro Lewandowski mostra-se conivente com esta deplorável situação.

É grave que o revisor tenha relevado, por exemplo, as idas e vindas da versão de Cunha. Ou tenha ignorado laudo da Polícia Federal que atestava contratações fictícias dentro do contrato firmado pela Câmara com a SMP&B. Ou, ainda, desconhecido que os saques do deputado e de outros políticos no Rural fossem escamoteados pela agência de publicidade como “pagamento de fornecedores”.

Como destacou o ministro Joaquim Barbosa, que na segunda-feira pediu a condenação do parlamentar, por quase dois anos a origem, a movimentação, a localização e a propriedade dos R$ 50 mil sacados pelo petista Cunha no Rural foram mantidos ocultos. Também sequer foram informados aos órgãos de fiscalização competentes, num claro indício de lavagem de dinheiro.

A tudo isso, Ricardo Lewandowski ontem ignorou. O revisor do processo do mensalão preferiu basear-se na tese de que não houve “ato de ofício” que permitisse caracterizar a prática dos crimes imputados ao deputado petista. Foi o mesmo argumento aceito pelo Supremo, em 1994, para absolver Fernando Collor de Mello. Como se percebe, João Paulo Cunha e os vários mensaleiros que poderão ser beneficiados pela postura complacente do ministro estão todos irmanados em boa companhia.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Com o meu, o seu, o nosso dinheiro

O ministro Ricardo Lewandowski confirmou ontem o que Joaquim Barbosa já dissera com todas as letras na segunda-feira: o mensalão foi abastecido com dinheiro público. Os dois ministros que mais conhecem o processo em julgamento no Supremo Tribunal Federal estão demonstrando, com riqueza de detalhes, como o PT operou o maior esquema de corrupção que se tem notícia na história política do país.

Não deveria causar surpresa que Lewandowski e Barbosa estejam convergindo a respeito do coração do processo, ou seja, a origem dos recursos que alimentaram o mensalão. Na realidade, relator e revisor curvaram-se à acachapante força de Sua Excelência, o fato: criminosamente, o PT surrupiou os cofres públicos para eternizar-se no poder.

Ontem, Lewandowski trouxe à luz minúcias a respeito de como o petista Henrique Pizzolato agiu na diretoria de marketing do Banco do Brasil para antecipar R$ 73,8 milhões do fundo Visanet – do qual o BB detém 32,3% – às agências de publicidade de Marcos Valério. Trata-se de dinheiro que, logo em seguida, desaguaria no caixa do partido e no bolso dos mensaleiros.

A antecipação autorizada por Pizzolato – que lhe rendeu ontem a condenação por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro pedida pelo ministro revisor – deu-se à revelia de normas internas do BB e, uma vez auditada internamente, foi considerada irregular. “Os recursos direcionados ao Visanet, além de serem vinculados do BB, saíram diretamente dos cofres deste”, disse Lewandowski.

Como se não bastasse, mais R$ 2,9 milhões pagos ao BB por veículos de comunicação a título de bonificação também foram desviados para os mensaleiros. Lewandowski conseguiu provar que milhares de notas fiscais frias – 41,6 mil, segundo O Globo; 80 mil, de acordo com o Correio Braziliense – foram emitidas para encobrir as operações, revelando-lhes o caráter fraudulento.

O rigor demonstrado até agora por Lewandowski merece celebração. O mesmo se aplica a Joaquim Barbosa. No início da semana, o ministro relator do processo do mensalão já fizera “a lição de casa com distinção e louvor, para não dizer à exaustão”, como comentou O Estado de S.Paulo ontem, em editorial.

Barbosa esmiuçou o tortuoso caminho que o dinheiro público percorrera desde os cofres do BB até molhar as contas do mensalão. Provara, por exemplo, que os tais bônus, que a defesa dos réus diz pertencer às agências e não aos anunciantes, jamais constaram dos contratos firmados pelo banco com a SMP&B de Valério.

Ao rigor dos julgadores opõe-se a pilhéria zombeteira dos réus, talvez confiantes de que não seriam imputáveis. Só isto pode explicar a forma com que um patrimônio do povo brasileiro, como o Banco do Brasil, é tratado pela gestão petista – modelo imposto por Lula, mas inalterado pela presidente Dilma Rousseff.

Recorda Eliane Cantanhêde como a maior instituição financeira do país foi tomada de assalto logo no começo do governo do ex-presidente e retalhada entre apaniguados políticos do PT. Naquele longínquo começo de 2003, 21 dos 33 cargos de cúpula do BB e cinco de suas sete vice-presidências já haviam sido trocadas e repartidas.

“Instalou-se o reinado sindical. Os funcionários, desolados, já previam o que vinha por aí: tudo isso que o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal mostra ao vivo e em cores, com enorme clareza”, escreve a colunista, na Folha de S.Paulo. Ontem, Lewandowski resumiu bem a situação: era uma “total balbúrdia”.

Só a mesma postura arrogante e galhofeira pode explicar também como um parlamentar que está prestes a ser condenado pela mais alta corte brasileira por peculato, lavagem de dinheiro e corrupção passiva disputa uma das mais ricas prefeituras do país e, ainda por cima, recebe na TV apoio explícito da ministra do Planejamento. Mas esta certeza de impunidade que o PT exibe está com os dias contados.

No detalhe dos fatos, restou clara a consistência dos votos do relator e do revisor do processo do mensalão. No rigor da análise, ressalta evidente a existência dos crimes. Na precisão do julgamento, será comprovado que, durante anos, o PT atacou os cofres públicos para tentar manter-se eternamente no poder. O meu, o seu, o nosso dinheiro agradecem a punição aos culpados por este assalto.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Ainda muito desigual

O Brasil continua na zona de rebaixamento do vergonhoso campeonato da desigualdade de renda. Apesar da melhora ocorrida nos últimos 20 anos, ainda estamos entre os países em que a riqueza é mais mal dividida. Não é algo a ser comemorado, mas serve para colocar em perspectivas mais realistas os muitos desafios ainda a superar.

A ONU-Habitat divulgou ontem relatório em que analisa a condição de vida na América Latina e no Caribe nas últimas duas décadas. Mostra que o Brasil ainda é o quarto país mais desigual do continente mais desigual do mundo. Em 20 anos, o máximo que conseguimos foi deixar a lanterna do ranking e superar Guatemala, Honduras e Colômbia – nesta ordem, os mais injustos da região.

“Ser o quarto pior da América Latina é como estar na zona de rebaixamento da terceira divisão porque é a região mais desigual do mundo”, resumiu Marcelo Néri, pesquisador da FGV que se especializou em analisar políticas públicas de distribuição de renda. Não temos nada do que se orgulhar, por certo.

De modo geral, 124 milhões de pessoas ainda vivem na pobreza nas cidades latino-americanas e caribenhas, o que equivale a um em cada quatro habitantes das áreas urbanas. O maior contingente está no Brasil, onde somam 37 milhões. Em termos relativos, o percentual da população urbana brasileira em situação de pobreza e indigência passou de 41% em 1990 para 22% em 2009.

A situação no continente ainda é lastimável. Segundo a ONU, a América Latina e o Caribe se mantêm como a área mais desigual do globo. País com melhor distribuição de renda no continente, a Venezuela tem situação mais injusta – medida pelo índice de Gini – do que Portugal, o mais desigual dos países europeus. Os 20% mais ricos na América Latina têm renda quase 20 vezes superior à dos 20% mais pobres.

A renda média brasileira também é uma das mais baixas entre os 26 países da região. No ranking de PIB per capita, o Brasil ocupa o 13° lugar, com valor pouco superior a US$ 4 mil. Estamos abaixo da média latino-americana e atrás de países como Argentina e Uruguai, onde os rendimentos médios ficam acima de US$ 8 mil.

A ONU destaca que a desigualdade é patente não só na distribuição de renda, mas também na habitação, no acesso a bens e serviços como educação e saúde, e nas oportunidades de emprego, entre outros fatores que determinam o bem-estar do indivíduo.

