sábado, 31 de agosto de 2013

PIB amarelado

O IBGE divulgou nesta manhã um crescimento do PIB que deve ter surpreendido até os mais otimistas. É uma pena, porém, que o resultado espelhe uma realidade que já ficou no retrovisor. De junho para cá, a economia brasileira, infelizmente, voltou a engatar marcha lenta.

O PIB brasileiro cresceu 1,5% no segundo trimestre do ano. É a maior marca, nesta base de comparação, desde o primeiro trimestre de 2010. Novamente, a salvação da lavoura nacional veio da agropecuária, com 3,9% de expansão no período – bem abaixo, porém, dos 9,7% do primeiro trimestre.

A indústria cresceu 2%, com recuperação significativa em relação ao período mais recente – no trimestre anterior, o setor decaíra 0,2%. Os serviços se expandiram 0,8%, também numa curva ascendente.

Outro resultado relevante veio da formação bruta de capital fixo, palavrão que os economistas usam para se referir a investimentos em máquinas, equipamentos e construções. No trimestre, a alta foi de 3,6% – um bom número, mas, assim como ocorreu com a agropecuária, também inferior aos 4,7% do primeiro trimestre do ano. A taxa de investimento subiu a 18,6% do PIB.

Quando se olha a taxa acumulada nos últimos quatro trimestres, a expansão da economia brasileira foi de 1,9%. Esta é, pois, a velocidade em que o país veio rodando nestes últimos 12 meses, numa marcha mais típica de pibinhos. A acelerada do segundo trimestre não deve mudar esta perspectiva.

É voz corrente que o período compreendido entre os meses de abril e junho tenha marcado o ápice da economia brasileira neste ano. Até então, as expectativas se mostravam positivas, os investidores ainda tinham algum ânimo quanto ao futuro do país e o governo reinava mais ou menos absoluto.

Desde os protestos de junho, porém, este faz-de-conta desmoronou e a dura realidade foi se impondo. Em julho e agosto, a safra foi recheada de maus resultados e perspectivas sombrias. Não predomina mais a esperança de que o Brasil consiga decolar nos próximos meses, pelo contrário.

Um dos principais indicadores deste desânimo é a queda verificada nas expectativas tanto das empresas quanto dos consumidores, baixas como há muito não se via. Ambos ressabiados com as incertezas que cercam nossa economia, expressam tendência a diminuir as apostas em dias melhores para o país.

Também o ritmo de consumo, que funcionou como motor potente enquanto a nossa economia exibia mais vigor, já está rateando: em junho, o crescimento do varejo em relação ao mesmo mês do ano passado foi de apenas 1,7%. Outrora chegou a rodar perto de 10%. No trimestre, a alta foi de 0,3%, segundo o IBGE.

As expectativas até poderiam ser mais positivas se o governo federal estivesse fazendo sua parte e ajeitando a casa. Mas o desempenho do setor público é o pior possível. Os gastos continuam em alta, os investimentos não acontecem e os marcos regulatórios estão cada vez mais confusos. Quem se aventura?

Ontem, o Tesouro divulgou o desempenho das contas públicas em julho. Um dado, pinçado pelo economista Mansueto Almeida, resume bem o desarranjo: enquanto as despesas primárias do governo federal aumentaram quase R$ 58 bilhões de janeiro a julho, os investimentos cresceram apenas R$ 26 milhões.

Para complicar, há também os juros em alta – a nova elevação da Selic nesta semana nos coloca na terceira posição entre os que praticam as mais altas taxas em todo o mundo – e a desvalorização do real (alta do dólar). Tem ainda o mercado de trabalho em ritmo declinante, com as piores marcas de geração de emprego em dez anos, e a renda em baixa, fruto de uma inflação que só o governo petista não considera alta.

O corolário disto tudo é que o Brasil, com seus 2% previstos, ainda deverá ser uma das nações de menor crescimento no continente neste ano, ganhando apenas da Venezuela e de El Salvador. No ano que vem pode não ser diferente, com a média das estimativas colhidas pelo Banco Central oscilando em torno de 2,4%.

Tudo considerado, o desempenho da economia brasileira no segundo trimestre deste ano é um típico ponto fora da curva. A fotografia que o IBGE revelou nesta manhã é um belo instantâneo, mas suas cores já vão se esmaecendo. Infelizmente, o retrato do PIB na parede já amarelou.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O apagão voltou

Mais uma vez, uma enorme porção do país ficou às escuras. Mais uma vez, os estados do Nordeste foram as maiores vítimas. Mais uma vez, milhões de brasileiros tiveram suas vidas prejudicadas. Pela nona vez na gestão da presidente Dilma Rousseff, o país afundou num apagão. Até quando vamos continuar convivendo com este governo de lusco-fusco?

O apagão de ontem atingiu os nove estados nordestinos. Deixou pelo menos 16 milhões de pessoas sem luz. Segundo a versão oficial, uma queimada numa fazenda localizada no Piauí desativou duas linhas de transmissão e retirou quase 9% da carga média do sistema interligado nacional por período que chegou a quatro horas. Um transtorno continental.

O Brasil tem convivido com uma dura rotina de apagões de grandes proporções, com quedas de energia acima de 800 megawatts. Mas os chamados “apaguinhos” são mais comuns ainda: desde o início da atual gestão, foram pelo menos 150 blecautes, de acordo com levantamento do Centro Brasileiro de Infraestrutura publicado por O Globo.

A situação do sistema elétrico nacional está piorando a olhos vistos – pelo menos quando não falta luz para poder enxergar... E isto não é intriga da oposição; são os relatórios oficiais que comprovam.

De acordo com a Aneel, desde 2009 o país convive com patamar de queda de energia acima do limite recomendável. No ano passado, foram 18,65 horas no escuro, nível que só não foi superior ao registrado em 2009 (18,77 horas). O máximo aceitável em 2012, conforme os parâmetros da agência de energia, eram 15,87 horas.

As condições do setor elétrico brasileiro passaram a degringolar na mesma medida em que o país passou a ser comandado por uma técnica que se diz especialista no assunto. Dilma Rousseff fez carreira na área de energia e capitaneou, ainda no governo Lula, a formatação do modelo que vigora até hoje. Por enquanto, sua criação não tem dado muito certo.

O setor elétrico brasileiro está mergulhado em dúvidas e incertezas, situação agravada pela agressiva intervenção determinada pela presidente há exato um ano. A redução abrupta das tarifas de luz atrapalhou os planos de investimentos das concessionárias e jogou uma névoa de insegurança sobre o setor.

A mesma força que usou para impor suas vontades, o governo federal não exibe para bem planejar a expansão e o funcionamento do setor elétrico. Trata-se de um dos nossos segmentos de infraestrutura mais carentes de boa gestão – e sem energia não há como um país prosperar.

São muitos os exemplos de deficiência de planejamento no setor elétrico brasileiro: as usinas eólicas instaladas na Bahia e no Rio Grande do Norte, mas impossibilitadas de produzir porque não têm linhas para distribuir a energia; as hidrelétricas do Madeira que só geram 1/3 do que poderiam porque também não têm equipamentos adequados; a linha de transmissão (Tucuruí-Macapá-Manaus) que deveria assegurar o suprimento da região Norte, mas não funciona.

Os estados do Nordeste têm sido uma das vítimas preferenciais desta incúria. Assoladas pela estiagem, suas barragens estão em níveis preocupantes. Os reservatórios da região continuam a secar e têm atualmente apenas 37% de sua capacidade preenchida – em julho, estavam 31% abaixo da média de um ano antes.

Com isso, os estados nordestinos tornam-se mais dependentes da energia gerada pelas caras e poluentes usinas térmicas. Seu suprimento requer a transferência crescente de carga de outras regiões brasileiras, mas o sistema de transmissão mostra-se vulnerável – também pela manutenção deficiente – e insuficiente.

Esta história não tem a menor graça, apesar de a presidente da República ter sugerido aos brasileiros que gargalhassem toda vez que ouvissem falar das causas dos apagões no país. Uma coisa é certa: tanta falta de luz é consequência direta da ausência de regras claras e estáveis em um setor em que os investimentos demandam décadas de trabalho. E uma evidência cristalina de que planejar e construir o futuro não são o forte do PT.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Razões humanitárias

Na mitologia da política brasileira, o Partido dos Trabalhadores sempre se apresentou como defensor dos fracos e dos oprimidos, como o partido dos pobres e da justiça social. Isso nunca correspondeu à realidade, mas a experiência do PT no poder reforça ainda mais a distância entre suas pregações e sua prática. É como a amplidão que separa o céu do inferno.

Em lugar do apreço a valores éticos e morais universais, o governo petista exercita a truculência. Em vez da defesa dos direitos humanos, prefere advogar a favor da pesada hierarquia. Ao sagrado direito de ir e vir, opta pela interposição de limites e barreiras. À liberdade, escolhe ficar com o claustro.

Tais constatações emergem da atitude petista em dois episódios recentes: a intempestiva reação do governo da presidente Dilma Rousseff à transferência do senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil por um diplomata, feita à revelia do Itamaraty, e o tratamento dispensado pela administração federal aos médicos cubanos que virão servir nos rincões e periferias brasileiras.

No caso do incidente diplomático, está claro que Eduardo Saboia – o diplomata encarregado de negócios da embaixada brasileira em La Paz que trouxe Molina ao Brasil – agiu puramente por razões humanitárias ao protagonizar a quixotesca viagem que permitiu ao senador fazer o que há 15 meses ele aguardava sem sucesso: deixar a Bolívia.

Saboia atuou para evitar que a vida de um ser humano continuasse em risco, já que era sabido que as condições de saúde do político boliviano encontravam-se frágeis. Fez, na prática, o que a presidente da República defendeu ontem ser a atribuição de um “Estado democrático civilizado” como o Brasil: “Um governo age para proteger a vida”.

