sábado, 16 de julho de 2016

Um longo caminho pela frente

A decantada retomada da economia deverá demorar mais tempo do que o desejado. A recuperação que todos anseiam ver em qualquer pequeno detalhe de esparsas melhoras na paisagem, infelizmente, ainda não passa de miragem. Será longa a escalada depois que atingirmos o fundo do poço.

Ontem, veio mais uma confirmação de que a atividade econômica continua descendo a rampa. Em maio, o IBC-Br, calculado pelo Banco Central e que funciona como prévia do PIB, voltou a registrar retração, depois de breve suspiro de alta em abril. Houve nova queda, desta vez de 0,51%. Em 17 meses, foi a 16ª retração e o pior resultado desde 2010.

Com o resultado, ficam praticamente chanceladas as previsões de que o PIB brasileiro teve novo trimestre de baixa entre abril e junho passado. Teremos completado dois anos de recessão, com quedas em praticamente todos os trimestres – a única exceção foram os últimos três meses de 2014, de estabilidade.

Na realidade, até agora o país apenas recuperou a confiança para acreditar que a situação não deve piorar mais do que já piorou. Na prática, temos apenas a constatação de que nada pode ser pior do que um governo de Dilma Rousseff. Embora, formalmente, esta ameaça ainda não tenha sido de todo afastada, ninguém acredita que a insanidade da volta dela ao poder possa ocorrer.

Nem tudo é desesperança. Em alguns aspectos, a economia do país já começou a obter bons resultados. É o caso, por exemplo, do comércio exterior. A balança acumula saldo de US$ 25 bilhões até a segunda semana deste mês, num salto de quase dez vezes em relação ao mesmo período do ano passado. Com isso, o déficit externo também caminha para o melhor resultado em quase uma década.

Parte destes resultados, no entanto, deve-se a um fator negativo: a recessão. Como o consumo, o investimento e a atividade como um todo caem, o país compra menos do exterior e as importações despencam, ajudando a fechar a conta externa. No ano, as importações recuam 28%, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

De todo modo, só será possível comemorar alguma recuperação econômica e uma maior esperança em relação ao futuro quando o mercado de trabalho deixar de demitir, quando a renda das famílias parar de cair, quando a riqueza produzida pelo país voltar a crescer. Sem isso, qualquer sintoma positivo será apenas sonho de uma noite de inverno.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Mais retrocessos na luta contra a aids

Já é trivial a constatação de que os governos petistas dilapidaram avanços econômicos que o país obtivera até o início deste século. Mas a destruição de heranças benditas não se limita a esta seara. Estende-se também sobre conquistas sociais e civilizatórias importantes, como, por exemplo, as vitórias obtidas no tratamento da aids.

O Brasil já foi reconhecido por ter o mais avançado sistema de prevenção e combate à aids do mundo. Isso, infelizmente, está se tornando coisa do passado. O número de novos casos voltou a aumentar no país, segundo a mais recente pesquisa sobre o assunto, divulgada por O Estado de S. Paulo.

Em todo o ano de 2015, surgiram 44 mil novas ocorrências da doença no Brasil, com alta de 2,3% sobre a situação verificada em 2010. Pode parecer pouco, mas no resto do mundo o comportamento foi inverso, com queda de 4,5% no período. Hoje há 830 mil vivendo com aids no país, com alta de 18% em cinco anos. Ocorrem 15 mil mortes por ano.

Segundo a Unaids, sediada em Genebra, o Brasil responde atualmente por 40% das novas infecções de aids na América Latina. Para complicar, a expansão da contaminação pelo HIV vem sendo maior entre a população jovem, com idade entre 15 e 24 anos. Entre 2004 e 2013, houve alta de 32% nos casos notificados nesta faixa etária.

Especialistas têm sido unânimes em afirmar que as políticas públicas de vigilância, controle e prevenção à aids tornaram-se frágeis com o PT, sob a capa de uma apenas aparente estabilidade da epidemia no país. “Aumentou o tempo entre o teste positivo e a primeira consulta, e piorou a assistência, com serviços lotados e falta de médicos”, sintetiza Mário Scheffer, professor da USP.