No continente, 111 milhões de pessoas sobrevivem em habitações precárias, por exemplo. O maior número, mais uma vez, está no Brasil: são 46 milhões de habitantes nestas condições, ou 28% da nossa população urbana. Em 20 anos, o contingente vivendo nesta situação no país ganhou mais 5 milhões de indivíduos.

Outra calamidade é o acesso a serviços de saneamento. Aqui vale tomar uma fonte mais recente: o levantamento publicado na semana passada pelo Instituto Trata Brasil. No país, 81% da população tem acesso à água tratada; apenas 46% contam com coleta de esgotos e, do esgoto gerado no país, apenas 38% recebe tratamento. Um atraso malcheiroso.

Não é prazeroso constatar o quanto o Brasil ainda precisa avançar para tornar-se, de fato, “um país sem pobreza”, como diz o slogan oficial. Estudos como o da ONU servem para moderar o oba-oba emanado de Brasília, que tenta nos vender a ideia de que, nunca antes na história, estivemos tão bem. Devagar com o andor.

Um país que, a despeito de sua imensa força econômica, mantém-se como um dos mais desiguais e injustos de um dos mais problemáticos continentes do mundo não pode se dar ao luxo de deitar em berço esplêndido. Uma parte do caminho para mudar isso foi percorrida, e não é de agora: lá se vão quase 20 anos de avanços. Mas uma longa jornada ainda terá de ser vencida. O primeiro passo para superar o atraso é encarar a situação com realismo, e não com lentes cor-de-rosa.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Siga o dinheiro

Se dúvidas havia, não há mais: o mensalão foi bancado por recursos públicos. O maior esquema de corrupção da história política brasileira surrupiou dinheiro recolhido pelos contribuintes para abrir estradas, melhorar hospitais e construir escolas e usou-o para financiar o projeto de poder do PT. Agora, basta seguir o rastro da dinheirama para punir devidamente os culpados.

Joaquim Barbosa avançou ontem na leitura de seu voto sobre o mensalão e mostrou que recursos do Banco do Brasil foram usados para pagar o apoio de parlamentares que apoiavam o governo Lula. Pelo menos R$ 76 milhões foram drenados para irrigar operações fraudulentas e encher os bolsos de deputados da base aliada.

O ministro relator foi cristalino em sua argumentação. O dinheiro foi repassado à DNA, uma das agências de publicidade de Marcos Valério, pela Visanet. Os advogados dos réus argumentam que a empresa é privada e, portanto, não haveria problema. Mas, se 32,3% das ações da Visanet são detidas pelo Banco do Brasil, os recursos não poderiam ser outra coisa senão públicos. Simples assim.

Houve pagamentos antecipados à DNA, no valor de R$ 73 milhões, e apropriação, pela agência, de bonificações que deveriam ser restituídas ao Banco do Brasil, que somam R$ 2,9 milhões. O erário foi, portanto, assaltado.  Tudo foi determinado a partir da diretoria de marketing do BB, comandada à época por Henrique Pizzolato.

O dinheiro desviado dos cofres públicos foi, então, usado pela DNA para levantar empréstimos junto aos bancos Rural e BMG em favor do PT. Dos guichês das instituições, os recursos foram sacados pelos mensaleiros, beneficiários do esquema que pretendia arrecadar R$ 1 bilhão para patrocinar a perpetuação do projeto de poder petista.

Barbosa foi direto e didático ao propor a condenação dos envolvidos nos desvios. Por uma razão singela: o relator já deixou claro que não admite os cínicos argumentos da defesa dos réus, que tenta, a todo custo, transformar o mensalão num pecadilho, um delito de segunda classe, um simples crime eleitoral “que sistematicamente é feito no Brasil” – conforme as palavras de Lula ainda em 2005.

Depois do relator, amanhã se manifesta o revisor, Ricardo Lewandowski, e, em seguida, os demais nove ministros do Supremo Tribunal Federal. Aceita a constatação, feita por Barbosa, de que houve desvio de dinheiro público, os réus acusados – o deputado João Paulo Cunha, Pizzolato, Marcos Valério e mais dois de seus sócios – são passíveis de serem condenados por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro.

Se a tese prosperar, estará reforçada a acusação de lavagem de dinheiro, que recai sobre 35 dos 37 réus do processo do mensalão. Trata-se de crime caracterizado como “tentativa de ocultar a origem ilegal de recursos”, que, mostrou ontem Joaquim Barbosa, eram públicos. Estará aberto também o caminho para chegar a quem, de fato, comandou o esquema corrupto.

Depois de desmascarar a origem pública do dinheiro, nos próximos capítulos do seu voto o ministro relator deve deitar por terra as alegações de que o mensalão não passou de crime de caixa dois. Tampouco deverá deixar prosperar a tese de que os mensaleiros não sabiam da origem suja do dinheiro que gostosamente embolsavam.

Joaquim Barbosa traçou ontem o caminho a seguir, dentro do formato didático, claro e preciso que vem imprimindo a suas manifestações no julgamento. Com o ministro, quem fala são os fatos. Comprovada a origem pública do dinheiro que alimentou o mensalão, o relator examinará, nesta ordem, a gestão fraudulenta dos bancos; a prática de lavagem; a compra de apoio parlamentar; a evasão de divisas; e, finalmente, a formação de quadrilha.

É nesta hora que o julgamento chegará aonde a sociedade mais espera: àquele quem, “entre quatro paredes de um palácio presidencial”, comandou todo o esquema mafioso. Seu operador é mais que evidente: José Dirceu – se ainda havia dúvidas disso, O Estado de S.Paulo mostrou, em sua edição de domingo, quão longos eram os tentáculos do então ministro-chefe da Casa Civil de Lula.

Mas o verdadeiro chefão ainda permanece oculto, ou melhor, não foi arrolado pela Procuradoria-Geral da República na peça acusatória. É difícil crer que um esquema tão poderoso tenha ocorrido à revelia do líder máximo, daquele que ocupava o mais importante gabinete do Palácio do Planalto e a quem interessava, ao fim e ao cabo, que o PT se eternizasse no poder. Não será difícil chegar lá. O caminho está aberto, é só seguir o rastro do dinheiro.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Mostrando os dentes

Esta é uma semana decisiva para o julgamento do mensalão. Entre os aspectos que estarão no centro das atenções nos próximos dias está a origem pública do dinheiro surrupiado para comprar apoio parlamentar. Certamente por esta razão, os defensores da “sofisticada organização criminosa” resolveram mostrar os dentes e estão tentando, desesperadamente, melar o jogo.

Na semana passada, os primeiros dos 37 réus – entre eles o deputado João Paulo Cunha, atual candidato do PT à prefeitura de Osasco – tiveram sua condenação pedida pelo relator, ministro Joaquim Barbosa. Seus crimes: peculato, corrupção e lavagem de dinheiro. Marcos Valério e dois de seus sócios na agência de publicidade SMP&B também tiveram a condenação recomendada.

Mas o que causou mais celeuma nos últimos dias foi a decisão, proposta por Barbosa e acatada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, de apreciar o caso em blocos. Assim, a corte irá se manifestar sobre o destino dos réus à medida que os casos forem sendo analisados pelo relator. Trata-se de procedimento “mais racional”, na avaliação de Celso de Mello, o decano do STF.

Mas não é isso, claro, o que pensam os defensores dos mensaleiros. Como o chamado “fatiamento” do julgamento é polêmico, e opõe entre si alguns ministros do Supremo, eles viram aí uma brecha para, mais uma ver, tentar turvar o ambiente. Juntos, apresentarão hoje aos ministros uma petição de protesto, cujo teor O Estado de S.Paulo adianta, em manchete. Também não descartam espernear junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mais uma vez, o cabeça da ofensiva é o advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça de Lula e artífice da tese-mãe de defesa abraçada por todos os mensaleiros e seus patrocinadores: a de que o gigantesco esquema que objetivava desviar R$ 1 bilhão dos cofres públicos nada mais foi do que um delito “menor”, de “mero” caixa dois eleitoral.