O senador oposicionista é pedra no sapato do presidente Evo Morales e, em razão disso, não obteve do governo boliviano salvo-conduto que lhe permitisse deixar seu país em segurança. Nem as mais sangrentas ditaduras agem desta maneira. A diplomacia companheira do PT tampouco se esforçou por obter tal aval de La Paz, a quem trata com luvas de pelica. Quem, afinal, agiu efetivamente para proteger a vida de Molina?

Em resposta ao traslado do senador ao Brasil, a presidente Dilma defenestrou o chanceler Antonio Patriota, submeteu o diplomata Saboia a um processo de sindicância e, ontem, cancelou a transferência do embaixador na Bolívia, Marcelo Biato, para um posto mais valorizado em Estocolmo. Além disso, o senador Molina agora também corre risco de ser extraditado para a Bolívia. Ao gesto heroico, a gestão do PT retrucou com pesado tacão.

A mesma atitude indecorosa está presente no tratamento que o governo petista está dispensando aos médicos que estão chegando de Cuba para atuar no país. Ninguém, absolutamente ninguém, é contra ampliar o número de profissionais de saúde à disposição da população, principalmente a que vive mais distante. Mas daí a aceitar como normais as condições impostas ao trabalho dos cubanos vai longa distância.

Sabe-se, até agora, que os médicos cubanos receberão como remuneração apenas uma fração do que ganharão os profissionais vindos de outros países. Quanto, ninguém é capaz de afirmar, nem mesmo o governo – em tese, seu patrão e maior interessado em garantir a qualidade do serviço que prestarão aos brasileiros.

De antemão, aos médicos cubanos também será vedada a possibilidade de concessão de asilo, caso algum deles decida não retornar ao regime ditatorial da ilha. Seus passos serão vigiados e sua liberdade de ir e vir, cerceada.

Os cubanos também não poderão trazer suas famílias para o Brasil, numa das mais duras privações a que um ser humano pode ser submetido. Discriminados, não disporão de igualdade de tratamento nem de condições de trabalho e remuneração similares às dos demais profissionais importados.

Há, portanto, assim como no caso do senador Molina, razões humanitárias que levem à discordância em relação à prática adotada pelo governo da presidente Dilma Rousseff – embora não se justifiquem gestos extremos, agressões e atitudes xenófobas. Entre as boas intenções que a gestão petista manifesta e suas práticas vai distância maior que a que separa céu e inferno. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Herói tratado como delinquente

A demissão do chanceler Antonio Patriota em razão da transferência do senador boliviano Roger Pinto Molina de La Paz para território brasileiro ilustra a pequenez que orienta nossa diplomacia na era petista. Também demonstra que, nestes tempos bicudos, Brasília preza mais a ideologia do que direitos fundamentais e humanitários – algo que o tratamento dispensado aos médicos cubanos já havia revelado.

Molina foi transferido no último fim de semana a Brasília pelo encarregado de negócios da embaixada do Brasil na Bolívia, o diplomata Eduardo Saboia. Estava há 452 dias confinado num cômodo da representação brasileira em La Paz depois de ter obtido asilo do governo brasileiro. Aguardava, desde então, que o governo Evo Morales lhe concedesse, como preveem as boas regras de conduta do direito internacional, salvo-conduto para poder deixar o país. Sem sucesso.

As condições em que vinha vivendo o senador – o mais aguerrido político de oposição ao governo Morales – eram precárias. Ele não via a luz do sol, não saia do quarto (na realidade, uma sala sem ventilação onde fica o telex da embaixada) e mal encontrava pessoas. Da família, só teve contato com a filha mais nova, Denise, ao longo destes 15 meses. Sua saúde estava em estado deplorável.

“Você imagina ir todo dia para o seu trabalho e ter uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai? (...) O senador estava havia 452 dias sem tomar sol, sem receber visitas. Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi. O asilado típico fica na residência, mas ele estava confinado numa sala de telex, vigiado 24 horas por fuzileiros navais”, relatou Saboia à Folha de S.Paulo.

Há uma semana, Molina foi examinado por um médico, depois que Saboia informara ao Itamaraty que seu quadro de saúde piorava a olhos vistos. O laudo apontou uma série de problemas, como candidíase (infecção que indica enfraquecimento do sistema imunológico), taquicardia, hiporexia (perda de apetite), taquicardia, dificuldade respiratória, pressão alta e síndrome depressiva, como informa o Valor Econômico.

O governo Dilma, porém, continuou sem agir. Foi aí que Saboia, fortemente movido por valores cristãos, levou adiante a transferência do senador boliviano para solo brasileiro. Deixou de lado regulamentos frios e optou por princípios que nossa diplomacia sempre prezou, em especial a defesa dos direitos humanos, mas que claramente vinham sendo violados no caso de Molina.

Para levar seu intento a bom termo, o diplomata teve que cruzar 1.600 km de estradas, cortar áreas dominadas pelo tráfico de drogas e, finalmente, desembarcar em Corumbá (MS) depois de uma epopeia quase heroica. Por sua postura valorosa e ousada, Saboia receberá como retribuição do governo brasileiro um processo administrativo e deverá ser “severamente punido” por “grave quebra de hierarquia”, segundo O Estado de S.Paulo.

Entre ficar com valores que historicamente orientam nossa diplomacia e agradar um governo pouco afeito à democracia, o governo da presidente Dilma Rousseff ficou com a segunda opção. Sacrificar o chanceler Patriota e punir Saboia com rigor transformou-se em gesto de mesura de Brasília junto ao governo de Evo Morales, ao qual, mais uma vez, a gestão petista se curva – numa tradição que vem desde a desapropriação acintosa de um bilionário ativo da Petrobras logo no início do mandato dele, em 2006.

O que Eduardo Saboia fez é o que qualquer pessoa de bem faria: ajudar um cidadão a não sucumbir à tentação de desistir da vida. Entre praticar o que os preceitos humanitários indicam e defender a liberdade de um homem ou dizer amém a um governo insensível e despótico, ficou com suas convicções cristãs. Deveria ser tratado com honrarias, mas, para a apequenada e pusilânime diplomacia brasileira, ele não passa de um delinquente.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os maus negócios da Petrobras

Como é possível uma empresa faturar mais de um trilhão de reais e não produzir um único centavo de lucro com o negócio? Esta situação ruinosa está acontecendo na maior companhia brasileira, a Petrobras, em razão de uma política que não apenas lhe tolhe os ganhos, como também coloca o Brasil na contramão da agenda da sustentabilidade.

Os maus negócios da Petrobras vêm se dando em suas operações de venda de combustíveis, como relata o Valor Econômico em sua edição de hoje. Desde que o PT assumiu o comando do país, as refinarias da companhia venderam R$ 1,15 trilhão em combustíveis e não ganharam nadinha com isso. Pelo contrário: as operações causaram perda de R$ 663 milhões à empresa no período.

A situação agravou-se nos últimos dois anos e meio. De janeiro de 2003 a junho último, a Petrobras vendeu R$ 540 bilhões em combustíveis e obteve prejuízo de R$ 39,6 bilhões com a operação. O rombo anulou os lucros alcançados pela empresa com a comercialização de derivados nos oito anos anteriores.

A razão desta desastrosa trajetória empresarial é conhecida: a política adotada pelo governo federal em relação ao preço dos combustíveis vendidos no país. Para evitar uma disparada ainda maior da inflação, os valores cobrados dos consumidores ficaram longos períodos praticamente congelados, obrigando a Petrobras a matar as perdas no peito.

É incrível como uma empresa petrolífera é forçada a atuar por anos a fio sem poder lucrar com seu principal negócio, ou seja, vender os combustíveis que produz e refina. Mas é isso o que está ocorrendo no país na era petista. Não fossem os ganhos obtidos com a área de exploração e produção de petróleo, a Petrobras provavelmente teria naufragado de vez.

Atualmente, os preços dos combustíveis praticados no Brasil estão defasados cerca de 30% em relação ao mercado internacional. Com a escalada recente do dólar, a situação agravou-se e a companhia passou a acumular perdas mensais de R$ 700 milhões. A possibilidade de conceder novo reajuste passou a ser considerada pelo governo.

Por vários outros aspectos, a estatal não passará incólume pela experiência de gestão levada a cabo pelos petistas. Eles foram os primeiros depois de Fernando Collor a levar a empresa a produzir menos petróleo, quebrando uma série ascendente que vinha desde a gestão Fernando Henrique. Sem falar também no primeiro prejuízo trimestral contabilizado neste século, registrado no segundo trimestre do ano passado.

Desde o início de 2010, a Petrobras perdeu praticamente metade de seu valor de mercado. Quase US$ 100 bilhões evaporaram ao longo do período, à medida que foi ficando evidente que a companhia terá dificuldades crescentes para honrar seus compromissos, principalmente os do pré-sal. Boa parte do dinheiro injetado pelos acionistas na operação de capitalização, em 2010, simplesmente evaporou.

A interferência da política federal nos preços praticados pela Petrobrás também causa outro indesejável efeito indireto: deprime a produção brasileira de etanol. Como o combustível renovável concorre diretamente com os fósseis, o valor cobrado por estes limita o praticado sobre aquele. Como consequência, o setor agoniza.

Nas duas últimas safras, a produção nacional de etanol caiu 15%, levando dezenas de usinas a fechar as portas e a demitir mais de 18 mil trabalhadores. O Brasil, que figurava como provável maior potência produtora e exportadora de combustível limpo e renovável do mundo, hoje chega a importar álcool dos Estados Unidos...

