sexta-feira, 4 de maio de 2018

O meu, o seu, o nosso dinheiro

Eram favas contadas. Todo mundo – ou, pelo menos, todo mundo que sabe fazer conta – sabia que a fatura das bondades petistas acabaria sobrando para ser paga pelo meu, o seu, o nosso dinheiro. A irresponsabilidade será cobrada em parcelas, de longo prazo.

Na época da bonança, os governos do PT abriram os cofres para todo tipo de insanidade disfarçada de boa intenção – seja sob o selo de “ajuda humanitária”, seja de negócios que, supostamente, beneficiariam a economia nacional. Vê-se cada vez mais que não era nada disso. Eram simples falcatruas.

Tomem-se as garantias dadas a financiamentos a obras tocadas por empreiteiras brasileiras no exterior, como as que originaram o pagamento aprovado ontem pelo Congresso Nacional. O calote dado pelos governos da Venezuela e Moçambique será arcado por R$ 1,16 bilhão de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) brasileiro.

Caracas e Maputo haviam sinalizado o beiço já no fim do ano passado. Como tais operações contam com a cobertura do Fundo de Garantia às Exportações, o dinheiro acaba tendo de sair do Orçamento da União. A engenharia financeira neste caso estendeu as garras sobre o dinheiro destinado a bancar o seguro-desemprego dos brasileiros. Uma mão – a do trabalhador – paga a outra – a dos caloteiros.

Virá mais. Na fase da irracionalidade exuberante das gestões Lula e Dilma, o governo brasileiro concedeu cerca de US$ 14,5 bilhões em financiamentos a obras no exterior. Os principais beneficiários foram Angola, Venezuela, República Dominicana e Argentina, conforme relatou a Folha de S.Paulo em dezembro.

O dinheiro garantia a contratação de obras tocadas por empreiteiras brasileiras nestes países. Não por acaso quase exclusivamente companhias arrastadas pelas investigações da Operação Lava Jato (veja mais aqui). Não por acaso, firmas promovidas mundo afora pelo ex-presidente e então caixeiro viajante Lula.

Tanto que um dos processos aos quais ele responde versa sobre irregularidades decorrentes de contratos no exterior que podem ter lhe rendido R$ 4 milhões (veja mais aqui). A farra só acabou depois do impeachment de Dilma Rousseff.

Há outros traços revoltantes na operação que resultou no calote. Os empréstimos também atenderam às diretrizes da política externa camarada posta em prática na era petista. Foi época da distribuição de bondades por uma diplomacia que, supostamente, preferia falar grosso com os países ricos e tratar com carinho governos miúdos, mesmo que sanguinários e ditatoriais.

É bom que estes esqueletos saiam dos armários em que estão escondidos. Estamos em ano eleitoral e os mesmos que hipotecaram dinheiro dos brasileiros para azeitar máquinas corruptas mundo afora estão de novo por aí, prometendo lotes na lua e casinhas no céu. É bom que os eleitores saibam que, na hora H, vai sobrar para eles pagar a conta.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Caindo no real

Quem tiver imaginado que o período eleitoral que se avizinha seria um passeio para a economia brasileira pode ir tirando o cavalo da chuva. A temporada se anuncia turbulenta, ressuscitando riscos e temores que a incipiente recuperação da atividade ainda não se mostrou capaz de afastar.

O indicador mais sensível ao nervosismo tem sido o comportamento do dólar. Nas últimas semanas, a moeda americana vem ensaiando uma escalada e caminha para protagonizar nesta eleição o mesmo papel de termômetro que desempenhou em outros momentos de encruzilhada, como na primeira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.

Até agora a moeda americana já se valorizou 7% no ano. Os efeitos previsíveis vão de impacto na inflação (provavelmente pouco relevante, em razão de outros fatores), encarecimento de produtos importados e maior dificuldade para a realização de investimentos de longo prazo. De positivo, as exportações do país passam a valer mais.

Mas o dólar pode ser apenas um sintoma mais evidente de inquietações latentes, ainda não afloradas, mais desconsertastes.

A economia brasileira como um todo tem se mostrado menos animada do que se imaginava até o início do ano. A retomada da atividade está mais capenga do que o país necessita para superar o estrago da recessão petista.

Há condições gerais positivas para a aceleração do crescimento, mas fatores subjetivos estão travando o ímpeto de firmas e consumidores. Se, por um lado, a queda expressiva da inflação e o corte profundo na taxa básica de juros deveriam estimular os agentes, por outro o cenário eleitoral inspira cautela, para dizer o mínimo.

O temor é de que a trilha que permitiu ao país deixar para trás a recessão e ensaiar a reativação da atividade, com efeito benéfico sobre o mercado de trabalho, não tenha continuidade. O cenário fiscal – com ou sem recuperação – não colabora. As alternativas que hoje despontam em melhores condições na corrida eleitoral colaboram para que a luz amarela acenda.

Este é um tema que precisa ser tratado como central na disputa presidencial. O país corre, efetivamente, riscos de cair de novo na vala das políticas malucas e irresponsáveis que levaram nossa economia para o buraco – e milhões de brasileiros para a fila da busca do emprego. A escolha do eleitor precisa levar em conta esta ameaça concreta.

As candidaturas realmente comprometidas com a recuperação do país, com a responsabilidade e com a solidez daquela que é a oitava maior economia do mundo não podem se furtar a travar o combate franco e aberto com as forças que querem puxar o Brasil de volta para um passado que só nos oferece uma garantia: o atraso.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Reformar dá trabalho

É uma máxima que vale para quem está envolto em obras e construções domésticas, capazes de deixar qualquer um maluco. Mas não apenas: reformar não só telhados ou o piso da cozinha, mas sobretudo leis e instituições de um país, dá trabalho, muito trabalho. Talvez por isso, governo e Congresso tenham simplesmente desistido, por ora, de promover as mudanças estruturais que o Brasil precisa.

A vítima mais recente é a reforma trabalhista. Ontem, caducou a medida provisória (MP) editada para esclarecer e complementar pontos da ousada alteração nas leis do trabalho levadas a cabo ao longo do ano passado. Sem ela, a reforma restou capenga, com efeitos negativos sobre o mercado de trabalho e a geração de empregos.

A caducidade não corresponde a alguma suposta falta de importância. Pelo contrário. A MP despertara o interesse de 967 emendas, condizente com tema que mexe na vida de dezenas de milhões de famílias. Não foi suficiente, contudo, para fazê-la avançar no Congresso.

O episódio da reforma trabalhista reforça uma das maiores fragilidades contemporâneas do país: a insegurança jurídica. Do jeito que ficou, as mudanças na CLT podem não conseguir promover os incentivos às contratações para os quais foram orientadas. Também não conseguirão deixar nem empregadores nem empregados tranquilos em relação a seus deveres e direitos.

Em termos mais abrangentes, o que se constata é que o ímpeto reformista se esvaiu. 

É como se, num passe de mágica, de uma hora para outra, a necessidade premente de promover mudanças tivesse deixado de fazer sentido. E não apenas pela fragilidade evidente do atual governo, mas também por certa pusilanimidade do Legislativo. Com medo da reação dos eleitores, Suas Excelências preferiram se omitir e não votar mais nada que possa tisnar o humor da população.

Ao contrário do que a paralisia do governo e do Congresso poderia sugerir, o Brasil não tem tempo a perder. Restam ainda oito meses para o atual presidente da República, período que deveria ser suficiente para enfrentar muitas mazelas, ou, na pior das hipóteses, encaminhar soluções para o próximo mandatário. Não é o que se vê.

Nas instâncias decisórias, o país está parado, enquanto o Brasil real cobra soluções, mais iniciativas, maior ímpeto para resolver problemas. A dissociação entre representantes e representados, entre o povo e a política, aumenta, o que nunca é bom.

Governar e legislar não são – ou não deveriam ser – atos de mera vontade, que se realizam ao sabor de conveniências de momento. Governar e legislar é enfrentar resistências, confrontar privilégios, mudar a ordem em favor do bem comum. Sempre que Executivo e Legislativo se acomodam, traem aqueles que deveriam honrar. Mais uma vez.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Lei para todos, todos pela lei

O senador Aécio Neves tornou-se réu em ação que investiga suposta prática de corrupção passiva e tentativa de obstrução de Justiça. Tomada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a decisão aniquila, se é que ainda era preciso, argumento de que a Justiça e a Operação Lava Jato têm sido seletivos.

Praticamente todo o espectro partidário brasileiro entrou na mira das investigações que se desenrolam há quatro anos. É, portanto, balela do PT que só eles sejam alvo.

A lista de envolvidos também já alcançara lideranças importantes do MDB e do PP, para ficar no âmbito do consórcio que governou o país de 2003 a 2016, e nos últimos meses também fisgou alguns opositores do petismo.

O PT domina as investigações e as condenações por uma razão simples: porque foi o partido que teve as chaves dos cofres que alimentaram a corrupção nos últimos anos – condição da qual os que lhe faziam oposição em âmbito federal não dispunham.

Como o próprio senador por Minas afirmou na terça-feira, Aécio terá agora oportunidade de apresentar sua defesa na integralidade. Até aqui, neste quase um ano desde que as suspeitas contra ele vieram à tona, praticamente só as acusações se fizeram ouvir. Os argumentos e as explicações oferecidas pelo agora réu tiveram pouca ou nenhuma oportunidade.

Contra ele, Aécio tem uma gravação capaz de fazer qualquer um corar, assim como algumas imagens constrangedoras envolvendo parentes dele. A seu favor, tem um argumento que, quando tiver chance de comprovar, pode ser definitivo: o dinheiro supostamente usado na transação jamais envolveu contrapartida na forma de benefícios públicos e, portanto, não pode caracterizar corrupção.

Os fatos e desdobramentos desde a eclosão do episódio, em maio de 2017, ajudam o tucano. A estratégia que levou às gravações foi contestada posteriormente pela própria Procuradoria-Geral da República e os benefícios dados ao delator, Joesley Batista, anulados. Revelou-se também a participação irregular de procuradores na trama. Sua suposta tentativa de barrar o trabalho da Polícia Federal também nunca se concretizou, como os acontecimentos recentes ilustram.

Para além da questão pessoal do senador, o que precisa ser prontamente rechaçada é a tese de que o episódio iguala toda a política nacional por baixo.

Esse é o argumento dos sonhos daqueles que governaram o país por mais de uma década e que construíram seu método de gestão sobre os alicerces da corrupção, que se espraiou do Executivo ao Legislativo e nas relações com o setor privado. Não há paralelo, talvez em nenhum lugar do mundo, ao esquema criminoso erigido pelo PT e seus sócios.