Bastos e mais cerca de 20 advogados dos mensaleiros argumentam que apreciar o caso do mensalão por blocos, como defende Barbosa, representa uma “verdadeira aberração”. Eles dizem preferir que o caso seja avaliado em sua inteireza por cada um dos 11 ministros.

Neste desenho, Ricardo Lewandowski, por exemplo, discorreria, lentamente, sobre suas anunciadas 1.400 páginas de voto, por horas ou dias. E assim sucessivamente. Só ao final deste enfadonho procedimento seriam conhecidas as deliberações dos ministros sobre o destino de cada um dos réus. Uma boa parte da sessão de hoje no STF deve ser consumida nesta bizantina discussão.

O modelo proposto por Joaquim Barbosa tem o condão de tornar o julgamento do mensalão mais objetivo e até mesmo didático para a sociedade. Um caso é apresentado e, imediatamente, os demais ministros passam a se manifestar sobre ele. Ao final, tem-se um veredicto e passa-se ao assunto seguinte. Simples, racional e totalmente conforme os preceitos legais.

Respeitada esta dinâmica, tão logo os demais ministros se manifestem sobre a condenação de João Paulo Cunha, Valério e seus sócios, pedida pelo relator, o próximo item a entrar em discussão será, justamente, avaliar se o dinheiro usado para financiar o mensalão veio de fontes públicas. Trata-se do coração do processo.

Alguns ministros já se manifestaram a respeito. Parece fora de questão que os milhões que abasteceram o valerioduto e irrigaram o bolso de parlamentares que davam sustentação ao governo Lula e ao projeto do PT de perpetuação no poder foram subtraídos de cofres públicos, mais especificamente do Banco do Brasil, por meio da Visanet.

“Esse dinheiro, para fins penais, oriundo de uma economia mista, é público, inclusive para efeito de controle. E o dinheiro público não se despubliciza, não se metamorfoseia em privado pelo fato de ser injetado numa pessoa jurídica totalmente privada, como é a Visanet. O dinheiro continua público a despeito de sua movimentação por uma empresa privada”, disse o ministro Ayres Britto, hoje presidente do STF, em agosto de 2007, quando o tribunal aceitou a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República sobre o mensalão, conforme recorda O Globo.

Já eram favas contadas que os defensores dos mensaleiros, todos contratados à base de cifras milionárias, fariam de tudo para evitar o acerto de conta de seus clientes com a Justiça. É do jogo. Mas a sociedade está mais atenta do que nunca para impedir que os advogados da quadrilha que depenou o erário consigam livrar a cara dos acusados do maior esquema de desvio de dinheiro público que se tem notícia na história brasileira. Basta de desvios. Que o julgamento siga seu curso.

sábado, 18 de agosto de 2012

Por que privatizar

É ocioso perder tempo em discussões semânticas sobre o pacote de privatização divulgado anteontem pela presidente Dilma Rousseff. O importante é que, se tudo for feito conforme o anunciado, doravante caberá à iniciativa privada tocar os investimentos necessários para destravar o país. É a única saída, tendo em vista o atoleiro no qual o estatismo petista nos afundou nos últimos anos.

Onde o Estado está metido em demasia, o país está parado. Já são anos rodando em falso, sem sair do lugar. Dia após dia, sucedem-se exemplos da ineficácia da gestão pública federal nas áreas de logística, transportes, energia, saneamento e infraestrutura em geral. Privatizar mostra-se, na maioria dos casos, a melhor solução. Infelizmente, o PT demorou demais a admiti-lo, mas antes tarde do que nunca.

Vejamos, por exemplo, o que acontece nas rodovias brasileiras. Segundo a mais recente edição da Pesquisa CNT de Rodovias, tida como a melhor referência sobre o assunto, 87% das rodovias sob exploração privada no país encontram-se em estado “ótimo” ou “bom”. Nas públicas, só 32% estão nestas condições.

No extremo oposto, somente 1,4% das estradas sob concessão são consideradas “ruins” ou “péssimas”. Em números absolutos, são 205 km nesta situação. Na malha rodoviária federal, nada menos que 30% das rodovias encontram-se nestas deploráveis condições, o que dá quase 23 mil km praticamente intrafegáveis em todo o país.

Esta é uma realidade que não vem de agora. Há anos a deterioração da malha rodoviária se acentua a olhos vistos, sem que os investimentos necessários fossem acelerados. Por anos, as gestões petistas se recusaram a dar solução adequada ao problema, que só agora passará a ser enfrentado por meio da concessão de nove trechos, perfazendo 7,5 mil km de estradas.

A perspectiva é positiva, mas ainda não passa de profissão de fé. O governo anunciou que pretende assinar os novos contratos dentro de 13 meses, mas, infelizmente, os prazos parecem otimistas demais para tantas perguntas sem respostas. Para começar, das 21 concessões anunciadas nesta semana – 12 são de ferrovias, cujo modelo a ser adotado é inédito no país – somente duas já contam com estudos de viabilidade concluídos.

Vale lembrar que, de 2003 a 2012, o governo federal só conseguiu concluir oito concessões rodoviárias no país, ainda assim deixando um rastro de lambanças em suas esburacadas pistas: em quatro anos, só 10% dos investimentos previstos no último lote de estradas privatizadas foram realizados.

Depois de muito vacilar, o governo também foi capaz de licitar, no início deste ano, a exploração de três aeroportos. Mas produziu, de novo, incertezas, dada a duvidosa capacidade dos concessionários vencedores. Planeja, agora, manter-se majoritário nas próximas concessões aeroportuárias, por meio da Infraero Participações – que será constituída com ativos dos três aeroportos já licitados e dos dois próximos da fila (Confins e Galeão), segundo Claudia Safatle, no Valor Econômico. Trata-se de perspectiva desanimadora.

É lastimável como as gestões petistas demoram tanto a enxergar o óbvio e insistem tanto em perseverar no mau caminho. O que vem acontecendo com as companhias estatais neste ano também serve para ilustrar as deficiências de desempenho do Estado empreendedor adorado pelos petistas: no primeiro semestre, apenas 20% dos investimentos previstos por elas, excluídas a Petrobras e suas subsidiárias, foram efetivados, conforme mostrou o Valor na segunda-feira.

Oxalá, esta realidade esteja prestes a mudar. Por hora, o que há é um balaio de boas intenções, que jogam no lixo da história o dogma ideológico petista, que tanto retrocesso causou ao país nos últimos anos. Resta esperar para ver se o governo Dilma terá competência para fazer o que o PT nunca conseguiu. Boas razões para privatizar não faltam.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Choque de realidade

O pacote de infraestrutura anunciado ontem pela presidente Dilma Rousseff recoloca o país numa rota da qual ele tinha sido desviado. Ao longo dos últimos nove anos, as gestões petistas optaram por um caminho acidentado e cheio de buracos, um modelo depauperado que não chegou a lugar nenhum. Renderam-se agora, finalmente, às privatizações, alternativa que a oposição jamais deixou de defender.

A opção por privatizar 7,5 mil km de rodovias e 10 mil km de ferrovias atesta o fracasso do modelo aplicado pelo PT, que monopolizou no Estado a atribuição de fazer deslanchar a melhoria da infraestrutura do país. A opção petista não deu certo; seu único resultado foi fazer o país perder anos patinando sem sair do lugar.

É possível fazer uma série de cálculos e usar exemplos de todos os tipos para ilustrar a paralisia a que o PT guiou a infraestrutura no Brasil. Mas, para simplificar, basta ater-se ao que vem ocorrendo sob o comando de Dilma. Os investimentos do Dnit caíram 35% no primeiro semestre e os da Valec são hoje menos da metade do que eram dois anos atrás. (Os dois órgãos, não custa lembrar, vinham funcionando como verdadeiros antros de falcatruas.)

