sexta-feira, 29 de abril de 2011

Erros ‘suficientemente prolongados’

O Banco Central deixou claro ontem que a estratégia que vinha adotando até agora para debelar a inflação é insuficiente. Depois de muito tempo sendo criticada, a autoridade monetária parece, pela primeira vez, reconhecer que precisa dedicar esforço maior para segurar a escalada de preços. Demorou e pode sair caríssimo ao país.

A ata divulgada ontem, relativa à reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) realizada na semana passada, prenuncia um período “suficientemente prolongado” de elevação dos juros, com base na constatação de que “o cenário prospectivo para a inflação não evoluiu favoravelmente” desde o início de março. O BC admite agora que apostou suas fichas no cavalo errado.

Antes consideradas “instrumento rápido e potente para conter pressões localizadas de demanda”, as medidas de contenção de crédito (“macroprudenciais”) perderam o brilho como alternativa para atacar o dragão da inflação. O que era regra de ouro um mês e meio atrás agora sumiu do radar, em favor da prevalência da bazuca dos juros.

O consenso dos analistas é que virão pela frente taxas mais altas para conter os preços. O processo de alta dos juros deve prolongar-se por um período maior, ao contrário do que se previa até poucas semanas atrás. Isso é o que se depreende da leitura do papel divulgado ontem. Se as ações corresponderão às expectativas são outros quinhentos, já que o BC tem sido reincidente em indicar caminhos dúbios nos últimos meses.

Um exemplo de ambiguidade: Se o BC admite que a situação da inflação piorou desde a reunião anterior do Copom, ocorrida no mês passado, por que a Selic subiu menos (apenas 0,25 ponto porcentual) agora do que em janeiro e março? Mais: por que, em termos reais, os juros ficaram até menores no período, enquanto a inflação escalava?

A despeito disso, os aumentos dos juros deverão continuar a vir a conta-gotas. É o que se chama “estratégia gradualista”, numa linha parecida com a que, do outro lado da Esplanada, o Ministério da Fazenda gosta de adotar em suas políticas. Para um país onde a indexação ainda é regra, pode ser arriscado demais como arma antiinflacionária.

“O Copom sabe que um tratamento gradual, que permite uma sintonia mais fina na dosagem do remédio, tem o preço de prolongar o tempo de correção de rota. O tratamento prolongado da inflação em uma economia com o histórico da brasileira tem o risco de abrir espaço para recidiva da reindexação de preços”, alerta o Valor Econômico em editorial.

O que parece fora de dúvida é que a inflação claramente escapou da trajetória desejada. O IPCA acumula alta de 6,30% nos 12 meses até março, em rota ascendente depois dos 6,01% de fevereiro e dos 5,99% de janeiro. As projeções de analistas de mercado compiladas no Boletim Focus sobem há sete semanas e já anteveem a inflação próxima do teto da meta (6,5%). Para piorar, há o forte impacto da elevação dos serviços: nos 12 meses terminados em março, a alta é de 8,53%, maior variação desde agosto de 1997, ou seja, em quase 14 anos.

Resta evidente a desproporção entre a força da inflação e a debilidade da estratégia de contra-ataque adotada pelo Banco Central sob as bênçãos de Dilma Rousseff, que compactou com o diagnóstico equivocado que vigorou até agora nos meios oficiais. Foram meses a fio persistindo no erro, vendo a inflação brasileira como mero espelho da escalada global. A que custo?

“O Banco Central poderia reconhecer também – mas isso talvez fosse exigir demais – que os tais impulsos fiscais excessivos foram a base da forte expansão de renda, de demanda e de preços. E poderia reconhecer, ainda, que, nos quatro primeiros meses deste ano, o revide foi frouxo demais em relação ao tamanho do estrago sobre o salário do trabalhador”, provoca Celso Ming, na mais acurada análise disponível nos jornais sobre a ata do Copom.

O que a ata do Copom também não explicita é a responsabilidade da política petista em incentivar a inflação. Falta dar nome aos bois. Aqui vai: o que os brasileiros estão pagando a mais hoje nos supermercados, farmácias, escolas e barbearias da vida é o preço pela eleição de Dilma. As torneiras do gasto público jorraram demais e por muito tempo. Para PT, em ano eleitoral valia tudo. O pato por estes erros “suficientemente prolongados” ficou para o assalariado pagar.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A incógnita dos aeroportos

Ninguém sabe ao certo o que esperar da proposta do governo de privatizar os aeroportos do país. A intenção – correta – foi anunciada pelo ministro-chefe da Casa Civil numa sessão solene, a primeira reunião do Conselhão, ocorrida anteontem. Mas os detalhes, onde o diabo se esconde, só serão conhecidos nas próximas semanas ou meses. O modelo pode demorar mais do que o desejável para sair e pode, também, resultar em um monstrengo em que ao contribuinte restará pagar a conta.