É salutar que a lei seja aplicada, e que ela sirva para todos. Mas é ainda mais imperativo que os processos sejam conduzidos de forma equilibrada, com amplo direito de defesa aos acusados – como, por exemplo, teve Luiz Inácio Lula da Silva. A necessária limpeza não pode ser transformada em circo midiático voltado a aplacar a (compreensível) sede dos brasileiros por Justiça e pelo fim da corrupção.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

O centro desabitado

A pesquisa divulgada no domingo pelo Datafolha permite vislumbrar alguma perspectiva na corrida eleitoral que se aproxima. Longe de ser um cenário perene, posto que com muitas candidaturas capengas, traz contornos um pouco mais nítidos para delimitar os campos ideológicos em disputa.

Há maior clareza nos extremos e uma enorme incógnita no centro. Isso tende a obrigar uma definição mais célere das alternativas que pretendem ocupar este espectro político, sob risco de ver nacos dele engolidos de forma oportunista pelos antagonistas situados em cada uma das pontas.

Dizia-se até pouco tempo que, na corrida eleitoral que se avizinha, o centro político está congestionado. Mais correto seria dizer, com base na pesquisa desta semana, que ele é um vazio a ser habitado por alguma candidatura mais consistente e mais condizente com a gravidade do momento atual.

A miríade de alternativas ditas centristas claramente não se sustentará e irá minguar daqui até a eleição. Até por razões financeiras. Partidos pragmáticos como MDB e em ascensão parlamentar como o DEM não vão torrar dezenas de milhões de reais – o limite são R$ 70 milhões no primeiro turno – apenas para que seus candidatos façam figuração na eleição.

Caricaturas como as apresentadas pelo PRB, pelo PSC, pelo Solidariedade, pelo Novo, por mais bem intencionadas, e até qualificadas, provavelmente passarão em branco na luta pelo voto liberal-conservador não radical.

Resta o PSDB. Seja pela tradição ou pela densidade eleitoral que ainda conserva, o partido ainda tem condições de galgar o espaço que está aberto e assegurar sua vaga no segundo turno. Vai precisar, contudo, de postura diferente da que vem assumindo.

O que parece estar claro é que o eleitorado exige do próximo presidente que assuma posições claras, tome atitudes inequívocas, compre as brigas necessárias para demonstrar sua firme disposição de mudar o estado de coisas em que o país ainda encontra-se afundado. Até porque, com ou sem Lula, o lulismo e o petismo ainda serão atores relevantes desta eleição – e provavelmente de muitas outras.

Não é por outra razão que uma parte significativa de brasileiros se seduz pelo canto da sereia de um ex-capitão do Exército que encarnou o antipetismo e vive a prometer o que os mais conservadores gostam de ouvir. Seu problema, contudo, é que suas ideias não correspondem aos fatos, tampouco aos atos de sua longa trajetória de político.

O maior risco do centro viável é ver-se tentado a mimetizar-se com o espectro ideológico mais à esquerda – este, sim, um campo já congestionado pelas candidaturas da Rede, do PDT e do PSB. São três forças com potencial que podem se parasitar e inviabilizar-se mutuamente, numa disputa tão fragmentada.

Se souber evitar estes caminhos enganosos, o centro tem uma avenida aberta diante de si. Precisa ter a virtude da temperança, da busca de entendimento amplo, mas não pode furtar-se a travar o combate e a denúncia dos erros que levaram o país a estar no fosso em que está. Não se superará a crise passando uma borracha no passado recente.

Uma boa alternativa de centro também precisará demonstrar que, ao contrário da maior parte de seus adversários, tem competência e experiência comprovadas. Necessitará transmitir à população que pensa, sente e age como o brasileiro comum, que experimenta na pele a dificuldade que é viver no Brasil atual. E, sobretudo, que tem a convicção necessária para mudar o país.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Quem está pagando a conta da recessão

A desigualdade social é a chaga mais vergonhosa da sociedade brasileira. A má distribuição da renda persiste de longa data, mas a mais severa recessão das últimas décadas conseguiu piorar o que já era muito ruim. São justamente os mais pobres que estão pagando a conta de uma década de políticas ruinosas levadas adiante pelos governos do PT.

O que é visível nas ruas o IBGE acaba de traduzir em números e indicadores que constam da edição de 2017 da Pnad Contínua – Rendimento de todas as fontes. Uma das conclusões merece ser reproduzida, pela crueza do que traduz.

“As pessoas que faziam parte do 1% da população brasileira com os maiores rendimentos recebiam, em média, R$ 27.213, em 2017. Esse valor é 36,1 vezes maior que o rendimento médio dos 50% da população com os menores rendimentos (R$ 754). Na região Nordeste essa razão foi de foi 44,9 vezes e na região Sul, 25 vezes.” Os 10% mais ricos acumulam riqueza igual à dos 80% mais pobres. A desigualdade pode ser ainda pior, por subestimada.

A recessão continuou a sua razia sobre os rendimentos dos brasileiros, que incluem salários, aposentadorias, pensões, aluguéis e benefícios assistenciais. Comparações mais longas são mais difíceis porque o levantamento só começou a ser feito de maneira abrangente e completa pelo IBGE a partir de 2016.

Mas o que é líquido e certo é que, em 2017, de novo a conta pesou mais para o piso da pirâmide. Entre os 5% mais pobres, o rendimento mensal médio caiu 38%, enquanto no extremo superior, a perda limitou-se a 3%. Todas as faixas perderam renda, em quedas que se somam e se acumulam às registradas nos anos anteriores. Infelizmente, vai demorar a mudar.

Por todos os ângulos que se olhe, o Brasil é imensamente injusto. Neste país empobrecido, informa O Estado de S. Paulomais de 10 milhões de pessoas vivem com menos de R$ 40 por mês, o que é insuficiente até para um copo d’água por dia. Mais: 43 milhões ganham abaixo do mínimo, ressalta O Globo. Parece mais uma evidência de que políticas sociais e assistenciais recentes não conseguiram alcançar os resultados almejados.

Um de cada quatro brasileiros vive hoje na pobreza, de acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais de 2016, divulgada pelo IBGE em dezembro. Na ocasião, o Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade) calculou que 9 milhões de brasileiros foram empurrados para baixo da linha da pobreza a partir de 2014. Em 2017, o mergulho continuou: mais 1,5 milhão desceram à condição de pobreza extrema, informa o Valor Econômico em sua manchete de hoje.

Alegar que as perdas registradas no ano passado são decorrência de políticas e iniciativas do governo que sucedeu Dilma Rousseff é, no mínimo, má-fé. Não se altera o curso de um transatlântico, como é a economia de um país como o Brasil, num estalar de dedos. Não se remedia desgraça tão grande em tempo tão curto. Ou seja, a dificuldade ainda remanescente é, sim, herança petista.

A gravidade da recessão promovida pela política desastrosa de Lula e Dilma é tão severa que estende seus efeitos até o presente e atormenta a retomada econômica. Mesmo depois de mais de um ano do fim da retração, a atividade produtiva continua custando a emergir, os empregos demoram a reagir, os rendimentos ainda esfarelam em razão da maior informalidade do mercado de trabalho.

A missão dos governos ao longo das últimas décadas, a começar dos avanços inscritos na Constituição de 1988 e potencializada com a estabilização da economia a partir do Plano Real, tem sido fazer o Brasil fazer a travessia em direção a ser um país mais próspero para todos, reduzindo o fosso que separa ricos e pobres e alimenta a violência e o desencanto. A década perdida em razão dos erros econômicos e dos crimes do PT tornou o caminho muito mais longo e árduo.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Uma ideia do que Lula representa

Lula considera que não é mais um ser humano, tornou-se uma ideia. A imagem é poética e forte, e os petistas não se cansam de propagá-la. Mas os atos, e não a mitologia, definem bem melhor o que a abstração projetada pelo ex-presidente significa de fato hoje. A ideia real que Lula representa é oposta à que ele pretende.

No duro da realidade, Lula encarna a afronta às instituições, a convocação ao enfrentamento, o desrespeito à regra, a ofensa à lei e à Justiça. Lula personifica a desordem e a insegurança. Foi com este figurino que ele desfilou em suas horas finais de liberdade. Esta é a ideia que o líder dos petistas efetivamente encarna.

Lula não se cansa de desvirtuar valores, de conflitar alguns dos pilares de uma sociedade que se pretende igual para todos. Ele se acha acima do bem e do mal, e bem acima da lei.

Tornou-se a antítese de tudo o que deve ser perseguido num país que sonha ser novamente próspero, tudo o que é valorizado por um povo que quer voltar a acreditar que é possível viver bem e dignamente. E é possível!

O ex-presidente, preso desde sábado pela prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, poderia ter entrado para a história na condição de protagonista de algumas de suas páginas mais notáveis. Escolheu, contudo, figurar nos seus capítulos mais deploráveis.

Lula não parece ter se contentado em apenas patrocinar o maior esquema de corrupção que o país já presenciou – e um dos mais cabeludos da história da humanidade. Agora também joga no lixo o papel institucional que, como ex-mandatário do país, deveria cumprir.

Um ex-presidente que desrespeita as mesmas instituições que tornaram possível a sua trajetória de vida não é digno da admiração de seu povo. É menos ainda merecedor de voltar ao cargo que almeja.

Os que se prestam a seguir Lula e encarnar a “ideia” que ele diz significar respondem à altura o brado do líder: batem em profissionais da imprensa, depredam patrimônio público e privado, agridem quem ousa contrapor-se a eles. Destilam, em suma, ódio e intolerância. Pelos seus gritos de guerra, dá para ter ideia do que Lula representa. E não é isso o que o país quer para si.

É, no entanto, tranquilizador que sejam cada vez menos numerosos os que se animam a seguir esta ordem unida pela afronta, pelo esculacho e pelo achincalhe ditada por Lula. Tendem a ainda ser ruidosos, fazem alarido em rede sociais, costumam ser os amigos mais espalhafatosos em manifestar adoração ao mito.

Na vida real, contudo, são cada vez menos relevantes. Estão minguando a olhos vistos. Ocupam cada vez menos espaços e, felizmente, respondem cada vez menos aos chamamentos de suas lideranças radicais. Tornam-se mais e mais marginais. O fato é que, apesar das insistentes convocações e ameaças, o povo não foi às ruas defender Lula, só os militantes mais empedernidos.

Lula e seus seguidores escolheram o seu lado: contra tudo o que está aí, bem ao estilo do velho petismo. O Brasil real também optou pelo seu: o do trabalho, da dedicação, do respeito e, sobretudo, o da confiança e da esperança, reforçadas pelos acontecimentos dos últimos dias, de que somos todos iguais perante a lei, valor fundamental para uma nação que precisa urgentemente se reconstruir.

sábado, 7 de abril de 2018

Nunca antes neste país

A decretação da prisão de Luiz Inácio Lula da Silva pode representar um marco na redenção pela qual o Brasil vem passando para purgar os pecados da era petista. Um ex-presidente da República, o mais popular deles, na cadeia é sinal de que, finalmente, é possível crer que ninguém está acima do bem e do mal, nem acima da lei.

