sábado, 29 de junho de 2013

Em outro planeta

O Brasil está indo à lona, mas a presidente da República só quer tratar de um assunto: impor um plebiscito que cuidará, entre outras coisas, de definir se o país terá voto distrital misto ou puro, em lista fechada ou não. Que planeta Dilma Rousseff pensa que está governando?

Chega a ser surreal que, após a bela manifestação de cidadania demonstrada por milhões de brasileiros nas três últimas semanas, a resposta que o mundo oficial tenha a oferecer seja uma discussão extemporânea e alienada dos reais problemas da nação. Soa quase como escárnio ao desejo expresso pelos cidadãos.

Fica claro que o governo e o PT insistem no plebiscito – que pode chegar a custar R$ 2 bilhões, segundo OGlobo – porque querem ludibriar a opinião pública e tentar manobrar as massas. É puro diversionismo para desviar o foco dos reais problemas do país, como destacou ontem a oposição em nota oficial assinada por PSDB, PPS e DEM.

Pior ainda, o plebiscito é uma mal disfarçada tentativa dos petistas de impor mudanças que fortaleçam o partido que detém o poder e cerceiem ainda mais as chances das correntes oposicionistas. Pretendem fazer isso na lei ou na marra, como mostram movimentos recentes de seus líderes.

Anteontem, Dilma disse a sindicalistas que, com seus “pactos” vazios, quer “disputar a voz das ruas”. No mesmo dia, Lula avisou que convocará os movimentos sociais aparelhados nos últimos anos pelo petismo a sair do sofá – ontem mesmo, UNE, UJS e assemelhados começaram a cumprir a ordem, sem muito efeito, porém.

O PT também já ameaça com casuísmos como a redução de prazos para que as mudanças eleitorais tenham validade, hoje de no mínimo um ano. Para tanto, propõe uma emenda constitucional, já que para o partido dos mensaleiros a lei maior do país é apenas um mero detalhe.

De prático, após uma frenética rodada de conversas – em poucos dias nesta semana Dilma teve ter falado com mais gente do que em anos de governo – a presidente disse ontem que encaminhará uma proposta ao Congresso na terça-feira com pontos que pretende ver contemplados no plebiscito. Muito mais adequada, a alternativa do referendo foi rechaçada por ela.

A pauta oficial coincide, surpresa!, com o que prega o PT. Os famigerados financiamento público (o seu, o meu, o nosso dinheiro paga as campanhas dos políticos) e voto em lista fechada (o eleitor vota, mas é o partido que escolhe quem vai ou não se eleger), por exemplo, provavelmente estarão lá. O fim da reeleição certamente não estará.

O mais deplorável disso tudo é ver a agenda real do país paralisada por uma discussão que pode até ser importante, mas é absolutamente secundária neste momento. Imagine a dona de casa lá do rincão, em pânico com a inflação e com a escola ruim do filho, tendo que escolher entre um “sim” e um “não” a esquisitices como voto proporcional, voto distrital, voto distrital misto e entre voto em lista aberta ou lista fechada...

O país está indo ladeira abaixo, mas disso não se ouve patavina da presidente da República. Ontem mesmo, o Banco Central divulgou seus prognósticos para os próximos meses: a inflação de 2013 vai ser maior que a do ano passado e o crescimento, menor que o até agora previsto. Há quem já aposte numa taxa próxima de zero, com possibilidade até de retração do PIB no fim do ano, como mostra Claudia Safatle na edição de hoje do Valor Econômico.

A agenda real do país não inclui apenas a carestia que corrói os salários. Contempla também a melhoria da péssima saúde pública brasileira, para a qual a resposta de Dilma é a importação de médicos. Note-se que, para mostrar que dão conta da complexidade local, os estrangeiros passarão por uma avaliação de três meses – alguém aí falou nos quase dez anos que um médico brasileiro estuda antes de começar a clinicar?

A lista de problemas reais e dificuldades enfrentadas cotidianamente pelos cidadãos é extensa o suficiente para demonstrar que o governo petista está completamente fora de órbita quando impõe ao país, nesta altura do campeonato, um plebiscito sobre reforma política. Isso é coisa de lunáticos ou, mais provavelmente, de gente muito mal intencionada e que não está nem aí para os brasileiros. Ou é farsa ou é golpe.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Uma fábrica de crises

A presidente da República demorou muito a tomar pé da situação que convulsiona o país há semanas. Quando o fez, agiu equivocadamente. Em lugar de apresentar uma agenda clara, objetiva e eficaz de iniciativas, produziu sempre mais turbulência. Dilma Rousseff está exibindo nos últimos dias sua verdadeira vocação: provocar crises em série e suscitar a balbúrdia.

A petista levou duas semanas para fazer seu primeiro pronunciamento sobre os protestos que tomaram ruas, praças e avenidas de todo o país neste mês de junho. Na sexta-feira passada, convocou rede nacional de rádio e TV apenas para tentar convencer os manifestantes que seu governo quer o mesmo que as ruas, ou seja, é poder, mas também é oposição. Puro ilusionismo.

Como seus dez minutos de fala mostraram-se inócuos para apontar qualquer saída para superar a crise, a presidente partiu rapidamente para o ato seguinte. Transformou governadores de estado e prefeitos de 26 capitais em coadjuvantes e supostos signatários de cinco “pactos” para enfrentar os problemas e responder às manifestações. Pura maldade e velhacaria.

Em meio aos “pactos”, Dilma embutiu uma perniciosa, extemporânea e alienada proposta de instalar uma constituinte para promover uma reforma política – algo que ninguém nas ruas pedia ou pede.

Foi como se oferecesse brioches ao povo, que cobra mais decência na gestão pública, menos corrupção e mais serviços públicos de qualidade. Menos de 24 horas depois, sob fortes críticas e a constatação de que cometera mais uma bobagem monumental, ela já havia desistido da proposta.

Nas duas ocasiões em que tentou agir até agora, Dilma perdeu oportunidade de portar-se como líder da nação. Tentou ludibriar a confiança dos brasileiros, quando se espera dela credibilidade e descortino. Tentou manobrar, quando o que se cobra dela é que simplesmente governe o país. Falhou sempre, redondamente.

Fica cada vez mais clara sua inaptidão para o cargo que ocupa. Um presidente da República não tem o direito de errar tanto, vacilar tanto, enganar-se tanto num momento tão grave quanto o que atravessa o país atualmente.

O vácuo de comando que Dilma representa acabou abrindo espaço para uma temporada de frenéticas decisões dos demais poderes, a fim de fazer frente ao clamor das ruas. Há boas deliberações – como a derrubada da PEC 37, a transformação da corrupção em crime hediondo, o fim do voto secreto em cassações.

Mas há também outras preocupantes e perigosas: o Valor Econômico calcula que decisões relativas a saúde, educação e transportes tomadas nos últimos dias custarão R$ 115 bilhões a mais, por ano, aos cofres públicos.

Tivesse a presidente – tanto antes quanto agora – assumido seu papel, talvez as respostas estivessem sendo mais adequadas. Mas, ao invés disso, Dilma gasta tempo e energia discutindo um esdrúxulo plebiscito sobre temas de menor interesse e de efeito imediato nulo para a melhoria das condições de vida da população.

Não é, porém, apenas no furacão da crise que a omissão de Dilma cobra seu preço. A inapetência dela também está presente na maior parte das reais causas que levaram os brasileiros a se revoltar como não se via há décadas.

Além da corrupção e dos maus serviços públicos de saúde, educação, transporte e segurança, os protestos também decorrem da carestia, do aumento desenfreado dos preços. A inflação é um dos combustíveis para a insatisfação.

Ocorre que a mesma escalada que corrói os salários onera o custo das empresas. Há um desequilíbrio latente que decisões recentes do governo federal geraram, e outras que vêm sendo tomadas de cambulhada nos últimos dias tendem agora a agravar.

Reajustes tarifários estão sendo suspensos, desonerações estão sendo distribuídas a bel-prazer, receitas futuras estão sendo comprometidas no calor da pressão do dia. Por esta razão, já se teme até pelos leilões de privatização previstos para o segundo semestre – eles que são apontados como a única tábua de salvação para a economia brasileira...

De tudo isso, fica a pergunta: que país o governo da presidente legará às nossas futuras gerações? Em que caótico estado geral ela está mergulhando o Brasil, de onde, cada vez mais, fica claro que não consegue tirá-lo? A triste constatação é que, com Dilma Rousseff, as crises entram no Palácio do Planalto de um tamanho e saem de lá de outro, bem maior e mais assustador.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Baratas tontas

Dilma Rousseff está completando dois anos e meio no cargo. Nunca antes se mostrou tão inapta para a cadeira que ocupa. Nunca antes exibiu tamanha ignorância quanto ao que fazer, tanta indefinição a respeito de quais rumos tomar. Nunca antes o país pareceu tanto estar sendo governado por uma equipe formada por tantas baratas tontas.

Fazer e desfazer medidas, tomar decisões e logo voltar atrás tornou-se uma lastimável rotina na gestão da petista. Em muitas ocasiões, a inépcia foi relevada, numa espécie de gesto de boa vontade com a presidente. Mas isso torna-se simplesmente inaceitável quando acontece no momento em que o país está em crise, mergulhado em protestos e envolto em insatisfação generalizada.

Dilma voltou ontem atrás na esdrúxula proposta de convocar uma constituinte para fazer uma reforma política, lançada por ela apenas um dia antes. Resta a pergunta: a constituinte com cheiro de golpe bolivariano foi apenas uma tentativa de desviar o foco da pressão das ruas ou foi, na realidade, a mais rematada comprovação de que a presidente não sabe o que faz?

O bater de cabeças no governo dela é sonoro. As propostas para enfrentar a crise, se é que podem ser chamadas assim, passam longe do que a população realmente clama para enfrentar suas dificuldades cotidianas. A impressão que fica é de uma gestão devotada à empulhação: Surgiu um problema? Desvie-se a atenção, quem sabe ele desaparece?