Possivelmente, a privatização dos terminais magnetizará a atenção da opinião pública nos próximos meses. O assunto interessa à classe média que hoje pena nos nossos caóticos aeroportos. Interessa a companhias e empresas atraídas por negócios bilionários. Interessa ao governo, doido para se livrar do ônus dos atrasos e da má organização que hoje impera no setor sob a égide da Infraero, mastodonte de 20 mil funcionários.

O foco atual recai em especular qual, ou quais, sistema será adotado pelo governo Dilma Rousseff. Por ora, conhece-se apenas o elogiável propósito de fazer as concessões, que, especula-se, podem vir por meio de distintos modelos de exploração. Mas desconfia-se que o PT, viciado por décadas de cacoete antiprivatista, claramente não saiba como agir. Aí é que mora o perigo: o governo tende a improvisar onde não cabe.

Uma empreitada desta envergadura destina-se a ser um marco na evolução econômica do país. Como aconteceu, por exemplo, nas comunicações. O governo de Fernando Henrique Cardoso percebeu a exaustão do decadente modelo estatal e partiu para enfrentar o desafio de alterá-lo.

Diante da constatação, montou um arcabouço legal abrangente e criterioso. Tudo foi feito com metas de qualidade e atendimento, incumbências aos investidores. O resultado foi uma verdadeira revolução, não só no setor como na economia como um todo. Onde estaríamos hoje sem celulares e internet – cuja expansão o governo federal agora quer novamente avocar para si, mas cuja implementação foi, mais uma vez, adiada ontem?

A mudança no setor aéreo exige fôlego semelhante. É preciso instituir-se um marco legal que exprima regras claras e estáveis para que o investimento venha, mas, principalmente, para que o usuário tenha seus direitos respeitados na forma de atendimento de qualidade. Mas, na pressa com que se vê obrigado a agir, o governo federal poderá acabar atendendo um dos interesses, mas relegando o outro.

Por ora não se sabe, por exemplo, se as concessões abrangerão somente a construção de terminais de passageiros ou também pistas e áreas de estacionamento. Não se sabe se irão estender-se às estruturas já existentes nos aeroportos ou apenas às novas expansões. Sabe-se apenas que agora o governo quer fazer tudo rápido, para tentar remediar a lambança das deficiências que já existem e de atrasos que se avizinham.

Não foi por falta de aviso que os problemas nos aeroportos vicejaram. A oposição sempre defendeu a exploração privada como melhor alternativa para o bom funcionamento dos terminais aéreos do país. Disse isso com todas as letras na campanha eleitoral do ano passado. O mesmo PT que então achincalhou a proposta apresentada agora a acolhe. Fosse honesto, pediria desculpas aos eleitores que enganou.

Resta a dúvida de como o cristão novo se comportará na missa. Premido pela pressa, o governo tende a lançar mão de remendos. Em lugar de terminais duradouros, os puxadinhos, como preveem os planos atuais da Infraero. Na mais provável das hipóteses, o custo irá às alturas: quando se paga com urgência, como na situação à qual a inércia e os dogmas do PT nos conduziram, o preço sai bem mais caro.

O governo promete soltar os editais referentes às concessões dos cinco principais aeroportos brasileiros – Cumbica (SP), JK (DF), Confins (MG), Viracopos (SP) e Galeão (RJ) – até julho. Pelo grau de improviso que se viu até hoje, pode ser que não consiga: em São Gonçalo do Amarante (RN), primeiro aeroporto concedido à iniciativa privada no país, a Casa Civil levou seis meses para publicar o decreto com o modelo a ser adotado, primeiro passo do cronograma; até hoje a licitação ainda não saiu.