Já são quatro anos desde que começou a faxina ética enfeixada nas ações da chamada Operação Lava Jato. Entre alguns excessos e muitos acertos, as investigações vêm passando todo o sistema político e empresarial do país a limpo. Gente de todos os matizes ideológicos foi atingida – e não só os petistas, como eles adoram afirmar.

É difícil comemorar a prisão de um líder popular como Lula. Mas é salutar para um povo que se pretende civilizado, livre, soberano, democrático e igualitário constatar que alguém que teve o poder e a influência que ele teve também está sujeito aos ditames da Justiça.

Uma vez no poder, Lula parece ter desacreditado disso e apostado que, por uma suposta “causa”, seja lá o que isso quisesse dizer, podia tudo. Acreditou-se imune e impune. Esta visão algo messiânica ele ainda não abandonou, como se percebe também em seus discursos recentes.

“Eles não vão prender meus sonhos. Se não me deixarem andar, andarei com as pernas de vocês. Se eu não puder falar, falarei pela boca de vocês. Se meu coração parar de bater, baterá pelo coração de vocês”, discursou o petista na segunda-feira, no Circo Voador, no Rio, conforme registrou o Valor Econômico.

Lula tem importância que não se apagará da história do Brasil. Mas sua trajetória vencedora, sua ascensão, sua exitosa caminhada até a conquista da presidência da oitava maior economia do mundo tornaram-se apenas parte de um enredo de vida polvilhado pelos mais cabeludos casos de corrupção da humanidade.

Lula poderia ter gravado seu nome num panteão de glória, mas seu apetite desmedido pelo poder – e, sim, também pelos mimos que só muito dinheiro pode pagar – transformou o que poderia ter sido uma bonita história de vida numa ficha corrida de fazer qualquer um corar – e chorar.

O ex-presidente não é um injustiçado. Os crimes que cometeu estão fartamente comprovados, e apenas começaram a ser julgados. A irresponsabilidade e a soberba com que conduziu o Brasil, seja nos oito anos de seu governo, seja nos cinco de sua preposta, afundaram o país, cassaram a dignidade e a esperança de milhões de pessoas, instalaram um reino de corrupção.

Lula também não é um humilde, tampouco um pobre coitado acoimado pela elite e açoitado por juízes maldosos. Lula desfrutou de poderio que nenhum chefe de Estado brasileiro jamais teve: pelas engrenagens que a roubalheira patrocinada por seu partido azeitou, pelo compadrio com que reinou apupado pelos donos do dinheiro grosso no país, pela condescendência com que a opinião pública o tratou.

Ao se apresentar hoje para ser o primeiro ex-presidente da República do Brasil a ir para a cadeia, Luiz Inácio Lula da Silva estará escrevendo algumas das páginas mais deploráveis da sua vida. Mas estará ajudando a acender na nossa cidadania a crença de que a Justiça pode até tardar, mas não falha. E a esperança de que, afinal, o crime não mais compensará em nosso país.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Lula na prisão, e na urna

Prevaleceu o direito na decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A maioria dos ministros não se dobrou ao casuísmo, fez prevalecer a jurisprudência e alimentou na cidadania a esperança de que todos são iguais perante a lei.

O resultado apertado, com apenas um voto de diferença pela rejeição do habeas corpus, já era esperado, em função do histórico de manifestações públicas dos magistrados. O placar final deveu-se à notável coerência jurídica da ministra Rosa Weber, que votou contra seus princípios, mas em obediência ao entendimento normativo em vigor.

Atender ao pedido da defesa e livrar Lula da prisão iminente teria equivalido a dar tratamento distinto a um condenado, ao arrepio do que a lei determina como parâmetro geral. Se desde 2016 o Supremo decidiu que a execução da prisão é cabível após decisão judicial de segunda instância, por que com o ex-presidente teria que ser diferente?

Outra será a discussão se os ministros decidirem mudar a jurisprudência em resposta a duas ações declaratórias de constitucionalidade atualmente sobre a mesa do STF. Caso as acatem, aí sim um caso particular como o de Lula teria justificativa de ser considerado de maneira diversa em razão de um novo entendimento jurídico de alcance universal, e portanto aplicável a todos.

Para além de desdobramentos meramente processuais, o resultado da sessão de ontem e a possível execução da prisão de Lula na próxima semana trazem implicações diretas sobre as eleições deste ano.

O que a crônica política e as análises que se seguiram ao julgamento parecem não perceber é que a decisão desta quarta-feira, por paradoxal que seja, pode não enfraquecer a candidatura lulista. Ao contrário.

O PT sabe que, não sendo Lula seu nome na urna, suas chances de êxito em outubro são mínimas ou inexistentes. Assim, a única opção é seguir com a candidatura do ex-presidente até o fim, preso ou não, inelegível ou não, impugnado ou não, registrado ou não.

Pode parecer fantasioso, mas a miríade de recursos e prazos à disposição dos advogados torna possível que o nome de Lula esteja na urna eletrônica em outubro. Aí os votos dados a ele, mesmo inelegível, seriam computados à parte, mas considerados como nulos para a definição do resultado geral. Nesta hipótese, o ex-presidente pode vir a ter mais votos do que os prováveis classificados ao segundo turno.

Este é o objetivo estratégico do PT: ser uma espécie de vencedor moral do pleito.

Para o petismo, perder com um plano B (as opções são tão vastas quanto inócuas) é muito pior do que poder dispor, nos próximos quatro anos, para seu uso e abuso político, da narrativa de que o vencedor do pleito de 2018 é ilegítimo, posto que eleito com menos votos do que os que podem vir a ser registrados pelo candidato impugnado, caso Lula e o PT consigam fazer com que o retrato do homem apareça na urna eletrônica quando os eleitores digitarem 13.

Será muito mais efetivo e producente para as candidaturas petistas aos governos estaduais e aos legislativos apresentarem-se como partes integrantes de uma frente heroica de resistência ao suposto “golpe” inaugurado em maio de 2016 e consumado em 2018 do que serem apenas mais uma alternativa eleitoral enfraquecida pela ausência de seu principal líder na proa.

Lula preso mas na urna – à base da enxurrada de recursos que o direito põe à disposição de quem está disposto a ir às últimas consequências – é amuleto muito mais poderoso do que algum poste sem luz e sem brilho. É melhor as candidaturas que se apresentam para derrotar e superar o petismo levarem isso em consideração do que apostar que o ex-presidente irá ficar quieto numa cela de cadeia, que, desde ontem, tornou-se seu destino mais imediato, mas não definitivo.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Sangria nos cofres

Está difícil pôr ordem nas contas públicas do país. Falta da principal parte interessada, o Executivo, disposição para o ajuste e sobra, por parte de Legislativo e Judiciário, ânimo para afrouxar ainda mais as rédeas sobre as chaves dos cofres. Nesta toada, a conta dos gastos do governo só aumenta.

Ontem, o Congresso derrubou vetos presidenciais a propostas legislativas que concediam novas renúncias fiscais a alguns setores produtivos – uma conta que, nunca é demais recordar, já soma atualmente R$ 285 bilhões ou pouco mais de 4% do PIB, segundo a Receita. Os principais beneficiários das decisões desta terça-feira são produtores rurais, micro e pequenos empresários.

Sem entrar na discussão de maior ou menor mérito das concessões, o que é líquido e certo é que a generosidade vai custar muito dinheiro. Os jornais falam em valores que variam de R$ 10 bilhões de impacto apenas neste ano a R$ 23 bilhões em até 15 anos. O orçamento público vai sangrar um pouco mais e os futuros governos terão maior dificuldade para governar.

Infelizmente, a sangria não vai parar por aí. No fim de semana caducam mais duas propostas fiscais encaminhadas pelo Executivo ao Congresso ainda no ano passado. Como se trata de medidas provisórias (MP), perderão a validade sem terem sido apreciadas e votadas pelos parlamentares.

A mais dramática é a MP que postergava a concessão de aumentos salariais a servidores públicos e aumentava para 14% a alíquota previdenciária cobrada da categoria. Em dezembro, o PSOL conseguiu suspender seus efeitos por meio de liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski.

O mérito da questão acabou não sendo levado ao plenário do Supremo Tribunal Federal e não o será, já que o prazo da MP vence no domingo. Com isso, esvaem-se mais R$ 6,6 bilhões com os quais o governo esperava contar neste ano a partir do adiamento dos reajustes e do aumento da contribuição dos servidores ao regime próprio de Previdência. Os contracheques do funcionalismo agradecem.

Também virará fumaça a proposta de taxar fundos exclusivos de investimentos. Aqui não há qualquer desculpa plausível: a medida atingiria apenas quem tem condições de acessar mecanismos financeiros sofisticados, em geral restritos à altíssima renda – os mortais comuns já pagam tributos sobre suas aplicações. A frustração de receita, neste caso, soma R$ 6 bilhões a partir de 2019.

A impressão que fica é que o esforço fiscal que a atual gestão ensaiou levar adiante desde 2016 não passou da aprovação do meritório teto de gastos inscrito na Constituição. As reformas mais robustas, como a da Previdência, fracassaram e os necessários ajustes nas contas públicas estão patinando. Pior para o próximo governo. Pior para o país.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

O risco da impunidade

A decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve tomar nesta quarta-feira extrapola o caso específico de Luiz Inácio Lula da Silva. Terá implicações sobre o estado de espírito geral da população, num momento em que a nação clama por justiça e por uma correção que permita aos brasileiros voltar a sonhar com um país mais justo e equilibrado.

Estará em questão amanhã se um condenado em duas instâncias, ou seja, por um juiz isoladamente e por uma decisão colegiada posterior, pode ou não ter sua sentença executada para começar a cumprir a pena na prisão. A alternativa a este entendimento é uma autoestrada escancarada para a certeza de que, para quem pode pagar, a punição jamais virá.

Advogar que a execução da pena só é cabível após a decisão transitar em todas as looongas instâncias do nosso Judiciário é pavimentar o caminho para a impunidade. Sobretudo de quem tem bons e caros advogados capazes de dar nó em pingo d'água, de torcer pelo avesso a interpretação das nossas leis e de dobrar magistrados com sua boa lábia.

“Se o STF mudar o entendimento e estabelecer que o início do cumprimento da pena será apenas após se esgotarem todos os recursos possíveis na última instância, será impossível condenar um culpado em crime de colarinho-branco, que são os crimes que em geral não deixam prova material. Nesses casos a regra será a prescrição, em razão das inúmeras oportunidades de protelação”, bem resumiu o físico e economista Samuel Pessôa na edição de domingo da Folha de S.Paulo.