Trata-se de uma espécie de custo PT: a sobrecarga que o dogma ideológico – e eleitoralmente oportunista – do partido de Lula e Dilma impôs à sociedade brasileira em termos de ineficiência, desconforto e atrasos na nossa infraestrutura. Com base nele, o país foi conduzido a um beco sem saída, do qual, agora, as privatizações vêm nos resgatar.

O PT até tentou improvisar, alegando que inventara, por exemplo, um novo jeito de cuidar das nossas rodovias sem que isso custasse muito aos usuários. Mas o modelo das concessões com pedágios a preço de banana, lançado por Lula em 2007, foi retumbante fiasco, como mostrou ontem a Folha de S.Paulo, e não freou a deterioração da nossa malha rodoviária.

Naquela ocasião, foram privatizados sete trechos, transferindo para concessionários a incumbência, entre outros, de investir R$ 1,2 bilhão (em valores atualizados) em duplicação e construção de novas estradas. As obras deveriam estar prontas em 2013, mas, passados quatro anos da assinatura dos contratos, cinco dos oito grandes projetos nem começaram e somente 10% dos investimentos previstos foram efetuados.

Com os aeroportos foi pior. Depois de anos de caos aéreo, o governo do PT ainda demorou uma eternidade antes de curvar-se à alternativa das concessões, modelo testado e aprovado em todo o mundo. Só a ameaça de travar o país na Copa do Mundo, que ainda é real, fez a gestão Dilma repassar três terminais (Guarulhos, Brasília e Viracopos) à exploração privada neste ano. Mas nada de obras, ainda.

A tardia conversão nos aeroportos deu-se à base de tanto improviso que, agora, teme-se que os novos concessionários, assim como ocorreu nas rodovias, não tenham condições de honrar os contratos. Afora isso, o modelo preservou a ineficiente Infraero com participação expressiva em todos os consórcios. Sem falar que somente três aeroportos já foram concedidos – os das demais nove cidades-sede da Copa continuam aguardando.

Em relação às ferrovias, o novo modelo centraliza riscos na Valec – aquela do Doutor Juquinha... Uma melhor regulação poderia resultar no desejável aumento da nossa malha ferroviária, mas optou-se por um sistema em que a estatal leiloará direitos de passagem e assumirá, inclusive, a possibilidade de prejuízos em caso de baixa demanda. Não parece eficiente, nem suficientemente simples, para expandir este modal tanto quanto um país continental como o Brasil necessita.

O governo promete tirar do papel R$ 133 bilhões – valor ainda modesto em percentual do PIB – em obras nos próximos 25 anos. Muitos dos empreendimentos agora colocados nas mãos da iniciativa privada gramaram anos nas planilhas e apresentações em powerpoint do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sem sair do lugar. É o caso do Ferroanel de São Paulo e das concessões das rodovias BR-040 e BR-116, por exemplo, previstas desde 2008, como mostra O Globo.

Nas próximas semanas, o governo promete anunciar sua estratégia para os investimentos necessários à modernização e à ampliação de portos, aeroportos e hidrovias, que serão desatolados do PAC e repassados à iniciativa privada, incluindo também a possibilidade de parcerias público-privadas. É esperar para ver.

Quando foi lançado como o primeiro candidato a presidente da República pelo PSDB, em 1988, Mario Covas propôs um “choque de capitalismo” para fazer o Brasil avançar. No governo Fernando Henrique, muito do que Covas defendeu foi feito, principalmente nas telecomunicações e na criação das agências reguladoras. A tudo isso, o PT se opôs – no caso dos órgãos de regulação, foi além: desmontou-os.

Foram necessários anos de equívocos para que o partido de Lula e Dilma revisasse suas posições. Não tem problema: a conversão, ainda que tardia, ao modelo das privatizações é bem-vinda. A população agradece se a atual gestão conseguir, pelo menos, honrar o que foi prometido ontem. Será uma forma de compensar parte dos atrasos a que fomos submetidos pela teimosia do PT em não ver o óbvio e em insistir, por décadas, no que não dá certo. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Falta de educação

Há muito pouco a comemorar nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgados ontem pelo Ministério da Educação. Os avanços são tímidos demais, os problemas se avolumam à medida que os alunos progridem nas séries, o abismo entre ensino público e particular permanece. A educação brasileira continua sem passar de ano.

Os estudantes saem-se melhor nas séries iniciais do ensino fundamental, pioram um pouco no segundo ciclo e afundam de vez no ensino médio. Fica nítido que há um funil nos anos finais de formação dos alunos. Desta lógica perversa, decorrem pelo menos dois efeitos mais evidentes: alta evasão escolar e baixa capacitação de quem sai das salas de aula para o mercado de trabalho.

O Ideb é calculado a partir da Prova Brasil, avaliação aplicada pelo governo federal aos alunos da rede pública – toda ela, obrigatoriamente – a cada dois anos. Escolas privadas são avaliadas apenas por amostragem, mas é possível que também passem a ter que se submeter compulsoriamente aos exames. A prova é aplicada no 5° e 9° anos do ensino fundamental e no 3° ano do ensino médio.

Os alunos respondem a questões de língua portuguesa, com foco em leitura, e de matemática, com ênfase na resolução de problemas. Mas o desempenho nas duas disciplinas compõe apenas parte da nota. Outra parcela é aferida a partir da progressão dos estudantes, ou seja, do nível de aprovações e repetências. Daí surgem distorções.

Nas séries iniciais, entre o 1° e o 5° anos, em que o alunato sai-se levemente melhor, o Ideb médio do país passou de 4,6 em 2009 para 5 em 2011. Praticamente metade da melhora (0,22 ponto, para ser mais preciso) se deve, de fato, a um desempenho menos sofrível dos estudantes em português e matemática; a outra metade, à redução da repetência. “Aprovar é mais fácil que melhorar a aprendizagem. Para aumentar o fluxo, basta uma canetada”, desnuda Priscila Cruz, diretora do Todos pela Educação. 

Em quaisquer dos ciclos analisados pelo Ideb, o Brasil não passa de ano. As médias nos anos iniciais do ensino fundamental (1° ao 5° anos), nos finais (6° ao 9° anos) e no ensino médio (o antigo 2° grau) não ultrapassam 5, numa escala que varia de 0 a 10. Registre-se que, em todos os casos, as metas oficiais para 2011 foram cumpridas, mas de que adianta, se tão medíocres são?

A nota do segundo ciclo do fundamental foi de 4,1, enquanto a meta proposta para o ano era de 3,9, sem esquecer que, entre 2009 e 2011, o avanço foi de apenas 0,1 ponto. No ensino médio, a nota média do Ideb no país variou de 3,6 para 3,7 no período, resultado que garantiu tão somente o cumprimento da meta oficial à risca.

A situação é mais calamitosa no ensino médio: “O índice de aproveitamento do ensino médio esteve, desde 2005, ou encostado na meta, ou abaixo dela, sem contar que a meta é muito baixa. O de 2007 ficou em 3,5 (a meta era 3,4), o de 2009 ficou em 3,6 (a meta era 3,5), e o de 2011 ficou em 3,7 (a meta era 3,7). Não houve evolução na aprovação do Ideb do ensino médio de 2009 (0,8) para 2011 (0,8); a evolução no desempenho de matemática foi imperceptível, passando de 274,7 (2009) para 274,8 (2011); em língua portuguesa houve queda, passando de 268,8 em 2009 para 268,6 em 2011”, sintetiza o Valor Econômico.

É nesta etapa de aprendizado que há menos professores com formação adequada, estruturas mais deficientes e projetos pedagógicos mais falhos. É também, não por coincidência, para onde se destina a menor parcela dos gastos públicos em educação, excetuando-se a infantil: o médio recebe 13% do total, enquanto 65% vão para o fundamental e 15% para o superior.