Nada muito surpreendente em se tratando de mais um dos ministérios convertidos em mera moeda de troca partidária nos governos Lula e Dilma: a pasta da Saúde teve sete ministros em 13 anos, nenhum deles de saudosa memória.

Com isso, alguns dos pilares da exitosa política instituída em 1996 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso por meio da lei nº 9.313 foram ruindo ao longo do tempo: a azeitada distribuição gratuita de medicamentos a todos os pacientes com HIV, as campanhas de prevenção, o diálogo aberto com as organizações e o público diretamente afetado, a produção local de genéricos antirretrovirais.

A experiência brasileira foi pioneira no mundo, com resultados bastante positivos em termos de controle da aids, maior qualidade de vida para os pacientes e redução de custos. Nos seis primeiros anos de vigência da lei, a política adotada pelo governo tucano reduziu pela metade a mortalidade causada pela aids no país: estima-se que, apenas entre 1996 e 2002, 90 mil mortes tenham sido evitadas. Hoje o retrocesso é geral: menor assistência, maiores riscos e mais gente morrendo da doença. Mais uma herança maldita a enfrentar.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

60 dias

Hoje completam-se dois meses desde que o país ganhou nova direção. É muito pouco tempo para reverter a nefasta herança de anos a fio de intoxicação petista, embora já seja possível perceber avanços. Os maiores desafios, porém, ainda remanescem. Há muito por fazer, resistências a enfrentar, reformas a promover.

O principal ganho destes 60 dias foi desanuviar a camada de desconfiança e descrença que pairava sobre o país. A ascensão do presidente Michel Temer e a escalação de uma equipe mais coesa e comprometida com fundamentos econômicos mais sólidos permitiu alimentar a sensação de que os piores momentos do país possam estar ficando para trás.

As primeiras iniciativas visaram desarmar algumas bombas-relógio detonadas pela gestão Dilma e, sobretudo, mostrar aos brasileiros o estado de penúria em que o país foi largado pelo PT. O petismo tornou-se uma máquina de passar cheques sem fundos; deveria ser inscrito no cadastro de maus pagadores.

O real tamanho da herança maldita ainda está por ser devidamente conhecido. Mas um indicador resume bem a extensão que a irresponsabilidade dos últimos anos custará ao país: as contas do país ficarão durante pelo menos cinco anos no vermelho, produzindo rombo acumulado que deve chegar a R$ 520 bilhões. É como se cada um dos 200 milhões de brasileiros devesse R$ 2.600 no cheque especial.

Diante disso, a decisão de mudar a lógica orçamentária pelos próximos dez anos tornou-se inescapável. Se aprovada a proposta de emenda constitucional apresentada pelo Executivo, os gastos anuais não poderão aumentar acima da inflação. É um primeiro, e necessário, passo, mas ainda insuficiente. O Brasil volta a render-se à contabilidade mais básica: despesas não podem exceder receitas.

Ato contínuo, o país precisará ingressar numa nova fase de reformas, uma agenda que o PT simplesmente abandonou ao longo de 13 anos. Estivemos parados no tempo, enquanto o resto do mundo esteve sempre buscando integrar-se e adaptar-se a um sistema global de produção em rápida e constante mutação. Nos sobrou a companhia da Venezuela...

A lista é longa, mas deve começar pelo maior disciplinamento dos gastos públicos, de modo a impedir a explosão do endividamento do governo. Para tanto, será necessário tornar o sistema previdenciário algo sustentável, o que há muito ele deixou de ser. Um novo e robusto programa de privatizações também é altamente desejável.

Para enfrentar o desafio-monstro que nos espera, sob pena de implodir um futuro que pode nunca chegar, é imperativo que o novo governo deixe de ceder a pressões, feche a torneira das despesas e não compactue com a intimidação imposta pelas corporações. Agindo assim, estará fazendo o que realmente cabe: servir a quem de fato interessa, o povo brasileiro.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Bolas fora

É impossível não concordar com Eduardo Paes quando ele diz que as Olimpíadas serão uma “oportunidade perdida” para o Brasil. Como prefeito da cidade-sede dos jogos, ele deve saber do que fala. Para o resto do país, não será surpresa alguma, depois da decepção que foram os legados (ou a falta deles) advindos da Copa do Mundo.