É bom ficar atento ao que o governo federal fará doravante. Bem administrados, aeroportos tendem a ser excelente negócio – só a exploração comercial das instalações já produz receita de monta para as empresas que os operam. O risco maior é o filé ir para as empresas e o osso sobrar na mão do Estado, que, a depender do arcabouço montado, ainda pode arcar com custos de obras, manutenção e melhoramentos em vários aeroportos. De boas de intenções, o inferno está cheio.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A distância entre discurso e prática do PT

É bem-vinda a disposição do governo Dilma de combater “diuturnamente e noturnamente” a inflação, conforme afirmado ontem pela presidente da República perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. É também mais que bem-vinda a decisão, anunciada ontem, de conceder os principais aeroportos do país à exploração privada. O problema é a distância entre o discurso petista e a prática.

O governo aproveitou a primeira reunião do Conselhão – um balaio de gatos que junta dezenas de lideranças empresariais, sindicalistas, artistas e gente de todo o tipo – para reafirmar o compromisso com o combate à inflação. O que mais espanta é que, nesta altura do campeonato, com os preços em franca disparada, ainda se esteja tendo de perder tempo em tentar convencer o público com o gogó, ao arrepio de ações concretas.

Mais grave ainda é que Dilma, Fazenda e Banco Central agora se manifestam em uníssono, atribuindo a inflação a fatores globais. Apontam todos para o culpado errado. Guido Mantega chegou a dizer que não estamos tão “mal na foto”, embora os próprios dados que apresentou ontem indiquem que a escalada de preços no Brasil só perca para as da Índia, Rússia e Argentina.

O diagnóstico é equivocado porque o país sofre com uma inflação diretamente resultante da leniência do governo passado, que disparou os gastos públicos e incentivou crédito e consumo além da conta para eleger a atual presidente. Ou seja, ao fator global, que efetivamente existe, juntam-se razões absolutamente domésticas. Paga-se hoje o que poderíamos chamar de “custo Dilma”, vitimando principalmente os mais pobres e quem vive de salário em geral.

Isso é fato, que até a presidente enfim admitiu ontem, embora meio a contragosto: “Além dessas pressões internacionais, hoje, nós sabemos também – e não vamos esconder esse fato – que a nossa inflação subiu devido a choques internos”, registrou a Folha de S.Paulo. A postura contrasta com o que ela vinha defendendo – inclusive em sua mais enfática manifestação recente sobre o assunto, na entrevista que deu ao Valor Econômico em março.

Os números oficiais confirmam o peso desproporcional e fundamental do gasto público na atual disparada de preços. Mantega escancarou-os ao Conselhão ontem. No ano passado, em que o país crescia vigorosamente, foi praticada uma política fortemente expansionista e as despesas públicas subiram quase 20%.

A maior parte dos diagnósticos sugere que é preciso desacelerar gastos e, consequentemente, a economia para conter a inflação, unanimemente tida como o mal maior a ser evitado. Mas neste ano as despesas do governo voltarão a crescer com força: mais 7,1%, ou quase o dobro do que o crescimento projetado para o PIB. Segundo Mantega, é para “não matar a galinha dos ovos de ouro”. Desdenha ele que a inflação é capaz de dizimar todo o galinheiro.

A distância entre a preocupação com a inflação e as ações da equipe econômica também pode ser verificada por outro aspecto: os juros, principal arma para debelar preços. Cristiano Romero mostra hoje no Valor Econômico que o último aumento, decidido na semana passada, na realidade resultou numa taxa de juro real mais baixa do que a que vigorava dois meses atrás.

Em princípio de março, a taxa real estava em 6,88% ao ano e agora caiu para 6,65%, considerando os juros futuros de 360 dias e as expectativas de inflação para os próximos 12 meses. A despeito de a inflação só ter aumentado, o juro de hoje é praticamente o mesmo de janeiro. “Em resumo, o quadro é este: enquanto os agentes do mercado acreditam que a inflação será maior neste e no próximo ano, o BC pratica juro real menor para enfrentar o problema”.

As contradições petistas também se manifestam na intenção de conceder os aeroportos à iniciativa privada, agora oficializada. Trata-se de medida tão aguardada quanto sistematicamente postergada pelo PT ao longo dos últimos oito anos. As concessões sempre foram demonizadas na gestão Lula, com aval da então chefe da Casa Civil e hoje presidente da República.

A pressa de agora justifica-se pelo cenário de caos que já se vive nos aeroportos brasileiros e que só tende a aumentar. Dos 67 terminais administrados pela Infraero, cinco já deverão ser concedidos até julho, com investimento de R$ 4 bilhões. Mas, mesmo quando estiverem prontas, as obras de reforma dos terminais já chegarão defasadas: daqui até a Copa, o fluxo de passageiros deve crescer 45%, superando em muito as projeções da Infraero.