Nos anos do ensino médio, a distância entre o desempenho das escolas públicas e privadas se agiganta. A diferença entre a pontuação delas chega a 2,3 pontos, enquanto nas séries inicias do fundamental é de 1,8 ponto. Resultado: o desempenho de estudantes do ensino médio público em português e matemática é inferior ao atingido por alunos do último ano do fundamental particular, com três anos de estudos a menos.

“Por qualquer ângulo, a conclusão é uma só: nossas redes não estão ensinando. Ainda que haja algum avanço nos anos iniciais, nos anos finais e no ensino médio o país está estagnado. Milhões de alunos passam anos nas escolas, mas chegam ao final dos ciclos sem saber o esperado”, resume Denis Mizne, da Fundação Lemann.

Nos últimos anos, o MEC tem sido usado de trampolim e figurado como celeiro de pretendentes petistas a cargos políticos de maior projeção. Desde a era Lula, de lá saiu um governador de estado e, mais recentemente, um pretendente a prefeito de capital. Os maus resultados que o país tem obtido na educação de suas crianças e jovens não os credenciam a dirigir sequer um carrinho de pipoca.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Entre quatro paredes de um palácio

Enfim o principal beneficiário do maior esquema de corrupção da história política do país despontou no julgamento do mensalão. Se até a defesa de José Dirceu nega que o ex-ministro é quem tenha comandado a “sofisticada organização criminosa”, só alguém acima dele poderia ter exercido o papel. Ontem, o dedo foi apontado para Luiz Inácio Lula da Silva.

Coube ao advogado de Roberto Jefferson acusar o ex-presidente de ter ordenado e posto para funcionar o esquema de desvio de verbas públicas para alimentar o projeto de poder do PT. O argumento visa incluir Lula entre os acusados, já que ele não figura entre os 38 réus arrolados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Lula não só sabia como ordenou tudo isso que essa ação penal escrutina. Aqueles ministros eram apenas executivos disso”, afirmou Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que defende o petebista, autor das denúncias que levaram à descoberta do mensalão, em 2005.

“É claro que Sua Excelência [o procurador Roberto Gurgel] não pode aqui afirmar que o presidente da República fosse um pateta, fosse um deficiente, que sob suas barbas, acontecendo isso, as tenebrosas transações, ele não soubesse de nada”, continuou a defesa de Jefferson.

É evidente que há muita retórica na fala do advogado, mas é inegável que a oratória que ele exercitou ontem na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF) faz todo sentido. O mensalão existiu e constituiu-se em desvio de grosso dinheiro público para a compra de apoio parlamentar para garantir a perpetuação do PT no poder. Mas a que pessoa, ao fim e ao cabo, o esquema beneficiou mais diretamente?

Quem passou os oito anos que poderia no exercício do mandato, cogitou a possibilidade de permanecer mais quatro, atropelou toda a lei para eleger a sucessora e, volta e meia, ainda aventa a chance de voltar para mais oito anos no Planalto? Afinal, de quem é o projeto político de longo prazo que o mensalão buscou sustentar, inclusive com sua meta de arrecadar R$ 1 bilhão?

A defesa de Jefferson já havia tentado incluir Lula entre os acusados, até como forma de buscar livrar o petebista do impreterível ajuste de contas com a Justiça. Mas não é a única a tentar imputar o ex-presidente no caso: em abril, um procurador de Porto Alegre também havia pedido a inclusão de Lula no processo penal do mensalão, mas sua solicitação não chegou a ser respondida pela PGR.

A base de tais acusações é objetiva: o envolvimento direto de Lula em medidas que beneficiaram o banco BMG, uma das instituições financeiras por onde transitaram recursos malcheirosos para engordar os cofres petistas. Depois de avistarem-se com o então presidente, os executivos do banco obtiveram permissão para que o banco entrasse no mercado de crédito consignado – a mais atrativa das operações financeiras, por envolver risco quase zero de calote.

O envolvimento foi além: Lula e o então ministro da Previdência, Amir Lando, enviaram cartas a 10 milhões de segurados do INSS em que lhes apresentavam a nova modalidade de crédito disponível no mercado. O episódio ocorreu em 2004, ano em que o mensalão corria solto e no qual o lucro do BMG simplesmente mais que triplicou, passando de R$ 90 milhões para R$ 280 milhões. O caso de uso explícito da máquina pública aguarda julgamento da Justiça Federal, com decisão prevista para a próxima semana.

Ao longo de vários dias de sessões no STF, firmou-se ainda mais na população brasileira a convicção de que o mensalão foi um caudaloso esquema de corrupção ocorrido no governo Lula, como mostrou pesquisa do Datafolha publicada no domingo. Para 73% dos 2.562 entrevistados, o julgamento deve terminar em condenação e prisão dos principais acusados.

Novas provas mais contundentes podem até não ter aparecido nos últimos dias, mas toda a narrativa em torno da montagem do “mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e de desvio de dinheiro público feito no Brasil”, na precisa definição de Roberto Gurgel, ganhou, dia após dia, contornos cada vez mais nítidos. Se houve uma quadrilha, como acusa a PGR, ela tinha um chefe. Resta saber entre quais quatro paredes do Palácio ele atuava: se no terceiro ou no quarto andar do edifício.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Desafio olímpico

Começou ontem a contagem regressiva para as Olimpíadas de 2016, que, pela primeira vez, serão sediadas pelo Brasil. Embora os esportistas se concentrem em traçar metas mais ambiciosas em termos de medalhas e pódios, o maior desafio será aproveitar o evento para produzir legados duradouros para a população. O Rio não pode repetir nos preparativos para os jogos olímpicos o mau exemplo que vem acontecendo com a Copa de 2014.

A delegação brasileira terminou as Olimpíadas de Londres apenas na 22ª colocação. Foram conquistadas 17 medalhas, sendo três de ouro, cinco de prata e nove de bronze. Em quantidade, foi a melhor marca da história; em qualidade, a participação do Brasil ficou bastante aquém do que se projetava. O governo federal esperava entre 18 e 23 medalhas.

Há 16 anos, quando abiscoitou 15 medalhas em Atlanta, o país está estagnado no número de pódios conquistados. O investimento público para preparar nossos atletas que foram a Londres foi recorde: atingiu entre R$ 1,85 bilhão, segundo o Correio Braziliense, e R$ 2,1 bilhões, nos cálculos do UOL. Na conta, estão incluídos incentivos fiscais, gastos do Ministério do Esporte e patrocínio de estatais.

Qualquer que seja a cifra, representa um salto expressivo – entre 50% e 75% – em relação aos dispêndios por ocasião dos jogos de Pequim, em 2008. É muito dinheiro para uma contrapartida tão baixa: subir um degrau no quadro geral e trazer apenas duas medalhas, uma de prata e uma de bronze, a mais – no caso das de ouro, foram duas a menos.

A Folha de S.Paulo fez outras comparações, nas quais o desempenho brasileiro mostra-se ainda pior. Em um ranking com a divisão do número de atletas inscritos (258 em 32 modalidades) pelo número de pódios, o Brasil ficaria apenas em 51° lugar entre os 85 países que ganharam medalhas em Londres.

Pior ainda é a colocação do Brasil nos rankings de produtividade por tamanho da população e pelo PIB: no primeiro, o país seria apenas o 68°, e, no segundo, o 70°. Entre os países que mandaram mais de 200 atletas, só Canadá e Polônia foram menos premiados que nós.

Para 2016, a meta oficial é elevar o Brasil pelo menos ao grupo dos dez melhores colocados. Levando-se em conta o desempenho da Austrália, a décima melhor em Londres com 35 medalhas, será preciso dobrar a performance brasileira daqui a quatro anos.

Se terá que suar muito para fazer bonito nas quadras, fora delas o desafio de organizar as Olimpíadas do Rio com maestria é ainda maior. Para começar, ainda não há sequer um orçamento fechado com as estimativas de gastos com a organização do evento.