Depois que a lambança da constituinte foi ampla, geral e irrestritamente rechaçada, os ministros mais próximos à presidente tentaram empurrar ao distinto público a história de que Dilma não disse o que disse. Pelo jeito, 190 milhões de pessoas estavam erradas e só ela e seus sábios estavam certos...

O recuo teria sido, segundo gente como Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, resultado de uma “má interpretação” das palavras – sempre clarividentes, aliás – de Dilma. O vice-presidente Michel Temer chegou a afirmar que tudo não passou de um “problema redacional”. Quer dizer que a presidente da República também não lê o que assina? Fala sério!

Dilma é habituée em expressar-se mal. Suas frases são desconexas; suas palavras, imprecisas; suas reais intenções, uma incógnita. Enquanto foi apenas uma questão de má comunicação, muita patacoada dela foi perdoada. Mas o problema ganha outra dimensão quando se constata que tais fragilidades exprimem e sintetizam a total incapacidade de Dilma para o exercício do cargo de presidente da República.

No afã de desvencilhar-se do beco sem saída em que sua gestão enfiou o país, e para o qual o Brasil agora acordou, Dilma e seus auxiliares lançam mão da primeira ideia que lhes vem à cabeça. É a política do “se colar, colou”. E é, também, uma velha prática do PT: mudar de assunto para tentar se livrar dos abacaxis, como aconteceu na época do mensalão. A questão é que, na dura vida real, problemas não somem com passes de mágica ou truques de marketing.

A proposta da constituinte – para a qual Mercadante ontem se deu conta de que “não há tempo hábil” e o próprio vice-presidente considerou “rompimento da ordem jurídica” – deu em nada. Mas o governo petista insistirá em seu arremedo de democracia direta: a ideia agora é fazer a reforma política por meio de plebiscito. Por quanto tempo a nova tese irá perdurar?

O que é preciso deixar claro é que qualquer reforma política, por melhor que seja, não resolverá o que, cobertos de razão, os brasileiros pedem nas ruas. Não acabará com a corrupção – a derrubada da PEC 37 é apenas um bom começo – e com a má gestão do dinheiro público, marcas indeléveis da gestão Dilma. Não melhorará os serviços de saúde, a qualidade da nossa educação, a precariedade da segurança pública.

A presidente faz o país perder tempo precioso discutindo o que não é o mais relevante. Reforma política é até importante, mas não é a panaceia na qual o PT quer, desesperadamente, transformá-la, a fim de fugir dos protestos e das reivindicações oriundas das ruas. 

Uma coisa é certa: tratar um assunto quase incompreensível para o grosso da população – que inclui, entre outros temas, adoção de voto distrital e voto em lista – por meio de plebiscito está longe de ser a forma adequada de enfrentar os graves problemas do país.

“Se fosse perguntar num plebiscito se as pessoas querem ou não reforma política, muitas iriam dizer que apoiam sem entender do que se trata. O plebiscito não se aplica. É uma questão muito séria, da qualidade do voto, para ser tratada dessa forma”, comenta Maria Celina d’Araújo n’OGlobo. “O povo nas ruas não está falando de constituinte.”

Em poucas horas, Dilma Rousseff conseguiu uma façanha: piorar muito o que já parecia ter chegado ao limite do insuportável. Apresentou uma proposta que, no fim das contas, visava mesmo era ludibriar o desejo de participação popular expresso pelos brasileiros nas últimas semanas.

Conseguiu, assim, produzir um atestado de que seu governo, além de ser composto por um monte de baratas tontas, é um verdadeiro barata-voa.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Os brioches venezuelanos de Dilma

Os brasileiros que estão indo às ruas nas últimas semanas querem mais decência e menos corrupção. Querem serviços públicos de melhor qualidade. Querem que a vida no país seja diferente. Em resposta, Dilma Rousseff ofereceu-lhes ontem brioches com condimentos venezuelanos.

Mirando os protestos, a presidente da República convocou governadores e prefeitos de capitais a Brasília para servir-lhes pratos feitos. O mais indigesto deles a proposta de convocação de uma constituinte com a vaga intenção de promover uma reforma política.

Trata-se da mais perigosa e acintosa das ações tentadas pelo PT em seus dez anos de poder: se prosperar, o que é pouco provável, ninguém é capaz de prever onde pode parar. É o velho sonho juvenil do esquerdismo de implantar uma democracia direta, impondo na marra as vontades das massas, ao sabor de conveniências de momento.

Dilma tenta exorbitar os poderes do Executivo, acuar o Legislativo e, principalmente, confundir os cidadãos. Quem haverá de ser contra uma reforma que aproxime a representação popular de anseios da população?

O problema é a forma: a Constituição brasileira já prevê maneiras de fazê-lo, sempre dentro de marcos institucionais, por meio de projetos de lei, emendas constitucionais, mas o PT, claro, prefere uma saída venezuelana.

Acuada pelas manifestações, Dilma busca transferir a pressão para o Congresso e tenta socializar o abacaxi das ruas. De concreto, os “pactos” que ontem apresentou não resolvem as dificuldades, que são prementes, da população. Mas criam um monstro novo: a possibilidade de mudar tudo o que aí está por meio de uma constituinte que tudo pode.

Felizmente, exceto pelos que estão loucos para desviar o foco dos reais objetivos dos protestos que continuam a pipocar pelo país, a proposta de Dilma foi recebida com uma saraivada de críticas – O Globo traz uma boa síntese delas – e rechaçada até por aliados da presidente.

A mais amena das réplicas diz que a presidente busca tão-somente emparedar o Congresso e propõe algo que já sabe de antemão ser inviável. A mais enfática sublinha que o que Dilma e seu partido perseguem é, sem meias palavras, um golpe na nossa democracia, algo totalmente inconstitucional.

“A única possibilidade de haver uma constituinte seria revogar toda a Carta atual, o que só aconteceria no caso de um golpe ou uma revolução”, resume a Folha de S.Paulo. “Plebiscito para fazer Constituição, mesmo que apenas parte dela, extrapola o poder do próprio Congresso. Não pode”, reforça Joaquim Falcão, professor da FGV.

“Nada impede que [a constituinte] alcance matérias relativas à liberdade de imprensa, garantias individuais e tantas outras sobre as quais a sociedade precisa constantemente se manter vigilante para que não pereçam. Acaba sendo uma carta em branco”, analisa Marcus Vinícius Furtado n’O Estado de S.Paulo.

“A proposta, em resposta de bate-pronto da presidente à turbulência que irrompeu há poucos dias, redunda em turbinar essa turbulência e, portanto, em algo excessivo e arriscado”, completa Fábio Wanderley Reis, também no Estadão.

Claro está que a proposta de constituinte é uma aberração. Mas, e quanto ao que realmente interessa, ou seja, soluções para as dificuldades que os brasileiros enfrentam no seu dia a dia, o que Dilma oferece?

As respostas da presidente são miragens, se tanto. Para a educação, royalties que só existirão quando os jovens que hoje estão nas ruas do país já forem mães e pais.

Para a saúde, uma controversa importação de médicos – muitos possivelmente oriundos de ilhotas defasadas – que seguramente não conhecem a realidade de um país continental, o que dirá dos rincões e das periferias onde sua atuação é mais necessária...

O pior e mais enganoso, porém, é o que Dilma apresenta para destravar o nó da mobilidade no caos urbano em que a política petista de incentivar os automóveis transformou as cidades brasileiras. Ontem, a presidente “anunciou” o que já existe desde janeiro de 2010, mas, assim como seu padrinho, ela não consegue tirar do papel.

A petista promete agora R$ 50 bilhões para o transporte público. É o mesmíssimo dinheiro que o PAC já prevê há tempos, mas nunca se transforma em realidade: nestes mais de três anos, só uma de 44 obras previstas ficou pronta, num ritmo de obras que encontrou em Dilma sua pior executora – em 2011, menos de 2% foram investidos.

Para completar seu menu oportunista, a presidente quer que governadores e prefeitos agora dividam com ela a responsabilidade pela irresponsabilidade com que o governo federal passou a tratar a inflação e as contas públicas. E propõe transformar corrupção em crime hediondo – o que, se for uma intenção verdadeira, ela poderia começar aplicando aos mensaleiros...

A esta agenda pastosa e alheia à realidade, digna de uma Maria Antonieta encastelada em palácios, apresentada ontem à nação pela presidente, os partidos de oposição – PSDB, PPS e DEM – responderam oferecendo ao país um manifesto recheado de propostas factíveis, algumas de efeito imediato, capazes de serem as primeiras possíveis respostas concretas às justas críticas e reivindicações dos brasileiros.

Mas, entre tentar resolver os problemas do Brasil e continuar empurrando tudo com a barriga, rascunhando um golpe a la Chaves, Dilma Rousseff preferiu ficar com seus brioches venezuelanos.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Dilma em sua fantasia de manifestante

Dilma Rousseff chegou à presidência da República vestida de gerente. Logo em seu primeiro ano de governo, foi obrigada a trocar a indumentária pelo figurino de faxineira empenhada em varrer a corrupção – ainda que para debaixo do tapete. Agora, ela apela para a fantasia de manifestante que, como os milhares que ocupam as ruas, também quer mudar o Brasil. A quem pensa que engana?

Na sexta-feira, depois de quase duas semanas de manifestações, a presidente convocou cadeia nacional de rádio e televisão para se pronunciar sobre os protestos que estão fazendo o Brasil tremer. 

Finalmente deu ao instrumento – do qual abusa para fins eleitoreiros – o uso devido. Mas, numa época em que as ações se desenrolam na alucinante velocidade das redes sociais, Dilma demorou uma eternidade para dizer a que veio. E disse muito pouco.