Ao mesmo tempo, a política de subsídio aos preços da gasolina resulta em aumento explosivo do consumo deste combustível, contribuindo para piorar as nossas condições ambientais. No ano passado, enquanto o consumo total de combustíveis cresceu 6% no país, o de gasolina aumentou 12% e o do etanol caiu 9,6%. Nos dois últimos anos, a frota de veículos flex que usam etanol caiu à metade.

Usar uma empresa como a Petrobras como instrumento de manipulação de mercado só serve para produzir desequilíbrios e ineficiências. A estatal é um patrimônio do povo brasileiro que o governo petista está dilapidando, ao mesmo tempo em que coloca o país na contramão do que o mundo cada vez mais pratica em relação ao desenvolvimento sustentável. É um mau negócio, em todos os aspectos.

sábado, 24 de agosto de 2013

Servos cubanos

Não são meras razões políticas que motivam críticas à importação de médicos vindos de Cuba. São, principalmente, razões humanitárias. Tudo indica que os profissionais que começarão a chegar ao Brasil na próxima semana deverão ter de se submeter a um regime próximo ao de servidão, numa relação quase feudal de trabalho.

A importação de 4 mil médicos cubanos foi acertada entre o governo brasileiro e o regime castrista. A Organização Pan-Americana de Saúde entrou como intermediária da negociação, até mesmo para dar um verniz de maior seriedade à conversa. Entretanto, ninguém sabe dizer ao certo como vão se dar as contratações.

O contratante  o governo petista  diz desconhecer quanto receberão os contratados – os médicos cubanos – numa estranha relação de trabalho em que o patrão não sabe como remunera seu empregado. Se não sabe, como lhe cobrará empenho, dedicação e qualidade na prestação do serviço?

O Ministério da Saúde diz que cabe ao regime dos irmãos Castro definir o valor a ser embolsado por cada profissional. Se é assim, e observando o que acontece em outros países, não será fácil a vida dos cubanos que começarão a desembarcar no Brasil a partir de segunda-feira.

O Correio Braziliense divulga hoje um “termo de conduta de trabalho” imposto pelo governo de Cuba a médicos enviados à Bolívia em 2006. Para dizer o mínimo, a liberdade deles era quase nula e as condições de vida, aviltantes. Também foi assim na Venezuela, anos depois. Será que os “nossos” cubanos serão tratados da mesma maneira?

“O cubano deveria pedir permissão ao superior caso fosse sair à rua depois das 18h, além de informar para onde ia e com quem. Em caso de relacionamento amoroso com algum ‘nativo’, o profissional deveria informar imediatamente o chefe. Os médicos também não poderiam fazer empréstimos de dinheiro ou dar informações sobre Cuba”, resume o jornal.

Os médicos cubanos que vão trabalhar no exterior são selecionados pelo regime castrista de maneira compulsória – no Brasil, sequer poderão escolher onde atuar. Quem se recusa passa a ser considerado contrarrevolucionário, sujeito às hostilidades da ditadura comunista.

Na realidade, os médicos são tratados como meras mercadorias em Cuba – e isso não é mera figura de retórica. O item “exportação de serviços médicos” é o que mais gera divisas para o país dos irmãos Castro, relata a Folha de S.Paulo. Com o negócio, a ilha arrecada cerca de US$ 6 bilhões por ano, mais do que consegue com o turismo e com as exportações de níquel, por exemplo. A Venezuela chavista é um dos maiores importadores da “mercadoria”, trocada por barris de petróleo.

O governo brasileiro diz que repassará R$ 511 milhões ao governo de Cuba pela importação. Mas já é sabido que apenas uma pequena fração deste valor chegará ao bolso dos médicos. Estima-se que, no fim das contas, o salário de cada profissional será igual ao que receberia se estivesse na ilha: entre US$ 25 e US$ 41. Ou seja, não passará de R$ 100 por mês!

Um profissional cubano que já trabalhou no interior Brasil na década de 1990 relatou a’O Globo como funciona o sistema. “Quem recebia o dinheiro era a embaixada cubana, que depois nos passava a nossa parte. Quando sobrava um pouco, enviávamos de volta para a família em Cuba. Era muito pouco pela quantidade de trabalho”. Não espanta que deserções sejam comuns.

Diante disso, razões não faltam para o Ministério Público, que ontem considerou a contratação dos cubanos “totalmente irregular”, questionar a contratação. As irregularidades incluem ausência de concurso e remuneração abaixo do salário mínimo. Mas, não satisfeita, a gestão petista pensa em usar o mesmo modelo para importar engenheiros e até professores...

O governo federal tenta resolver no atacado, na base de um regime de trabalho que, na melhor das hipóteses, se assemelha à servidão o que não conseguiu resolver no varejo, com o Mais Médicos. Na modalidade de recrutamento amplo, geral e irrestrito, o programa foi um fracasso retumbante: apenas 1.387 das 15.460 vagas foram preenchidas, o que dá menos de 9% da demanda inicial.

O governo aposta na simpatia da população por suas boas intenções. De fato, ninguém é contra ampliar o acesso das pessoas à saúde, levando mais profissionais aos rincões e às nossas periferias. Mas uma pesquisa de opinião divulgada hoje pelo O Estado de S.Paulo indica que dois em cada três brasileiros não concordam com o remendo da importação de médicos estrangeiros. Têm razões de sobra para isso.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A crise chega ao emprego

A crise vai aos poucos se espraiando e agora já atinge também o mercado de trabalho. A geração de empregos perde força, num tom de cinza muito acima do esperado. São reflexos de uma economia em desaceleração, indicando que os bons ventos ficaram, definitivamente, para trás.

Pelas estatísticas do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) divulgadas ontem pelo governo, foram abertos apenas 41,5 mil novos postos de trabalho no mês passado. Os resultados representam uma série de recordes, todos negativos.

Desde 2003, não se criavam tão poucos empregos no país num mês de julho. Também pela primeira vez em dez anos, o saldo líquido nas nove regiões metropolitanas foi negativo: foram fechadas 11 mil vagas nos grandes centros brasileiros no mês passado.

Todos os grandes setores econômicos geraram menos vagas agora do que um ano atrás. Exceto a agricultura, que caiu “só” 24%, os demais despencaram: a queda chegou a 93% no comércio, 80% na construção civil e 71% em indústria e serviços, sempre na comparação com julho de 2012.

Isso significa que os motores da economia estão perdendo propulsão de forma generalizada. Alguns segmentos específicos mais demitiram do que contrataram, fechando postos de trabalho. É o caso dos serviços industriais de utilidade pública e da extrativa mineral.

Subsetores da indústria de transformação – como material elétrico e de comunicações; madeira e mobiliário; borracha, fumo e couros; e vestuário – também eliminaram empregos no mês, assim como o comércio varejista e os serviços de ensino.

Um aspecto especialmente grave é o que acontece no comércio. Em julho, a atividade abriu apenas 1.545 vagas, no pior desempenho desde 1998, segundo a LCA Consultoria. Para se ter ideia do tombo, nos dois últimos anos a média de geração de empregos do setor no mês havia sido de quase 26 mil.

Trata-se de uma indicação clara de que as molas-mestras do modelo de crescimento que vigorou nos últimos anos no país enferrujaram. Consumo e renda em baixa, afetados por uma inflação renitente, estão agora martelando o mercado de trabalho.

No acumulado no ano, a queda verificada na geração de empregos formais é de 33%. São 457 mil empregos a menos do que os gerados entre janeiro e julho de 2012. Não é pouca coisa; na realidade, é o pior resultado para o período desde 2009. O Nordeste, onde estão as mais altas taxas de desemprego do país, fechou quase 9 mil vagas neste ano, segundo a Folha de S.Paulo.

Os resultados do Caged divulgados ontem são especialmente decepcionantes porque a expectativa era de que o país tivesse criado cerca de 100 mil empregos em julho. Não veio nem a metade disso, prenunciando a sangria que deve marcar o desempenho da nossa economia neste terceiro trimestre.

“O mais surpreendente do número do Caged divulgado ontem é o tamanho da queda, e não a redução em si, que já era esperada. Chama ainda mais atenção o fato de que o recuo na geração de empregos é generalizado na economia. A intensa desaceleração levanta a possibilidade de uma elevação mais rápida da taxa de desemprego”, analisa Fernando de Holanda Barbosa Filho, economista do Ibre n’O Estado de S.Paulo.

O aumento da taxa de desemprego ainda não aconteceu, conforme divulgou o IBGE nesta manhã. A média ficou em 5,6%, abaixo dos 6% de junho, mas maior que os 5,4% de julho de 2012. Particularmente piores foram os índices no Nordeste: na comparação com julho do ano passado, a taxa apresentou alta significativa em Salvador (de 6,7% para 9,3%) e em Recife (de 6,5% para 7,6%).

Mesmo diante de tudo isso, há quem, no governo da presidente Dilma, ainda considere que o Brasil “tem dado de goleada”, como disse ontem a ministra Ideli Salvatti. É gente que parece não ver que, na realidade, a defesa já foi toda vazada.

Esta dose excessiva de irrealismo e alheamento não ajuda nada no enfrentamento dos problemas que estão se acumulando no dia a dia do país. Preservar o emprego deveria ser prioridade número um do governo petista. Mas ele prefere cantar vitória muito antes da hora. Quem perde são os trabalhadores.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Patrimônio de promessas não cumpridas

A presidente Dilma Rousseff foi ontem a Minas Gerais “lançar” um pacote de obras de recuperação do patrimônio histórico. Seria ótima iniciativa, se fosse algo realmente sério. Desde 2009, o governo do PT vem prometendo a mesma coisa, sem, contudo, honrar nadinha do que anuncia. Trata-se de uma tônica desta gestão: transformar o país num cemitério de obras inacabadas e de promessas não cumpridas.

