quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Abaixo da meta

Pode parecer algo bizarro, mas o rombo bilionário nas contas do governo central, anunciado ontem, suscita comemorações. O resultado fiscal registrado no ano passado reverte a série de mergulhos sucessivos nas contas públicas que vinha desde 2014.

Ainda será necessário muito esforço para corrigir o estrago iniciado quando o PT prometeu, e cumpriu, “fazer o diabo” para ganhar as últimas eleições presidenciais, pondo fim a 16 anos seguidos de superávits. Neste ínterim, já são R$ 418 bilhões de rombos acumulados, numa conta que ainda vai demorar muito até voltar ao azul.

O governo central registrou déficit de R$ 124 bilhões em 2017, o segundo pior da série histórica, mas R$ 35 bilhões menos que a meta fixada para o ano e 25% menor que o rombo anterior, conforme divulgado pelo Tesouro Nacional.

Sem surpresa, a Previdência foi a principal responsável pelo buraco nas contas, com rombo de R$ 182 bilhões, alta real de 18%. Ainda falta computar o desempenho de estados e municípios, a ser divulgado amanhã, para conhecer o resultado geral do setor público brasileiro em 2017.

O resultado do governo federal pode ser considerado exitoso não apenas por circunscrever o rombo a patamar inferior ao estipulado como meta fiscal para 2017. Significou, também, o respeito ao teto de gastos em seu primeiro ano de vigência.

Pela regra instituída em fins de 2016, as despesas poderiam crescer até 7,2%, ou seja, o mesmo que a inflação do ano anterior, mas ficaram muito abaixo disso, com queda real de 1%. Isso significa que o governo gastou R$ 50 bilhões menos do que poderia de acordo com a emenda constitucional, o que abre margem para despesa extra de R$ 89 bilhões em 2018. Receitas extraordinárias também ajudaram.

Curiosamente, alguns dos órgãos que se notabilizam como bastiões de resistência às reformas estruturais ora em marcha foram os únicos a não cumprir o novo preceito firmado na Constituição. Ministério Público, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiça do DF e Defensoria Pública estouraram o limite de gastos em 2017.

O resultado de 2017 teria sido suficiente até para o cumprimento da meta revista em meados do ano, de R$ 139 bilhões. Também representa queda de 0,4% das despesas em relação ao PIB, para 1,9%. Trata-se de passo inicial do difícil objetivo de diminuir os gastos públicos em até seis pontos percentuais do PIB em uma década.

Apenas para estabilizar a dívida, ainda será necessário um ajuste de R$ 250 bilhões que transforme o rombo atual num superávit próximo a R$ 130 bilhões. Somente para sair do vermelho, ainda será preciso pelo menos mais meia década.

A compressão das despesas atingiu em especial os investimentos, com queda de 32% no ano, para o menor patamar desde 2006. Esse é o lado mais adverso do ajuste e ressalta a necessidade de perseverar na agenda das reformas, destinadas a liberar o Estado para realizar ações que realmente beneficiem a população – e não ficar apenas pagando aposentadorias e salários, que aumentaram 6,5% no ano.

O que realmente merece celebração é a sobriedade com que o resultado fiscal foi recebido pelo governo, que contrasta com as desculpas esfarrapadas e os subterfúgios enganosos que foram marca da “contabilidade criativa” petista. “Não há o que comemorar”, comentou a responsável pelo Tesouro. É o primeiro passo para que se continue a melhorar.

Nesse sentido, é fundamental manter a chamada “regra de ouro”, preceito inscrito na Constituição que impede o governo de contrair dívida para custear gastos correntes. Também será preciso ser duro no controle do orçamento, insistindo na aprovação de medidas em tramitação no Congresso.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Quando 2 + 2 dá 5

O brasileiro acostumou-se a conviver com fracassos. Nos anos recentes, esta foi quase uma rotina diária. Mas, vez ou outra, ainda que em raras ocasiões, o país desponta como protagonista de algum sucesso. Em alguns casos, em áreas tão improváveis quanto a matemática.

Há pouco mais de três anos um brasileiro foi agraciado com o equivalente ao Nobel de matemática, algo inédito em nossa ciência, quando Artur Avila recebeu a medalha Fields. Agora toda esta área de conhecimento produzido no Brasil foi laureada com a promoção do país à elite da União Matemática Internacional, anunciada na última quinta-feira.

Além do Brasil, apenas outras dez nações fazem parte deste seletíssimo primeiro time mundial: Japão, China, Canadá, Alemanha, Rússia, França, Reino Unido, Itália, EUA e Israel (aqui ordenados segundo a posição de seus estudantes no ranking de matemática da mais recente edição do Pisa).