A maior parte dos países no mundo adota a possibilidade de prisão após a segunda instância – há casos em que ela ocorre até mesmo apenas com base na decisão do juiz inicial. Por uma razão que parece cristalina e insofismável: nestas rodadas já terá havido produção de provas e exercício suficiente do contraditório para firmar-se convicção de culpa ou inocência.

Estender o processo até as calendas, como acontecerá se a interpretação da lei brasileira mudar, servirá apenas a protelações que visam livrar culpados do cumprimento de suas penas. É, pois, um atestado de impunidade dado num momento em que a sociedade brasileira mais clama pelo mais básico: que quem errou pague pelo que cometeu.

É curioso que mais de 3 mil juristas e causídicos que ontem divulgaram abaixo-assinado pela mudança da jurisprudência só tenham resolvido se insurgir agora contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Enquanto mais de 230 mil pessoas estão presas sem sequer terem sido julgadas, muito menos condenadas, isso não os estimulou a se manifestar. Mas bastou a iminência de reclusão de Lula para que exercitassem sua indignação. Por quê?

Em termos políticos e eleitorais, a prisão, por contraditório que possa parecer, pode acabar sendo mais benéfica do que maléfica para o ex-presidente. Ajudará a envergar em Lula a vestimenta que ele mais gosta: a de vítima. Paciência. É mais importante que a lei se cumpra e se prove que ninguém está acima dela.

Os eventuais dividendos eleitorais do petismo não superam o poder pedagógico, profilático e redentor que significa levar à cadeia um ex-presidente da República que foi acusado, devidamente julgado e duplamente condenado por ter cometido crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Importa menos sobre quem recairá a decisão que o STF tomará amanhã – se sobre A, sobre B ou sobre Lula. Importa tudo que se consolide no país um ambiente estável, equilibrado, perene e seguro de aplicação da lei. Mudar a jurisprudência ao sabor das circunstâncias não interessa a quem preza o fortalecimento do Estado de direito e a prevalência da democracia.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Fim de feira

Até o fim desta semana, o governo Michel Temer ganhará as feições com que, provavelmente, completará o mandato em dezembro. Embora metade dos atuais ministros deva dar adeus a seus cargos, importa menos a dança das cadeiras e mais o compromisso que a gestão atual deve manter em concluir bem a transição nascida do impeachment de dois anos atrás.

As muitas mudanças nos ministérios e nos primeiros escalões – que se reproduzem também nos governos estaduais – têm a ver com as eleições gerais de outubro. A lei obriga aqueles que querem ser candidatos a se desincompatibilizar seis meses antes do pleito, com exceção do presidente da República e dos governadores que decidam buscar a reeleição.

Do seio do governo Temer podem sair até três postulantes à presidência: ele próprio, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o ex-presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro. Outros tantos tentarão virar governadores. Trata-se de situação no mínimo incomum e que recomenda cautela redobrada para que os nove meses pela frente não se transformem num melancólico fim de feira.

Não há brilho evidente na equipe escalada para completar o mandato herdado do impeachment. Mas é imperativo que remanesça nela algum ímpeto para tentar levar adiante as iniciativas de governo possíveis para que o país seja entregue em melhores condições ao sucessor de Temer.

Este não é, evidentemente, o governo dos sonhos de ninguém. Mas é aquele que a Constituição determinou que o país tivesse, como decorrência do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Teve acertos significativos na área econômica enquanto manteve práticas éticas deploráveis, legado também do contubérnio de mais de uma década com o PT.

Mesmo com seus muitos pecados, a gestão Michel Temer precisa ser vista dentro da perspectiva histórica. Qualquer governo que herdasse a ruína em que as gestões petistas transformaram o país enfrentaria dificuldades descomunais para avançar. Este talvez tenha ido até mais longe do que inicialmente se esperava.

Os avanços econômicos são evidentes. Emplacar em menos de dois anos uma trinca formada por retomada do crescimento, queda acentuada da inflação e baixa dos juros para patamar histórico não é trivial. Um quarto elemento vai se juntando à equação, ainda que mais timidamente que o desejável: a alta do emprego.

Tal êxito não se refletiu em necessária probidade na administração. O presidente da República tornou-se, na semana passada, alvo de novas investidas que investigam supostas irregularidades ligadas aos portos brasileiros, em especial o de Santos (SP). Deve esclarecer as suspeitas e não se esquivar de dar respostas.

Reconhecer os méritos de Michel Temer nesta difícil travessia entre o impeachment e a posse do novo governo eleito não significa abonar-lhe atitudes quaisquer. Ao mesmo tempo, serve, sobretudo, a interesses do PT imputar ao atual presidente da República a culpa por calamidades das quais, na pior das hipóteses, ele foi mero coadjuvante nos governos de Lula e Dilma.

sexta-feira, 30 de março de 2018

A falta que as reformas fazem

Há pouco mais de um mês, a reforma da Previdência foi varrida para debaixo do tapete. Surgiu, então, como alternativa uma agenda de 15 “prioridades” econômicas que até hoje não avançou um palmo sequer no Congresso. Aos desavisados, pode até parecer que, num passe de mágica, o país tenha voltado à normalidade e os nossos problemas fiscais desapareceram. Doce ilusão.

Na realidade, o cenário é cada vez pior. Uma fornada recente de indicadores permite entender e dimensionar a gravidade da situação. A despeito do superávit registrado nas contas do governo no primeiro bimestre, ajudado por uma arrecadação tributária turbinada pelo Refis, a dívida pública continuou aumentando.

Em percentual do PIB, ela atinge agora 75%. É como se a família de um devedor comprometesse semelhante fatia de seus vencimentos só para fazer frente ao pagamento de suas dívidas, conforme alusão proposta por Celso Ming. Certamente, assim ninguém consegue viver.

Da parte do governo, já são quase R$ 5 trilhões brutos, um buraco que só faz aumentar. Basta lembrar que desde 2013 a alta do endividamento público brasileiro beira 50%. E não vai parar aí. As previsões oficiais são de despesas ascendentes, em especial se a agenda de reformas do Estado não retornar à mesa, transformando em caquinhos o teto de gastos.

Quase todo o orçamento público do país está engessado: mais precisamente, 93,7% dele são despesas obrigatórias, das quais o governo não tem como escapar, como informou o Tesouro Nacional ontem. Com tamanha rigidez, acaba faltando dinheiro para quase tudo mais: investimentos, políticas sociais, infraestrutura, inovação, pesquisa. País assim não anda, tampouco decola.

A carga tributária nacional já é bastante elevada e responde por 32,4% da renda produzida no país. O índice manteve-se estável no ano passado, um ponto percentual abaixo da máxima alcançada em 2011, de acordo com o informado também pelo Tesouro nesta semana. Mas subjaz sempre a ameaça de elevações futuras para financiar a gulosa máquina pública.

Salários e previdência consomem o grosso dos recursos que os contribuintes pagam aos governos. Tem sido assim e assim será. Daí a inescapável necessidade das reformas. Tanto num quanto noutro caso, distorções e privilégios sobrecarregam o Estado e colaboram para a perpetuação de injustiças e iniquidades sociais – portanto, bloqueiam as saídas. O Brasil não será um país melhor enquanto continuar fingindo que esse problema não existe.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Ação e reação

Uma das mais conhecidas leis da física diz que a toda ação corresponde uma reação. O enunciado de Newton vale para a interação entre dois ou mais objetos, mas aplica-se muito bem também à política. É o caso dos recentes episódios de hostilidade envolvendo o PT. Nenhuma violência se justifica, mas não é difícil ver de qual ovo nasceu a serpente.

O PT não apenas disseminou a discórdia. O PT continua insuflando o embate. A semeadura maldita do ódio entre os brasileiros vem de longa data, é da lavra petista, mas não está só no passado. Ela persiste no presente.

Nem é preciso ir longe para perceber. No espaço da última semana, Lula insultou, sem qualquer provocação que justificasse, produtores rurais – e justamente numa região em que eles são centrais para a vida da população – e pediu um “corretivo” da polícia num cidadão que protestava, com ovos, contra ele. Tudo isso na região onde dois em cada três pessoas querem Lula na cadeia, maior percentual do país, de acordo com o Datafolha.

Ao longo do processo judicial de que é alvo, o ex-presidente exercitou gostosamente sua verve de jararaca – a alcunha foi autodenominada por ele próprio, recorde-se. Ameaçou não acatar decisões da Justiça, incitou a desobediência, atacou críticos, afrontou instituições, a imprensa e quem mais ousou interpor-se em seu caminho.

Por sua vez, a presidente do PT disse, em janeiro, que vão ter que “matar muita gente” para fazer valer a lei e prender Lula. Em ato oficial do partido, um senador da República petista pregou desobediência civil, com ocupação de vias públicas, como reação à prisão do seu líder. Mesmo Lula só temperou seu veneno beligerante quando o risco de ser encarcerado tornou-se iminente e ele recuou alguns passos nas suas provocações ao Judiciário.

Enquanto ninguém fez ou disse nada contra, esteve bom para o PT. Os problemas começaram quando os oponentes deixaram de desempenhar no script o papel que o petismo gostaria. É aquela história: saiu da linha, o PT logo diz que “é golpe”.

O PT adora que seus adversários se posicionem de maneira cordata e ajam como vacas de presépio ao serem insultados e admoestados. Quando vem alguma reação, os petistas acionam o procedimento prescrito na próxima linha do seu algoritmo: posar de vítimas.

Os tiros dados na noite desta terça-feira contra dois ônibus da caravana eleitoral de Lula em Quedas do Iguaçu (PR) servem justamente à vitimização do PT, o papel em que o partido mais se sente confortável, mas que é mais enganoso do que fake news veiculada pelo Facebook.

Mas nada, rigorosamente nada, justifica atos de violência e agressividade como os que culminaram com os disparos desferidos contra os veículos petistas ontem. Não se enfrenta adversários com bala. Assim como também merecem repúdio as ameaças dirigidas ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

Episódios desta natureza só interessam ao PT e a extremistas exaltados. O PT tem, sim, que apanhar. Mas é nas urnas, não nas ruas. Tem que levar uma surra, mas é de votos. O confronto com o PT deve se dar dentro dos mais estritos limites da nossa democracia, da civilidade, da lei e da ordem. Jamais, e nem um milímetro, fora deles.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Lula lá, na cadeia

Agora é oficial: Luiz Inácio Lula da Silva está condenado em segunda instância e, portanto, está sujeito a ser preso para cumprir pena pelos crimes que cometeu e pelos quais já foi condenado. Abre-se também, formalmente, o caminho para que seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa e tornado inelegível, conforme determina a legislação eleitoral brasileira.