Seu pronunciamento de dez minutos usou o velho estratagema petista de confundir e não explicar. Sempre que se vê em apuros, o PT transmuta-se em pêndulo: é governo, mas parece oposição. No poder, tem a responsabilidade de resolver problemas, mas dá um jeito de aparecer cobrando, como quem não dispõe da caneta. É oportunismo puro e da pior espécie.

Dilma diz que, ouvindo o clamor das ruas, é possível fazer “melhor e mais rápido muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas”. 

Primeiro: as ruas não querem apenas algo melhor; querem também, e principalmente, algo que seja diferente do que aí está.

Há reivindicações pontuais que funcionaram como estopim dos protestos, como a redução do preço das passagens de ônibus. Mas há demandas mais gerais que indicam a exaustão de uma rota, a rejeição de um jeito de fazer política, o clamor por uma forma mais honesta, correta e eficiente de cuidar das necessidades dos cidadãos e bem aplicar o dinheiro que eles pagam de imposto.

Segundo: um partido que caminha para completar seu 11° ano no poder tem como falar que não teve como fazer as melhorias que o país quer? 

Para início de conversa, estamos há anos sem ver o poder central propor uma reforma sequer de vulto para o país. De remendo em remendo, chegamos onde estamos. Dilma desperdiçou todo o seu capital político sem ousar nada, mudar nada, avançar nada.

O pronunciamento também veio recheado de mistificações. Dilma disse que não abre mão do mesmo “combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos” que as ruas reclamam. O que ela tem a dizer sobre os muitos ex-faxinados que foram, pouco a pouco, reocupando seus espaços nos ministérios transformados em feudos partidários?

Dilma fala em transparência no mesmo momento em que seu governo torna sigilosa a divulgação de gastos da comitiva presidencial em nababescas viagens internacionais. 

Fala em reforma política, quando seu partido tenta fechar as portas para novas siglas no Congresso, sua base parlamentar busca manietar o Ministério Público e sujeitar decisões do Supremo à chancela do Legislativo.

A presidente promete melhoria na prestação de serviços públicos, mas o máximo que consegue é forjar mais medidas inócuas e sem a mínima capacidade de responder aos reais anseios da população, como a importação de médicos.

Para a melhoria do transporte urbano, propõe a elaboração de um “plano nacional”, a partir de um “grande pacto” com governadores e prefeitos. Para embromar de vez, só faltou criar um grupo de trabalho, mas nem seria necessário: o tal programa já está previsto no PAC, mas de 167 obras previstas concluiu apenas duas até hoje, mostra hoje o ValorEconômico.

Além de mistificações, a fala da presidente contém mentiras, como quando afirma que não há dinheiro público nas obras da Copa. “Segundo o próprio ministério [do Esporte], a previsão é que os investimentos para o Mundial alcancem R$ 33 bilhões, com os governos federal, estaduais e municipais custeando 85,5% das obras”, informou a Folha de S.Paulo na semana passada.

Nesta segunda-feira, a fim de tentar mostrar que está agindo, a presidente receberá governadores e prefeitos de grandes cidades. Provavelmente, tentará dividir com eles a fatura da crise, transformando-os também em vidraça. Na hora dos louros, o governo petista apresenta-se absoluto; na hora do apuro, socializa os prejuízos.

Antes, Dilma conversará com a moçada do Movimento Passe Livre, provavelmente tentando dar um sinal de que dialoga com “os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares”. 

A presidente talvez ignore que este é um movimento cujo principal traço é justamente rechaçar quaisquer lideranças. Ao Planalto, só acorrerão os movimentos que o PT domesticou com anos de mesada.

Em seu pronunciamento à nação, a presidente pelo menos acertou ao defender a preservação da ordem e a garantia de manifestação dos que protestam pacífica e democraticamente.

Sua resposta, porém, não está à altura do clamor por mudanças que a imensa maioria dos que estão indo às ruas quer. Dilma Rousseff continua a encenar fantasias. Mas o único figurino que não consegue vestir é o de governante capaz de construir um país melhor.

sábado, 22 de junho de 2013

Onde está a presidente?

As imagens na TV não deixavam dúvida: o país estava tomado, de norte a sul, por manifestações, protestos e, infelizmente, também por muitas depredações. Com o povo ocupando as ruas, o poder mostrou-se ausente. Foi como se o país tivesse ficado sem comando.

Tanto ontem, num dos mais conflagrados dos 14 dias desde que a onda de revolta começou, quanto nos demais dias, a presidente da República praticamente desapareceu. Onde está Dilma Rousseff? A impressão é de que estamos num país à deriva, num dos momentos mais tensos e convulsionados por aqui em décadas.

A presidente mostra-se atônita, inepta, perdida. Desde o começo dos protestos, manifestou-se apenas uma única vez, em meio a uma solenidade dedicada a tratar de marcos legais para a exploração mineral. De resto, mudez total.

Naquela ocasião, Dilma enfiou em seu discurso palavras vazias, meras “vacinas” para tentar transmutar-se de vidraça em estilingue. Não foi suficiente e a presidente teve que correr para escorar-se nos seus conselheiros de toda hora – ou melhor seria dizer nos governantes de fato?

Ontem, com Brasília tomada por manifestações, ameaça de invasão do Congresso e do Palácio do Planalto, depredações ao Itamaraty e à Catedral, Dilma resolveu agir. Convocou para esta manhã uma reunião de sábios. Pela composição da turma reunida, de lá boa coisa não sairá: José Eduardo Cardozo, Gleisi Hoffmann, Gilberto Carvalho, Aloizio Mercadante e Ideli Salvatti.

A presidente tomou providências: cancelou viagens ao Japão e a Salvador. Quanto às manifestações, que ontem reuniram mais de 1 milhão de pessoas (há quem fale em 1,4 milhão) em 388 cidades diferentes do país segundo O Estado de S.Paulo, nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhuma iniciativa da chefe da nação.

Diz-se que Dilma – tão pródiga no hábito, que usa sem pejo quando há fitos eleitoreiros – pode convocar para hoje cadeia nacional de rádio e televisão para pronunciar-se. Será que, enfim, o país poderá voltar a ter a sensação de que tem alguém no comando da República? Tudo indica que não.

A preocupação do Planalto passa longe disso. Com o país conflagrado e clamando por respostas, as cúpulas do governo e do PT ainda avaliam se a chefe da nação deve ou não pronunciar-se porque temem “trazer para dentro do Planalto a responsabilidade pelos tumultos no país” e porque a ordem é “evitar excesso de exposição pública”, segundo a Folha de S.Paulo.

Mas, afinal, para que Dilma quis a cadeira presidencial e luta, de forma tão extemporânea e indevida, para lá permanecer por mais quatro anos? Por que, se nas horas em que a presença de uma liderança é mais demandada, ela simplesmente corre para o colo de Lula e de seu marqueteiro?

É também contra uma governante tão apequenada e incapaz que a voz das ruas se levanta. “As principais cidades estão com suas vidas semiparalisadas há quase duas semanas. Haverá prejuízos econômicos. Dilma não sabe qual resposta oferecer”, ainda consegue espantar-se Fernando Rodrigues na Folha.

Neste seu desnorteio, Dilma acena com pacotes de bondades para a juventude. É um claro sinal de que nem ela, nem seu governo estão entendendo patavina. É a boca entortada pelo velho cachimbo: o PT acha que basta pôr sua política de cooptação em marcha – como fez com a UNE, o MST e assemelhados – para as coisas se acomodarem. Com a moçada que está nas ruas, não há chance de colar.

As multidões não querem migalhas. Querem, como comprovou pesquisa feita pela comunidade Avaaz, que o dinheiro público seja bem empregado, que a corrupção do poder seja extirpada e que as liberdades não sejam cerceadas – como ameaçam a PEC 37, que tenta manietar o Ministério Público, e o projeto de lei que tenta vedar novos partidos.

Dilma e os petistas parecem não ter entendido nada. Como ficou claro no repúdio que os manifestantes exerceram à tentativa de gente como Rui Falcão e José Dirceu de transformar o movimento nacional pela cidadania, pela restauração de valores e pela reconquista de direitos numa “onda vermelha”. Parece até que os capa-pretas do PT se inspiraram na malfadada estratégia de Collor em 1992...

O que se viu foram petistas sendo rechaçados. Agora até Lula teme passeata e cancela aparições públicas. O povo não é bobo e não tolera mais estas tentativas de manipulação de fatos, de intenções, de desejos. Como o partido que governa o país há mais de dez anos quer se fazer parte de movimentos que reivindicam justamente a mudança do que aí está? Os petistas podem, sim, ir para a rua, mas só se for para gritar: “Abaixo nós”.

Espera-se que quando, e se, agir, Dilma Rousseff não venha com mais uma tentativa de ludibriar os cidadãos à base de pronunciamentos ocos, edulcorados pelo seu marketing manipulador. O que o Brasil cobra é que ela exerça as funções para as quais foi eleita. Que se porte, pelo menos uma vez, como presidente de uma nação que está mostrando nas ruas que merece muito mais do que lhe tem sido oferecido. 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Sobram motivos para protestar

A indignação das ruas reflete um descontentamento que se traduz em números, como os revelados pela mais recente pesquisa feita pelo Ibope. O levantamento divulgado ontem confirma o declínio do prestígio de Dilma Rousseff e mostra que a multidão tem muito mais motivos além dos centavos agora retirados das tarifas de ônibus para continuar a protestar.

A queda captada pelo Ibope é da mesma magnitude daquela que o Datafolha aferiu há duas semanas: oito pontos percentuais. Agora, 55% consideram ótima ou boa a gestão da presidente da República, ante os 63% de três meses atrás. Além disso, agora 25% também desaprovam a maneira de Dilma governar e 28% dizem não confiar na presidente.

Há na pesquisa mais um dado especialmente significativo: enquanto no Datafolha a avaliação negativa da presidente apenas variara dentro da margem de erro (de 7% para 9%), no Ibope o índice dos que classificam seu governo como ruim ou péssimo quase dobrou, passando de 7% para 13%. Para 32%, a atual gestão é regular.