O chamado PAC das Cidades Históricas já foi lançado cinco vezes pelo governo petista: duas vezes na gestão Lula e três na atual. Em três ocasiões, o anúncio foi feito pela própria Dilma, seja como ministra-chefe da Casa Civil, seja já como presidente da República. Nada, porém, saiu do papel nestes quatro anos.

Os valores a serem investidos crescem ao sabor do vento (já foram R$ 890 milhões e agora são R$ 1,6 bilhão), mas nenhum centavo foi efetivamente aplicado em obras de restauro do nosso patrimônio histórico. Mais estranho é que entre o primeiro anúncio, em outubro de 2009, e o mais recente (nunca se sabe se será de fato o último), o número de cidades atendidas em todo o país caiu a um quarto: eram 173 e sobraram agora apenas 44.

“O Iphan não conseguiu usar recursos do PAC específico de patrimônio. O recurso com as garantias que a presidenta informou só teremos a partir de amanhã [hoje]”, admitiu Jurema Machado, presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) à Folha de S.Paulo. Por que tanta enganação e tanto desrespeito com o cidadão?

O que se vê agora em relação ao patrimônio histórico e cultural brasileiro é recorrente em todos os demais setores da administração pública federal nestes últimos anos: as promessas se multiplicam, mas as realizações nunca chegam. É assim na saúde, na educação, na infraestrutura e onde mais se observe.

Onde estão as UPAs e as UBSs prometidas na campanha de 2010 para ampliar o acesso dos brasileiros à saúde? Dilma não entregou nem 5% delas... Onde estão as creches, tão necessárias para garantir uma primeira infância melhor a nossas crianças e melhores condições às mães que trabalham? Aí é pior: só 60 das 6.000 prometidas ficaram prontas.

Onde estão as necessárias obras em rodovias, ferrovias, aeroportos e portos que iriam destravar o desenvolvimento do país e dar mais competitividade a nossos produtos e bem-estar aos brasileiros? Nenhuma ferrovia foi licitada, nenhuma rodovia foi concedida à iniciativa privada e a maior parte dos aeroportos continua em obras que não se sabe quando acabarão.

Por que isso acontece? Em uma linha, falta planejamento e capacidade ao governo petista para transformar promessas em necessidades atendidas. Em sua concepção, o Programa de Aceleração do Crescimento até tinha seus méritos: listar um rol de obras públicas prioritárias que mereceriam atenção diuturna dos gestores a fim de se tornarem realidade. Na prática, isso se mostrou mero sonho.

Infelizmente a incúria com o dinheiro público não se restringe ao PAC. A execução orçamentária também se dá no mesmo ritmo da ineficiência, do descaso e da malversação. Dinheiro para fazer o que os cidadãos precisam – e pelo que pagam caro na forma de tributos – tem, mas as obras não acontecem, os benefícios não chegam.

O Tribunal de Contas da União examinou a execução do Orçamento da União de 2012 e concluiu que apenas 27% da verba destinada pelo governo federal à área de saúde foi utilizada no ano passado. Em saneamento, o percentual é ainda menor, de 9%, e na educação foram aplicados 45% do previsto, como mostra o Valor Econômico em sua edição de hoje.

O governo petista acumulou um patrimônio considerável de promessas. Mas o que se tem constatado é que elas vão, dia após dia, se transformando num imenso canteiro de obras inacabadas. Nossos carcomidos bens históricos e culturais correm o risco de ser apenas mais uma atração desta paisagem em ruínas.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O preço da imprevidência se paga em dólar

A primeira reação do governo à problemática escalada do dólar tem sido a de sempre: culpar o mordomo. Na visão petista, o responsável por todas as nossas mazelas é o resto do mundo. Quando o país vai bem, é por mérito próprio; quando vai mal, é por causa dos outros. Está na hora de começar a assumir que as dificuldades estão aqui dentro mesmo.

A primeira atitude a tomar deveria ser tratar a situação, que é severa, com realismo. De nada vai adiantar continuar sustentando que está tudo sob controle, que a perspectiva é positiva, e que o que pode e deve ser feito já foi feito. O governo precisa mostrar-se pronto para reagir e evitar que o pior prevaleça.

Até agora não é isso o que tem se visto. Ontem, a presidente Dilma Rousseff voltou a vender facilidades, quando o mais adequado seria admitir fragilidades e começar a atuar mais firmemente. Ela disse novamente – em entrevistas a rádios paulistas, durante mais uma de suas viagens com viés tipicamente eleitoral – que a inflação “está sob controle”. Todos sabemos que não está.

Na realidade, a inflação só não foi totalmente para o espaço até agora porque o governo está garroteando os preços administrados, como combustíveis e eletricidade. Na média, eles só subiram 1,3% nos últimos 12 meses, na menor variação desde a criação do regime de metas, em 1999. Em contrapartida, os preços livres sobem 7,9%. Esta é, pois, a verdadeira inflação que os brasileiros experimentam no seu dia a dia. E com o dólar mais alto, vai doer mais ainda.

Já Guido Mantega prefere ignorar os riscos que a disparada do dólar pode causar na nossa economia como um todo. O ministro opta por ver apenas os efeitos positivos do dólar mais caro sobre os ganhos das empresas exportadoras – que até existem, mas, diante da larga maré negativa, tornam-se bem menos relevantes. Otimismo demais numa hora destas soa como alheamento.

O que está acontecendo, na realidade, é que o Brasil está pagando a conta de um histórico de imprevidência que o governo petista fez o país incorrer ao longo dos últimos anos. Como a cigarra da fábula, atravessamos os áureos tempos da bonança econômica mundial, entre 2004 e 2008, sem investir em criar condições favoráveis para sobreviver quando o inverno chegasse e a onda virasse.

Quando o mundo todo afundou em crise, a partir de 2009, o Brasil optou por uma estratégia que, no primeiro momento, até se mostrou correta: incentivar o consumo. Mas, uma vez superadas as dificuldades iniciais, o governo continuou insistindo na mesma receita quando a maré já era outra e nosso problema era de excesso e não de falta de demanda.

Chegamos a 2013, depois de dois anos de desempenho medíocre da nossa economia sob o comando de Dilma, com um cenário turvo pela frente e sem apresentar credenciais para poder surfar na onda quando o crescimento mundial embicar, novamente, para cima, o que pode ocorrer assim que a economia dos EUA firmar sua recuperação. As perspectivas que o país hoje oferece são desanimadoras.

O que poderia ter sido feito e não foi? Quando o país estava na crista da onda, o governo brasileiro deveria ter criado condições para que o investimento privado florescesse, mas investiu suas melhores energias no agigantamento da presença do Estado na vida de todos. Sufocou, com isso, boa parte do “espírito animal” dos empreendedores, dos grandes aos pequenos.

Descuidou, também, do dinheiro que recebe dos contribuintes, torrando-o impunemente. Jamais se preocupou em domar a escalada dos gastos públicos improdutivos. Recusou-se a manifestar compromisso mais sério com a responsabilidade fiscal e, talvez o mais grave de tudo, tratou a inflação como se fosse intriga de críticos e da oposição, esquecendo que quem mais sofre com a escalada dos preços são os brasileiros pobres.

É por este conjunto da obra que o governo Dilma pena agora para enfrentar uma confluência de adversidades que, em boa medida, ele mesmo semeou. O que o país precisa para reagir, a presidente não tem para entregar: regras claras e transparentes para investimentos, compromisso firme com a boa gestão, seriedade no trato da coisa pública. A partir de agora, esta conta amarga vai ter de ser paga em verdinhas. E com um dólar cada vez mais caro.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O real furado

O dólar está subindo a ladeira e se transformou na mais nova dor de cabeça de uma economia já atolada em problemas. Em quase todos os aspectos, a alta da moeda norte-americana é negativa para o Brasil. E numa coisa ela é especialmente nefasta: a disparada vai doer no bolso dos brasileiros.

Na sexta-feira, o dólar atingiu a mais alta cotação desde março de 2009. Em apenas uma semana, a valorização foi de 5,28%. No ano, a escalada chega a 16,2%. Não há como um aumento desta magnitude não afetar severamente os preços dos produtos e, consequentemente, a nossa inflação.

Estima-se que cada 10% de valorização do dólar resulte em mais 0,5 ponto percentual nos índices anuais de preços. Há quem preveja que a cotação chegue a R$ 2,70 até o fim deste ano, o que representaria alta de 13% sobre o valor que a moeda atingiu na semana passada (R$ 2,39).

A alta do dólar é um fenômeno global, causada pelas mudanças recentes na política econômica dos Estados Unidos. Mas está sendo particularmente perversa com o Brasil. O real é a segunda moeda que mais perdeu valor no mundo neste ano – apenas o rand sul-africano cai mais. Isso sugere que nossas condições podem estar piores que as de outras economias.

Há um mix de razões para explicar a queda do real. O Brasil consome demais, não consegue produzir o suficiente e é forçado a importar. Por isso, tem uma balança comercial desequilibrada – que pode fechar no vermelho depois de 13 anos no terreno positivo – e também um déficit externo muito alto, que se aproxima perigosamente de 4% do PIB – estima-se que chegue a US$ 77 bilhões neste ano e se repita em 2014, de acordo com o Boletim Focus do Banco Central.

Nossos produtos ficaram caros demais e perderam capacidade de concorrer no mercado. Nossa perspectiva de crescimento é medíocre, na melhor das hipóteses, e desastrosa, na pior. Nossa inflação está entre as mais altas das economias minimamente organizadas. Tudo isso ajuda a entender por que o nosso real está furado.

“O câmbio tem a ver com o que acontece no Brasil, não só com o cenário externo. Existe um certo desânimo com a economia brasileira. Há uma noção de que o Brasil não está indo bem. Quando o governo faz truques nas contas fiscais, cria-se desconfiança sobre a seriedade do Brasil com as metas fiscais”, sintetiza o economista José Alexandre Scheinkman n’O Globo.