Tanto no caso da inflação quanto no dos aeroportos, o PT está tendo de dobrar-se aos fatos. O partido está vendo seu discurso ser superado pela dura realidade. Tanto melhor para o país que dogmas perniciosos para a sociedade brasileira sejam abandonados em favor dos interesses da população. O importante é que este novo discurso seja incorporado à prática cotidiana do governo.

terça-feira, 26 de abril de 2011

A guerra sem trégua nas rodovias

A triste sina das mortes nas estradas brasileiras voltou a se repetir nesta Páscoa. Durante os cinco dias da Semana Santa, 175 pessoas morreram em acidentes rodoviários no país. A imprudência dos motoristas é responsável por parte desta calamidade, mas a omissão do poder público colabora enormemente para transformar datas festivas em tragédias.

Segundo balanço divulgado ontem pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), ocorreram 3.861 acidentes nas estradas federais entre 0h da última quarta-feira e meia-noite do domingo de Páscoa. Além das mortes, eles deixaram 2.274 pessoas feridas.

Em termos absolutos, os números são menores do que os do Carnaval, o que foi destacado pelo governo. Mas a comparação é enganosa: o feriado da Semana Santa teve um dia a menos e, para igualá-lo ao de março, a PRF incluiu nas estatísticas os dados de terça-feira passada, dia útil normal. Na comparação com a Páscoa de 2010, as ocorrências só pioraram. Ou seja, o cenário nas nossas estradas manteve-se calamitoso.

Minas Gerais, que tem a maior malha federal, Santa Catarina, Bahia e Paraná ocuparam as primeiras posições no ranking de mortes, feridos e acidentes. Em Piauí, Rondônia, Rio Grande do Sul e Acre, o número de mortos dobrou nesta Páscoa.

Já se tornou lugar comum dizer que o trânsito é uma guerra diária no Brasil. Mas não custa ressaltar quanto esta guerra é sangrenta e quão pouco tem sido feito para estancá-la.

O Brasil ocupa a quinta posição no mundo em quantidade absoluta de mortes no trânsito, depois de Índia, China, EUA e Rússia. Em diversos estados, mais pessoas morrem vítimas de acidentes automobilísticos do que de homicídios. Acontece todo dia.

Por ano, nossas rodovias vitimam 36 mil pessoas e deixam 500 mil feridas. São cerca de 100 óbitos diários. É como se, a cada dois dias, caísse um Boeing. No país, a cada 100 mil habitantes, 20 morrem em acidentes de trânsito. Há uma meta oficial para reduzir a média para 14, mas os esforços estão bem aquém do necessário.

As piores “rodovias da morte” são, sem exceção, da alçada federal: a BR-381 em Minas; a BR-470 em Santa Catarina; a BR-163 em Mato Grosso; a BR-324 na Bahia. São apenas alguns exemplos. Muito menos perigosas tem se mostrado as rodovias estaduais concedidas à exploração privada, mais bem cuidadas e patrulhadas.

As rodovias federais sofrem com a má conservação e com a péssima fiscalização: a PRF opera hoje com déficit de 4 mil patrulheiros, o que corresponde a 40% do pessoal na ativa. Os postos de pesagem não funcionam: dos 240 que deveriam operar, existem apenas 70 construídos e poucos em atividade.

Sem controle, caminhões sobrecarregados causam acidentes com mais facilidade. Também deterioram o piso das estradas e agravam as condições de tráfego: hoje 56% das vias pavimentadas no país estão desgastadas, com buracos, afundamentos ou destruídas. São, portanto, um convite a tragédias.

É também o que acontece com os radares eletrônicos. Há quatro anos, os equipamentos para controlar o excesso de velocidade foram desativados, depois que chegou ao fim o contrato do governo federal com as empresas que os operavam. Só agora o governo promete voltar a instalá-los nas rodovias federais – num total de 2.696 até 2012. Em locais onde existem, os radares colaboram para reduzir acidentes em 70%.

A omissão não para por aí. Quando há legislação, ela não é cumprida por falta de fiscalização que coíba excesso de velocidade e imprudência dos motoristas. É o caso da Lei Seca, achincalhada pela venda ilimitada de bebidas alcóolicas na beira de estradas brasileiras.