Quanto se candidatou, em 2007, o Rio apresentou cálculos preliminares prevendo investimentos de R$ R$ 28,8 bilhões. Deste valor, R$ 23,2 bilhões, para a montagem da infraestrutura, virão de governos e R$ 5,6 bilhões sairão do Comitê Rio 2016 para operação do evento.

“Os projetos mudaram. E há uma discussão sobre o que é conta olímpica e política pública. Além disso, nem todas as obras têm projetos executivos. Somente em 2013 teremos um orçamento”, adianta a economista Maria Silvia Bastos Marques, que responde pela Empresa Olímpica Municipal. As duas principais obras já estão atrasadas: o Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, e o complexo esportivo de Deodoro.

Os organizadores das Olimpíadas do Rio devem mirar o que está acontecendo nos preparativos para a Copa do Mundo, a se realizar daqui a menos de dois anos no país, para não repetir erros. Embora o Brasil tenha sido escolhido há cinco anos para o torneio de futebol, a maior parte das obras está atrasada, negando à população benefícios mais duradouros.

Relatório divulgado na semana passada pelo TCU informa que apenas 5,5% dos desembolsos para obras de mobilidade urbana – que seriam o principal legado da Copa para a população dos grandes centros – foram feitos até agora. Dos R$ 9,6 bilhões previstos, somente R$ 327 milhões foram investidos.

Dificilmente todos os empreendimentos prometidos para a Copa estarão prontos a tempo e alguns correm risco até de se tornarem elefantes que se arrastam sem conclusão. O Brasil tem pela frente o desafio de organizar, dentro dos próximos quatro anos, as duas maiores competições esportivas do planeta. Fazer bonito em quadra é importante, mas muito mais é transformar a beleza e a emoção do esporte em vetor para promover mais qualidade de vida para os brasileiros.

sábado, 11 de agosto de 2012

Em greve, Dilma chama o síndico

Com as greves dos servidores se avolumando e ganhando ímpeto, Dilma Rousseff fez o que costuma fazer quando o calo aperta: chamou seu tutor. Às voltas com mais de 300 mil funcionários parados, caos em rodovias e aeroportos e uma incipiente ameaça de desabastecimento de alguns produtos, a presidente da República não parece ter claro como agir, a não ser gritar por socorro. Mais uma vez, ela apelou a Lula.

Ontem foi mais um dia de agruras para quem tem que lidar com serviços prestados por alguma das 30 categorias de servidores em greve no país. As imagens mais eloquentes do dia foram as das quilométricas filas no embarque internacional do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Uma operação-padrão da Polícia Federal travou o terminal por cerca de quatro horas e atrasou um terço dos voos internacionais.

O que os viajantes sofrem nos aeroportos já vem se repetindo há dias nos portos, onde, ao protesto dos policiais federais, junta-se a paralisação dos servidores da Receita Federal, que já vem desde 18 de junho, da Vigilância Sanitária, em greve há 23 dias, e dos fiscais agropecuários. A consequência é um paradão assustador.

O valor dos produtos que aguardam liberação nas alfândegas do país já chega a US$ 2,5 bilhões. “Em dez dias começaremos a ter problemas sérios”, resumiu um industrial do setor farmacêutico, sobre o suprimento de medicamentos. Apenas no setor exportador, o movimento grevista está gerando custo adicional diário de R$ 10 milhões às empresas.

Diante deste quadro desolador e bastante incômodo para a população, o que se esperava do governo federal era firmeza e decisão. Mas o que se vê, até agora, é enrolação. O Ministério do Planejamento promete alguma resposta para os grevistas apenas na próxima semana. Enquanto isso, a população continuará penando em filas, em congestionamentos, pagando mais caro por produtos que começam a escassear...

Mas pior papel faz a presidente. Diante das dificuldades, Dilma apelou ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na terça-feira, foi a ele pedir socorro. “O governo concluiu que avaliou mal a força do movimento. Dilma quer que Lula use seu prestígio para segurar os sindicalistas”, informa Ilimar Franco n’O Globo. “Lula deve atuar principalmente para atenuar a radicalização do movimento, que beira a ruptura”, relata o Valor Econômico, em manchete.

Na realidade, a presidente não está conseguindo administrar uma situação que lhe foi legada, mas de cuja gênese ela foi partícipe e beneficiária – seja como ministra da Casa Civil, seja posteriormente como candidata vitoriosa ao Planalto. As benesses distribuídas ao funcionalismo por Lula começam, muito antes do que se imaginava, a não caber no cobertor curto do Orçamento, às voltas com queda de arrecadação e uma economia em franca desaceleração.

Em editoriais, os jornais hipotecam apoio ao Planalto e criticam os grevistas. Mas a racionalidade que pregam no trato do movimento que paralisa o serviço público não parece encontrar eco nem mesmo no governo, que, a despeito de todas as limitações orçamentárias, foi capaz até de criar duas novas estatais apenas nos dois últimos dias.

Além da já esperada Etav, cuja atribuição é cuidar do trem-bala, teremos agora também a inusitada Amazul, responsável pelo Programa Nuclear da Marinha Brasileira, que inclui a construção do primeiro submarino à propulsão atômica do país, como mostra O Globo. Trata-se da 126ª empresa sob controle do balofo Estado brasileiro.

As recentes atitudes diante das reivindicações dos grevistas desnudam contradições da presidente e, pior que isso, sua limitada capacidade de decisão. Enfrentar paralisações de funcionários públicos é atribuição indelegável do governante de turno. Bem gerir o Orçamento, estabelecendo prioridades na aplicação de recursos que vão ficando mais escassos, também. Entretanto, diante do desafio de arbitrar, Dilma Rousseff, mais uma vez, apelou para o síndico. Parece que até mesmo a presidente da República decretou greve.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Governo em greve

A greve de servidores públicos está se alastrando e ameaçando parar o país, como aconteceu ontem pelo Brasil afora. O movimento começou com professores universitários há quase três meses e, devagarinho, foi tomando as demais categorias do funcionalismo. O Estado brasileiro vai se mostrando incapaz de suportar a carga de uma bilionária folha de salários, inchada nos últimos anos.

As greves no serviço público federal já beiram 50 dias. Estima-se que 350 mil servidores de 26 categorias tenham aderido – números que o governo nega. O paradeiro é geral: além de professores, cruzaram os braços agentes da Polícia Federal, funcionários do Banco Central, técnicos do Itamaraty, oficiais de inteligência, defensores públicos, auditores da Receita e profissionais de agências reguladoras.

Ontem foi dia de imensos congestionamentos em rodovias de todo o país causados pelo movimento da PF, cujos servidores pedem 40% de reajuste. O funcionamento de aeroportos também já está sendo prejudicado, bem como a prestação de outros serviços públicos. O abastecimento de alimentos e de remédios começa a ser afetado. A população paga o pato.

Desde a chegada de Lula ao poder, o governo petista adotou uma política de concessão de polpudos reajustes aos servidores. Parecia desconhecer que, ao contrário de despesas como investimentos, que têm data para começar e acabar, salário é para a vida toda. O benefício concedido num ano prevalece no seguinte, cresce no próximo e perdura por décadas. Um dia a conta de tanta bondade tinha que ser paga, e este dia chegou.

O governo federal tem hoje de honrar uma pesada despesa de salários e gastos com pessoal, que beira R$ 200 bilhões anuais. Foi forte o inchaço desde 2003: o quadro de civis do Executivo foi elevado de 485 mil para os atuais 573 mil funcionários, revertendo praticamente toda a racionalização promovida pelo governo Fernando Henrique. Depois da dieta, o elefante voltou a engordar.

Segundo a Folha de S.Paulo, a despesa média mensal com servidores do Executivo saltou de R$ 2.840 per capita, no início da gestão Lula, para R$ 7.690 hoje. Trata-se de uma alta de 170%, num período em que a inflação acumulada foi de 70%. Ou seja, houve ganhos salariais reais expressivos, que precisam ser suportados pelo Tesouro.