O mais doloroso é que a alta do dólar vai prejudicar o bem-estar dos brasileiros, piorar sua condição de vida, dificultar a sobrevivência. Grosso modo, com a queda verificada pela nossa moeda neste ano, estamos – todos nós: cidadãos, empresas, governos – 16% mais pobres.

O governo petista já admite que o dólar alto veio para ficar – na sexta-feira, Guido Mantega afirmou que a moeda subiu para um “novo patamar” e ajudou a cotação a aumentar um pouquinho mais. O pior é que, dado o estado geral da economia, não há muito que fazer para estancar a sangria.

A escalada do dólar chega num momento em que a inflação já está muito alta, lambendo o teto da meta. Se a presidente da República acha que os preços estão “completamente sob controle”, como afirmou precipitadamente há duas semanas, logo verá que o buraco é mais embaixo. E nós é quem vamos pagar o pato...

A gestão petista vai provar, da pior maneira, do remédio amargo da imprevidência. Um choque nos preços decorrente da alta do dólar poderia estar sendo amortecido pelo regime de metas, com o auxílio da política monetária. Mas não há mais muita margem para subir ainda mais os juros sem nocautear de vez o crescimento da nossa economia. Este beco não tem saída.

sábado, 17 de agosto de 2013

Lembra do ‘pibão’ da Dilma? Esqueça...

A economia brasileira parece ter vivido um espasmo de ânimo no segundo trimestre, mas já ensaia mergulhar de novo na pasmaceira, envolta num disseminado clima de pessimismo. A cada dia que passa, o Brasil está se tornando um país mais difícil para seus cidadãos e inóspito demais para quem pretende produzir e gerar empregos.

O resultado oficial do PIB no segundo trimestre só será conhecido daqui a 15 dias. Mas ontem o Banco Central divulgou sua prévia do indicador, com alta de 0,9% entre abril e junho. Na aparência é um bom resultado, mas na essência não.

O chamado IBC-Br quase nunca coincide com as estatísticas do IBGE. A realidade tende, infelizmente, a decepcionar. No primeiro trimestre, por exemplo, para o BC a economia brasileira havia acrescido 1,1%, mas o resultado oficial foi de módico 0,6% no período. Quem sabe agora melhore...

Qualquer que seja o número definitivo, porém, uma coisa é certa: terá sido o pico do crescimento econômico do país neste ano. Já estamos em franco descenso, tropeçando ladeira abaixo. E o pior é que, pelo que dizem alguns analistas, o fundo do poço ainda não chegou.

Lembra aquele “pibão grandão” que Dilma Rousseff prometeu para o Brasil em 2013? Esqueça. Neste ano, até vamos conseguir crescer mais que o 0,9% de 2012, mas será muito menos do que conseguirão alcançar países com natureza econômica parecida com a nossa, como os vizinhos latino-americanos. No continente, apenas a Venezuela e o El Salvador irão tão mal quanto nós.

O Brasil está descolado do resto do mundo. Para baixo. Há, não se pode negar, um retrocesso disseminado nas perspectivas mundiais, mas ele é muito menos severo no geral do que aqui. Com Dilma no comando, afundamos feio.

Quem sabe a presidente não nos entrega o “pibão grandão” em 2014? Jamais. O ano que vem pode ser ainda pior que o atual. Há dois meses, o Boletim Focus do BC apontava previsão de uma expansão média de 3,5%, percentual que agora já caiu para 2,5%, numa deterioração rápida como há muito não se via.

“Ainda há a perspectiva de que novas revisões para baixo virão. Além disso, entre os economistas já há quem vislumbre expansão de apenas 1% na economia brasileira em 2014, percentual inferior ao piso das estimativas para 2013, de 1,7%”, alerta o Valor Econômico em sua edição de hoje.

Segundo a FGV, o país corre risco até de afundar numa recessão, numa probabilidade que chega a 40%. Longe, portanto, de ser pequena. Há todo um caldo desfavorável, a começar pela desconfiança generalizada de empresários e consumidores, que trava qualquer reativação de ânimo na economia: hoje o nível é tão baixo quanto o de quatro anos atrás, no auge da crise mundial.

Há, também, um desarranjo latente nas condições macroeconômicas. O governo federal não tem o menor controle sobre suas despesas e vive de remendos para fechar as contas. Os investimentos públicos não decolam: dos R$ 49 bilhões de aumento de gastos não financeiros no primeiro semestre, só R$ 300 milhões tiveram este destino.

A inflação só se mantém confinada aos limites da meta porque um monte de tarifas públicas está sendo maquiado e represado. Mas a carestia não terá refresco com o dólar, que continua escalando e ontem atingiu a maior cotação em mais de quatro anos. O céu é o limite.

O lucro das empresas brasileiras está estacionado. E, para completar, o programa de privatizações que a gestão petista alçou à condição de tábua de salvação do governo Dilma ainda suscita dúvidas entre empresários, que estão querendo distância da insegurança que vigora no Brasil.

Se somarmos tudo, vamos ver que estamos vivendo uma espécie de “risco Dilma”. Há uma mistura de desconfiança, perda de credibilidade, incerteza quanto ao futuro, repulsa a um histórico de improvisos e um temor crescente quanto à possibilidade de uma estagnação mais assombrosa. A receita da presidente não deu certo. O “pibão” deu em pibinho.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ainda sem médicos

Foi um fracasso, até agora, o programa criado pelo governo petista para aumentar a oferta de médicos na rede pública de saúde. Fica claro mais uma vez, como se ainda fosse preciso, que paliativos e jogadas oportunistas de marketing são insuficientes para enfrentar os graves e reais problemas vividos cotidianamente pelos brasileiros.

O programa foi lançado no início de julho com objetivo de atrair 15.460 médicos. Logrou, feita a primeira seleção, suprir meros 10,5% desta demanda: somente 1.618 profissionais chegaram ao fim do processo, conforme balanço oficial divulgado ontem pelo Ministério da Saúde. Trocando em miúdos, o governo só conseguiu recrutar um de cada dez médicos que pretendia.

A frustração dos municípios foi equivalente. Das 3.511 cidades que demandaram mais médicos ao Ministério da Saúde, apenas 579 (16,5%) receberão algum. Justamente as localidades mais carentes não despertaram interesse de um único profissional sequer: 703 não foram selecionados por nenhum candidato, a maioria na Bahia, no Maranhão, no Piauí e no Amazonas.

A adesão de estrangeiros, outra panaceia dos petistas, também se mostrou acanhada até o momento. Concluída a primeira etapa do Mais Médicos, virão do exterior 522 profissionais, sendo que 70% deles são realmente “importados” e os demais, brasileiros que se formaram e/ou atuam em outros países.

Tudo indica que, no fim das contas, a gestão petista vai acabar fazendo o que mais queria desde o início da polêmica: importar médicos cubanos. Na segunda-feira, o governo abre nova fase de inscrições no programa e, paralelamente, irá acelerar entendimentos com outros países. “Para nós, ficou claro que o Brasil não tem número suficiente de médicos”, justificou o ministro Alexandre Padilha, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo.

A ilha dos Castro está no topo da lista de desejos dos petistas. De lá poderão vir até 6 mil médicos. Com uma facilidade a mais para a gestão Dilma: por se tratar de uma ditadura, o envio dos profissionais é compulsório e a maior parte da grana paga pelo governo brasileiro pelo trabalho dos médicos irá mesmo é para o Estado cubano.

Os estrangeiros do Mais Médicos não terão que passar pelo processo de revalidação de diplomas. Submeter-se-ão apenas a um programa de três semanas, em que farão cursinho de acolhimento, com aulas de legislação, saúde indígena e doenças tropicais. Pela cartilha petista, feito isso estarão plenamente aptos para atender os brasileiros. Será?

O objetivo do Mais Médicos é meritório. São bem-vindas iniciativas para aumentar a oferta de atendimento aos brasileiros, com a ampliação de profissionais à disposição. O foco na atenção básica também é correto – embora o maior programa já criado com este propósito no país, o Saúde da Família, venha merecendo pouca ênfase da gestão petista.

O Brasil conta com média de 1,8 médico para cada mil habitantes, considerada baixa. É necessário elevar esta disponibilidade. Mas o fracasso do programa Mais Médicos deixa claro que, sem que o governo federal invista em melhorias estruturais e institucionais, não se alcançará o objetivo.

Os dispêndios com Saúde têm recaído crescentemente sobre estados e municípios, com a União diminuindo sua participação no financiamento do setor. Também em razão disso, instituições que atendem pelo Sistema Único de Saúde penam para se equilibrar com repasses muito aquém das despesas que incorrem em seus procedimentos – desde 1996 a tabela não sofre reajuste linear.

Uma conquista da Constituição de 1988, o SUS está completando 25 anos. Está mais do que na hora de ser alvo de uma investida robusta do governo para que se aperfeiçoe e ganhe melhores condições de atender à população. O malogro do Mais Médicos mostra que o setor de saúde no país precisa passar por uma delicada cirurgia e não continuar a ser tratado à base de gazes e esparadrapos.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O mensalão voltou

Oito meses depois da conclusão do julgamento, o mensalão volta hoje à pauta do Supremo Tribunal Federal. É uma boa oportunidade para que a sociedade recorde, novamente, os contornos do maior escândalo de corrupção da história política do país. E uma chance a mais para separar o joio do trigo, num momento em que o PT tenta, novamente, nivelar todos por baixo.

O julgamento terminou com a condenação de 25 dos 38 acusados, entre eles figuras de proa da história do petismo, como José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha. As penas chegaram a 40 anos de prisão, como no caso do publicitário Marcos Valério, o principal operador do esquema de desvio de dinheiro público montado pelo PT. (Já Dirceu vai gramar 10 anos e 10 meses de xilindró.)

