Chega a ser surreal
que, após a bela manifestação de cidadania demonstrada por milhões de
brasileiros nas três últimas semanas, a resposta que o mundo oficial tenha a
oferecer seja uma discussão extemporânea e alienada dos reais problemas da
nação. Soa quase como escárnio ao desejo expresso pelos cidadãos.
Fica claro que o
governo e o PT insistem no plebiscito – que pode chegar a custar R$ 2 bilhões,
segundo OGlobo – porque querem ludibriar a opinião pública e tentar manobrar as
massas. É puro diversionismo para desviar o foco dos reais problemas do país,
como destacou ontem a oposição em nota oficial assinada por
PSDB, PPS e DEM.
Pior ainda, o
plebiscito é uma mal disfarçada tentativa dos petistas de impor mudanças que fortaleçam
o partido que detém o poder e cerceiem ainda mais as chances das correntes
oposicionistas. Pretendem fazer isso na lei ou na marra, como mostram movimentos
recentes de seus líderes.
Anteontem, Dilma
disse a sindicalistas que, com seus “pactos” vazios, quer “disputar a voz das
ruas”. No mesmo dia, Lula avisou que convocará os movimentos sociais
aparelhados nos últimos anos pelo petismo a sair do sofá – ontem mesmo, UNE,
UJS e assemelhados começaram a cumprir a ordem, sem muito efeito, porém.
O PT também já
ameaça com casuísmos como a redução de prazos para que as mudanças eleitorais
tenham validade, hoje de no mínimo um ano. Para tanto, propõe uma emenda
constitucional, já que para o partido dos mensaleiros a lei maior do país é apenas
um mero detalhe.
De prático, após uma
frenética rodada de conversas – em poucos dias nesta semana Dilma teve ter
falado com mais gente do que em anos de governo – a presidente disse ontem que
encaminhará uma proposta ao Congresso na terça-feira com pontos que pretende
ver contemplados no plebiscito. Muito mais adequada, a alternativa do referendo
foi rechaçada por ela.
A pauta oficial
coincide, surpresa!, com o que prega o PT. Os famigerados financiamento público
(o seu, o meu, o nosso dinheiro paga as campanhas dos políticos) e voto em
lista fechada (o eleitor vota, mas é o partido que escolhe quem vai ou não se
eleger), por exemplo, provavelmente estarão lá. O fim da reeleição certamente
não estará.
O mais deplorável disso
tudo é ver a agenda real do país paralisada por uma discussão que pode até ser
importante, mas é absolutamente secundária neste momento. Imagine a dona de
casa lá do rincão, em pânico com a inflação e com a escola ruim do filho, tendo
que escolher entre um “sim” e um “não” a esquisitices como voto proporcional, voto
distrital, voto distrital misto e entre voto em lista aberta ou lista fechada...
O país está indo
ladeira abaixo, mas disso não se ouve patavina da presidente da República. Ontem
mesmo, o Banco Central divulgou seus prognósticos para os próximos meses: a
inflação de 2013 vai ser maior que a do ano passado e o crescimento, menor que
o até agora previsto. Há quem já aposte numa taxa próxima de zero, com possibilidade
até de retração do PIB no fim do ano, como mostra Claudia Safatle na edição de
hoje do Valor Econômico.
A agenda real do país
não inclui apenas a carestia que corrói os salários. Contempla também a melhoria
da péssima saúde pública brasileira, para a qual a resposta de Dilma é a
importação de médicos. Note-se que, para mostrar que dão conta da complexidade
local, os estrangeiros passarão por uma avaliação de três meses – alguém aí
falou nos quase dez anos que um médico brasileiro estuda antes de começar a clinicar?
A lista de problemas
reais e dificuldades enfrentadas cotidianamente pelos cidadãos é extensa o
suficiente para demonstrar que o governo petista está completamente fora de órbita
quando impõe ao país, nesta altura do campeonato, um plebiscito sobre reforma
política. Isso é coisa de lunáticos ou, mais provavelmente, de gente muito mal
intencionada e que não está nem aí para os brasileiros. Ou é farsa ou é golpe.