O prestígio da presidente cai em todas as faixas de renda, em todas as regiões e estratos sociais. Entre quem ganha acima de dez salários mínimos, a queda dos que aprovam a gestão dela foi a mais significativa: 27 pontos, de 77% para 50%. Mas também alcançou os de renda intermediária (dois a cinco mínimos), com redução de 78% para 69%. No Sudeste, caiu 13 pontos.

Dilma até teve sorte, porque os pesquisadores do Ibope foram a campo entre 8 e 11 de junho, antes do estouro dos protestos pelo país. Fosse feita hoje, é possível que muito mais brasileiros associariam o aflorar dos descontentamentos à inapetência da presidente para bem governar. Saindo da avaliação geral para a de áreas específicas, a desaprovação à atual gestão é ampla, geral e quase irrestrita.

Das nove áreas de atuação do governo avaliadas, seis são desaprovadas pela maioria da população: segurança pública, saúde, impostos, combate à inflação, taxa de juros e educação. Numa das outras três em que Dilma ainda consegue mais aprovação do que rejeição (a do combate ao desemprego), a tendência é de forte declínio: a diferença positiva era de 17 pontos há três meses e agora é de apenas sete.

Merece destaque a avaliação que os brasileiros fazem da atuação do governo de Dilma no combate à inflação. Três meses atrás, segundo o Ibope o país dividia-se igualmente entre os que a aprovavam e os que a reprovavam. Agora, a desaprovação subiu dez pontos, para 57%, e nunca foi tão alta nesta gestão. A aprovação caiu o mesmo tanto, para 38%.

Dilma também detém enormes saldos negativos quanto a suas políticas de segurança pública (67% desaprovam e apenas 31% aprovam, na pior de todas as avaliações), saúde (66% a 32%) e impostos (64% a 31%). Na política de juros, o placar desfavorável é de 54% a 39% e na educação, de 51% a 47%.

Levantamentos como este servem para dar contornos mais nítidos aos motivos pelos quais milhares – talvez já sejam milhões – de brasileiros por todo o país decidiram deixar a tranquilidade dos seus lares para ir para as ruas reclamar. Claro está que as passagens de ônibus foram apenas o estopim da revolta.

Poderia haver alguma esperança se Dilma viesse demonstrando maior desenvoltura e preparo para ocupar o cargo para o qual foi eleita há quase três anos. Mas o que tem acontecido é justamente o contrário: uma presidente que, de maneira recorrente, se apequena na função, foge dos problemas e parece mais preocupada com seu futuro político do que com o presente do país.

Uma presidente que, ao menor sinal de apuro, recorre a quem está de prontidão para dar conselhos à sua pupila – provavelmente, poucos deles úteis – ou para tentar encontrar, por meio do marketing, uma forma de distorcer a realidade de maneira a fazê-la caber nas artimanhas eleitoreiras de seu projeto presidencial.

“Ela, que tanto intimida a sua equipe com seus modos autoritários e a certeza de ser a dona da verdade, tornou a demonstrar que, na hora H, não é ninguém sem dois conselheiros. Um é o marqueteiro-residente do Planalto, João Santana. O outro, claro, é o seu progenitor político Luiz Inácio Lula da Silva”, resume O Estado de S.Paulo em editorial em sua edição de hoje.

Dilma Rousseff vai conseguindo descontentar a tudo e a todos. Até os seus já não lhe suportam. Os sindicalistas não lhe querem e preferem tratar com quem continua mandando de fato. Os empresários sonham em vê-la pelas costas. E o povo, nas ruas, transforma o que antes era dissimulado em rugido ensurdecedor. Como mostra o Ibope, todos têm razões de sobras para estarem descontentes e para protestar. 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O que se quer é mudança

A voz que emana das ruas merece, acima de tudo, respeito. Ainda que não se saiba de forma exata quais são suas reivindicações mais amplas – que transcendem, e muito, a mera revisão de reajustes de passagens de ônibus – é extremamente saudável que os brasileiros tenham voltado a demonstrar sua capacidade de se indignar. De tudo, parece ser possível tirar um recado indubitável: o que se quer é mudança.

Há tempos se ouve e se lê que o brasileiro está satisfeito com o emprego que lhe é oferecido, com a prestação do financiamento que não lhe aperta o bolso, com a sensação de bem-estar que o dinheiro compra. Há tempos se diz que, tudo mais constante, o brasileiro não busca nada além disso; basta-lhe a sombra e a água fresca que a carteira pode garantir.

O grito das ruas diz outra coisa. Revela uma gente cansada de ver que as mazelas do país se aprofundam, que o vale-tudo é transformado em prática corriqueira, que a corrupção, a esperteza e o malfeito são aceitos e impostos como regra do jogo. O brasileiro está mostrando que, mais que o conforto monetário, preza valores, quer que a dignidade, a seriedade e o respeito prevaleçam. Isso não tem preço.

Há anos, somos tratados como um país de consumidores, não um país de cidadãos com direitos a serem respeitados e deveres a serem cumpridos. Há anos, a dignidade foi resumida a carnês de financiamento, a acesso a shoppings centers. Viramos um país que se contenta em consumir o presente sem construir e investir no futuro. A isso, as ruas dizem “não”.

As pessoas parecem ter se enchido do marketing cor-de-rosa, da publicidade enganosa, da propaganda mentirosa que mostra um Brasil que só existe em anúncios de margarina. Resolveram se indignar e mostrar que o país que elas querem não é este; o Brasil do futuro é outro, diferente e não cabe na camisa de força na qual o discurso oficial quer aprisioná-lo.

A voz dos manifestantes mostra que os que resolveram ocupar as ruas não aceitam mais ver a corrupção tratada com naturalidade pelos seus governantes. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada hoje, esta era a razão manifestada por 38% das 65 mil pessoas que protestaram anteontem em São Paulo.

São pessoas que buscam demonstrar que não toleram ver o dinheiro pago em impostos sendo desperdiçado em más gestões, usado para beneficiar amigos do rei e da rainha, torrado em estádios – já são R$ 28 bilhões e serão bem mais – enquanto escolas apodrecem e postos de saúde e creches continuam só na promessa.

Este grosso caldo de rejeição e insatisfação encontrou na alta disseminada dos preços um catalisador poderoso. Um povo que se amedrontou com o monstro da hiperinflação e que lutou muito por reconquistar a estabilidade de sua moeda não aceita ver a carestia voltar a pôr em risco o conforto do seu presente e o direito de planejar o seu futuro.

Além de respeito, é necessário ter humildade ao tentar entender a mensagem das manifestações. Seus protagonistas parecem querer deixar claro que prescindem de tradutores, de intérpretes. Querem ter sua voz ouvida. É bom que seja assim, respeitado o sagrado estado democrático de direito e rejeitadas as ações violentas, como as vistas ontem em algumas capitais do país.

É repulsivo que alguns busquem apropriar-se de movimento tão espontâneo e autêntico. Como tenta fazer, por exemplo, o PT e governo federal em sua estratégia de metamorfosear-se e irmanar-se às manifestações como se não fosse também alvo dos que protestam.

Como quem se inspirou em Lampedusa e seu “O leopardo”, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que seu governo também quer a mesma mudança que emana das ruas. Só se for para que tudo fique como está. 

Segundo O Estado de S.Paulo, até o anúncio de novos programas para beneficiar a juventude já está em estudo pelo governo petista, talvez na crença obtusa de que o grito da moçada será calado com migalhas e ilusionismos.

O PT e seus líderes querem tratar a voz aguda das multidões de maneira oportunista. Provavelmente, creem que é possível manejar a insatisfação por meio de reuniões de seus “estrategistas”. Revelam não ter compreendido nada e, pior ainda, demonstram que continuam a crer que com sua esperteza são capazes de transformar a massa em matéria-prima para suas manobras. Juntam-se a cegueira e a surdez.

A pauta dos manifestantes pode ser por demais ampla, difusa e às vezes até confusa. Mas baseia-se em insatisfações que se referem a fatos reais, a problemas cotidianos, a dificuldades diárias. Quando o povo, enfim, se manifesta por si próprio, cabe a quem governa, a quem tem o poder de decidir e intervir no futuro do país respeitá-lo, ouvi-lo e agir. É o primeiro passo para que mudanças verdadeiras aconteçam. 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Razões para o pessimismo, e para o otimismo

A presidente Dilma Rousseff acha que os brasileiros não têm motivos para se chatear com o governo dela. Tacha de agourentas e mal humoradas o número crescente de pessoas que consideram que o Brasil vai mal e que, a cada dia que passa, enchem mais as ruas para protestar, como aconteceu de novo ontem. Talvez ela mereça uma ajudinha para lembrar as muitas razões para sermos pessimistas quanto ao futuro do país sob a batuta do PT.

É possível que o pessoal esteja cansado da pasmaceira em que Dilma está afundando o Brasil. No mandato dela, a nossa média de crescimento é de módico 1,8% ao ano. Só Fernando Collor de Mello teve dois anos iniciais tão ruins assim; deu no que deu. A previsão dos analistas para este ano vem caindo há cinco semanas e agora já está abaixo de 2,5%, um vexame para quem começou o mandato prometendo média de 5%.

Em 2012, o Brasil ficou na vice-lanterna do ranking de crescimento no continente. A presidente e os petistas parecem ter gostado da situação: segundo prevê a Cepal, vamos figurar de novo na rabeira da lista, superando desta vez apenas a Venezuela – talvez por uma mórbida solidariedade ao chavismo, que agora até mamadeira quer proibir por lá...

O Brasil governado por Dilma também é uma jabuticaba no quesito inflação. Crescemos pouco, mas os preços que pagamos por bens e serviços não param de aumentar. Enquanto vizinhos como Chile, Paraguai e Peru têm índices de preços subindo ao redor de 2%, nossa inflação ronda o limite da meta de 6,5% – neste mês, possivelmente arrebentará o teto.