Ao todo, as condenações somam 282 anos de prisão e o pagamento de multa de R$ 22,7 milhões. Ainda é pouco perto do que foi comprovadamente surrupiado dos cofres públicos para comprar apoio parlamentar ao governo petista: pelo menos R$ 73 milhões, drenados do Banco do Brasil e da Câmara dos Deputados por meio de contratos de publicidade fraudulentos. Há, porém, suspeitas de que o montante desviado tenha sido pelo menos cinco vezes maior.

O que o STF volta a apreciar agora são recursos dos condenados. São de duas espécies: os de declaração e os infringentes. Os primeiros são usados para solucionar omissões, obscuridades ou contradições eventualmente presentes no acórdão com a sentença, publicado em abril. Podem resultar em penas menores, mas, na definição de Gilmar Mendes, são, na verdade, recursos meramente protelatórios, com intuito único de adiar o cumprimento das penas. O STF terá de julgar 26 destes recursos; para tanto, deve levar um mês.

O risco maior está nos chamados embargos infringentes. Eles aplicam-se a réus que foram condenados, mas obtiveram pelo menos quatro votos pela sua absolvição. Se forem aceitos, abrirão nova chance de julgamento para 11 dos mensaleiros, entre eles Dirceu e Delúbio, que poderiam se livrar de ter de passar um tempo na cadeia.

Está longe de ser pacífica a aceitação deste tipo de recurso, uma vez que desde 1990 eles não são permitidos pela lei. Há interpretações divergentes – Joaquim Barbosa, por exemplo, já se manifestou contrário à aceitação dos embargos infringentes pelo Supremo – e uma enorme polêmica à vista se prevalecer o ponto de vista e o desejo dos réus.

Se aceitos, os embargos infringentes serão distribuídos para outros relatores, excluídos o atual, Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Serão reabertos novos processos para estudar cada caso individualmente, com direito a reexame de provas. Se isso acontecer, o julgamento corre risco de arrastar-se por meses a fio, entrando 2014 adentro.

É tudo o que o PT mais quer. Segundo Rui Falcão, “a nova fase do julgamento representa uma segunda chance aos petistas”. É tudo o que a sociedade menos deseja: os mensaleiros tiveram sete anos para se defender e 53 sessões ao longo de 138 dias de 2012 para evitar a condenação pelo STF. A sentença dos ministros deve ser respeitada.

“Aceitar embargos, mudar relator, adiar a decisão, tudo isso não implica necessariamente diminuir penas ou refazer todo o julgamento. O Supremo pode simplesmente aceitar e manter as condenações. Mas hoje, a pergunta é: ao Estado democrático de Direito é necessário aceitar os embargos?”, analisa Joaquim Falcão, professor da FGV, na Folha de S.Paulo.

Que não pairem dúvidas: ao PT o que interessa é confundir, misturar falcatruas de diferentes naturezas no mesmo saco e aplainar todos no mesmo pântano da corrupção. Mas o partido dos mensaleiros mostra-se imbatível neste quesito, como atestam os escândalos que continuam a se repetir na alçada federal, como o Rosegate e as maracutaias na Petrobras, para ficar apenas em alguns exemplos mais recentes.

Em razão disso, a sociedade brasileira – cujo grau de indignação com a malversação de recursos públicos, felizmente, é crescente – espera que o Supremo Tribunal Federal encerre rapidamente o mais importante julgamento da sua história e mande logo para trás das grades aqueles que, por anos, enxovalharam a nossa democracia e trataram o dinheiro do povo como capim.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Uma sandice a menos

O governo conseguiu, enfim, produzir uma boa notícia: arquivou o projeto para a construção do trem-bala. A decisão foi anunciada ontem e vale por tempo indeterminado, mas o melhor seria que o empreendimento fosse jogado no lixo da história. Seria uma sandice a menos numa gestão que se notabiliza em produzir lambanças ao invés de obras de infraestrutura.

Esta seria a quarta tentativa de leiloar o projeto de construção de um trem de alta velocidade ligando Campinas (SP) ao Rio de Janeiro. Trata-se de investimento que jamais provou ser viável financeiramente e necessário socialmente. O governo petista, porém, dedicou longos cinco anos de energia a isso.

A obra foi anunciada por Lula como uma das ações associadas à Copa do Mundo de 2014. Passou o tempo, e o trem-bala tornou-se um dos empreendimentos ligados às Olimpíadas do Rio de 2016. Agora, a previsão era entregá-lo em 2020. Ninguém achará ruim se a nova data-limite para o projeto passe a ser o nunca mais.

O trem-bala começou custando R$ 19 bilhões. Ao longo do tempo, seu custo foi subindo até chegar aos R$ 38 bilhões oficialmente admitidos atualmente por Brasília. Ninguém em sã consciência acredita, porém, que a obra saia por menos de R$ 55 bilhões – com o governo federal assumindo todos os riscos do projeto.

Com esta montanha de dinheiro, o Ipea já mostrou que dá para fazer 300 km de metrô ou 10 mil km de ferrovias, resolvendo boa parte dos problemas de mobilidade urbana nos grandes centros e dando um impulso decidido à competitividade dos produtos brasileiros – e abrindo, inclusive, novos corredores de exportação na direção da região Norte.

O projeto ainda não está de todo sepultado. O governo continuará torrando dinheiro (R$ 80 milhões) na execução do projeto executivo – a ser feito no escuro, sem saber a tecnologia dos trens que poderão vir a trafegar pela linha. E ainda almeja lançar a obra, provavelmente em 2015, na suposição de que a população brasileira cometerá a imprudência de dar uma segunda chance a Dilma Rousseff.

Quem sabe, contudo, o fracasso do trem-bala marque uma guinada positiva na agenda de prioridades do governo da presidente. Iniciativas à espera do empurrão do governo não faltam, a começar pelas concessões de rodovias e ferrovias, emperradas há um ano. Além delas, as barbeiragens cometidas na área de energia também suplicam por uma gestão mais eficiente.

O programa de concessões (privatizações) de obras de infraestrutura completa um ano nesta quinta-feira sem que um único leilão tenha sido realizado. Pelo cronograma inicial, a esta altura já era para 7.500 km de rodovias e 10 mil km de ferrovias já terem sido concedidos à exploração privada, com obras orçadas em R$ 133 bilhões prestes a começar.

As primeiras estradas só irão a leilão, porém, em 18 de setembro e a privatização de linhas ferroviárias ainda está mais distante, por esbarrar em problemas de definição de valores a serem investidos pelos novos concessionários, como mostrou O Estado de S.Paulo no último domingo.

Definir regras e cronogramas equilibrados, infelizmente, é tudo o que o governo petista não consegue fazer. É o que fica claro, mais uma vez, nos grandes empreendimentos da área energética em marcha no país. As obras até caminham, mas os benefícios nunca chegam. Usinas geram energia que não pode ser transmitida e nem consumida.

Ontem, o Valor Econômico relatou a situação das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira. A partir deste mês, as duas usinas terão capacidade para gerar 3.150 megawatts, mas, pelo menos até o fim deste ano, só conseguirão ofertar ao sistema interligado nacional cerca de um terço disso. Isto porque, por erro grave de planejamento, os sistemas de proteção e controle dos equipamentos – na geração e na transmissão – não conversam adequadamente entre si.

Mas tem mais: o linhão de Tucuruí, que interligará a região Norte ao restante do sistema elétrico nacional, também já ficou pronto, com seus 1,8 mil quilômetros e mais de 3,3 mil torres, mas a falta de uma parte do projeto, sob a responsabilidade de uma subsidiária da Eletrobrás, impede a interconexão. Deixa-se, com isso, de economizar R$ 2 bilhões ao ano.

Como se percebe, há desafios aos montes esperando solução por parte do governo. Quem sabe agora, sem ter que dispersar energia no alucinado projeto do trem-bala, a gestão petista passe a se dedicar mais a resolver problemas mais reais e mais prementes que continuam a atravancar o desenvolvimento do país. As soluções não podem continuar a vir em marcha lenta.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A conta-petróleo

A Petrobras sempre foi motivo de orgulho para os brasileiros e tem tudo para continuar a sê-lo. Principalmente quando se vir novamente livre das ervas daninhas que lhe sugam a energia e canibalizam a empresa.

Neste fim de semana, a revista Época revelou, com riqueza de detalhes, como interesses político-partidários se incrustaram na estatal para drenar recursos. Era algo de que há muito já se falava, mas que ainda não fora conhecido com tanta minúcia. A reportagem fornece um roteiro incontestável a ser investigado.

O cerne dos desvios era (ou ainda é) a diretoria internacional da Petrobras. De lá, transformada em feudo do PMDB, saía (ou ainda sai) grosso dinheiro para campanhas políticas e para bolsos aliados, segundo a revista.

Uma das fontes do dinheiro sujo são as vendas de ativos da estatal no exterior. Em março, a Época já havia tratado de uma delas: a estranhíssima operação de alienação de uma refinaria na Argentina para um empresário ligado a Cristina Kirchner. Sabe-se agora que, da transação, fechada em maio de 2010, saíram pelo menos US$ 10 milhões para cofres partidários.

Segundo a revista, os peemedebistas não foram os únicos beneficiários. A campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010 também teria recebido US$ 8 milhões. E contratos fechados pela Petrobras ao redor do mundo com empresas privadas brasileiras teriam, ainda, ajudado estas a irrigar campanhas eleitorais aliadas.

O descalabro relatado pela revista obriga a uma investigação de como age a área internacional da Petrobras. Para começar, a empresa tem em marcha um programa de “desinvestimentos” que envolve a venda de US$ 10 bilhões em ativos situados no exterior. Pelo que Época divulgou, destas operações pode vir muita grana para o PT e seus aliados, por meio de “pedágios” arrecadados.