Repete-se nas Olimpíadas o padrão que marcou as obras destinadas a abrigar os jogos do campeonato de futebol em 2014 e prover as cidades-sedes de melhor infraestrutura urbana: promessas demais e realizações pífias, muito dinheiro público desperdiçado e uma conta que acabou sobrando para a sociedade pagar.

Segundo O Estado de S. Paulo, as principais obras prometidas como legado da Copa de 2014 simplesmente não aconteceram. Dos 125 projetos de mobilidade urbana relacionados ao evento, apenas 18% estão em operação. Foi um festival de dinheiro jogado fora, como atestam os trilhos de VLT apodrecendo em Cuiabá ou os corredores de ônibus incompletos na capital paulista.

Em outro levantamento, publicado ontem, O Globo mostrou que 36 projetos de corredores de ônibus, trens leves e metrôs atrasaram ou foram abandonados porque as respectivas prefeituras não receberam os recursos que haviam sido prometidos pelo governo petista por meio do PAC. Foram mais de R$ 7,3 bilhões que viraram fumaça.

Especificamente nas arenas, cujo custo final foi o triplo do inicialmente estimado, prevaleceu o uso de dinheiro público, com as consequências que as muitas operações da Polícia Federal posteriormente revelaram: o desvio de recursos para beneficiar partidos e políticos. No geral, 84% das obras da Copa foram bancadas com verba de governos, segundo informou o TCU à época.

Passados dois anos da Copa, o balanço das desventuras resultantes das Olimpíadas também já começa a ser feito. Há duas semanas, a Folha de S.Paulo mostrou que nenhum compromisso ambiental assumido com vistas aos jogos do Rio foi honrado. Ficaram no papel a despoluição da baía de Guanabara, a limpeza da lagoa de Jacarepaguá e até o plantio de mudas para recomposição de mata atlântica.

O Brasil se converterá em exemplo do que não se deve fazer quando estão em pauta eventos esportivos de dimensões globais. Neste quesito, vamos passar à história como um dos países que transformaram em limão a limonada de abrigar dois megaeventos em espaço de dois anos; estamos mais para México do que para Alemanha...

Infelizmente, as obras relacionadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas não destoam em nada da realidade que vicejou no Brasil nos últimos anos: um imenso cemitério de obras inacabadas, de recursos públicos torrados irresponsavelmente e de benefícios sonegados à população. Não foram apenas os dois eventos que se constituíram em oportunidades perdidas para o país. Foi todo um período que foi jogado na lata do lixo.

terça-feira, 12 de julho de 2016

O PIB do futuro

Momentos de crise aguda como a que o Brasil ora atravessa também podem se converter em grandes oportunidades de mudança. Neste aspecto, a agenda pública deve contemplar a reinvenção da economia, com a exploração de novas vertentes e novas culturas. É o que acontece com a chamada economia criativa.

Trata-se, segundo definição da ONU, de “modelos de negócio ou gestão que se originam em atividades, produtos ou serviços desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de indivíduos com vistas à geração de trabalho e renda”. A economia criativa tem tudo a ver com a globalização e as modernas tecnologias de comunicação.

O conceito foi criado há 20 anos e vem seduzindo formuladores de políticas públicas interessados em gerar modos mais sustentáveis, criativos e inclusivos de produção. Segundo relatório da Unesco e da consultoria EY publicado em 2015, a espinha dorsal da economia criativa são setores como artes visuais, publicidade, games, moda, design e informática.

São, como se percebe, ramos de bastante apelo junto à juventude – faixa etária onde o desemprego já supera 26% no país, o que reforça a necessidade de impulsionar as atividades ligadas a estas vertentes. A economia criativa converte-se, assim, numa importante porta de entrada para o mercado de trabalho.

O PIB da indústria criativa brasileira chegou a R$ 126 bilhões no fim de 2013, o equivalente a 2,6% do PIB total do país, segundo levantamento da Firjan. Em apenas uma década, mesmo com turbulências econômicas, o setor cresceu 70% e empregava 900 mil profissionais em 2013, último dado disponível.

Na semana passada, o Instituto Teotônio Vilela reuniu especialistas brasileiros e estrangeiros para discutir o assunto. Uma das conclusões é que os novos ramos que estão mudando a economia também podem tornar nossas cidades mais humanas e mais agradáveis para se viver. Ou seja, economia criativa também deve ser pauta dos gestores municipais, às voltas com uma nova eleição daqui a menos de 90 dias.