Algumas categorias já têm salários bastante altos se comparados aos vigentes na iniciativa privada em atividades similares – é claro que há funções tipicamente de Estado em que a comparação é imperfeita ou mesmo não cabe. Há estudos que mostram que, na média, um servidor federal estatutário recebe hoje o dobro que receberia se estivesse empregado no setor privado.

Ainda assim, não ajuda nada a amenizar o clima de guerra entre governo e grevistas saber que os contracheques dos ministros Guido Mantega, que tem a chave do cofre do Tesouro, e Miriam Belchior, a quem cabe pedir que o cofre seja aberto, chegam à casa de dezenas de milhares de reais. Em junho, cada um deles recebeu R$ 56.564,14 brutos, segundo informações acessáveis no Portal da Transparência.

Além de maiores salários, em alguns casos o movimento grevista busca chamar atenção para as más condições de trabalho. Os policiais rodoviários, por exemplo, acusam o governo do PT de ter sucateado a estrutura de vigilância e fiscalização nas rodovias. Dizem que precisariam do triplo de agentes trabalhando diariamente. “Estamos oferecendo um serviço ruim porque não temos estrutura”, afirmou um policial que, à frente de uma blitz de caminhões, simplesmente parou a rodovia Dutra ontem por horas na saída de São Paulo.

Entretanto, ao movimento grevista o governo Dilma respondeu com aspereza. Azeitou um projeto para pôr o Exército para garantir a integridade de prédios públicos e a oferta de serviços essenciais em caso de greves. E, ao mesmo tempo, baixou um decreto em fins de julho permitindo a substituição de servidores federais parados por funcionários estaduais e municipais. É assim que os trabalhadores estão sendo tratados pela presidente do PT...

A situação poderia ser enfrentada com uma das raras medidas realmente consistentes e louváveis que constavam do PAC quando o programa foi lançado, em janeiro de 2007. Trata-se da previsão de criação de dispositivo que estabelece uma regra geral para os reajustes do funcionalismo e limita o crescimento real da folha a 1,5% ao ano. Jamais, porém, o governo petista mexeu-se para tirar do papel a proposta que ele mesmo apresentara. Que arque agora com as consequências.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Planalto no mensalão

Numa estratégia claramente articulada, o Palácio do Planalto resolveu ontem dar palpites no julgamento do mensalão. Escalou seu ministro mais político para dizer que o que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir não abalará a força do partido que perpetrou o mais vasto esquema de corrupção da história brasileira para perenizar-se no poder. Engana-se o PT: a punição será exemplar, na Justiça e nas urnas.

Corrupção não é algo que a sociedade brasileira preze, muito pelo contrário. Os petistas, porém, acham que podem transformar em crime menor o mais volumoso desvio de dinheiro público para bolsos privados que se tem notícia. Lançando mão de jogos retóricos e contorcionismos jurídicos, parecem desdenhar de que, para o cidadão comum, isso tem nome: roubalheira.

Gilberto Carvalho foi a campo um dia depois de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva trocarem figurinhas sobre o julgamento do mensalão. É praticamente certo que o ministro tenha decidido falar o que falou ontem numa ação combinada com seus chefes – a atual e o antigo. Ou seja, expressa o desdém de ambos pela Justiça.

“Continuaremos à frente com nosso projeto, e se decepcionarão muito aqueles que apostam em tirar um proveito e que parcializam os julgamentos e as opiniões, pensando que isso poderá causar um grande prejuízo inclusive eleitoral”, disse o secretário-geral da Presidência a jornalistas.

Dilma e Lula já tinham, de certa maneira, subido à tribuna do Supremo. Na segunda-feira, o advogado de defesa de José Dirceu evocara os testemunhos de ambos para tentar absolver o chefe da “sofisticada organização criminosa” que intencionava desviar R$ 1 bilhão dos cofres públicos para financiar a sua manutenção no poder. Evidentemente, o defensor não agiu sem contar com aval das testemunhas citadas.

Até agora, oficialmente, a ordem palaciana vinha sendo manter distância do julgamento – Lula chegara a afirmar que tinha “mais o que fazer” do que acompanhar sessões do STF... Mas ontem se pôde comprovar que os capas pretas do PT estão se movendo freneticamente para inocentar os 38 réus do mensalão e garantir que seu projeto de poder não sofra revés.

No entanto, a imagem do PT já está indelevelmente impressa à história das falcatruas no Brasil. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Análise, o partido de Lula, Dilma e José Dirceu é, entre todas as legendas políticas, a mais identificada com a corrupção: 9% dos entrevistados consideram-no “o mais corrupto” e 55% avaliam que “é verdade que o PT e seus políticos são corruptos”.

Se a percepção da identificação entre PT e corrupção na opinião pública já é esta, na dureza dos fatos a proximidade entre partido e ilícitos tende a ser ainda maior. Até agora, no julgamento, a defesa dos réus não conseguiu desmentir as provas apresentadas pelo procurador-geral da República na peça de acusação.

“Se voltarmos à época em que foram revelados os fatos que hoje sustentam o processo do mensalão, (...) veremos que praticamente todos os que hoje estão sendo discutidos no julgamento foram relatados já naquela ocasião, tendo sido confirmados pelas investigações”, comenta Merval Pereira n’O Globo, com o cuidado de citar um rol de malfeitos que os defensores dos mensaleiros não conseguiram contradizer.

Seja nos autos, seja em declarações que vêm dando à imprensa, os 11 ministros do Supremo têm demonstrado que julgarão o mensalão com a independência, a correção e a imparcialidade que se exige da mais alta corte do país – noves fora José Antonio Dias Toffoli, que, na apreciação deste caso, nem lá deveria estar.

A influência que o Palácio do Planalto ensaia tentar exercer sobre o STF não deverá encontrar qualquer respaldo entre os julgadores. Pelo contrário. A sociedade brasileira tem convicção de que, a partir da condenação dos réus que erigiram o gigantesco esquema de corrupção do mensalão, é necessário dar fim ao projeto que só se preocupa em eternizar-se no poder – como Gilberto Carvalho deixou claro ontem.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Os escravos de Jó, ou de Dirceu

Ontem foi o dia do “não” no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Um réu disse que não tinha tanto poder quanto lhe atribuem; outro afirmou que não sabia do que se passava no partido que presidia; o terceiro não sabia muito bem o que fazia com uma montanha de dinheiro vivo; e o bem-sucedido empresário não se importava de onde vinham os recursos que distribuía a políticos. Parece até cantiga de ninar.

A defesa dos mensaleiros insistiu na história de que não há provas materiais para que seus clientes sejam condenados. Evidentemente, não é trivial que um grupo que agia como “sofisticada organização criminosa” tenha deixado como prova rastros, e-mails, recibos assinados, conversas gravadas. Em situações assim, o que vale mais são provas testemunhais, como esclareceu o procurador-geral da República na sexta-feira.

A defesa mais risível é a de José Dirceu. Segundo o advogado dele, o ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula deixara de lado o que se passava no PT: “José Dirceu tinha importância no PT, mas, na chefia da Casa Civil, deixou de participar da vida do partido”, disse José Luís de Oliveira Lima. Ele só não explica como e por que Dirceu recebia no Palácio do Planalto pessoas que lá iam para tratar tão somente de assuntos do PT – como Marcos Valério e os empresários que ele conduzia com desenvoltura ao quarto andar da sede do governo.

“Só no admirável mundo dos advogados seria possível dizer, com toda a teatralidade cabível, que Dirceu, como chefe da Casa Civil, não mandava nada no PT, não articulava nada, não interferia sequer nas nomeações para cargos públicos”, comenta Eliane Cantanhêde na Folha de S.Paulo.

Na sexta-feira, ao apresentar sua acusação no Supremo, o procurador Roberto Gurgel foi enfático quando se referiu à participação de Dirceu no maior escândalo de corrupção da história política brasileira: “Muitas situações se passavam entre quatro paredes. Não entre quatro paredes comuns, mas entre quatro paredes de um palácio presidencial”.