Muito provavelmente, a inelegibilidade de Lula só virá a ser sacramentada pela Justiça Eleitoral quando esta for provocada, ou seja, somente quando o PT tentar registrar a candidatura de seu líder no período reservado para tanto, isto é, até 15 de agosto. Até lá, que não restem dúvidas: Lula seguirá em sua campanha.

A manifestação proferida ontem pelos juízes do TRF-4 em Porto Alegre apenas consolida o entendimento jurídico pelo qual o ex-presidente já havia sido condenado em fins de janeiro. Por comprovadas práticas de corrupção e lavagem de dinheiro, Lula foi sentenciado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. Deve pagar, tão logo o texto do acórdão seja publicado, o que deve ocorrer até a próxima semana.

Nesse ínterim, cabe ao Supremo Tribunal Federal – em sessão prevista para o próximo dia 4 de abril, caso não seja novamente protelada... – tomar a decisão da qual se eximiu na semana passada, quando, sob as mais estapafúrdias justificativas, concedeu habeas corpus preventivo a Lula e o livrou do risco da prisão iminente.

Retirado o óbice temporário, o que equivale apenas a cumprir o que determina a jurisprudência em vigor no país, e tão logo o juiz Sergio Moro determine que a prisão do ex-presidente da República seja executada, o petista poderá ser enfim levado à cela.

Ressalte-se que, até o momento, Lula foi sentenciado em apenas um dos processos de que é alvo. Há outros seis nos quais já é réu. Ou seja, nos próximos meses ele possivelmente passará a arrastar como atributo uma ficha corrida ainda mais carregada de anos e anos de condenações.

Mas não nos iludamos: nem as condenações nem a prisão irão deter a sanha de Lula pelo poder. A banca de advogados contratada a peso de ouro pelo petista fará tudo que estiver a seu alcance para apelar a instâncias superiores e protelar um desfecho definitivo para o processo. O objetivo claro é manter o candidato do PT vivo até a eleição de outubro.

O PT sabe que a lei não lhe é favorável, mas confia que o processo jurídico lhe seja suficiente para que se cumpra o script que interessa ao partido: levar o nome de Lula à urna eletrônica, iludir o eleitor brasileiro e obter uma votação, mesmo que irregular e inválida, que constranja o legítimo vencedor da eleição.

O objetivo petista é turvar o horizonte do país e jamais colaborar com soluções para uma crise que eles mesmos semearam, adubaram, cultivaram e deixaram para os brasileiros colherem.

Ao longo do caminho, o PT continuará incitando o ódio, como tem feito desde seus primórdios, e intimidando a crítica, como aconteceu ontem mais uma vez, com a agressão a um repórter d’O Globo na passagem da caravana eleitoral petista pelo Paraná.

A missão das forças políticas que se opõem ao modo petista de governar – o mesmo modo que produziu quase 14 milhões de desempregados e a maior recessão econômica em décadas – é desmascarar o lulismo. Esteja Lula na urna ou não, esteja ele livre ou não, o discurso mistificador do PT estará presente nas eleições de outubro.

Aconteça o que acontecer, será preciso derrotá-lo. Com fatos, com valores, com compromissos verdadeiros e com o devido respeito que os brasileiros merecem para reencontrar uma vida melhor, mais digna, ética e livre da praga da corrupção que Luiz Inácio Lula da Silva e os governos petistas encarnaram com máxima perfeição.

terça-feira, 27 de março de 2018

Colheita maldita

Luiz Inácio Lula da Silva está colhendo o que plantou. Depois de 13 anos no poder, oito deles em pessoa e mais cinco em encarnação, poderia estar desfrutando louros de fama e reconhecimento. Mas a razia, a recessão e a roubalheira que suas gestões promoveram no país estão levando o ex-presidente a ter de enfrentar situações para lá de adversas, muito além da ameaça de prisão.

A repulsa popular ao petista tem ficado mais evidente ao longo da caravana eleitoral que ele empreende pelos estados da região Sul do Brasil – algo que também já fora registrado na sua passagem por Minas, em outubro passado. Lula tem sido recebido nas diversas paradas com hostilidade muito acima do comum. Sofre a mesma intolerância que o PT cultivou nos tempos em que achava que tudo podia.

Foram Lula e o PT que semearam a divisão do país. Foram o petista e seus sequazes que disseminaram o “nós e eles” como nunca antes na história dos embates políticos nacionais. Essa agressividade transbordou para a sociedade e contaminou ainda mais o terreno já tóxico das redes sociais.

A beligerância petista é antiga.

Recorde-se a pregação de José Dirceu em cima de palanques em São Paulo dizendo que adversários deveriam “apanhar na rua e nas urnas”, num longínquo ano 2000, logo depois seguido por agressões a um Mario Covas já debilitado pelo câncer. Na mesma ocasião, Lula justificou a animosidade dizendo que seu oponente havia “sentado em cima de um formigueiro” do qual o PT “não tem controle sobre as formigas”.

Recordem-se iniciativas de Lula, já presidente, de tentar constranger críticas, censurar a imprensa e massacrar adversários políticos, fosse dentro do Congresso ou em eleições. Enquanto o poderio petista perdurou, o que se viu foi praticamente um só lado da história em ação – e as saúvas prosperando.

Lula e o PT sempre sonharam com um modelo em que a relação do líder com as massas se desse sem intermediários, nos moldes mais tradicionais do populismo e da demagogia política. Foi o vigor da democracia e a prevalência das liberdades civis no país que frearam este ímpeto totalitário que subjaz no petismo.

Em sua encarnação mais recente, já na condição de réu e depois condenado pela Justiça, o próprio Lula só amainou suas pregações depois de instruído pelos seus novos defensores, sob orientação inteligente de Sepúlveda Pertence. Foi caso estudado para reduzir o confronto com as instâncias da Justiça no mesmo momento em que o petista precisa desesperadamente se livrar das grades.

A bílis, porém, escorre sob o couro da jararaca. Na semana passada, o petista exercitou sua verve envenenada e achincalhou os produtores rurais brasileiros – justamente os maiores responsáveis pela recuperação econômica em marcha no país. Coagido, prega revides e “corretivos”, como fez ontem em Santa Catarina. Lula escolheu seu lado: em seus atos, falta povo e agora só o “exército do Stédile”, a militância do MST, dá as caras. 

O embate intoxicado pelo ódio não interessa ao país, não resolve os problemas reais que enfrentam cotidianamente os brasileiros – agravados pelos desmandos, pela irresponsabilidade e pela corrupção dos governos de Lula e de Dilma.

É na temperança, no equilíbrio, na seriedade, na responsabilidade e no realismo que está a trilha a ser traçada em favor da reconstrução de um novo país. Isso não significa, de forma alguma, amaciar para Lula e os seus. Significa, isto sim, travar o embate político nas devidas instâncias da nossa democracia e deixar para a Justiça o papel de repreender, condenar e punir quem semeou esta colheita maldita.

sábado, 24 de março de 2018

Mais uma jabuticaba na árvore da Justiça

A posição adotada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não contribui em nada para alimentar nos brasileiros maior confiança nas nossas instituições. Pelo contrário. A decisão, tomada algo pela metade, de conceder salvo-conduto a um condenado em duas instâncias suscita na população o vívido temor de que, no fim, os culpados sairão ilesos e impunes da cena do crime.

Teria sido bem melhor que os 11 ministros do STF fizessem o que se aguardava e julgassem a pauta que atraia a atenção de todo o país para aquele pedaço de Brasília na tarde de ontem. Mas o que veio, após horas de frívolas discussões acessórias, foi a concessão, em caráter liminar e temporário, de habeas corpus que livra Luiz Inácio Lula da Silva do risco de ser preso, pelo menos até 4 de abril.

A liminar só existiu porque o Supremo decidiu não decidir ontem, sob as mais esdrúxulas alegações – que foram de cansaço a fadiga mental e compromissos de ministros marcados para o dia seguinte... Nenhum ser humano comum terá concordado com nenhuma delas. Pior: terá visto ali apenas subterfúgios para que a corte fosse benéfica com um apenado a 12 anos de cadeia.

Tivesse o mérito da matéria sido levado a voto, os magistrados teriam sido obrigados, um a um, a se manifestar se respeitam ou não a jurisprudência em voga no país ou se preferem decidir ao sabor de suas preferências pessoais. Ou seja, se fazem valer o que o mesmo Supremo decidiu há menos de dois anos e mantêm a prisão após condenação emanada de decisão colegiada (em segunda instância) ou se reescrevem a Constituição.

Soa como menosprezo empurrar com a barriga decisão com tamanhas implicações, que não se detém sobre um condenado comum – ainda que o caso de Lula tenha de ser apreciado como tal, pois todos são iguais perante a lei. Ou parece algo mais grave: ser condescendente com alguém acusado, julgado e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

As implicações vão além da seara política. Jogam instabilidade sobre a própria Justiça. Afinal, o que está em discussão é se uma norma recentíssima será novamente alterada ou se o país vai caminhar para firmar jurisprudência mais sólida e perene, pilar de qualquer Estado democrático de direito, e não ficar decidindo ao sabor da hora – e do réu.

Na próxima segunda-feira, em Porto Alegre, o TRF-4 pode definir a prisão do ex-presidente. A decisão tomada ontem pelo Supremo, porém, protege Lula do cárcere, ainda que temporariamente, e colide com o entendimento jurídico em vigor. Tem mais condenados torcendo para que o petista se dê bem, entre eles José Dirceu. E todo um país clamando para que a Justiça seja feita, nada além disso.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Meio cheio, meio vazio

Efemérides costumam ser boas para chamar atenção sobre assuntos que, na voragem do cotidiano, acabam relegados. Comemorado hoje, o Dia Mundial da Água ajuda a lançar luz sobre problema cada vez mais comum na vida do planeta, mas sobre o qual poucos refletem: a crescente escassez de recursos hídricos.

Apesar da impressão de fartura que alguns ainda alimentam, o Brasil não está livre de riscos e ameaças. A percepção de excesso não condiz com a realidade. “Sob o mito da abundância, sepultado por especialistas, em 20 anos o volume de água retirado de nossos 12 mil rios aumentou 80%. A estimativa é que até 2030 cresça 30%”, resume O Globo em reportagem especial publicada em sua edição de hoje.

Sim, ainda somos o país que detém a maior parcela de água doce do planeta (quase 13% do total), mas nossas reservas estão concentradas longe do consumo, a indesculpável falta de saneamento piora a qualidade dos recursos hídricos e os conflitos pelo seu uso agravam a escassez. Não dá mais para ficar esperando o copo esvaziar todo.

Na Amazônia estão 80% dos reservatórios brasileiros, mas apenas 7% da população. Pior: a região é muito mal atendida por serviços de saneamento. No Norte do país, 68% têm acesso à água tratada, somente 13% da população é atendida por rede de esgoto e 18% do que é gerado é submetido a tratamento. As respectivas médias nacionais melhoram, mas não fazem bonito: 93%, 60% e 45%.