Quem pensa o Brasil do futuro precisa considerar a estruturação de políticas públicas para impulsionar a economia criativa no país, com prioridades de investimentos e estratégias para ordenar as relações entre economia, cultura, inovação e desenvolvimento. O potencial é imenso: na Inglaterra, estes segmentos já respondem por 8% da economia local e em Berlim chegam a 20%.

Há experiências bem-sucedidas, à espera de serem replicadas no país. Nesta agenda, o relevante, da parte do poder público, é que se diminuam as burocracias e sejam agilizados os processos de licenciamento. Linhas de crédito já disponíveis devem ser direcionadas a dinamizar startups e fomentar incubadoras de jovens empreendedores. A economia criativa também pode estar nos currículos escolares. Aí está, certamente, o PIB do futuro.

sábado, 9 de julho de 2016

O buraco é mais em cima

Embora gigantesco, o rombo orçamentário com o qual o governo Michel Temer se comprometeu para 2017 representa esforço fiscal considerável. Os R$ 139 bilhões de déficit se explicam pela herança maldita legada pelas administrações petistas, e que ainda espalhará seus efeitos nefastos durante um largo tempo à frente.

Segundo as estimativas mostradas ontem na apresentação da meta, o rombo do próximo ano chegaria a R$ 270 bilhões, quase 4% do PIB, sem a adoção do teto para as despesas públicas, que ainda depende de votação pelo Congresso. Mesmo respeitado o limite, restrito à variação da inflação, o buraco chegaria a R$ 194 bilhões em 2017.

Para fazer valer a meta fiscal divulgada ontem por Henrique Meirelles, o novo governo terá de encontrar fontes onde buscar R$ 55 bilhões. Com esta ajuda, o rombo cai para os R$ 139 bilhões anunciados. O número já é R$ 31 bilhões inferior à meta fiscal vigente para este ano.

Quando se considera que só as despesas com a Previdência ainda crescerão R$ 36 bilhões em 2017, levando a um déficit de R$ 183 bilhões no sistema, chega-se à conclusão de que há, de fato, um esforço fiscal relevante implícito na proposta divulgada ontem.

Para obtê-lo, por ora, o governo comprometeu-se em não aumentar tributos, o que é positivo. Há alternativas. Elas envolvem, em primeiro plano, privatizações, concessões e vendas de ativos. Ou seja, um ambicioso, factível e, sobretudo, desejável plano de redefinição do Estado, de modo a enxugá-lo, torná-lo mais eficiente e menos corrupto.

As opções à mão incluem também a necessária revisão de distorções presentes na concessão de benefícios – sobretudo fiscais, mas também sociais. O saco de bondades aberto pelos governos petistas nos últimos anos, sem medo de ser feliz e sem preocupação em estourar o orçamento, é recheado de buracos pagos pela sociedade. Num país falido, não cabem.

O Brasil caminha para ter cinco anos seguidos de déficits fiscais, ou seja, cinco anos consecutivos em que as despesas superam as receitas. O equilíbrio só voltará em 2019, na melhor das hipóteses – há quem diga que somente em 2021 ou 2024.

Quando se considera que as contas de 2012 e 2013 só fecharam no azul ajudadas por muita criatividade contábil, nota-se, sem esforço, que o estrago nas contas públicas empreendido pelo PT é de amplíssimas proporções. Cabe ao novo governo deixar isso sempre muito bem claro, até para obter o apoio dos brasileiros a medidas necessariamente duras que virão pela frente.

Neste momento, o mais importante é que a população que já está sendo intensamente penalizada pela crise, pela recessão, pelo desemprego e pela inflação não pague mais ainda. Em especial, que o fardo de impostos não pese ainda mais sobre contribuintes já sobrecarregados de deveres, num momento em que contam com cada vez menos direitos.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Carta ao léu

Dilma Rousseff teve ontem oportunidade de apresentar-se pessoalmente ao Congresso para defender-se da acusação de prática de crime de responsabilidade que a torna passível de perda do mandato. Não o fez. Preferiu o conforto de uma carta de 26 páginas, lida perante a comissão do impeachment por seu advogado. Mas o que o texto contém não adere à realidade.