A ascensão dos matemáticos brasileiros premia longa trajetória iniciada em meados do século passado a partir da criação do CNPq e do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), hoje um centro mundial de excelência na área. Aqui, mais que em qualquer outra situação, os números falam por si.

A produção científica brasileira em matemática multiplicou-se por nove nas duas últimas décadas. A participação nacional no volume global de publicações na área mais que triplicou, para 2,3% do total mundial, e o de artigos em revistas científicas quadruplicou. Há hoje no país o dobro de doutorandos em matemática do que havia dez anos atrás.

A matemática de altíssimo nível que se produz em nossos centros de excelência contrasta, no entanto, com aquela que é lecionada cotidianamente a crianças e jovens nas milhares de escolas de ensino básico do país.

O Brasil faz feio em exames globais como o Pisa: figura apenas na 65ª posição num grupo de 70 países onde provas comparáveis de matemática são aplicadas. Segundo o mais recente Ideb, somente 7% dos concluintes do ensino médio têm desempenho satisfatório na matéria. Entre jovens brasileiros de 15 a 16 anos, mais de 70% não sabem o básico da ciência de somar, subtrair, dividir e multiplicar.

É enorme o desafio de superar tamanho atraso, num saber tão fundamental para os tempos atuais. Mas o êxito da matemática de ponta que se produz no Brasil tinge o horizonte de confiança. Afinal, esta é uma ciência que depende menos de laboratórios e equipamentos e mais do talento humano, em especial do esforço individual. Há, portanto, esperança, ainda que às vezes esta apareça em números pequenos ou em baixas probabilidades.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Longe dos extremos, perto da razão

A reação do PT à confirmação da condenação de Luiz Inácio Lula da Silva à cadeia foi a esperada. O partido que sempre se notabilizou por comportar-se “contra tudo o que está aí” joga todas as suas fichas numa escalada de radicalização como boia de salvação política. Prega, contudo, apenas para seus convertidos.

O PT é hoje muito mais uma seita do que um partido político. Claro que não abriu mão de suas pretensões eleitorais de curto prazo, mas movimenta-se muito mais para assegurar papel de relevância num enredo histórico de horizonte mais longo que tenta forjar do que propriamente para retomar o poder de imediato.

Muito mais que cativar, o PT vocifera. Daí as reiteradas ameaças lançadas a cada revés que a Justiça lhe impõe. A bola da vez é a desobediência à decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, na quarta-feira, condenou Lula a 12 anos e um mês de prisão. O repto partiu, ontem mesmo, de ninguém menos que o próprio condenado, foi replicado pelos seus sectários de sempre e transposto para resolução oficial do PT.

Para infelicidade dos petistas, a cada conclamação de seus líderes – se é que ainda podem ser chamados assim – segue-se o burburinho de sempre, que parte apenas dos mesmos radicais e dos mesmos engajados de computador de sempre. A grande massa não lhes responde mais. A realidade é que o brasileiro se cansou desse clima de guerra que o PT insiste em tentar conflagrar em permanente estado de tensão e ódio.

Mas dificilmente o PT cumprirá script diferente até as eleições de outubro. Depois de ver-se apeado do poder, a retórica do partido voltou a ser sectária, raivosa, sediciosa, demagógica e populista. O radicalismo é o espaço que restou aos petistas, fatia felizmente cada vez mais diminuta na sociedade brasileira.

Parece claro que é no caminho do centro, do equilíbrio e da responsabilidade que tende a estar a trilha que o país precisa seguir para recuperar-se desse cancro que durante mais de uma década contaminou a política brasileira e implodiu as condições de vida dos brasileiros.

As pessoas querem emprego, querem tranquilidade, querem segurança, querem perspectivas e oportunidades para poder voltar a sonhar. As bravatas de palanque não lhes interessam, como fica claro a cada exortação lançada no vazio pelos radicais de lado a lado. Na temperança e na razão está a sabedoria e, quiçá, a solução.

Interessa aos brasileiros um governo que funcione. Que lhes ajude a resolver seus muitos e crescentes problemas cotidianos. Roga-se um Estado que se dedique ao que a nação cobra: devolver aos cidadãos, em especial os mais desvalidos, aquilo que lhes extrai gulosamente todos os dias. O brasileiro está farto de ideologia, quer distância de radicalismos. Mas ao PT só sobrou isso.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O destino de Lula não é o destino do Brasil

Luiz Inácio Lula da Silva e seus partidários fizeram tudo para transformar este 24 de janeiro numa data de importância histórica. Buscaram dar contornos épicos ao que é apenas mais um capítulo escrito pela Justiça brasileira. O que mais lhes convém é circunscrever a trajetória do país aos interesses do PT. Mas o Brasil é muito mais que isso.