Nas áreas costeiras vivem 45% dos brasileiros, mas situam-se apenas 3% dos recursos hídricos. O descompasso entre oferta e consumo torna o Brasil um mapa em que metade do território tem disponibilidade hídrica similar à de regiões desérticas. Com maior intensificação das mudanças climáticas, ocorrências extremas se multiplicam. De 2013 a 2016, a vida de um a cada quatro brasileiros foi afetada pela seca, segundo a ANA.

As recomendações para enfrentar dificuldades crescentes de suprimento que se avolumam com os desequilíbrios do clima são de diversas vertentes, e estão ao alcance não apenas das autoridades, mas também de cada cidadão.

O uso racional da água deve ser incorporado como hábito por cada consumidor – é possível gastar bem menos! É preciso investir em soluções naturais para a preservação e recuperação da água, como recomenda a ONU como tema de discussão neste ano, optando pelas chamadas “infraestruturas verdes”, como plantio ao longo das margens e tratamentos de água por meio de plantas e resíduos por micro-organismos.

As nossas companhias de abastecimento precisam cortar muito o vergonhoso percentual de perdas de água, hoje em torno de 38% na média nacional, e os órgãos de regulação precisam mediar melhor conflitos em torno da utilização compartilhada – consumo humano, agricultura, indústria, geração de energia e navegação – de um recurso cada vez mais escasso. E, por fim, cabe abrir o setor de saneamento a um choque de investimento privado, que o governo atual até ensaiou no ano passado mas não conseguiu levar adiante, que expanda urgentemente os serviços.

quinta-feira, 22 de março de 2018

O casuísmo já é

O Supremo Tribunal Federal (STF) vem se preparando nas últimas semanas para deliberar sobre o que, para o cidadão comum, só tem uma consequência: livrar Luiz Inácio Lula da Silva da cadeia. Qualquer que seja o desfecho sobre a possibilidade ou não de prisão após condenação em segunda instância, a impressão que fica é de que a mais alta corte do país se pautou por um reprovável casuísmo.

A jurisprudência em vigor no país estabelece que, após decisão colegiada, o condenado pode ser mandado para a prisão para o cumprimento da pena. A determinação decorre de decisão tomada em 2016 pelo próprio Supremo, ainda que por consenso mínimo: foram seis votos a favor deste entendimento contra cinco contrários.

Até então, a legislação brasileira era mais permissiva. Em 2009, ainda o STF entendeu que a prisão só seria cabível após trânsito em julgado, ou seja, após a matéria passar por todas as instâncias da Justiça. Não é difícil ver que este era o caminho mais longo para a aplicação da lei e o mais curto para a impunidade.

Com a nítida possibilidade de Lula ser preso para cumprir a pena de 12 anos e um mês que lhe foi imposta pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, a pressão para que a lei voltasse a ser abrandada se avolumou. Ministros do STF ensaiam mudar de posição e, assim, alterar a jurisprudência.

Os constrangimentos vieram principalmente do petismo, aliado a setores da política que pretendem ver o amaciamento da lei contemplar outros condenados no rastro da Operação Lava Jato – ao todo, nove deles poderiam ser beneficiados com a mudança de interpretação da lei, incluindo o ex-deputado Eduardo Cunha.

A prisão após condenação em segunda instância adotada atualmente no país não destoa da norma vigente no resto do mundo. Merval Pereira informa, n’O Globo, que dos 194 países-membros da ONU, 193 “têm o instituto da prisão em 1ª ou 2ª instâncias”. A legislação nacional já foi bem mais rigorosa, com estabelecimento de detenção imediata após a condenação no primeiro julgamento. Abrandamentos sucessivos nasceram à época do regime militar.

Sustentar que quem já passou por dois julgamentos, em dois níveis distintos do Judiciário e foi condenado ainda pode alegar “presunção de inocência” é escarnecer do bom comportamento daqueles que não devem nada à Justiça. Alguém seria capaz de defender isso para os demais que poderão ser beneficiados caso o STF reveja a atual jurisprudência?

O que a sociedade brasileira clama não é por justiçamento. É pelo mero cumprimento da lei. Se as coações funcionarem e o Supremo Tribunal Federal se ajoelhar diante das pressões que visam deixar Luiz Inácio Lula da Silva livre, leve e solto para continuar sua pregação proselitista, mais uma vez o exemplo vindo de cima terá sido o pior possível.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Virtudes de centro

À medida que se aproxima a data-limite para que possíveis candidatos no exercício do mandato deixem os cargos que ocupam, a corrida eleitoral vai ganhando maior nitidez. Ainda restam mais de seis meses para a votação que escolherá o futuro presidente da República, mas as virtudes necessárias para vencer os desafios que se apresentam ao país estão cada vez mais claras.

As candidaturas que hoje exibem melhor desempenho nas pesquisas de opinião estão situadas onde, aparentemente, o eleitorado menos almeja: nos extremos. A campanha eleitoral e o debate franco das ideias poderão ter o condão de fazer se esvair as intenções de votos naqueles que propõem soluções miraculosas, receitas fracassadas ou engodos salvacionistas ao país.

A tarefa de iluminar o debate, e ditar o rumo do eleitorado, cabe aos candidatos do centro político nacional. Alguns bons ingredientes para tanto surgiram de duas entrevistas de dois agentes importantes deste processo neste ano, publicadas nos últimos dias: o governador Geraldo Alckmin e o formulador de seu programa de governo, o economista Pérsio Arida.

À Folha de S.Paulo, o tucano exibiu o perfil conciliador, o realismo na gestão da coisa pública, a sensibilidade com as mazelas sociais e com a igualdade de oportunidades, a disposição para reformar o Estado. Tem também os ótimos resultados dos 20 anos de gestões do PSDB em São Paulo para mostrar. Do ponto de vista partidário, tem a seu favor ter equacionado um importante palanque em Minas Gerais e superado as prévias para a candidatura ao governo de São Paulo.

Talvez a candidatura tucana precise atentar um pouco mais para o que o petismo ainda representará nestas eleições. Não se pode declinar de desmascarar a todo o momento os partidários dos governos que levaram o país à ruína, uma vez que o papel dos adversários será tentar distorcer a história para sustentar justamente o contrário. O eleitorado precisa ser lembrado: quem quebrou o Brasil foi o PT!

É na pauta econômica que a mudança de agenda do país precisará ficar mais evidente. E parece ser esta a disposição demonstrada por Arida. Em entrevista dada a’O Estado de S. Paulo, aparecem sem rodeios a defesa da redução do Estado, a abertura externa, a maior participação do capital privado nas necessárias obras de infraestrutura e a preocupação inarredável com o equilíbrio das contas públicas.

Em certa medida, a pauta de agora dá sequência a um encontro com as tradições e plataformas tucanas históricas levado adiante pela candidatura presidencial do PSDB em 2014. Mas a maior gravidade da situação nacional, após uma das mais profundas e prolongadas recessões da nossa história, torna a necessidade de uma profilaxia econômica liberal ainda mais evidente e as virtudes do centro político ainda mais notáveis.

terça-feira, 20 de março de 2018

O longo e árduo caminho

A Petrobras é a mais perfeita tradução do legado petista. Mesmo depois de dois anos sob competente gestão, a outrora maior empresa brasileira não consegue se livrar do fardo decorrente de uma década de malversação. É mais ou menos o que acontece com o país como um todo. A herança é mais maldita do que se imaginava.

Em 2017, a estatal registrou o quarto ano seguido de prejuízo. Desta vez, as perdas foram bem menores que as anteriores: R$ 446 milhões. O que vergou os resultados do ano passado foram justamente o legado de maus negócios, as consequências da corrupção e as reengenharias necessárias na contabilidade da empresa para se livrar de encargos acumulados no passado.

No ano passado, a companhia despendeu um total de R$ 24,6 bilhões para três finalidades: encerrar uma ação coletiva movida por investidores nos EUA, compensar obras malparadas e refinanciar dívidas com o fisco brasileiro. Sem isso, teria registrado lucro próximo a R$ 7 bilhões no exercício. Em quatro anos, os prejuízos acumulados somam quase R$ 72 bilhões.

Mais assustadores são os ajustes contábeis que a companhia veio fazendo nos últimos anos para adequar seus números à sua real situação. Neste sentido, desde 2014 a Petrobras reconheceu perdas no valor de R$ 120 bilhões em decorrência de negócios mal feitos, rombos causados pela corrupção e pela roubalheira. O valor representa 46% do patrimônio líquido da companhia quatro anos atrás, segundo o Valor Econômico.

Lideram a lista de maus negócios a refinaria Abreu e Lima, a mais cara já feita em todo o mundo, e o Comperj. Não é surpresa que ambos continuem inconclusos, com anos de atraso, mesmo depois de absorverem investimentos num volume muito acima do previsto nos orçamentos iniciais.

Junto com a empresa, afundou a economia brasileira e, mais particularmente, o PIB fluminense. A violência que grassa no Rio de Janeiro é, em boa medida, fruto do petrolão: o dinheiro de impostos e royalties que faltou para melhor equipar as polícias e combater o crime é o mesmo que escorreu pelo sorvedouro do consórcio de poder petista.

Investidores, incluindo trabalhadores que colocaram seu FGTS na empresa, perderam muito dinheiro, agravado pela leniência da administração da empresa sob o PT, como revela uma investigação em curso na CVM noticiada por O Globo.

A faxina em marcha na Petrobras há pouco menos de dois anos inclui a redução da dívida da companhia – que já foi a maior do mundo, já diminuiu cerca de 20% e deve cair à metade até o fim deste ano, prometem seus gestores – e a venda de ativos, desmontando o delírio megalômano da época de Lula e Dilma. Além, claro, do exorcismo da corrupção que grassou por lá até 2016.

Nos últimos dois anos, o valor de mercado da Petrobras quase triplicou, para os cerca de R$ 300 bilhões atuais. Se nenhum novo esqueleto cair dos armários, neste ano a empresa deverá registrar seu primeiro lucro desde 2013. Quem sabe comece, enfim, a ser superada mais esta herança da década perdida petista e a estatal volte a crescer para servir ao país e não apenas a um partido político.

sábado, 17 de março de 2018

Todos presentes

A morte de Marielle Franco gerou comoção de alcance muito além das fronteiras do país. Ela pode se tornar um símbolo da luta contra a violência que assola o Brasil. Seu assassinato pode revelar-se ter o poder transformador que muitas ações de força empreendidas até agora não tiveram.

Mas será bastante pernicioso se a tragédia vier a ser usada como apenas um amuleto de justas bandeiras defendidas por mulheres, por negras, por ativistas, por militantes de gênero, por moradores de favelas ou por quaisquer dos simpatizantes das causas que a vereadora eleita pelo Psol do Rio empunhava.