A carestia é especialmente dramática para famílias mais pobres. Como elas destinam cerca de um terço de sua renda para gastos com comida, são afetadas por aumentos maiores nos itens de alimentação, que sobem 14% em 12 meses. Com isso, apenas a alta de preços registrada desde meados de 2011 (12%) já foi capaz de fazer 22 milhões de brasileiros voltarem para a parte de baixo da linha da miséria.

O jeito tem sido cortar despesas e, com isso, as vendas em supermercados estão simplesmente despencando – o comércio teve, em abril, o pior desempenho para o mês desde 2003, quando a comparação é feita com os resultados de um ano antes. O motor do consumo está rateando e não deve mais embalar o crescimento da economia como um todo.

Com o dólar subindo como está, muita coisa vai ficar ainda mais cara no país. A moeda americana já escalou 11,2% desde o início de março, quando atingiu sua cotação mais baixa neste ano, e bateu ontem novo recorde em quatro anos. Num país que compra todo tipo de quinquilharia do exterior, a decolagem do dólar vai bater direto no bolso das pessoas. E vai doer ainda mais.

O Brasil governado por Dilma também é uma excentricidade em termos de juros. Desde que a Selic começou a aumentar, estamos entre os cinco únicos países do mundo que elevaram sua taxa básica neste ano. Nosso juro real (2,1%) agora só perde para o da China (2,7%) e o da Rússia (2,2%). Falta só um pouquinho para voltarmos à nada honrosa liderança em que estivemos durante anos, em mais um feito da presidente.

O governo petista aposta que este clima ruim se dissipará tão logo comecem as outrora demonizadas privatizações. Os leilões de concessão de aeroportos, ferrovias e rodovias tornaram-se a sonhada tábua de salvação do governo Dilma. Mas será que investidores, que hoje fogem do Brasil, irão se aventurar num cenário de tantas incertezas? Já o pré-sal virou a caixinha dourada de onde o governo pretende tirar os bilhões necessários para fechar suas contas neste ano. É o futuro pagando as faturas do presente.

Mas não é só na economia que os brasileiros encontram motivos de sobra para estar pessimistas e indignados com o Brasil. A educação segue sendo uma vergonha nacional.  Temos 12,9 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais de idade e 31,5% da população não completou o ensino fundamental, de acordo com a Pnad de 2011. Nossa média de estudos é tão ruim quanto a do Suriname, a pior de todo o continente.

País rico é país bem educado, menos para o PT. Não se veem razões para otimismo nas ações do governo Dilma nesta seara. O Plano Nacional de Educação em discussão no Congresso tem metas tímidas: por exemplo, alfabetizar, até 2020, as crianças até os oito anos de idade, época da vida em que, atualmente, meninos e meninas mais bem nascidos já estão noutra, lidando com laptops e computadores e balbuciando o inglês.

O descaso com nossos brasileirinhos também se manifesta na frustrada promessa de expandir a educação infantil, com construção de mais de 6 mil creches feita por Dilma em cima de palanques. Até hoje, só uns 10% disso foi feito, se tanto. Desta maneira, persiste um triste quadro: temos 11 milhões de crianças com idade entre 0 e 3 anos e, destes, 8 milhões jamais frequentaram uma creche.

Como se percebe, por onde quer que se olhe, os brasileiros têm motivos às pencas para se indignar com o que o governo petista lhes oferece. Ninguém deseja que mergulhemos numa maré insanável de pessimismo, mas o que se espera é que a gestão da presidente Dilma Rousseff se dê conta de que não conseguirá enganar mais ninguém com seu mundo de faz-de-conta.

A contrastar com tudo isso, está o despertar dos brasileiros para esta epopeia de malfeitos, esta cronologia de descalabros, este desmoronar de esperanças e expectativas. É, sem dúvida, neste caldo de insatisfação que se inspiram os cerca de 200 mil brasileiros que foram às ruas em 12 das principais cidades do país ontem. Eles, e não o governo petista, nos dão razões de sobra para ser otimistas.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Por um Brasil diferente

No último sábado, Dilma Rousseff teve a infelicidade de encontrar pela frente um estádio coalhado de pessimistas, “vendedores do caos”, “velhos do Restelo” e “terroristas informativos”. Como é inexistente a probabilidade de apenas críticos e gente da oposição ter lotado os 70 mil lugares do Mané Garrincha, é melhor a presidente buscar um diagnóstico mais realista para as dificuldades que está enfrentando e para o Brasil que está emergindo.

A chefe da nação recebeu uma vaia sonora, espessa e prolongada por intermináveis dois minutos durante a cerimônia oficial de abertura da Copa das Confederações, em Brasília. Foi todo um manancial represado de insatisfações que se manifestou momentos antes de a seleção brasileira começar a bater a do Japão em campo, jogando um futebol bacaninha. Deve ter doído na presidente tanto quanto um grito de gol comemorado por torcida adversária.

Dilma passara a semana excomungando as críticas que seu governo vem recebendo. Fez isso depois de ouvir do padrinho Lula que deveria “partir para cima” para segurar a curva descendente de sua popularidade e “dar a volta por cima”. Não demorou muito para levar bola nas costas.

A presidente começou suas perorações na quarta-feira, quando, numa cerimonia oficial no Palácio do Planalto, comparou quem não lhe diz amém a um personagem de Camões que, a despeito do oba-oba geral vigente à época, via e apontava riscos nas aventuras ultramarinas e mercantilistas de Portugal.

Continuou na quinta-feira, quando tachou seus críticos de “vendedores do caos”, durante evento com a militância petista em Curitiba. E voltou à carga, no Rio, na sexta-feira, quando afirmou que a situação desconjuntada por que passa nossa economia atualmente é fruto de “estardalhaço e terrorismo informativo” e não de problemas efetivos, como inflação em alta e contas públicas em petição de miséria.

Este pessoal de personalidade doentia e que adora flertar com o caos deve ter corrido para comprar ingressos na última hora para o jogo de estreia da Copa das Confederações e lá despejar, direto na face da presidente, sua noção depauperada das coisas, sua indignação amalucada com um país que vai para frente, sua revolta sem sentido com uma realidade típica de comercial de margarina. Bom, assim deve ter imaginado Dilma...

Se havia, até pouco tempo atrás, uma insatisfação algo difusa com o estado atual das coisas, ela vai agora se tornando mais presente. De algo amorfo, vai se transformando em revolta palpável, sentida e doída na pele. Passagens caras de ônibus acabam servindo para catalisar o descontentamento com anos de catraca livre para a corrupção, de falta de ética, de um vale-tudo pelo poder – em suma, de descompromisso com a população.

Os centavos a mais que detonam protestos são os mesmos que pesam nos preços da comida, da moradia, dos remédios. O desagrado com serviços prestados com má qualidade é o mesmo que orienta o descontentamento com o imposto elevado que não reverte em saúde, educação e segurança à altura. O bilhete de ônibus tornou-se o passaporte de protestos mais gerais.

Não são meros pessimistas, arautos do caos, derrotistas incorrigíveis os insatisfeitos com o atual estado do país, como quer fazer crer Dilma. São, também, os que veem e anteveem problemas, que tentam alertar antes que o caldo entorne, que prefeririam que tudo estivesse bem para não ter que chegar a vaiar um presidente da República antes de uma partida festiva de futebol. São, enfim, os que preferem um Brasil diferente.

sábado, 15 de junho de 2013

Minha casa, minha caixa-preta

O Minha Casa, Minha Vida é um excelente programa. Ficará melhor ainda quando entregar o que promete. Poderá tornar-se quase perfeito se disser de onde vem o dinheiro que financia suas obras. Será louvado se deixar de ser usado como mera peça de campanha publicitária. Tal como existe hoje, é uma caixa-preta.

O programa foi lançado há pouco mais de quatro anos. Inicialmente, tinha como objetivo entregar 1 milhão de moradias. Com Dilma Rousseff já na presidência, a meta dobrou. O governo afiança que a maior parte (60%) destina-se a famílias com renda de até três salários-mínimos, em que se concentra o grosso do déficit habitacional do país.

A despeito de ainda não ter cumprido o compromisso ao qual se propôs, o governo petista segue inflando suas metas. Os números parecem ganhar vida própria e vão surgindo aos borbotões. Agora, a promessa da presidente é fazer 3,75 milhões de habitações, conforme disse anteontem em Brasília. Ela só não explicou como fará.

É meritório que intenções nobres como possibilitar a quem não tem teto adquirir sua casa própria cresçam e se multipliquem. O problema é quando tais pretensões se restringem a meros números vazios. No Minha Casa, Minha Vida, as contas não fecham. Sobra saliva e falta areia, concreto e brita.

Para inflar seu desempenho, o governo limita-se, na maior parte dos casos, a informar o número de unidades habitacionais “contratadas” e não as efetivamente “construídas”. Como entre contratação, construção e ocupação vai muito cimento, a realidade acaba sendo bem distinta, e bem pior, que a expressa no discurso oficial.

São parcos os balanços sobre o programa e opaca a sua contabilidade. A partir da “Mensagem ao Congresso Nacional” enviada pela Presidência da República em fevereiro, fica-se sabendo que 1,05 milhão de unidades foram finalizadas. Destas, menos de um terço destinam-se às famílias mais pobres: das 1,2 milhão de unidades prometidas para esta faixa de renda, só 291 mil foram entregues.

Este é apenas um dos problemas. Outro, que afeta muito mais gente, é a origem dos recursos que estão sendo usados para bancar as obras. O governo está simplesmente metendo a mão no FGTS dos trabalhadores para financiar as moradias, sem, contudo, ressarcir o fundo como deveria. Desde 2011 tem sido assim – nos dois anos anteriores, o ressarcimento foi apenas parcial.