O documento tem três momentos, criteriosamente articulados para dar-lhe emoção, razão jurídica e peso político, nesta ordem. Mas, a crer no que lá está escrito, o país que Dilma governou até 12 de maio passado era outro, onde as contas públicas foram tratadas com zelo e as ações de governo progrediam às mil maravilhas. É este o Brasil em que estamos?

Na fase emotiva da carta, a petista se coloca como “uma mulher honesta, uma servidora pública dedicada e uma lutadora de causas justas”. Orgulha-se do seu passado de guerrilheira e tenta lustrar seu ruinoso desempenho em diversas áreas do governo ao longo de mais de uma década com base em qualidades que afirma carregar desde o berço. Quais exatamente, é difícil saber.

Em seguida, a presidente afastada abusa dos argumentos jurídicos para sustentar que os delitos de que ora é acusada não passavam de “atos, como de praxe acontecia, praticados ao longo de uma rotineira gestão orçamentária”. A mulher que legou ao país a maior recessão da história, uma dívida em explosão e um orçamento reiteradamente deficitário assegura que sempre teve “claro compromisso com a responsabilidade fiscal”.

No que tange às acusações propriamente ditas, a petista retrata os ilícitos que lhe são imputados como práticas “rotineiras”. Vai além e faz pouco caso de as operações de crédito realizadas ao arrepio das leis fiscais terem assumido “um patamar específico”, ou seja, terem explodido e se transformado em método – criminoso – de gestão das contas públicas.

Em dois trechos da carta, Dilma ensaia admitir que, talvez, quem sabe, tenha cometido erros. Não diz quais, muito menos se arrisca a desculpar-se por eles. Prefere afirmar que está “sendo perseguida pelos meus acertos”. É a velha infalibilidade, soberba e arrogância que marcaram o descalabro administrativo dos últimos anos no país.

Por fim, Dilma tenta travestir seu afastamento do cargo, dentro de um processo absolutamente constitucional, de golpe desferido pelos que querem “ter uma chance de escapar da ação da Justiça”. Trai, contudo, seus atos pretéritos em franca oposição ao andamento das investigações, principalmente as no âmbito da Lava Jato.

A carta enviada ontem por Dilma Rousseff ao Senado servirá como registro dos argumentos fantasiosos que uma presidente da República tentou empregar para fugir dos rigores da lei e para dar algum lustro a uma trajetória fracassada. Como peça de defesa, terá lugar especial reservado nos escaninhos das irrelevâncias da história.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Bondade também tem limite

O governo está às voltas com a definição do orçamento a ser executado em 2017. Nos últimos anos, esta foi uma discussão quase esotérica, dada a distância entre o cenário róseo que o Executivo petista previa e o que a turva realidade impunha. Desta vez, é diferente: o desenho fiscal que sairá da proposta orçamentária a ser enviada ao Congresso nas próximas horas dará contornos mais nítidos à administração Michel Temer.

Até agora, a equipe econômica que assumiu há quase dois meses apenas demonstrou convicção de que é preciso colocar um freio nos gastos públicos. Mas fez pouco, por ora, para passar do diagnóstico à prática. Na outra ponta, o novo governo concedeu uma série de bondades que custarão mais de R$ 125 bilhões ao país. Assim a conta não fecha.

A disputa da vez envolve a definição da meta fiscal para 2017. Já se dá de barato que ela ficará no campo negativo, dada a penúria geral reinante no país. O problema é que há quem fale, no governo, em repetir o resultado deste ano, um rombo de R$ 170 bilhões. Para uma economia que estará há quatro anos no vermelho, é inaceitável.

Mostra do infortúnio que assola o país, estamos discutindo qual será o tamanho do rombo no próximo ano, e não quanto poderia sobrar de dinheiro para reduzir a assombrosa dívida pública brasileira, próxima de 80% do PIB. Esta herança maldita perdurará por um bom tempo: apenas daqui a oito anos o déficit fiscal deve ser zerado, segundo projeção do Ibre-FGV.

O governo já começou a falar em aumentar tributos para obter mais receitas e produzir um resultado fiscal menos horroroso. Na lista estão a Cide sobre combustíveis, que é ruim para a inflação, e uma mudança na cobrança do PIS-Cofins, que vai esfolar os prestadores de serviços e gerar mais 2 milhões de desempregados, conforme o IBPT.