O que está em jogo, e o que de fato deveria importar, é bem mais que isso: é a necessidade de travar uma batalha sem tréguas contra a bandidagem, de que lado esteja, de onde vier, onde estiver.

As mortes de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, merecem a mais profunda consternação dos brasileiros, seja que posição ideológica, política, ética ou moral assumam. Mais duas pessoas foram brutalmente assassinadas e isso é inadmissível – assim como são inaceitáveis quaisquer outros crimes contra a vida. Importa agora encontrar e castigar quem cometeu o ato bárbaro, para que a punição sirva, quiçá, como um turning point na insuportável situação de insegurança em que o país vive.

A vereadora agora é parte das estatísticas segundo as quais o Brasil é onde mais se mata gente em todo o mundo. E é isso que não pode mais continuar.

Não se trata de batalhas fragmentadas em causas específicas, de grupos específicos, de bandeiras isoladas. Trata-se, isto sim, de um repto muito maior: a missão de acabar com este estado de guerra é de todos os brasileiros de bem. E os que querem dar um basta nisso somos enorme maioria que não deve se dividir – não, pelo menos, diante desta causa.

Marielle agora é mais uma das 61 mil vítimas de mortes violentas do país a cada ano, uma a cada dez minutos. É contra este monstro que é preciso se insurgir. Essa deveria ser a bandeira comum dos brasileiros. E também de estrangeiros que prezem o país e pretendam colaborar, desde que de boa fé.

Atentar contra a vida de uma representante eleita pelo povo é atentar contra a própria democracia, contra a instituição que ela integrava, o Legislativo, e contra, ao cabo, o próprio Estado democrático de direito. Essa afronta, venha de onde tenha vindo, tem de ser exemplarmente punida. E, sobretudo, não deve dar margem a mais uma escalada de insensatez. Mas ontem, infelizmente, foi justamente isso o que mais se viu.

Com as investigações ainda engatinhando, o ambiente tão fértil quanto leviano das redes sociais não pensou duas vezes antes de se lançar a denunciar seus culpados de estimação: a polícia. E a alardear o que considera a solução: o fim da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Quem age assim só ajuda um lado: o do crime, da bandidagem, do Estado paralelo, da violência, da matança.

A vereadora Marielle Franco morreu denunciando abusos, lutando contra injustiças, defendendo os que clamam pelo simples direito de exercer seus direitos. Suas dignas bandeiras merecem respeito. E sua própria atuação indica o caminho a seguir: combater, sem trégua, quem incita e pratica a violência. Desde a noite de terça-feira, a missão daqueles que se dedicam a pôr ordem na criminalidade do Rio ficou mais árdua. E a intervenção federal se tornou muito mais necessária.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Greve de juízo

O dia de hoje marca uma greve como nunca se viu. Desta vez, aqueles que costumam ser responsáveis por julgar a legalidade de paralisações de trabalhadores é que irão cruzar os braços. São milhares de juízes, magistrados, promotores e procuradores berrando por aumento de salário e manutenção de benefícios. É o ápice do motim de privilegiados que, aqui e acolá, vêm tentando bloquear a reforma do Estado brasileiro.

O cerne da questão do momento é o penduricalho salarial chamado auxílio-moradia. Concebido para ser pago a magistrados transferidos para atuar em locais onde não possuam casa própria, acabou incorporado ao que todos eles recebem, independente de serem sem-teto ou não.

São R$ 4.377,73 a mais por mês – o dobro do salário médio do brasileiro – na conta de cerca de 31 mil funcionários altamente graduados do Estado brasileiro, segundo a Consultoria Legislativa do Senado. Aí estão juízes, desembargadores, promotores, procuradores, conselheiros e procuradores de contas e ministros dos próprios tribunais superiores, como o STF e o STJ.

O que pode parecer exagero a qualquer mortal – e é – torna-se um pouco mais escandaloso quando visto à luz das condições salariais reservadas ao pessoal do andar de cima do Judiciário. São os mais bem pagos do serviço público, em quaisquer instâncias (exceto a Justiça Eleitoral), em qualquer nível da federação.

Graças ao Conselho Nacional de Justiça, esta realidade pode se conhecida em detalhes. O Judiciário brasileiro custou 1,4% do PIB no ano passado. Salários, aposentadorias e pensões, acrescidos dos chamados penduricalhos remuneratórios, sorveram R$ 76 bilhões para pagar 442 mil pessoas.

A extensão do extra a todos os juízes do país decorre de decisão do ministro Luiz Fux, do STF, dada em caráter liminar em setembro de 2014. Desde então, R$ 5,4 bilhões foram despendidos com pagamento de auxílio-moradia no serviço público, calcula o Contas Abertas. O benefício virou penduricalho na carteira, e sequer é gravado por imposto de renda, por ser considerado verba indenizatória.

A greve de hoje é uma faca posta no pescoço do Supremo em razão do risco de a benesse ter fim. Isto porque, na semana que vem, os ministros do STF julgam o caso e a tendência é o auxílio-moradia voltar ao que nunca deveria ter deixado de ser: uma prebenda paga a quem de direito, em situações particulares e excepcionais, ligadas à “transitoriedade de domicílio”. Proprietário de imóvel na mesma localidade em que trabalha não se encaixa em qualquer destes casos – a despesa fere, também, a LDO e é, portanto, não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público.

Os juízes alegam perda salarial de 40% acumulada desde 2005 para justificar a greve. O auxílio seria, segundo este discurso, mera compensação pela defasagem acumulada. Seus vencimentos, porém, já estão acima do máximo permitido pela Constituição. Entre os mais de 17 mil de juízes e desembargadores do país, 71% receberam acima do teto constitucional, de R$ 33,8 mil, em 2017, mostrou O Globo em dezembro. Em média, são R$ 47,7 mil mensais.

Se já ganham mais que a lei que juraram defender estabelece como topo, como querem aumentar ainda mais o que já é, ou deveria ser, inconstitucional?

O levante dos juízes revela-se parte da reação de corporações encrustadas no serviço público brasileiro à necessária revisão de privilégios que desequilibram ainda mais a injustíssima distribuição de renda no país. Sim, eles devem e merecem ser muito bem remunerados. Mas não merecem ganhar o céu.

Tais corporações, com reforço de integrantes muito ativos do Ministério Público, também estiveram na linha de frente da resistência à reforma da Previdência desde o ano passado. Exceto eles, perdemos todos no país com o arquivamento, ainda que momentâneo, da proposta. Assim como o motim daqueles que impediram que o Estado brasileiro dispusesse de um sistema de aposentadorias um pouco menos injusto e um pouco mais eficaz, a greve dos juízes hoje merece repúdio, inclusive por ferir a Constituição.

quinta-feira, 15 de março de 2018

O Brasil que o Brasil quer

Com a aproximação das eleições gerais marcadas para outubro, aumentam as investigações em torno do que os eleitores esperam de seus futuros governantes. É uma forma de auscultar aquilo com que os brasileiros sonham. Neste ano, o que surgiu até agora é um misto de frustração com esperança, polvilhado de pistas de como o Brasil quer ser.

Nesta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou a sondagem “Retratos da Sociedade Brasileira”. A partir de 2 mil entrevistas, feitas em dezembro pelo Ibope, constatou que 44% dos investigados declaram-se pessimistas com as eleições que irão escolher o novo presidente da República. Citam como principais razões para o desalento: corrupção (30%) e falta de confiança no governo e nos candidatos (19%).

Em contrapartida, os 20% que se declaram otimistas apostam, principalmente, na expectativa por mudança e renovação (32%). Também manifestam fé no voto e na participação popular (19%), em melhorias de maneira geral (11%) e econômicas em particular (9%).

Ser honesto e não mentir em campanha (87%), nunca ter se envolvido em casos de corrupção (84%) e transmitir confiança (82%) estão entre as características mais mencionadas como “muito importantes” para um candidato à presidência da República – independente de faixa etária ou de classe social. Por tais requisitos, muitos dos atuais postulantes podem se considerar desde já limados das urnas...

A suposta preferência atual de eleitores brasileiros por “não políticos” não se confirma na investigação patrocinada pela CNI. 50% dizem concordar totalmente ou em parte que prefeririam votar em candidatos que “não sejam políticos profissionais”. Contudo, 45% discordam da mesma proposição total ou parcialmente. É quase um empate.

A pesquisa tem muito mais, mas estas breves balizas talvez sejam suficientes para rascunhar o que as campanhas em gestação precisam levar aos corações e às mentes dos eleitores nos meses que faltam até outubro. Os eleitores expressam valores que os candidatos não deveriam ignorar. 

Ética e moralidade administrativa são alguns deles. Sensibilidade social (44% pedem como foco do futuro presidente melhoria da saúde, educação, segurança e desigualdade social), preocupação com o bem-estar econômico (prioridade para 21%) e responsabilidade no trato da coisa pública são outros. Também valorizam candidatos que sejam pessoas simples, “gente como a gente”.

A eleição deste ano parece indicar com clareza que os eleitores querem alguém que responda a uma pergunta simples: o que o candidato a governante pode fazer para melhorar a minha vida e a vida da minha família? Esta sempre foi questão-síntese de disputas eleitorais, mas agora as respostas tendem a ser um pouco distintas do que vimos no passado recente.

O estelionato eleitoral representado pela reeleição de Dilma Rousseff em 2014 pode ter servido para transformar promessas faraônicas embaladas pelo marketing das candidaturas em algo indesejado pelos eleitores. O que vier em forma de Brasil Grande tende a ser rejeitado pelo cidadão. Voto, possivelmente, não dará.

A constatação crescente de que os limites da capacidade de ação do Estado estão cada vez mais estreitos também cobrará dos postulantes demonstrar capacidade de bem gerir, com eficácia, realismo e, ao mesmo tempo, arrojo.

Será hora de o país fazer alguns acertos de contas que permitam ao governo servir melhor a quem mais precisa dele e, ao mesmo tempo, deixar de atrapalhar quem tem capacidade de se virar sozinho, ou seja, de empreender.

Para 84% é “muito importante” que o próximo presidente defenda o controle dos gastos públicos – o percentual supera os 72% que defendem maior importância para políticas sociais. Oxalá! Será hora de vacas sagradas, direitos supostamente “adquiridos” e benefícios generalizados para corporações não mais restarem de pé.

Também será tarefa indelegável de quem vier a concorrer pelo campo político centrista ressaltar, a todo momento, a perspectiva histórica na qual estas eleições se desenrolam. O país vive fase de recuperação, após ter sido levado ao mais fundo poço pela ineficiência, pela irresponsabilidade e pela roubalheira petista.