Tudo somado, temos que os mais de 57 mil quilômetros de rodovias que estão sob a responsabilidade do governo federal se transformaram numa terra sem lei, num lastimável salve-se quem puder. Nesta guerra, já passa da hora de desfraldar uma bandeira branca.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O Brasil em marcha lenta

Feriados deveriam ser um momento de descanso em meio a dias de dedicação ao trabalho. Mas, nesta Semana Santa, para milhares de brasileiros a merecida pausa foi marcada por longas esperas, contratempos em estradas e filas em aeroportos que vão se tornando rotineiras. Sem investimentos à altura, a infraestrutura do país caminha cada vez mais para um “paradão”.

Exemplo sintomático da situação de caos na estrutura de transporte brasileira ocorreu na BR-381, no trecho que liga Belo Horizonte a Governador Valares, em Minas Gerais. Às vésperas do feriado, o que era mais do que previsível ocorreu: uma ponte cedeu por falta de manutenção rotineira do DNIT. O tráfego, um dos mais pesados do país por se tratar de uma rota industrial e turística, teve de ser desviado e os motoristas purgaram congestionamentos de dezenas de quilômetros.

A BR-381 é uma das mais perigosas do país, registrando quase uma morte por dia. Os planos para sua reforma foram deixados de lado na era Lula – e onde estavam continuam. Mas o que ocorreu nesta que é uma das mais temidas “rodovias da morte” do país é apenas um dos vários incidentes que se tornaram rotina nas estradas brasileiras. Dinheiro para investir não falta, inclusive na forma de recursos tributários específicos para o setor. O que falta é competência para bem aplicá-los.

Poucos sabem, mas existe um tributo especialmente destinado a custear melhorias na infraestrutura e na malha viária: a Cide-Combustíveis. Ele vem de parte do preço que o consumidor paga pela gasolina vendida nos postos. No ano passado, foram arrecadados R$ 8 bilhões. Neste primeiro trimestre, já entraram mais R$ 2 bilhões no caixa do Leão. Mas o dinheiro continua servindo apenas para engordar o caixa do Tesouro.

O governo do PT tem dificuldade para transformar os fartos impostos cobrados dos brasileiros em melhorias e mais bem-estar para a população. Ao mesmo tempo, resiste a abrir espaço para que a iniciativa privada cuide da nossa infraestrutura. Até hoje, apenas 4,8 mil km de rodovias foram concedidos, o que equivale a somente um terço do que é considerado passível de concessão no país.

Mas o excesso de tráfego e as más condições das estradas não foram o único empecilho com o qual os motoristas se depararam no feriadão. Os brasileiros estão começando a conviver com um “apagão de combustíveis”, conforme descreveu O Estado de S.Paulo em sua edição de sábado. Em muitos postos, a gasolina simplesmente desapareceu, confirmando o que a própria Petrobras havia admitido há alguns dias.

O que está ocorrendo é que está faltando etanol no país, segundo maior produtor mundial deste combustível. Com isso, os preços do álcool explodiram, empurrando a demanda dos motoristas por gasolina. Já em 2010 o consumo superara a produção brasileira em 11% e neste ano tende a sangrar ainda mais a balança comercial.

A despeito de toda a parolagem publicitária, o Brasil continua dependendo da importação de petróleo e derivados. A tão propalada autossuficiência nunca existiu de fato. Neste ano, a balança de derivados de petróleo deverá registrar déficit de US$ 18 bilhões. Em 2010, o rombo atingira US$ 13 bilhões, ou quatro vezes mais do que no início da década.

Tudo considerado, o que se vê hoje é um país absolutamente despreparado para enfrentar o grande salto adiante que precisa ser dado. O PT diz que “retomou o planejamento estratégico”. Não é o que se percebe, onde quer que se vá por este país afora. Por terra, por mar, pelo ar, está tudo cada vez mais parado. Feriado no Brasil virou motivo de cansaço.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Tijolaço tributário

Como tem sido praxe nos últimos anos, a arrecadação de impostos bateu novo recorde no primeiro trimestre. Faça chuva ou faça sol, o país cresça ou não, só uma coisa não muda no Brasil: a carga tributária é sempre crescente. Deve vir mais pela frente.

Entre janeiro e março, os brasileiros deixaram R$ 226 bilhões nos cofres do Leão. É o maior valor já pago no país em impostos e contribuições federais no primeiro trimestre de um ano. Para a sanha arrecadatória do PT, só o céu é o limite.