Antes de depenar ainda mais os contribuintes, o governo deveria buscar alternativas para ampliar os recursos à sua disposição, a começar pelo corte de gastos. Melhor ainda seria enveredar pelas privatizações, concessões e vendas de ativos. Têm duplo ganho: rendem dinheiro aos cofres públicos e livram o país de sorvedouros de recursos e fonte de corrupção.

Aumentar impostos deveria ser a derradeira opção considerada pela equipe do presidente em exercício para equilibrar as contas que recebeu em frangalhos da gestão Dilma. Se é para cobrar mais imposto, que seja de quem foi beneficiado por isenções tributárias tão irresponsáveis quanto improdutivas promovidas pelo petismo nos anos recentes.

É claro que, até a aprovação definitiva do impeachment, o governo atual ainda é de transição e as alternativas à mesa acabam sendo mais limitadas. É evidente também que Michel Temer é, no momento, a melhor opção para o país, senão a única. O importante é aproveitar o apoio de que dispõe para tomar as decisões corretas, e não insistir em caminhos que levam aos piores destinos, como a gastança e o impostaço.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Frente anticorrupção

A Lava Jato continua revelando os tentáculos compridos da corrupção. A impressão que fica é que não houve contrato público firmado nos últimos anos que não tenha sido objeto dos gatunos que assaltaram os cofres do país. Talvez por isso, cresce a reação de envolvidos e suspeitos para brecar a ação da Justiça. Mas a limpeza não pode parar.

Ontem, em mais uma leva de investigações, a Operação Lava Jato desnudou propinas relacionadas a obras do pré-sal, incluindo a construção de um centro de pesquisa da Petrobras e até uma escola de samba, uma madrinha de bateria e um blog de um militante petista. Para variar, mais um tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, preso desde o mês passado, estava na articulação da corrupção.

Passados dois anos e três meses do início da operação, resta cada vez mais evidente que as investigações precisam avançar, como forma de sepultar um modo de fazer política que tornou-se norma no Brasil desde a ascensão petista ao centro do poder, e que é uma das razões da ruína atual do país. Também por isso, cresce o temor dos suspeitos.

Algumas iniciativas parlamentares tentam limitar as investigações, punindo crimes de abuso de autoridade e/ou limitando o alcance e a possibilidade de delações premiadas. É evidente que o trabalho investigatório deve respeitar o amplo direito de defesa dos acusados, mas o equilíbrio necessário não pode servir de subterfúgio para não punir.

Em contrapartida, já tramita na Câmara projeto de lei de iniciativa popular, capitaneado pelo Ministério Público Federal (MPF), que propõe dez novas medidas de combate à corrupção. O texto chegou ao Congresso no fim de março passado, ancorado no apoio de mais de 2 milhões de assinaturas.

Depois de algumas delongas, a comissão especial destinada a analisá-lo foi finalmente criada em meados de junho, mas seus trabalhos ainda não começaram. Isto porque alguns partidos vêm relutando em indicar os nomes que comporão o colegiado. São eles: o PT, o PCdoB, o PMDB, o PP e o PSC. Em compensação, outros 14 partidos, incluindo o PSDB, já apresentaram seus membros.

Entre as propostas do MPF está a que prevê aumento de pena para crimes de colarinho branco conforme o valor desviado e torna hediondos os crimes de corrupção. Também é digna de destaque a medida que visa responsabilizar, de forma objetiva, os partidos políticos em relação a práticas corruptas, ao uso de caixa dois e à criminalização eleitoral da lavagem de dinheiro oriundo de crimes.

Continuar e aprofundar as investigações em curso – em especial as empreendidas no âmbito da Operação Lava Jato com foco no combate à corrupção – foi uma das condições para que o PSDB hipotecasse apoio ao novo governo. A disposição de passar o país a limpo continua a mesma, para que o cidadão não continue a ser lesado como tem sido.

terça-feira, 5 de julho de 2016

As cambalhotas de Cardozo

José Eduardo Cardozo tem se destacado na defesa que faz da presidente afastada. A ponto de os petistas, que o odiavam há longa data, agora o estarem reabilitando, dado o empenho com o qual tenta livrar Dilma Rousseff da degola final. É coerente: assim como o PT, o ex-ministro tortura os fatos para sustentar sua causa.