Hoje, a estatal está presente 17 países, mas já esteve em muitos outros. Nos últimos seis meses, encerrou negócios que mantinha em outras seis nações. Só a venda de ativos que detinha na África contribuiu com R$ 1,906 bilhão para o resultado que a Petrobras obteve no segundo trimestre, divulgado na última sexta-feira.

Embora tenha apresentado lucro surpreendente no período, o resultado ainda representa queda de 19% quando comparado ao obtido no primeiro trimestre. Sem uma manobra contábil (legal pelos padrões vigentes no país), a Petrobras poderia ter tido novo prejuízo, repetindo o feito de um ano atrás – ainda que em proporções, felizmente, menores.

Os negócios suspeitos mantidos pela Petrobras no exterior, bem como as temerárias gestões que levaram nossa maior empresa a claudicar, são motivo de interesse e investigação do Congresso. Só o governo, claro, não concorda em ver escrutinadas as operações de sua galinha dos ovos de ouro negro.

Já há um pedido de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com apoio suficiente para sua aprovação: tem 199 assinaturas, 28 a mais que o mínimo necessário. Para não gramar na fila de CPIs à espera no Congresso, uma alternativa para viabilizá-la é recorrer ao Judiciário, como adiantam alguns jornais hoje.

O mais importante é passar a limpo as atividades da Petrobras nos últimos anos, em especial quando esteve sob o comando de José Sergio Gabrielli, para quem um negócio tão ruinoso como a compra da refinaria de Pasadena – pela qual a empresa brasileira pagou 27 vezes mais que uma concorrente pagara meses antes – foi “normal”.

Uma investigação adequada pode mostrar que na Petrobras vinha funcionando uma verdadeira “conta-petróleo”, cuja finalidade era irrigar os cofres partidários e drenar recursos que deveriam servir aos interesses dos brasileiros e não ao de uns poucos.

sábado, 10 de agosto de 2013

Uma gestão que não existiu

Dilma Rousseff disse ontem que, a partir de agora, seu negócio é fazer política. Segundo a presidente, ela já teria se concentrado demais em “cuidar da gestão” do país. Só pode ser piada. Se está mesmo falando sério e considera que fez tudo o que era necessário fazer para garantir um bom governo, estamos fritos.

A presidente dedicou os últimos dias a gestos de aproximação e a manifestações de apreço e humildade em relação a congressistas. Puro instinto de sobrevivência. Os relatos de presentes dão conta de que Dilma mais ouviu do que falou. Mas, pelo que se soube que ela disse, a petista continuou a manifestar alheamento da realidade, baixíssima capacidade de compreensão e menor ainda de ação.

Se Dilma se dá por satisfeita com as iniciativas que tomou e com os resultados que produziu nestes 31 meses de gestão, uma conclusão se impõe: ela não tem mínimas condições de continuar sendo a presidente do Brasil. O país não merece um governante tão medíocre.

O mix produzido pela gestão Dilma é indigesto: um país que cresce pouco; que tem uma inflação que só não é mais alta porque muitas tarifas estão praticamente congeladas; em que boa parte das promessas oficiais nunca saem do papel; e onde as decisões de governo são tomadas ao sabor do marketing e não costumam durar mais do que o tempo de leitura de um jornal.

Na pajelança com senadores do PT ontem, a presidente afirmou que o PIB brasileiro vai crescer neste ano “duas ou três vezes mais” que em 2012. Crescer mais do que o quase nada do ano passado (0,9%) é fácil. O difícil é crescer, pelo menos, no mesmo ritmo de países como o nosso. Isso Dilma não consegue.

Nos seus dois primeiros anos de governo, a média de crescimento do PIB brasileiro foi de apenas 1,8%, enquanto a América Latina cresceu quase três vezes mais no período: 4,6%. Neste ano, vamos ganhar apenas da Venezuela e de El Salvador no continente. Pelo que afirmou ontem, isso é o máximo aonde Dilma é capaz de nos levar.

A presidente também afirmou, passados dois anos e meio do governo dela e dez anos e meio de gestão petista, que agora “é hora de executar programas lançados”. Se só agora a administração vai cuidar do que interessa, ou seja, produzir resultados para a população, o que, diabos, foi feito até hoje? Apenas o mesmo que Dilma diz que fará doravante: política.

O rol de promessas não cumpridas pelos petistas é imenso: melhorias na saúde e na educação que não acontecem, empreendimentos de infraestrutura inexistentes, desperdícios de recursos públicos em inabalável ascensão. Tornamo-nos um país em que as obras nunca terminam, em que tudo está em construção e já é ruína.

Se a “gestão” a que Dilma fala que se dedicou fosse para valer, estaríamos assistindo neste momento, por exemplo, a uma arrancada sem precedentes em empreendimentos de logística e infraestrutura tocados pela iniciativa privada.

Mas o programa de privatizações de rodovias e ferrovias, lançado há um ano, não produziu um único leilão até hoje. “O propósito [era] chegar em junho com todas as licitações já realizadas. [Mas] Da modelagem inicial praticamente nada vingou”, escreve Claudia Safatle na edição de hoje do Valor Econômico.

Quando 2013 começou, a presidente e seus auxiliares diziam que este finalmente seria o ano dos investimentos no país. Mas o que aconteceu? Até junho, os dispêndios desta natureza simplesmente caíram em relação ao primeiro semestre do ano passado: já descontada a inflação, a queda foi de 5%, para R$ 33,5 bilhões, também segundo o Valor.

As respostas que o governo da presidente produziu aos protestos de junho também foram todas parar no lixo da história, com a vida efêmera que propostas embebidas no éter da propaganda oficial tendem a ter.

Se Dilma Rousseff considera que fez tudo o que poderia fazer pelo Brasil, é lícito concluir que sua gestão não existiu. Nenhuma novidade nisso. Afinal, há apenas alguns dias a presidente afirmou, com todas as letras, que Lula “nunca saiu” do cargo que ocupou por oito anos. E ela nunca entrou.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Comemoração precipitada

A inflação deu um alívio em julho. A boa notícia, infelizmente, não pode ser comemorada com os rojões de uma conquista definitiva contra a carestia. O Brasil ainda continua convivendo com altos índices de preços e cantar vitória agora, como faz o governo da presidente Dilma Rousseff, é inadequado e muito precipitado.

O IBGE divulgou ontem que o IPCA subiu apenas 0,03% em julho. Ótimo. Foi a menor marca para o mês desde 2010. Melhor ainda. Com o resultado, a inflação oficial acumulada nos últimos 12 meses ainda está em 6,27%. Péssimo. Quem pode se dar por satisfeito com um índice tão alto assim?

Em algumas capitais, a inflação é bem mais elevada do que a média nacional. Em Fortaleza, por exemplo, supera 8% na variação acumulada em um ano; em Belém e Recife, está em torno disso. Diante destas constatações, não parece nem minimamente razoável considerar o dragão domado.

A inflação foi muito baixa em julho por fatores muito pontuais e circunstanciais. O principal deles a revogação das tarifas de transporte público. Os aumentos haviam sido postergados no início do ano justamente para evitar uma explosão dos índices de preços àquela altura. Caíram agora sob a pressão das ruas.

As autoridades de Brasília sabem que este componente – que estava completamente fora dos planos até as manifestações de junho – foi a principal razão para o resultado favorável de julho. Como, então, com base num fator extemporâneo, se dizem vitoriosas numa guerra tão importante quanto a que o país tem que travar contra a alta dos preços?

Alimentos também recuaram bem em julho, ajudados pela safra agrícola. No entanto, são itens que ainda pesam muito na cesta de consumo dos brasileiros: seus preços sobem 11,4% nos últimos 12 meses e 5,6% só neste ano.

Não fossem estes dois fatores positivos, o IPCA de julho último teria sido praticamente igual ao do mesmo mês do ano passado (0,25%) e a inflação acumulada ainda estaria lambendo o teto superior da meta. Será esta uma situação minimamente confortável?

A evolução dos preços dos serviços é outro indicativo de que o quadro não pode ser considerado satisfatório. A alta acumulada em 12 meses é de 8,5% e os aumentos em julho ficaram no mesmo nível registrado em junho (0,64%). Aluguéis e serviços de empregados domésticos estão pesando especialmente nesta conta.

Qualquer um que leve uma vida normal sabe que os preços estão doendo no bolso. Não há salário que acompanhe os aumentos da inflação. Na maior parte dos casos, também não há investimento financeiro que consiga superar a corrosão mensal. Esta é uma guerra que o dragão ainda está ganhando, com larga folga.

Mas, como quem vive em outro mundo, Dilma disse, na terra do ET de Varginha, que “a inflação está completamente sob controle”. Menos, presidente! Um país que convive há tempo com taxas médias próximas a 6% ao ano não pode considerar ter domado os preços.

A inflação brasileira tanto não está sob controle, que a previsão geral para 2014 (5,87%) é de índices ainda mais altos que os de 2013 (5,75%), segundo o Boletim Focus do Banco Central. Tanto não está comportada que, em 10 dos 31 meses da gestão Dilma transcorridos até agora, o acumulado em 12 meses superou o teto da meta definida pelo governo.

O governo sabe, ou deveria saber, que estes vales nas curvas de inflação verificados no meio do ano são sazonais e recorrentes. Foi assim em 2010, quando o IPCA saiu de 0,78% em janeiro para 0,01% em julho; em 2011, quando foi de 0,83% para 0,16%; e, no ano passado, caindo de 0,56% para 0,08% nos mesmos meses. Ou seja, passada a bonança, a curva sempre volta ascendente.