Apenas em um único mês, o de março, os brasileiros pagaram R$ 71 bilhões. Só a arrecadação extra em comparação com o primeiro trimestre de 2010 chega a R$ 36 bilhões – o equivalente à CPMF, que o governo tanto quer ressuscitar, de um ano todo. É dinheiro que não acaba mais sendo sugado dos contribuintes.

A arrecadação federal teve crescimento real – já descontada a inflação – de 12% em relação ao mesmo período no ano passado. A Receita Federal diz que o percentual deve cair ao longo do ano para “apenas” 9%. Ou seja, na pior das hipóteses a carga de impostos deve aumentar duas vezes mais do que a economia brasileira deve crescer neste ano.

Há sérias dúvidas sobre se a previsão da Receita vá se confirmar. Nas últimas semanas, o governo Dilma Rousseff lançou mão do que pode ser considerado um pacotaço tributário, sob alegação de conter a queda do dólar e esfriar o consumo e a inflação. Até agora, não conseguiu nem uma coisa nem outra, mas é provável que obtenha mais dinheiro para seus cofres.

Estima-se que os tributos aumentados recentemente pelo governo renderão receita adicional de pelo menos R$ 16,3 bilhões ao Fisco, segundo publicou O Globo na segunda-feira. Entram nesta conta o aumento dos impostos e contribuições incidentes sobre a venda de bebidas e a elevação do IOF cobrado sobre operações de empréstimo feitas no exterior, compras com cartões de crédito internacional e aplicações estrangeiras em renda fixa.

Ainda não deu tempo de as medidas recentes se refletirem em número de arrecadação – a maior parte passou a valer em fins de março. Mas aumentos anteriores já alteraram substancialmente as receitas obtidas, por exemplo, por meio do IOF.

O imposto sobre operações financeiras vem sofrendo reajustes desde 2008. De lá para cá, o peso do IOF no bolo tributário mais que dobrou: de 0,29% para 0,77% do PIB, mostrou a Folha de S.Paulo recentemente. Na prática, o IOF tornou-se o sucedâneo da CPMF.

O comichão tributário do governo do PT é insaciável. Diante de qualquer anomalia que percebe na economia, a área econômica petista pensa logo em aumentar a taxação – é seu pensamento único. Recentemente, por exemplo, cogitou-se cobrar mais impostos de minério de ferro para incentivar a exportação de aço e elevar o imposto do açúcar para forçar a produção de álcool.

O aumento da arrecadação tem sido a forma mais fácil de o governo federal proceder ajustes nas suas contas. A preferência do PT é por jamais cortar gorduras e gastos, e sempre aumentar o arrocho imposto aos contribuintes. Neste ano não deverá ser diferente.

O Valor Econômico antecipa em sua edição de hoje os resultados previstos para o superávit primário consolidado do setor público (União, estados e municípios) no primeiro trimestre. Os números oficiais só deverão ser conhecidos na semana que vem, mas o jornal informa que o resultado “vai se situar entre R$ 38 bilhões e R$ 40 bilhões, o equivalente a um terço da meta prevista para todo este ano”, de R$ 117,9 bilhões, e “deve-se mais ao aumento da arrecadação tributária do que ao corte de gastos”.

O governo Dilma vem, portanto, unindo o que lhe é agradável ao que pode lhe ser útil. Não impõe normas mais rígidas em relação às despesas públicas, como deveria fazer; relaxa as amarras legais para os gastos, ao manietar o TCU e o Congresso em seu papel fiscalizador; aumenta tributos toda vez que o calo aperta e, assim, arruma uma maneira de cumprir as metas fiscais. Na devassa petista, a conta sempre vai sobrar para o contribuinte.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Bom negócio é atrasar

Obras em atraso, planejamento falho e suspeitas de irregularidades têm sido a tônica dos projetos tocados pelos governos do PT. Com a Copa de 2014 e as Olimpíadas do Rio não tem sido diferente. A solução petista para enfrentar situações desta natureza também se mantém a mesma: afrouxar a lei e eliminar as amarras para gastos.