Em entrevista publicada hoje pela Folha de S.Paulo, Cardozo sustenta que Dilma não sabia da ilegalidade dos decretos que editou ao arrepio da meta fiscal em 2015. Tampouco teria agido com dolo ou má-fé ao omitir-se perante as reiteradas “pedaladas” nas contas públicas que transformaram o orçamento do governo em peça de mentirinha.

A se aceitar o que diz o causídico, Dilma mereceria o impeachment não pela lauta lista de crimes de responsabilidade que sabidamente cometeu. A petista deveria ser afastada do cargo simplesmente porque sequer governava, alienada do que acontecia debaixo do seu nariz, com notícias quase diárias nas páginas dos jornais a respeito.

Mas fiquemos nos fatos, estes que o pirotécnico Cardozo desdenha. Na semana passada, o TCU finalizou nova auditoria nas contas do governo relativas a 2015 e, mais uma vez, concluiu que o Tesouro tomou dinheiro de bancos oficiais para se financiar. Foram R$ 5,6 bilhões junto ao Banco do Brasil e R$ 8 bilhões do BNDES.

Os técnicos do tribunal também listaram 11 autoridades da equipe de Dilma envolvidas nas maquiagens, incluindo três ex-ministros e três diretores do Banco Central. O relatório denuncia, ainda, a existência de débitos do governo federal junto ao FGTS e o não pagamento de tarifas à Caixa.

Também na semana passada, um dos técnicos do Senado que assina a perícia sobre os crimes de Dilma rechaçou alguns dos argumentos usados pelos petistas para tentar extrair do documento o caráter absolutório que ele não tem. Ele diz, por exemplo, que nenhum trecho das conclusões dos peritos afasta a possibilidade de omissão da presidente afastada em relação aos delitos fiscais.

No “golpe” denunciado pelo advogado Cardozo, a presidente afastada terá direito a defender-se pessoalmente das acusações. A primeira oportunidade está marcada para esta quarta-feira, mas seus aliados dizem que ela não irá à sessão da comissão especial do Senado. 

Dilma prefere manter o subterfúgio para continuar costurando sua narrativa inverídica, única coisa que lhe interessa – e não a salvação do mandato e tampouco a reconstrução do país, em boa parte destroçado justamente pela irresponsabilidade fiscal petista.

Por mais cambalhotas retóricas que José Eduardo Cardozo vier a continuar dando, não haverá como refutar que Dilma Rousseff feriu a Constituição, violou a Lei de Responsabilidade Fiscal e cometeu uma penca de crimes de responsabilidade passíveis de impeachment.

sábado, 2 de julho de 2016

Carteirinha de partido não é mais currículo

A partir de hoje, carteirinha de partido político não vai mais servir para quem for à cata de cargo em empresa do governo. Um novo tempo pode surgir para as estatais brasileiras com a lei que disciplina a ocupação de suas diretorias e conselhos de gestão, um buraco por onde o Estado nacional foi assaltado por muitos anos.

O texto foi sancionado ontem à noite pelo presidente em exercício e publicado hoje no Diário Oficial da União. Houve dez vetos (art. 13-VII, 21, 22 §5º, 34 §4º, 42-VIII-f, 46 §2º, 57 §2º, 69-X-§1º, 77 §2º, 91 §2º), mas que não alteraram a essência do projeto: fica agora proibida a nomeação de políticos e militantes partidários para cargos de direção e nos conselhos de estatais. Manteve-se a versão do Senado, que, felizmente, recuperou o texto original que a Câmara aviltara, sob pressão das corporações.

Não apenas militantes de carteirinha terão agora assento vedado nas estatais. Ministros, parlamentares e secretários de Estado também não poderão compor seus órgãos de governança. Com isso, fecham-se brechas por onde as empresas públicas eram transformadas em caixa de campanha partidária e acabavam sendo usadas como instrumentos de políticas de governo e não visando melhores resultados.

A proposta que resultou na lei das estatais nasceu de iniciativas tucanas, com a participação dos senadores Aécio Neves e Tasso Jereissati, este relator da matéria no Senado, e do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. 