As dívidas do Tesouro com o FGTS já ultrapassam R$ 4,8 bilhões, em valores atualizados. Em 2012, do R$ 1,8 bilhão que o Tesouro deveria ressarcir, nada foi pago, mostrou O Globo anteontem. Além disso, desde abril do ano passado a União deixou de repassar ao fundo os recursos da contribuição extra de 10% paga pelas empresas em casos de demissões sem justa causa: só aí foram tungados mais R$ 2,8 bilhões, utilizados para ajudar a maquiar os resultados fiscais de 2012.

Agora, o dinheiro do trabalhador também poderá vir a ser usado para financiar a compra de eletrodomésticos e mobiliário a juros camaradas. O governo não explica de onde virá a maior parte dos R$ 18,7 bilhões anunciados anteontem. Diz apenas que injetará mais R$ 8 bilhões na Caixa e, “enquanto durarem as operações”, abrirá mão da maior parte de seus dividendos no banco – que renderam R$ 7,7 bilhões ao Tesouro no ano passado, segundo o Valor Econômico.

Além de gatunar o FGTS do trabalhador e ajudar o governo petista a inflar artificialmente o superávit fiscal, o Minha Casa, Minha Vida também é útil para anabolizar os resultados do Programa de Aceleração do Crescimento e tornar menos anêmicos os números relativos ao investimento público.

Dos R$ 557 bilhões que a gestão federal diz ter aplicado no PAC até hoje, 32% referem-se a financiamentos habitacionais concedidos no âmbito do programa. A continuar assim, é possível que as prestações que os mutuários pagarão às Casas Bahia para ter um fogão novo e uma TV digital logo, logo estarão engordando a contabilidade oficial da gestão Dilma...

O Minha Casa, Minha Vida é uma boa ideia que o governo do PT, infelizmente, tem se mostrado capaz de desvirtuar. O programa habitacional é uma verdadeira caixa-preta, sobre a qual não se sabe ao certo quantas famílias estão sendo beneficiadas, quantas moradias foram efetivamente construídas, de onde estão vindo os recursos, nem em quais condições. É mais uma boa intenção das quais o inferno está lotado. 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

A velha no castelo

Dilma Rousseff acha que tudo de ruim que está acontecendo no país é fruto da imaginação alheia ou, pior ainda, de torcida contrária. É possível que a vida palaciana e o ar de Brasília estejam lhe afetando seriamente a percepção da realidade. Viver encastelada dá nisso.

A presidente aproveitou solenidade destinada a anunciar um programa que incentiva o consumo num momento em que as lojas já não dão conta de suprir as encomendas – e, com isso, incha ainda mais o balão da inflação – para criticar os críticos de seu governo. Comparou-os ao Velho do Restelo, personagem de Camões em “Os Lusíadas”.

Segundo ela, seriam eles incorrigíveis pessimistas que enxergam o que ninguém mais vê: um país próspero, estável, equilibrado e sem qualquer entrave ao desenvolvimento e ao aumento de bem-estar de sua população. Provavelmente, gente que não deve estar assistindo a propaganda do governo nos rádios e nas TVs...

Estes velhos de literatura também devem ser, quem sabe, gente que não consegue comprar tomate na feira porque seu preço mais que dobrou nos últimos meses. Gente que teve que tirar o filho da escola porque a mensalidade subiu quase 50% nos últimos quatro anos. Gente que vê sua poupança para a aposentadoria minguar à medida que a desconfiança dos investidores em relação à solidez do país cresce e derruba os rendimentos.

Aparentemente sem antes ter besuntado a face com óleo de peroba, Dilma afirmou: “A situação real em que o Brasil vive é de inflação sob controle, contas públicas sob controle”. Em que castelo a nossa presidente vive? Deve ser o mesmo habitado por Guido Mantega, aquele que fica perguntando “onde está a crise?” por aí...

Dilma disse também que “não há a menor hipótese” que o governo dela “não tenha uma política de controle e combate à inflação”. Pode até ser que a presidente tenha alguma iniciativa para segurar os preços, mas o problema é que ela simplesmente não funciona. Basta perguntar para o nosso Banco Central por que ele está tendo que arrochar os juros brasileiros na contramão de todo o resto do mundo.

A verdade é que não há rumo nem lógica alguma nas ações da gestão de Dilma. No mesmo momento em que seu ministro da Fazenda diagnostica – enfim! – que o problema do país é investimento de menos e consumo demais, a presidente decide conceder subsídio para compra de eletrodomésticos e mobília.

Na mesma hora em que investidores e agências de classificação apontam temor com o crescente descontrole das contas públicas, a chefe da nação determina que o Tesouro emita mais títulos e aumente ainda mais sua dívida para que mutuários possam jogar fora o seu fogão, um item presente em 98,5% dos lares brasileiros, e comprem um sofá novo.

Só neste ano, o Tesouro já foi autorizado a emitir mais R$ 45 bilhões em dívida nova em operações sempre escamoteadas pelo governo petista de forma a não aparecerem nos indicadores de endividamento público. No entanto, a dívida bruta brasileira caminha para superar neste ano 60% do PIB, ultrapassando a marca dos demais Brics e os limites de prudência.

A presidente e seus auxiliares parecem dar de ombros a tudo isso. A linha de crédito anunciada ontem pelo governo custará R$ 18,7 bilhões, mas nenhuma autoridade federal sabe exatamente de onde o dinheiro virá. “A explicação do governo sobre o custo do novo programa só aumentou as dúvidas”, resumiu o Valor Econômico.

Uma parte dos recursos será composta por R$ 8 bilhões em novos créditos concedidos à Caixa Econômica Federal, que, há apenas dois meses, recebera injeção de outros R$ 13 bilhões. Sabe-se agora que o banco também ficará dispensado de recolher dividendos à União pelos próximos anos, conforme medida provisória publicada ontem à noite.

Com manobras desta natureza, a Caixa já se tornou sócia de frigorífico, fabricante de autopeças, de bens de capital, processador de minério, entre outras empresas privadas, como mostrou ontem O Estado de S.Paulo. Como um dos principais motores da publicidade oficial, o banco também já é o terceiro maior anunciante do país. Até onde esta balbúrdia vai?

Como estes montantes não são suficientes para cobrir o valor e as condições camaradas previstas na nova linha de financiamento, uma boa dica é: que tal olhar para o dinheiro dos trabalhadores depositado no FGTS? É de lá que o governo está tirando recursos utilizados para tocar o Minha Casa Minha Vida, sem que, porém, o Tesouro honre sua parte e ressarça o fundo. Estima-se que a gatunagem já ultrapasse R$ 4,8 bilhões, e continua subindo.

Ninguém é contra ações que visem melhorar as condições de vida da população brasileira, em especial a mais pobre. Mas não dá para concordar com iniciativas de governo que busquem, em primeiro lugar, recuperar a popularidade presidencial. Não se admite que, sob o manto das boas intenções, Dilma faça o diabo apenas de olho na sua reeleição.

Antes de qualquer coisa, a presidente da República deveria reconhecer o momento de dificuldade, que não é exclusivo do Brasil e alastra-se pelo mundo. Um diagnóstico realista e honesto seria o primeiro passo para superar os obstáculos que dificultam o dia a dia do brasileiro comum, que, ao contrário da presidente, não vive isolado em castelo.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Crise de confiança

Até pouco tempo atrás, o Brasil esteve às voltas com problemas internos, decorrentes da incompetência do governo Dilma em resolver os entraves que dificultam o desenvolvimento do país. Mas, de alguns dias para cá, a situação mudou. Agora, é o mundo todo que percebe o que os brasileiros veem todos os dias: a gestão da nossa economia é caótica, temerária, irresponsável. O país enfrenta uma crise de confiança.

A onda de más notícias vem se avolumando nas últimas semanas. É o pibinho, a inflação nas alturas, os juros em alta, o dólar em escalada, o rombo na balança comercial, o déficit nas contas externas, a completa balbúrdia na gestão das contas públicas.

A este caldo de maus resultados, o governo da presidente deu de ombros. Manteve-se descuidado com os interesses do país, dedicando-se de maneira excessiva e extemporânea a uma disputa eleitoral cujo desfecho só se dará daqui a mais de 15 meses. Parece ter dado de barato que o terreno até lá estaria aplainado, mas derrapou na primeira curva que apareceu.

O caldo indigesto engrossou com o anúncio da perspectiva de rebaixamento da nota de crédito do país pela Standard & Poor’s, feito na semana passada. E ficou ainda mais apimentado com a percepção, trazida pelo Datafolha, de que a população está sentindo no bolso que a situação vai mal e tende a piorar: os 51% que até março achavam que as condições econômicas do país iriam melhorar caíram agora para 39%, empurrando a popularidade de Dilma para baixo.

O pessimismo não se limita a questões de momento, mas se deve, em especial, a uma deterioração das expectativas quanto ao futuro, o que é mais sério. Todos os fatores que os brasileiros hoje temem tendem a ficar piores amanhã: a inflação, o desemprego, a situação econômica geral.

De tudo isso, resulta uma crise de confiança no país. Não são apenas investidores que estão ressabiados. É também, e principalmente, o brasileiro comum, que vê seu dinheiro acabar antes do fim do mês e as perspectivas turvarem-se, sem conseguir enxergar no governo de turno a capacidade necessária para superar o momento de dificuldades.

O dinheiro que antes irrigava nossa economia, permitia a geração de emprego e alimentava o consumo vai escasseando. As empresas começam a enfrentar sérios apuros, seja de endividamento, seja de crédito. Só neste trimestre, as maiores companhias do país viram suas dívidas crescer R$ 5,7 bilhões, comendo um quarto dos lucros acumulados no início do ano, segundo O Globo.

Os brasileiros voltaram a ouvir termos há muito esquecidos. A “disparada do dólar” está de volta, encarecendo produtos (inclusive bens de consumo duráveis, como eletrodomésticos), empurrando a inflação ainda mais para cima e ameaçando os ganhos das companhias. Sem lucro, o investimento privado não acontece e a produção não sobe, o emprego não vem, a inflação persiste.