A denúncia do Ministério Público lista vários depoimentos apontando o envolvimento do ex-ministro no mensalão. Relata O Globo: “O ex-deputado Pedro Correa diz que Dirceu sabia das negociações do PP com o PT. Valdemar Costa Neto fala de reuniões na casa de Dirceu, e o próprio Roberto Jefferson insiste que Dirceu sabia de tudo. A ex-mulher de Marcos Valério, Renilda Fernandes, diz que, segundo Valério, Dirceu sabia dos empréstimos”.

Já a defesa de José Genoino disse que seu cliente “não tem qualquer aptidão para tratamento de finanças”. Por esta razão, o então presidente do PT não faria a menor ideia de como o partido torrava seus recursos e, menos ainda, que o dinheiro era usado para comprar apoio parlamentar e azeitar a articulação política no Congresso, da qual Genoino seria um “expert”.

Entretanto, na acusação apresentada ao STF, Gurgel disse que Genoino não apenas representava Dirceu na interlocução com os líderes da base parlamentar, como acertava os termos da transação. Procedia como “interlocutor político do grupo criminoso”. “Além de conversar com os líderes partidários, convidando-os a apoiar os projetos de interesse do governo, procedia ao ajuste da vantagem financeira que seria paga caso aceitassem a proposta”, sustentou o procurador-geral.

A defesa de Delúbio Soares foi a única a reconhecer a prática de ilícito por parte do réu: crime de caixa dois, cuja pena chega a no máximo cinco anos de detenção e já estaria prescrita. Mas qual seria o objetivo do ex-tesoureiro do PT, segundo seu defensor? “Realizar um sonho, de exercer um projeto de poder, de mudar o Brasil”. Fica claro que sua função era financiar a perpetuação do PT no comando do país.

“Da defesa dos três que formaram, segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o ‘núcleo político’ do mensalão, têm-se a impressão de que o PT era um partido completamente acéfalo, que ninguém comandava e no qual todo mundo tinha uma atividade específica sem ligação com um objetivo final, nem político, muito menos criminoso”, resume Merval Pereira n’O Globo. Nunca se deve esquecer que o objetivo desta organização supostamente desconjuntada, declarado numa ocasião por Sílvio Pereira, era arrecadar R$ 1 bilhão...

Por fim, o advogado de Marcos Valério defendeu que os recursos que seu cliente fartamente distribuía não tinham origem pública. Portanto, nesta ótica, o publicitário não teria de responder por crime algum. Só não foi explicado como mais de R$ 73 milhões saíram do fundo Visanet, que tem o Banco do Brasil entre seus principais sócios, para as contas das agências de Valério e de lá para o bolso dos mensaleiros.

Os advogados dos mensaleiros tentaram contar ontem, do alto da tribuna no Supremo, um conto da carochinha. Se o que dizem é verdade, fica faltando explicação sobre como uma montanha de dinheiro público, recolhido aos cofres do Tesouro pelos contribuintes, foi surrupiada em tenebrosas transações para perenizar o PT no poder. Mas na peça acusatória há elementos de sobra para comprovar a atuação desta “sofisticada organização criminosa”.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Como trucidar um patrimônio nacional

Os brasileiros foram surpreendidos na noite da última sexta-feira com a informação de que a maior empresa do país produziu um prejuízo histórico. Transformar uma gigante como a Petrobras numa companhia deficitária é mais uma das notáveis realizações do governo petista. Nos últimos anos, a cada vez que se pensou que a estatal já chegara ao fundo do poço, sua situação sempre piorou um pouco mais. Qual será o limite?

O prejuízo da Petrobras no segundo trimestre foi de R$ 1,346 bilhão. É a primeira vez que isso acontece em 13 anos e a terceira vez na história da companhia. Diferentemente de agora, nas outras duas ocasiões as condições gerais da economia eram muito mais críticas: seja pela maxidesvalorização cambial no primeiro trimestre de 1999, seja pelo desarranjo geral do país no governo Fernando Collor no quarto trimestre de 1991.

O câmbio é apontado pela companhia como um dos fatores que levaram ao rombo. Mas é apenas o menor dos culpados. O que conduz a Petrobras a um mergulho que não se sabe em quão profundas águas irá parar é uma política equivocada ditada pelo Palácio do Planalto, que obriga a empresa a produzir com prejuízo e de maneira crescentemente ineficiente.

De 2003 até hoje, ou seja, ao longo de todo o período do governo do PT, a Petrobras jamais conseguiu cumprir suas metas de produção. Há três anos a quantidade de petróleo extraído está estagnada – no segundo trimestre, caiu 4% – e são ralas as chances de que se recupere até 2013. Sem novas refinarias no horizonte, o país também continuará a conviver com escassez de derivados pelos próximos três ou quatro anos.

A principal razão para a derrocada da estatal é a política de preços para os combustíveis praticada no país nos últimos anos. A Petrobras paga pelo diesel e pela gasolina que importa muito mais do que cobra ao revendê-los no mercado interno: no primeiro semestre, o saldo líquido negativo nestas operações atingiu R$ 9,4 bilhões, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Trata-se da principal marreta usada pelo governo petista para segurar a inflação no país. Desde 2005, os preços de gasolina e diesel não são reajustados no varejo, embora as cotações internacionais tenham escalado – hoje o barril do tipo Brent supera US$ 108. Com isso, apresentam defasagens de 14% e 17%, respectivamente, em relação ao mercado global.

A equivocada política afeta, de tabela, a produção de etanol. Em decorrência do congelamento dos preços, o país que outrora foi saudado como potência do biocombustível viu sua produção de etanol cair 17% na safra 2011/2012, ao mesmo tempo em que teve que recorrer à importação de 1,45 bilhão de litros para evitar o desabastecimento do mercado. O que se apresentava como portentosa promessa foi arrasado pela incúria petista.

Sob as garras do PT, a Petrobras tornou-se exemplo de mau negócio no mundo. Só neste ano, já perdeu mais de R$ 26 bilhões em valor de mercado e tornou-se patinho feio no mercado de capitais. Segundo o banco Credit Suisse, a estatal brasileira tem os piores níveis de retorno no refino quando comparada com outras 15 empresas globais.

“A depreciação das ações da Petrobras chegou a um ponto tal que a estatal brasileira já está sendo comparada negativamente com a argentina YPF, que recentemente foi reestatizada e que enfrenta vários problemas na Argentina”, informou o Valor Econômico na semana passada.

Desde a operação de capitalização da empresa, em 2009, as ações da Petrobras já caíram mais de 40% – percentual que deve se acentuar nos próximos dias, a partir da divulgação do histórico prejuízo. Vale comparar: no governo Fernando Henrique, os papéis da empresa subiram 386%, fruto da adoção de práticas de mercado e da melhora da governança.

A Petrobras também se ressente de outras escolhas equivocadas ditadas no governo Lula e ainda não alteradas pela gestão Dilma Rousseff. A política de conteúdo local limita e encarece seus projetos, diante da dificuldade da indústria nacional de atender plenamente as demandas. Além disso, alguns de seus principais investimentos pecam pelo desmazelo.

Ontem, O Estado de S.Paulo mostrou que a refinaria Abreu e Lima, por exemplo, poderia custar quase um décimo do previsto. Seu orçamento, que começou em US$ 2,3 bilhões quando a obra foi lançada em 2005, já ultrapassa US$ 20 bilhões. A negligência também mantém a obra da refinaria Premium II, “lançada” por Lula em 2010 no Ceará, como um imenso matagal.

É difícil aceitar que uma empresa que tenha faturado R$ 68 bilhões feche o trimestre no vermelho. Mas o que se verifica na Petrobras é o mesmo descontrole e a mesma ineficiência que grassam na administração do setor público na gestão petista: as receitas nunca são suficientes para cobrir as despesas. É a forma mais eficaz de trucidar um patrimônio de todos os brasileiros, que está sendo arruinado pelo PT.