Embora os entrevistados pela pesquisa da CNI não tenham dito isso, eles terão de ser lembrados durante toda a campanha que o país não pode voltar a esse tenebroso passado recente que vitimou milhões de brasileiros, nem tampouco cair no canto da sereia de salvadores da pátria.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Janela indiscreta

Desde a última quarta-feira, 7, deputados em Brasília vivem sob intensa movimentação. Nada que diga respeito diretamente ao interesse dos cidadãos. O que aguça parlamentares é a chamada “janela partidária”, a possibilidade de mudar de partido sem sofrer risco de punição. Serão mais 25 dias de agitação frenética pela frente.

Esta é mais uma das excentricidades do sistema político brasileiro. A legislação em vigor coíbe a mudança de partido, como forma de forçar o respeito à vontade expressa pelo eleitor na urna. Afinal, os mandatos emanam do voto popular e, em parcela esmagadoramente predominante, dos excedentes do coeficiente eleitoral, dentro do sistema proporcional. São razões mais que suficientes para cobrar fidelidade partidária.

Dos 513 deputados em exercício, apenas 36 obtiveram o mínimo de votos necessários para se eleger em 2014, segundo o El País. Os demais 477 devem sua vaga na Câmara à divisão da soma dos votos dados pelos eleitores a todos os postulantes da coligação pela qual disputaram a eleição. Ou seja, 93% dos parlamentares se elegeram em função das legendas, e não de si próprios. Também por esta razão, a lei coíbe a troca de partido e ameaça com perda de mandato quem não a respeitar.

Mas a política achou um jeitinho de contornar o empecilho. É a tal janela que se encontra aberta até o próximo dia 7 de abril, quando faltarão seis meses para as próximas eleições. Até agora, o site da Câmara registra oito movimentações parlamentares, ou seja, mudanças de partido, ocorridas desde o começo do prazo, na última quarta-feira. Mas possivelmente haverá muito mais nos próximos dias.

Neste ano, um fator adicional estimula migrações: deputados que buscarão a reeleição esperam contar com verba maior do fundo eleitoral, criado no ano passado para ser distribuído pelos partidos para bancar candidaturas nestas eleições. A avidez pelos recursos, um naco de R$ 1,7 bilhão do Orçamento da União, explica boa parte do troca-troca.

Trata-se de decorrência direta da proibição do financiamento das campanhas por parte de pessoas jurídicas, ou seja, empresas. Como as doações de pessoas físicas são tímidas no Brasil, o fundo tornou-se a tábua para salvar financeiramente campanhas. Terá sido a melhor saída?

A presente situação desnuda pelo menos duas disfuncionalidades do sistema político-eleitoral brasileiro. A primeira diz respeito ao próprio financiamento. Pela primeira vez, nestas eleições estamos experimentando o modelo custeado com recursos públicos. Seria, segundo os que o defendem, uma forma de moralizar as eleições. O troca-troca partidário não parece corroborar a tese, bem como a vívida possibilidade de que candidatos muito ricos destoem na disputa e mesmo de que o famigerado caixa dois continue sobrevivendo.

A outra distorção vem do modelo proporcional de escolha dos mandatários. As campanhas para cargos no Legislativo federal são disputadas tendo o território da respectiva unidade da federação como campo de batalha. São milhares de proponentes em busca de algumas dezenas de vagas que se digladiam em imensos colégios eleitorais.

Numa situação assim, as campanhas tornam-se muito mais caras e onerosas – no sistema ora vigente, para os cofres públicos. E, pior: a representação legislativa acaba muitíssimo fragmentada, de péssima qualidade. Hoje há 25 partidos representados na Câmara, outros dez registrados no TSE e uma inacreditável lista de 72 legendas à espera de autorização da Justiça Eleitoral para existir.

Num sistema em que o mandato parlamentar respeitasse mais fielmente a vontade expressa pelo eleitor ao votar, a janela partidária não deveria existir. Tampouco haveria a fragmentação partidária – afinal, não há tantas ideologias assim a serem representadas... O retorno do financiamento eleitoral advindo de empresas, desde que as doações sejam transparentes, bem regulamentadas e fiscalizadas, retiraria um incentivo à infidelidade surgido nestas eleições e estimulado pela repartição dos recursos do fundo público.

A proibição de coligações em eleições proporcionais – resultado de emenda constitucional de autoria dos senadores tucanos Aécio Neves e Ricardo Ferraço já sancionada, com vigência a partir de 2020 – e a adoção do voto distrital misto – proposta pelo senador José Serra, já aprovada no Senado e à espera de apreciação pela Câmara – podem mudar esta situação para melhor. 

Num sistema assim, o Parlamento e as bancadas eleitas tendem a representar melhor a população, bem como criar ambiente que dê maior governabilidade aos eleitos para o Executivo, com maiorias legislativas mais estáveis. O que parece certo é que o modelo político em vigor não é bom. E nem é preciso abrir nenhuma janela para perceber isso.

terça-feira, 13 de março de 2018

A inflação e os juros

A inflação voltou a surpreender e marcou novo recorde negativo em fevereiro. O índice foi o mais baixo para o mês em 18 anos. O comportamento dos preços escancara a janela para queda ainda maior da taxa básica de juros.

O IPCA fechou o mês passado em 0,32%, de acordo com o IBGE. Com isso, o acumulado em 12 meses, número que realmente conta para o regime de metas, desceu a 2,84%, abaixo do piso estabelecido pelo Comitê de Política Monetária para a inflação deste ano.

Novamente a vedete da inflação baixa foi o item alimentação e bebidas, que mais uma vez caiu de preço. Em um ano, a comida na mesa dos brasileiros ficou 3,8% mais barata. Esta, sim, uma verdadeira dádiva do comportamento recente dos preços no país: permitir que mais gente se alimente mais e melhor.

Já há reflexos, inclusive, nos hábitos de consumo das famílias. De acordo com levantamento feito por uma consultoria privada publicado na edição de hoje d’O Estado de S. Paulo, o carrinho de compras está voltando agora a ser abastecido com produtos um pouco mais caros e sofisticados.

Até os serviços estão bem comportados no momento, muito por conta da ainda incipiente retomada da geração de empregos no país, também ainda bastante concentrada na informalidade.

No geral, menos da metade (48,5%) dos itens acompanhados pelo IBGE registrou alta de preços em fevereiro. Menos endividados e com renda levemente mais alta, os brasileiros devem gastar mais R$ 124 bilhões em consumo neste ano, calcula o Santander.

Todas as indicações são, portanto, de que o Banco Central terá de injetar mais adrenalina na demanda para que os preços em geral não continuem abaixo do piso da meta – o que seria a segunda vez na história, repetindo 2017.

As atenções se voltam agora para a reunião do Copom agendada para a próxima semana. Depois do novo mergulho do IPCA, cresceram as apostas em novo corte na taxa básica, o que aprofundaria a mínima histórica em que a Selic se encontra desde fevereiro, provavelmente para 6,5% ao ano.

Inflação e juros baixos configuram um ambiente extremamente benigno para a economia. Tanto para as famílias, que podem consumir mais e viver melhor, quanto para os governos, que passam a despender menos recursos com rolagem de suas dívidas – em 2017, esse gasto caiu R$ 6 bilhões no âmbito federal em comparação com o do ano anterior, para 6,2% do PIB.

Tudo caminha para um ano bom na economia, minorando os efeitos da razia causada pelo triênio recessivo semeado pelo petismo. É o ambiente ideal para que as discussões da política avancem melhor. E é justamente aí que ainda mora o perigo.

sábado, 10 de março de 2018

Esses pobres moços

Não é novidade para ninguém que o Brasil não está cuidando bem de suas gerações futuras. Mas quando as parcas perspectivas são traduzidas em números, o cenário torna-se mais assustador. Investir nos nossos jovens é tarefa urgente a ser encarada com políticas públicas mais eficazes, a fim de que também o horizonte do país como um todo melhore.

O Banco Mundial divulgou relatório nesta semana em que mostra que 52% da população jovem do país (com 19 a 25 anos de idade) não está ou corre risco de não estar inserida a contento na atividade econômica e na cidadania. São quase 25 milhões de pessoas cuja vida depara-se com diferentes níveis de precariedade.

Começa com os mais desalentados: são 11 milhões de brasileiros que não estudam e não trabalham, os chamados “nem-nem”. E inclui também os que estão defasados nos estudos – em 2015, apenas 38% dos adolescentes não estavam atrasados e 13% haviam abandonado as salas de aula – ou trabalham apenas de maneira informal.

O problema é que este exército – que o estudo chama de “desengajados” – tem perspectivas muito limitadas de melhor formação, de ascensão profissional e, em consequência, de viver em condições mais dignas. É como se estivessem condenados a uma vida sem futuro.

O desalento que assola a juventude compromete o avanço do país. Funciona como uma correia de transmissão da baixa produtividade de mão de obra que marcou os últimos 20 anos e que ameaça as chances de desenvolvimento daqui em diante.

Fica mais grave porque a janela demográfica que poderia ter feito o país dar um salto adiante – com aumento absoluto e proporcional da população ativa – está se fechando. Já em 2030 crianças e idosos com mais de 65 anos de idade serão maioria entre os brasileiros, sem que o país esteja habilitado para custear este dependência.

Melhorar as condições dos jovens deve ser o foco. Alguma política de incentivo ao primeiro emprego, com remuneração diferenciada, não afetada pelas regras de salário mínimo, é desejável e necessária – há experiências neste sentido em países como Reino Unido e Nova Zelândia. Hoje, entre os brasileiros de 18 e 24 anos a taxa de desocupação  é de 25%.

Outra recomendação é preparar melhor o jovem para o mercado de trabalho, com ênfase na etapa final de ensino, o médio. Hoje o Estado falha e perpetua iniquidades: o investimento médio no ensino superior é quase três vezes maior do que nas etapas básicas. Resultado: poucos chegam ao nível universitário e os que chegam são, em geral, os mais ricos. Atualmente apenas 43% das pessoas com mais de 25 anos concluíram ensino médio no Brasil, metade do percentual, por exemplo, dos EUA.

Está em marcha a implantação de uma reforma educacional que tem, entre seus objetivos, atacar a distância entre a sala de aula e a realidade dos jovens. A mudança deve estar orientada a dar preparo e melhores condições de inserção deles na vida adulta, seja na compreensão do mundo, seja na cidadania ou seja, sobretudo, em termos de capacitação profissional. Isso reduziria a evasão e diminuiria o contingente de desengajados.

Se o Brasil precisa construir um futuro melhor, é nos jovens que a aposta e o investimento têm que ser feitos. Há consenso de que educação é a chave para enfrentar o problema. Vai levar tempo, mas é preciso começar já. Para que não fique tarde demais, como já ficou para esses milhões de desengajados que hoje sobrevivem pelo país.