O “risco-país” ressuscitou e, como um morto-vivo, voltou a amedrontar, com alta de 25% em apenas 30 dias. Também no último mês, o custo de proteção contra um calote da dívida brasileira registrou a maior alta entre os principais mercados do mundo. Quem tem dinheiro quer distância do Brasil – ainda mais quando os EUA voltam a se mostrar um porto seguro e rentável. Até nosso Banco Central já tem diretor demissionário, como mostra o Correio Braziliense.

Sinal também evidente da desconfiança em relação ao país é o comportamento dos investidores em ações de empresas. Entre as principais praças globais, a bolsa brasileira é a que mais cai neste ano: queda de 18,35% até ontem, com nossas empresas perdendo US$ 162 bilhões em valor de mercado desde janeiro.

A crise é generalizada e visível, menos para Guido Mantega, que faz, na Folha de S.Paulo, juras de amor ao superávit primário que sua gestão descumpriu em três dos quatro últimos anos – e depois de aumentar as despesas federais em R$ 150 bilhões (quase 1% do PIB) desde 2010. Acena até com a obtenção de um déficit nominal zero que Dilma, outrora, considerou “rudimentar”. Alguém há de crer?

“Chegou ao fim, pelo menos para os países emergentes, a era de experimentalismos em matéria de política econômica. Começa a se fechar a janela de oportunidade, propiciada pelo excesso de liquidez no mundo, para realização de reformas estruturais. O Brasil está saindo do ciclo internacional de liquidez com inflação mais alta, crescimento menor, baixa taxa de investimento, déficit externo crescente, deterioração das contas públicas e credibilidade abalada”, resume Cristiano Romero no Valor Econômico, em análise que é leitura obrigatória.

O governo da presidente Dilma Rousseff não soube caminhar num ambiente de razoável estabilidade e recuperação econômica, como foram os últimos meses. E não demonstra ter a menor condição de sair-se bem numa turbulência como a que se avizinha. O que antes era razoavelmente simples, agora ficou praticamente impossível. Os motores vão sendo desligados, o país caminha para parar de vez. Infelizmente.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Cidadania tributária

A lerdeza do governo petista pode jogar na lata do lixo um avanço histórico da sociedade brasileira. O prazo para entrada em vigor da lei que exige a divulgação dos tributos pagos pelos consumidores nas notas fiscais será postergado. Namora-se o risco de esta importante conquista de cidadania tributária virar letra morta.

A lei 12.741/2012 passou a vigorar ontem, seis meses depois de aprovada no Congresso. Bastou um dia de vigência, porém, para o governo federal retroceder. A Casa Civil anunciou nesta segunda-feira que irá postergar em um ano o prazo para que as empresas, o comércio e os demais estabelecimentos se adequem à nova realidade.

Até lá, ficará suspensa a cobrança de multas e a imposição de penalidades como suspensão de atividade e cassação de licença de funcionamento. Falando em português claro: só daqui a 12 meses é que teremos respeitado, se viermos a ter, o direito do consumidor de saber quanto paga em impostos e contribuições ao governo.

A lei foi resultado de projeto de iniciativa popular que recolheu a assinatura de mais de 1,5 milhão de brasileiros. Pela norma, a partir de ontem os consumidores deveriam saber o que estão pagando ao governo a título de ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins e Cide. Mas, graças ao PT, teremos que esperar mais um tempo.

Aprovada em 10 de dezembro do ano passado pelo Congresso, a lei deu ao Executivo prazo de seis meses para regulamentá-la. Mas, como tudo no governo da presidente Dilma nunca é feito na hora certa, as regras não ficaram prontas a tempo. Como tudo mais no Brasil do PT, a regra é o atraso, a postergação, a delonga.

Como ainda há muitas dúvidas sobre como a lei deve ser cumprida, é até natural que haja um período de adaptação às novas regras. O varejista teria um prazo para se inteirar das novas responsabilidades, sem risco de ser apressadamente punido. Um pouco de pedagogia não faria mal a ninguém.

Mas estender por um ano algo que já deveria ter sido resolvido em seis meses é não querer que a lei pegue, como, aliás, já aconteceu com milhares de outras boas intenções legislativas que foram parar no fundo do baú. Resta evidente que o governo federal tem horror à tomada de consciência do consumidor em relação a quanto paga de tributo e quão pouco recebe de retorno do Estado.

A divulgação dos impostos e contribuições é especialmente importante num país com a estrutura tributária do Brasil. Aqui, a maior parte da tributação advém do consumo: 43% do que os governos arrecadam provém do que compramos no supermercado, do que pagamos no restaurante, do que gastamos na feira.

Esta estrutura é especialmente perversa para os mais pobres. Como a maior parte de seu salário é gasto em itens de primeira necessidade, como alimentos e artigos de higiene e limpeza, eles comprometem entre 41% (segundo o IBPT) e 86% (segundo o Ipea) de sua renda com tributos.

Sem que os tributos sejam explicitados, o consumidor tende a ter a falsa impressão de que não está pagando nada ao poder público e, desta maneira, sente-se menos autorizado a cobrar dos governos retorno adequado na forma de melhor prestação de serviços.

A melhor forma de aumentar a demanda por um Estado mais eficiente é a consciência do cidadão e, em particular, do contribuinte. Cercear este direito, como faz agora o governo federal ao postergar por um ano a vigência da lei, é impedir ao brasileiro fiscalizar melhor a aplicação do dinheiro que paga. É depor contra a competência na gestão e a transparência tributária, bandeiras históricas de partidos como o PSDB. O risco é criarmos mais uma letra morta.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Dilma com viés de baixa

Dilma Rousseff embicou o país na descendente e agora paga o preço: ela mesma também está com viés de baixa. A aprovação à presidente caiu e o pessimismo da população está crescendo. Seu governo acreditou que bastaria equilibrar-se em cima da alta popularidade, mas a população demonstra que não ignora suas cada vez mais evidentes fragilidades.

O Datafolha publicou ontem pesquisa de opinião que registra queda de oito pontos percentuais na aprovação da presidente em relação ao patamar alcançado em março passado. É a primeira vez que isso acontece desde que Dilma tomou posse, há praticamente dois anos e meio.

O governo da petista vinha reagindo com soberba às críticas endereçadas a seus renitentes desacertos. “A nossa popularidade é alta”, costumam desdenhar. Agora terão que pôr as barbas de molho.

Pode até ainda ser alta, mas cai, e como: Dilma perdeu popularidade entre homens e mulheres, em todas as regiões do país, em todas as faixas de renda e em todas as faixas etárias. Sua aprovação já retrocedeu ao nível de janeiro de 2012.

Segundo alguns dados publicados pela Folha de S.Paulo ontem (a íntegra da pesquisa ainda não está disponível na internet), a aprovação a Dilma simplesmente despencou entre os brasileiros que ganham mais de dez salários-mínimos: queda de 24 pontos. Com isso, a avaliação da presidente neste extrato social caiu ao nível de dois anos atrás.

Entre os que têm ensino superior, a queda foi de 16 pontos percentuais, fazendo a presidente retroceder ao patamar de agosto de 2011. O mesmo aconteceu com a população entre 25 e 34 anos (queda de 13 pontos). Entre os brasileiros da região Sul, Dilma recuou ao nível de agosto de 2012 (queda também de 13 pontos).

Mas não foi apenas nestes segmentos, em geral mais ilustrados, da população que a presidente declinou nestes últimos três meses. Como os dados não estão inteiramente abertos na internet pelo Datafolha, vale se fiar no que escreveram Mauro Paulino e Alessandro Janoni, diretor-geral e diretor de Pesquisas do instituto, em análise publicada ontem pelo jornal.

“O que chama mais a atenção na pesquisa é que, dos oito pontos de popularidade que a presidente perdeu, a maior parte é proveniente de conjuntos menos escolarizados e de menor renda, especialmente do Sudeste e Sul. E o mais importante – as mulheres, muito mais do que os homens, deixaram de apoiar Dilma. E quando se focaliza o subconjunto de mulheres de renda mais baixa, essa tendência se potencializa.”

O que pesou na perda de popularidade foi, principalmente, a inflação. O tomate indigesto, a passagem de ônibus cara, a manicure proibitiva pesaram no bolso dos brasileiros de A a Z, salgaram a vida da população e azedaram o humor dos eleitores. A expectativa de que a inflação vai piorar atinge 51% dos entrevistados e só 12% creem em melhora.

Também pioraram as perspectivas quanto ao futuro. Já são maioria – numericamente, também pela primeira vez desde o início da atual gestão – os brasileiros que acham que o desemprego vai aumentar no país. O pessimismo quanto a este aspecto é o mais alto desde fins de 2009.

Há apenas três meses, 41% achavam que a situação do emprego iria melhorar e 31% achavam que iria piorar; agora, são 27% e 36%, respectivamente, numa aceleradíssima inversão de expectativas. A sensação de bem-estar vai se perdendo, no mesmo ritmo em que o dinheiro encurta, o crédito encarece e as oportunidades de trabalho rareiam.

Dilma Rousseff foi eleita em cima de uma lenda. Nunca, jamais, passou nem perto de ser a boa gestora que seu padrinho político apregoou ao país. Agora, sua infalibilidade também vai sendo posta à prova, onde quer que se olhe.

As deficiências da presidente no controle da inflação, na irritante repetição de pibinhos e previsões furadas, na manutenção do emprego vão se revelando aos brasileiros com todas as cores. Seu poderio parlamentar é declinante; sua capacidade de destravar investimentos e atrair o capital privado é inexistente; seu Brasil de propaganda tem limites.

A presidente não ousou fazer uma única reforma de peso e dedica-se a quinquilharias ao invés de se debruçar sobre os crescentes problemas do país. Dilma não é “nem gerente sintonizada com as exigências dos tempos modernos, muito menos gestora admirável. Atrapalhada na condução da economia. Um rotundo desastre no exercício cotidiano da política”, sintetiza Ricardo Noblat n’O Globo.