O governo também sabe, ou deveria saber, que há vários fatores artificiais ajudando a inflação neste momento. Além do represamento dos aumentos de tarifas de transporte público, a defasagem dos combustíveis – estimada em 20% – dá sua poderosa contribuição. Com o dólar em alta, esta situação é insustentável: um dia a alta terá de vir, e não será pequena.

Para o bem do país, o governo não deveria negar o óbvio ou tentar vender uma versão que não corresponde à realidade. Precisa, isso sim, perseverar no combate à alta generalizada de preços, manter uma política monetária austera e tornar a sua política fiscal menos expansionista, menos gastadora e, portanto, menos inflacionária.

Para o bem do país, o governo não deveria se dar por satisfeito em ter uma inflação como a dos níveis atuais e um crescimento econômico tão medíocre como o que o Brasil vem obtendo, transformando-nos numa jabuticaba no mundo. O IPCA registrado em julho é um gol a ser comemorado, mas a partida ainda está longe de acabar.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Menos médicos

Deu em quase nada até agora o programa inventado pelo governo federal para levar médicos ao interior e às periferias dos grandes centros. Como se ainda fosse necessário, a gestão petista vai aprendendo, na marra, que não é na base de improvisos que se resolvem problemas tão graves quanto a insuficiência de atendimento de saúde para os brasileiros.

O governo divulgou ontem que apenas 938 profissionais confirmaram sua participação no Mais Médicos. Eles representam apenas 6% da demanda registrada pelos municípios quando a presidente Dilma Rousseff lançou o programa, no início de julho, numa tentativa de desviar o foco dos protestos de rua e de sua vertiginosa queda de popularidade.

Há 15.460 vagas a serem preenchidas, mas poucos profissionais dispostos a encarar as condições que o governo oferece. A gestão petista quer que os médicos topem ir para rincões ou para as áreas mais inóspitas das grandes cidades, mas acena com pouco em troca. Na realidade, concede uma bolsa e um contrato de trabalho para lá de draconiano.

Os médicos que forem recrutados no programa não terão vínculos ou direitos trabalhistas. O contrato que terão que assinar exige que fiquem três anos na localidade para onde forem designados. Se desistirem antes da hora, são obrigados a devolver ao Estado o que já receberam.

Diante destas condições, não é surpreendente que mais de 3,5 mil municípios tenham se inscrito para receber médicos recrutados no programa, mas só 11% irão receber algum profissional e outros 2.028 não tiveram um único candidato interessado.

Um complicador a mais são as más condições para o exercício da profissão em locais naturalmente menos favorecidos. Junte-se tudo isso e tem-se a receita para uma infalível frustração.

Logo que o programa foi lançado, o governo correu a divulgar que a procura superara a oferta, pressagiando um sucesso retumbante. Não durou muito. Quando começou a fase de confirmação das inscrições, os números foram minguando. Dos 16.530 médicos que se manifestaram no início do processo, menos de mil o concluíram.

O ministro da Saúde disse ontem que “só quem não tem sensibilidade” não é capaz de ver que, mesmo com os resultados pífios, 4 milhões de brasileiros passarão a dispor de assistência médica a partir de agora. Pelo jeito, Alexandre Padilha parece se dar por satisfeito com padrões muito baixos de atendimento e qualidade.

Se os números do ministro estiverem corretos, cada médico do programa irá atender 4,2 mil brasileiros. Hoje a média nacional, que é considerada baixa, é de um médico para cada 555 brasileiros (ou, para usar a notação mais comum, 1,8 médico para cada mil habitantes).

Mesmo diante de tão maus resultados, o governo não desiste. Prorrogou, mais uma vez, o prazo para que interessados apareçam. E já indicou que vai tentar turbinar a importação de médicos estrangeiros – política copiada de países como a Venezuela e a Bolívia, que se entupiram de profissionais enviados por Cuba...

Como nada disso tem muita chance de render resultados significativos, uma alternativa será permitir que médicos militares possam atender também pelo SUS, o que hoje lhes é vedado por lei. A intenção é votar, a toque de caixa, uma proposta de emenda à Constituição com este teor que tramita no Senado. São mais esparadrapos e curativos.

Não vai adiantar a gestão Dilma continuar a tratar a saúde – apontada pelos brasileiros como principal problema do país e maior fragilidade do governo – na base da emergência. Ampliar o acesso da população é urgente e necessário, mas não é algo que se alcance com iniciativas forjadas em gabinetes e embebidas no éter do marketing.

A receita para melhorar os serviços é conhecida: aumentar a participação federal nos gastos do setor e melhor a gestão e a aplicação dos recursos. Estruturar uma carreira de Estado para a categoria de médicos e profissionais de saúde também poderia ser boa medida – afinal, o que pode ser mais importante para o poder público do que zelar pela vida das pessoas?

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Trens fantasmas

O governo parece que vai mesmo insistir na sandice do trem-bala, torrando muito dinheiro público e rasgando todos os princípios que devem nortear a boa administração. Construir as ferrovias que o país de fato precisa, contudo, a gestão petista não consegue.

Mesmo com todas as indicações contrárias, o leilão do trem-bala está mantido, com entrega das propostas prevista para a próxima quarta-feira, dia 14. Como a obra só para de pé à base de muito dinheiro do contribuinte, BNDES e Correios anunciaram ontem a intenção de se associarem aos consórcios em disputa. Incluindo fundos de pensão, a participação pública pode chegar a 80% do negócio, considerando aportes, subsídios e financiamentos camaradas.

Ninguém, nesta altura do campeonato, é capaz de dizer quanto o trem-bala vai custar. As estimativas começaram, lá em 2007, na casa dos R$ 19 bilhões. Hoje não há quem aposte que a obra saia por menos de R$ 50 bilhões e até o governo federal admite que os custos já pelo menos dobraram desde o projeto original. É a mais cara obra de infraestrutura já feita no país.

Tanto dinheiro seria suficiente para praticamente zerar os problemas de mobilidade urbana nos grandes centros brasileiros, como mostrou o Ipea em 2010. Alternativamente, seria capaz de bancar 10 mil km de ferrovias e tornar o Brasil uma verdadeira potência agrícola e exportadora, dando máxima competitividade às safras colhidas no interior, que poderiam passar a dispor de farto transporte por trilhos até nossos portos.

Mas a opção dos petistas é outra: apostar numa obra que, até agora, não se mostrou realmente necessária, competitiva ou sustentável. O modelo de negócio é mirabolante e as regras mudam a toda hora. Estima-se que a passagem do trem-bala chegue a custar R$ 650, mais que o dobro da previsão oficial, segundo O Globo, e bem mais que os bilhetes de ônibus e aviões que a ferrovia, supostamente, pode vir a substituir.

Esta será a quarta tentativa do governo de leiloar a obra: por duas vezes, o certame foi adiado e na terceira ninguém apareceu para dar lances. “É um projeto mal feito. Até hoje não há trajeto definido, nem projeto executivo de engenharia”, resume Paulo Fleury, professor da UFRJ e um dos maiores especialistas do país em logística e transportes.

“Para começar, vai haver dinheiro público, muito subsídio, empréstimo a juro de pai para filho, prazos de avô para neto, carências e garantias. Para continuar, não se sabe quanto vai custar o trem (ainda não há projeto)”, comenta Vinicius Torres Freire na edição de hoje da Folha de S.Paulo.

Enquanto afunda no projeto do trem-bala, o governo descuida das demais ferrovias em construção no país e enfrenta sérias dificuldades para levar adiante seu programa de concessões para o setor. Até hoje, Dilma Rousseff não inaugurou um metro sequer de trilhos e seu governo corre risco de passar batido nesta seara.

O exemplo mais gritante da incúria petista com nossas ferrovias é o que acontece com a Oeste-Leste (Fiol), que, com 1.022 km, ligará o Centro-Oeste a Ilhéus, no litoral da Bahia. Pelo cronograma inicial, o empreendimento deveria ter sido inaugurado no último dia 31, mas a realidade difere muito da propaganda oficial: até hoje é uma obra fantasma.

“Depois de ter suas obras contratadas há mais de três anos, a Fiol ainda está distante do dia em que os trens finalmente poderão rodar em seu traçado. Até hoje, nenhum metro de trilho foi instalado”, mostrou o Valor Econômico em alentada reportagem publicada na semana passada. A Fiol tem o dobro do traçado do trem-bala e deverá custar menos de um décimo.

Igualmente problemática é a construção da ferrovia Norte-Sul. Trechos inteiros estão tendo de ser refeitos, por problemas de concepção e projeto e uma execução para lá de catastrófica por parte da Valec – que o PT quer enfiar nos consórcios privados das próximas concessões. Com isso, o país vai desperdiçando muito dinheiro e perdendo muitas oportunidades.

A falta de transporte sobre trilhos em direção aos portos da região Norte, por exemplo, vai impedir que produtos brasileiros se aproveitem, num primeiro momento, da ampliação do canal do Panamá, obra que vai revolucionar a logística mundial. A ligação entre Açailândia, no Maranhão, e Barcarena, no Pará, não sai do papel.

O governo Dilma bolou um plano ambicioso de logística, que prevê investimentos de R$ 133 bilhões em até 30 anos, dos quais R$ 80 bilhões no primeiro quinquênio. Mas da intenção aos fatos vai longuíssima distância e a dificuldade dos petistas em definir regras equilibradas e transparentes para as concessões está embarreirando o interesse dos investidores privados.

Um país com dimensões continentais como o Brasil não pode prescindir da alternativa barata e competitiva das ferrovias. Há dinheiro e apetite para investir nos trilhos, mas faltam equilíbrio e clareza de regras. Ao insistir no trem-bala e deixar de lado os traçados de que o país realmente necessita, o governo da presidente Dilma Rousseff dá mostra de que prefere embarcar numa viagem de puro terror.