Nesta manhã, o Tribunal Regional Federal da 4ª região apenas cumpriu o papel que lhe cabia: julgar em segunda instância a condenação imposta ao ex-presidente pelo juiz Sergio Moro por prática de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula foi apenas mais um réu e não um candidato a mártir, como ele e seus sequazes gostariam. Cabe-lhe cumprir nove anos e seis meses de cadeia agora confirmados.

Para os petistas, a decisão desta manhã é apenas mais um detalhe em sua guerra pelo poder. A cartilha de Lula e do PT é conhecida: quem não está conosco está contra o país. No seu script, o julgamento desta manhã nada mais foi do que um ato da campanha que travam para boicotar o país e retomar o governo, traço permanente de seu grupo político. Para tanto, vale tudo. Inclusive, e sobretudo, a incitação à violência.

Os últimos dias foram pródigos em mostrar qual Brasil o PT pretende. Os liderados de Lula prometem luta e até morte. Não agem sós. O próprio Lula se encarrega de pôr fogo no circo, como fez ontem em comício em Porto Alegre, numa clara afronta à sessão do julgamento agendada para esta manhã pelo TRF-4.

É este grupo disposto a tudo que precisa ser derrotado nas urnas em outubro. Sua disposição para o tumulto ultrapassa qualquer apreço que possa alimentar pela democracia. Aliás, se pudesse, certamente o PT já teria dizimado os pilares representativos do nosso sistema político e os substituído por canais diretos, típicos de regimes totalitários.

O PT cunhou seu slogan para tentar transformar o processo jurídico e legal envolvendo o ex-presidente da República em parte do processo eleitoral: Eleição sem Lula é golpe. Mas a verdadeira crença petista é distinta: eleição – qualquer que seja – é golpe. O que gostariam mesmo é que prevalecesse sobre a vontade soberana do povo brasileiro a devoção que uma parcela de sectários reserva a seu líder.

É evidente que Lula e os seus não desistirão de disputar o pleito presidencial deste ano. O PT fará o possível e o impossível para que Lula esteja na urna eletrônica em outubro, porque o que menos lhe interessa é cumprir o que a Justiça determina. O que o PT quer é que seu líder-mor seja tratado acima do bem e do mal, como se fosse o demiurgo do qual a vida dos brasileiros depende e dependerá, e não o cidadão comum sujeito aos ditames da lei.

A condenação de Lula em segunda instância reitera os crimes, a afronta à lei e aos princípios da moralidade no serviço público que ele e seus companheiros de governo cometeram desde 2003. As vantagens indevidas decorrentes do tríplex no Guarujá são apenas uma – e talvez a menos severa – das várias acusações que pesam contra o petista. Ele fez bem pior.

Lula pôs o Estado brasileiro a seu serviço e do PT. Negociou decisões de governo em troca de dinheiro e benesses privadas, acusação que é objeto de outro processo cuja decisão já desponta no horizonte próximo. Fez distribuir, como mostrou a revista Época desta semana, benefícios à família Lula da Silva, igualmente em troca de nacos do poder. Merece, pois, bem mais que nove anos e meio de cadeia.

Em outubro, a população vai escolher se quer ser governada pelo líder da facção que assaltou o Estado brasileiro e carrega nas costas uma sentença de prisão pelos delitos que cometeu, confirmada em segunda instância pelo TRF-4 nesta manhã, ou se prefere aprofundar o caminho da recuperação que, a duras penas, o país vem obtendo depois que conseguiu livrar-se do jugo criminoso do PT. O destino de Lula não é o destino do Brasil.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

268 bilhões de razões para reformar

A aritmética é soberana. Pelo menos deveria ser, quando se trata de aplicar o dinheiro arrecadado dos cidadãos pelos governos. Não é o caso da previdência social brasileira. A cada ano que passa, e de maneira exponencialmente crescente, suas despesas insistem em contrariar suas receitas. É hora de a reforma repor a matemática no comando das contas.

O déficit previdenciário atingiu novo recorde no ano passado, conforme divulgou ontem o Ministério da Fazenda. O sistema pagou aposentadorias e pensões num valor R$ 268 bilhões acima do que arrecadou. Isso significa que, em apenas um ano, o rombo cresceu 18%, o equivalente a R$ 42 bilhões.

Vale deixar registrados alguns números para qualificar melhor o descontrole.

Desde o início desta década, o buraco vem ganhando escala: em percentual do PIB, mais que triplicou, para 2,8%; em valores, cresceu R$ 178 bilhões.