Quem sabe assim, já sem o conforto do colchão da popularidade nas nuvens, Dilma Rousseff faça o que é necessário ser feito, restaure a confiança no país e cuide com zelo do dinheiro público – seu descuido está levando as agências de classificação de risco a enquadrar o Brasil entre os párias do mercado financeiro mundial. 

Em resumo, deixe de empurrar os problemas com a barriga, à espera de uma ainda longínqua eleição, como vem fazendo nos últimos meses. A presidente não perde por esperar, porque os brasileiros já começaram a lhe dizer não.

sábado, 8 de junho de 2013

O ‘risco Dilma’

A presidente Dilma Rousseff ganhou ontem o reconhecimento pelo conjunto de sua obra. Diante do baixo crescimento do PIB, da perda de credibilidade da política econômica, da inflação e do descontrole das contas públicas, a perspectiva do Brasil foi rebaixada por uma agência de classificação. É o “risco Dilma”.

A Standard & Poor’s (S&P) anunciou que decidiu colocar a nota dos títulos da dívida brasileira em perspectiva negativa. É o primeiro passo para cortá-la, o que pode ocorrer em até dois anos. “Nós poderíamos rebaixar o rating de crédito do país nos próximos dois anos se continuar o crescimento econômico lento, os fundamentos fiscais e externos mais fracos e a perda de credibilidade na política econômica”, informou a agência.

Notas de crédito podem parecer algo exótico para cidadãos comuns, mas são termômetro para quem tem que lidar com dinheiro. A perda de confiança encarece a captação de recursos, torna os financiamentos mais escassos, reduz a disponibilidade de crédito. O rating mais baixo enquadra o tomador do dinheiro na categoria de pagador duvidoso. É a este caminho de dificuldades que a gestão Dilma está nos conduzindo.

O Brasil passou a gozar de melhor reputação financeira há apenas cinco anos, o que aumentou o interesse e o ingresso de investimentos estrangeiros no país. Agora, a perspectiva é inversa e, assim como a S&P, outras agências de classificação de risco podem fazer o mesmo movimento. E não só quanto ao governo: os ratings da Petrobras e Eletrobrás também já foram atingidos pela decisão divulgada ontem.

Quando Lula foi eleito, em 2002, cunhou-se no mercado financeiro a expressão “risco Lula”. Era o temor de que, uma vez no poder, o PT fizesse o que passara a vida toda pregando: mudar tudo o que estava aí. Era o que os petistas chamavam de “ruptura necessária”. Na época, o dólar foi às alturas e a inflação disparou.

Felizmente, um grupo mais ajuizado fez Lula e o PT converterem-se aos preceitos da responsabilidade, plasmados na “Carta aos Brasileiros” – que o ex-presidente revelou recentemente ter assinado muito a contragosto. Foi a decisão mais sábia que o partido jamais tomou.

Enquanto o PT rezou pela cartilha herdada do governo do PSDB, baseada em controle rigoroso da inflação, responsabilidade com as contas públicas e livre flutuação do câmbio, o Brasil foi bem – ajudado, ainda, por uma onda de prosperidade no mundo sem precedentes há décadas. Mas foi só o PT fazer o que o PT acredita e defende para o caldo entornar.

Nos últimos anos, já a partir do fim do mandato de Lula, o cuidado no trato da coisa pública foi implodido. O país convive com orçamentos paralelos, contas fictícias, contabilidade desacreditada e fantasiosa, truques e salamaleques de toda ordem.

Ontem, numa nova leva de manobras deste tipo, BNDES e Valec receberam novos aportes bilionários para maquiar o cada vez mais catastrófico resultado fiscal – só para o banco já foram R$ 310 bilhões desde 2009... Até as receitas do pré-sal, que nem leiloado foi, e que por lei deveriam ir para educação, já estão entrando na conta para fechar o superávit deste ano, revela hoje o Valor Econômico. Tudo para permitir que o Estado se agigante.

O controle da inflação foi abandonado pela falácia de que precinhos um pouquinho mais altos não doem, numa imitação barata dos modelos argentino e venezuelano de eficiência e rigor. Dilma passará seus quatro anos de mandato sem cumprir uma vezinha sequer as metas do Copom – desde 2009, aliás, não passamos nem perto. A presidente parece que não fazia ideia, mas com isso derrubou o consumo – motor da economia havia 38 trimestres – e inviabilizou investimentos.

O descontrole de preços segue tão persistente e disseminado que o Banco Central avisou, por meio da ata divulgada ontem, que provavelmente terá que continuar elevando os juros. Também na política monetária, o Brasil de Dilma é uma autêntica jabuticaba: entre 90 países, estamos entre os cinco que aumentaram suas taxas neste ano – nossos companheiros nesta façanha são Egito, Gâmbia, Gana e Tunísia. Com a nova alta da taxa básica, prevista para julho, voltaremos ao topo dos rankings mundiais de juros reais.

O desarranjo conflui para um desempenho geral pífio na economia. Pelas previsões atuais, o Brasil será o país com o segundo pior crescimento na América do Sul, atrás apenas da Venezuela. Segurar a lanterna já se tornou um hábito no governo de Dilma – no ano passado, só ganhamos do Paraguai, que agora nos deixou para trás e deve liderar a expansão no continente.

Um conjunto tão vistoso não poderia passar incólume. Quem tem dinheiro aqui já começa a ficar muito ressabiado e a pôr as barbas de molho: no último mês, o custo de proteção contra um calote da dívida brasileira registrou a maior alta entre as principais economias do mundo, diz o Valor.

Dilma Rousseff chegou ao Planalto apresentada pelo PT como diligente gerente. Passados pouco mais de dois anos, mostra-se uma catastrófica governante. Sua gestão é grotesca, caótica, irresponsável, perdulária. 

Se o temor quanto a Lula acabou mostrando-se, em boa medida, infundado, a ameaça de a atual presidente nos levar para o buraco vai se tornando cada dia mais presente. O “risco Dilma” entrou no radar do mundo e todos querem distância dele.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Inaptidão para governar

Da questão indígena aos portos brasileiros, um traço comum marca a atuação do governo federal: a omissão. A inabilidade em arbitrar controvérsias, a demora em buscar soluções e a dificuldade para construir consensos acaba sempre desaguando em conflitos. Esta é uma gestão que se notabiliza pela vacilação no decidir, pela demora no agir e pelo titubeio no fazer. Ou seja, pela inaptidão em governar.

Neste momento, a crise mais aguda envolvendo a incapacidade federal para fazer o que lhe cabe refere-se ao embate entre índios e produtores rurais no Mato Grosso do Sul. Conflitos por terra são bola cantada há tempos, mas vêm sendo ignorados pela gestão petista, descuidada de evitá-los, incompetente para resolvê-los, leniente em arbitrá-los.

O tema é sensível e não aceita soluções padronizadas, receitas únicas. Há demandas que são legítimas; há outras que são abusivas. Decidi-las equilibradamente dá trabalho, exige dedicação, capacidade de interpretação, de discernimento e de julgamento. Todos, artigos raros na administração da presidente Dilma Rousseff.

Na questão indígena, a atual gestão tem sido marcada por processos fundiários quase paralisados, ausência de investimento sério na gestão das terras demarcadas, imposição de obras impactantes sem consulta e com condicionantes fictícios, conforme resumiu Márcio Santilli, ex-presidente da Funai, em artigo recente na Folha de S.Paulo. Ou seja, notabiliza-se pela omissão.

Desde o início de 2011, apenas duas terras indígenas foram demarcadas, um dos registros mais baixos que se tem notícia no país. Há 14 processos de homologação em andamento na Funai e outros nove já encaminhados ao Ministério da Justiça aguardando assinatura de decreto homologatório, segundo o Valor Econômico.

A maioria dos processos se arrasta há anos, prejudicando quem quer ter acesso à terra e também que nela trabalha e produz. A incerteza e a insegurança afetam proprietários e atiçam demandantes. O governo federal parece crer que empurrar os problemas com a barriga ou varrê-los para debaixo do tapete seja a melhor solução. Como se viu em Sidrolândia (MS), não é.

A conflagração de disputas como a que acontece agora não apenas no Mato Grosso do Sul, mas também no Rio Grande do Sul, no Pará e no Paraná, mostra que o vácuo nunca é o melhor árbitro para as questões. É a ausência do Estado justamente onde é mais necessário que abre espaço para a violência – de ambas as partes.

A mesma omissão federal também se manifesta na reforma da legislação dos portos. Assim como a questão que opõe produtores rurais e indígenas, o tema é de interesse nacional, estratégico, sensível. Exige, pois, abordagem cuidadosa, estudada e, sobretudo, negociada. Mais uma vez, tudo o que a atual gestão não consegue contemplar nos seus afazeres.

A aprovação do texto, enviado por meio de arbitrária medida provisória, já foi uma verdadeira guerra no Congresso – felizmente, ao contrário do que acontece em Sidrolândia, sem mortos. As idas e vindas em sua curta e apressada tramitação jogaram interrogações sobre a real capacidade que a nova legislação terá para fazer deslanchar os necessários investimentos em nossos portos.

Agora, para azedar um pouco mais o caldo, o Planalto impôs dez vetos ao texto aprovado por deputados e senadores, atiçando novamente a discórdia. O erro vem desde a partida: impor goela abaixo uma reforma que se pretende tão profunda, manietar o debate com a sociedade e trucidar as prerrogativas do Legislativo. Assim como acontece com os índios, o conflito está longe de chegar ao fim.

É sempre mais fácil governar quando se tem um projeto claro apresentado à sociedade e por ela referendado. Quando comandar o país confunde-se com o mero desejo – em alguns casos, melhor seria dizer com a gana – de se perpetuar no poder, exercer o comando da nação torna-se mais complicado e menos legítimo. Administrar acaba se tornando um cabo de guerra. E nisso vai muito tempo perdido, sangue derramado, dinheiro desperdiçado.