É, portanto, um projeto moldado para dar soluções para a crise criada pelos governos Lula e Dilma e recuperar para as empresas controladas pelo Estado a capacidade de produzir riqueza e levar mais bem-estar para a sociedade. Infelizmente, elas haviam se desvirtuado deste caminho. 

Ao longo dos últimos anos, cada vez mais inchadas e balofas, as estatais brasileiras se transformaram no epicentro dos maiores escândalos de corrupção da nossa história e, em alguns casos, do planeta. Só da Petrobras, a roubalheira, a má gestão e os negócios nebulosos podem ter drenado mais de R$ 80 bilhões, dos quais uma parte alimentou o projeto de poder de petistas e seus aliados.

Não é, contudo, apenas com travas, proibições e vedações que é possível melhorar o Estado brasileiro e torná-lo mais eficiente para servir as pessoas. Tampouco o poder público é constituído por uma massa de corruptos. Pelo contrário. Certamente eles são minoria numa categoria que não abdicou de servir bem aos brasileiros.

Neste sentido, nas reformas em marcha é desejável também criar formas de valorizar e premiar aqueles servidores que produzem melhores resultados, atendem melhor ao público e prestam melhores serviços à população. Igualmente importante é fortalecer órgãos de apoio à atuação mais eficiente e transparente do Estado, como as agências reguladoras, também depauperadas pelos governos do PT. A reconstrução apenas começou.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Inflação na mira

Durante os últimos anos, inflação foi tratada pelos governos do PT como assunto de menor importância. Deu no que deu: a carestia rouba pedaços crescentes dos salários dos brasileiros, também aviltados pela recessão e pelo desemprego. Mas parece que agora a alta de preços voltará a ser combatida com a seriedade necessária.

Nesta semana, o novo presidente do Banco Central deixou qualquer sutileza ou tibieza de lado para afirmar que, com ele, a regra é clara: a inflação tem que baixar para a meta. Perto da leniência típica de seus antecessores imediatos, Ilan Goldfajn é quase uma quimera.

Desde 2005, o regime de metas preconiza que a inflação no país deve ser de 4,5% ao ano, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais, para cima ou para baixo. Desde 2009, a variação de preços não passa nem perto do objetivo – dizer que o limite superior é “meta” é uma distorção.

No ano passado, o IPCA atingiu 10,6%, maior patamar desde 2002. Atualmente, a inflação está em 9,3% nos 12 meses até maio e a projeção é de que feche o ano em 7,3%, ou seja, novamente ao arrepio do que determina o objetivo da política monetária.

Um passo importante rumo ao maior controle da inflação pode ser dado hoje pelo Conselho Monetário Nacional. O órgão colegiado reúne-se para chancelar a meta de 4,5% para 2017, que já prevê o encurtamento do intervalo de tolerância para 1,5 ponto, e definir o patamar a ser perseguido em 2018. Em sua edição de hoje, o Valor Econômico afiança que a decisão será por baixar a meta de daqui a dois anos para 4,25% ou até 4%.

A derrocada da hiperinflação foi uma das principais conquistas da sociedade brasileira na história recente. Há toda uma geração de jovens que nem faz ideia de que, pouco mais de 20 anos atrás, o salário chegava ao fim do mês valendo apenas uma fração do que valia quando era pago. Houve mês com inflação de mais de 80%.

Este tempo, felizmente, passou. Mas houve momentos na nossa história recente em que namoramos a volta do descontrole – está cheio de petista diplomado que acha que mais inflação gera mais crescimento... É este processo de tolerância que começa agora a ser revertido com a nova política monetária posta em marcha pelo BC.

Mas a desintoxicação não estará completa enquanto também não restabelecermos as duas outras pernas do tripé que sustentou a economia brasileira a partir do final do século passado e permitiu que o país experimentasse a maior bonança dos últimos anos: a responsabilidade com os gastos públicos e a livre flutuação do câmbio.

Na realidade, o que o país precisa executar é uma espécie de detox das práticas desvirtuadas que afundaram nossa economia. Colocar a inflação de novo no centro da mira é passo importante nesta estratégia, que só logrará sucesso se o dinheiro recolhido dos contribuintes voltar a ser tratado também com a seriedade que merece.