Proporcionalmente, está no serviço público o maior descalabro. Cerca de um milhão de beneficiários – incluindo civis e militares – geraram déficit de R$ 86,3 bilhões, com alta de 12% no ano.

Já os 29,8 milhões de aposentados e pensionistas pagos pelo INSS causaram rombo de R$ 182,4 bilhões em 2017, com aumento de 22% em um ano.

A dinâmica do déficit é mais explosiva na previdência urbana – alta de 55% no ano, para R$ 72 bilhões. Detalhe: até 2015, essa fatia do sistema era superavitária. Na rural, houve aumento de 7%, para um rombo de R$ 111 bilhões.

Calculado por beneficiário (per capita), um militar gera déficit 16 vezes maior que um segurado do INSS, enquanto a proporção deste para um servidor civil é de 1 para 11, nos cálculos de O Estado de S. Paulo.

Em todos os parâmetros e em todos os seus componentes, contudo, o sistema brasileiro de previdência está desequilibrado. E muito, e de maneira insustentável, e de forma injusta e desigual.

Ao permitir aposentadorias precoces e pagar benefícios altíssimos para uma pequena parcela (a dos servidores abrigados na garantia de manutenção de seus vencimentos e na paridade com os colegas da ativa), caminha para consumir 60% de tudo o que a nação gasta.

As despesas da União com previdência saíram de R$ 360 bilhões em 2011 para R$ 681 bilhões no ano passado. Some-se a isso os regimes francamente deficitários que se espalham pelos estados brasileiros e tem-se o retrato de um desastre anunciado.

A reforma da previdência é o principal tema da pauta legislativa neste ano eleitoral, de curta atividade no Congresso. Durante o recesso parlamentar, o governo tem se mostrado ora confiante, ora desconfiado de que obterá de sua base política o apoio necessário à proposta que impõe idade mínima, ainda que em suaves prestações, às aposentadorias.

Nessa matéria, não há espaço para tergiversações. Não reformar a previdência é defender privilégios, manter iniquidades e punir os mais pobres, já que o dinheiro que a má aritmética destina a aposentadorias e pensões é o mesmo que falta nas filas de hospitais e nas escolas sem vagas para crianças e jovens.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Febres de verão

A cada verão, o drama se repete. Nos últimos anos, na estação das chuvas o país tem sido obrigado a lidar com doenças que imaginávamos varridas do mapa. Fica clara a imprevidência do poder público, temperada por doses de descuido também por parte dos cidadãos. Este é um Brasil que precisa mudar.

Primeiro foi a dengue. Depois vieram a zika e a chicungunya. E, desde o ano passado, o país viu ressurgir casos letais de febre amarela, endemia que nosso sistema de saúde pública havia conseguido superar – com o esforço decidido do epidemiologista Oswaldo Cruz – ainda no começo do século passado.

A situação piorou muito neste verão, a despeito de o Brasil já ter sido alvo de alerta para o recrudescimento da doença, a partir de Minas Gerais, ainda no primeiro semestre de 2017. Por questões também comerciais, há doses disponíveis da vacina em menor quantidade que o recomendável – tanto aqui quanto no resto do mundo.

O que aconteceu no último ano foi o contrário do que se exigia. As despesas com ações voltadas a vigilância epidemiológica e controle de doenças diminuíram, a população não foi devidamente informada da necessidade de vacinação massiva e milhões de pessoas que ainda precisam ser imunizadas continuaram vulneráveis à febre.

Esta não é uma condição cara ao Brasil. No mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde, ainda há até 472 milhões de pessoas que precisam tomar a vacina, mas não o fizeram – o que representa metade da população de áreas de risco que precisaria estar imunizada. No entanto, o avanço que o país conseguira no início de 1900 não permitia imaginar que retrocedêssemos a este estágio.

A eclosão recente de casos de doenças causadas por mosquitos diz muito das vulnerabilidades e ineficiências do nosso sistema público, em especial do saneamento. Também joga luz sobre a organização e estruturação do nosso orçamento público.

A saúde têm recursos garantidos, mas mesmo assim eles não chegam aonde deveriam, o que permite questionar a eficácia das chamadas “vinculações” – uma das questões centrais do novo Brasil que se pretende construir. A prevalência de despesas obrigatórias no orçamento está minando as chances de melhor aplicar os recursos finitos tomados dos cidadãos.

Assim como um século atrás a calamidade pariu uma solução, desta vez o pânico em relação à febre amarela deveria iluminar atitudes mais consistentes do poder público e mais responsáveis por parte dos cidadãos. Se o país quer voltar a ter relevância no mundo e deixar para trás o período recente de descalabro, tem de fazê-lo tanto nas grandes linhas de governo quanto nos atos do cotidiano.