A primeira proposta orçamentária do governo Dilma Rousseff, enviada ao Congresso na sexta-feira, traz um rol de dispositivos voltados a “flexibilizar” a aplicação de recursos públicos. O objetivo declarado chega a ser nobre: “agilizar” obras e ações necessárias ao desenvolvimento do país. Mas os efeitos colaterais tendem a ser os mais espúrios possíveis.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012 inova onde não deveria. Um dos seus dispositivos, segundo revela O Globo em sua edição de hoje, dificulta a fiscalização de obras pelo Tribunal de Contas da União (TCU) – órgão que nos últimos anos foi alvo recorrente da ira petista, incluindo Lula, pelo seu zelo com a coisa pública.

Pela proposta enviada pelo governo ao Congresso, só deverão ser classificadas como “obras com indícios de irregularidades” – portanto, passíveis de ser paralisadas e ter suas verbas bloqueadas pelos parlamentares – aquelas cuja execução tenha sido julgada irregular por pelo menos um ministro do TCU. Até agora, bastava apenas relatório técnico do tribunal para que obras entrassem nessa lista.

“Um dos problemas desse método é que, quando o TCU finalmente ouvir todos os envolvidos e gestores responsáveis pelos projetos, as obras já estejam em andamento adiantado, sendo impossível reverter problemas como superfaturamento de preços ou falhas na licitação”, alerta O Globo.

Fragilizar a vigilância do TCU não é, porém, a única frente de ataque à moralidade na aplicação dos recursos públicos perpetrada pelo governo do PT. Também se articula no Congresso a aprovação de uma mudança na lei de licitações (nº 8.666) que cria um regime “diferenciado”, muito mais flexível, para a contratação de obras públicas.

É curioso ver como o governo trata temas tão sensíveis com tamanha ligeireza – ou seria esperteza? A mudança na lei que rege as licitações públicas deve ser incluída numa medida provisória que disciplina a função de médico-residente no país... Ou seja, deve tramitar no Congresso como contrabando, com o mínimo de discussão com a sociedade.

Mas o governo Dilma não parece satisfeito em apenas atropelar o TCU e assassinar a lei de licitações. Também quer caminho livre para gastar o que – e como – bem entender do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), como mostra hoje a Folha de S.Paulo.

Também incluída na LDO, a proposta autoriza o Executivo federal a gastar recursos do PAC sem autorização do Congresso enquanto não houver uma lei orçamentária aprovada pelos parlamentares. No texto, obras e ações do programa foram enquadradas como “despesas inadiáveis”.

Se tal proposta prosperar, não deverão ser raras as ocasiões em que o Executivo federal ganhará carta branca para gastar a bel-prazer. Atrasos na aprovação do projeto de lei orçamentária têm ocorrido com frequência e o país já chegou a passar todo um semestre sem um orçamento federal em vigor.

As críticas a todas estas propostas poderiam ser mera implicância da oposição. Mas, infelizmente, não é o caso. Ontem mesmo, depois de o Ipea ter divulgado algo similar relativo aos aeroportos das cidades-sede da Copa, o TCU apresentou relatório sobre o ritmo de todas as obras destinadas ao torneio.

Em relação aos estádios, o órgão encontrou indícios de irregularidades na contratação da PPP da Arena das Dunas (que mal saiu do papel em Natal), sobrepreço de R$ 71,2 milhões no estádio de Manaus e “pontos críticos no contrato” de Pernambuco, como “transferência ao poder público de riscos financeiro e cambial”.

Em Natal, Manaus, Cuiabá e Brasília, foram encontrados “riscos de rentabilidade”, sem identificação de ações para acabar com a ameaça de as arenas virarem elefantes brancos depois do Mundial. Já 16 dos 50 projetos de mobilidade urbana correm risco de atraso.

O pretexto do governo federal para agilizar trâmites orçamentários e fiscalizatórios é justamente não fazer feio na Copa de 2014, para a qual o país já teve quase quatro anos para agir, mas pouco fez até agora – e quando agiu, fez mal, como comprova o TCU.

Uma explicação mais realista para o pacote de frouxidão engendrado pelo governo Dilma está nas imensas possibilidades de desvio de dinheiro público que se abrem em situações assim. É uma prática recorrente do PT: retardar ao máximo o que tem de ser feito, para então tratar tudo como emergência. Vale a máxima que Janio de Freitas resume na Folha de hoje: “Bom negócio é atrasar”.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Segurança, uma conquista tucana

Pouco mais de 16 anos de gestão tucana à frente do governo de São Paulo produziram um resultado formidável. Ao contrário do que, em geral, vem ocorrendo no restante do país, as taxas de criminalidade caíram vertiginosamente no estado. Assim como foi responsável por derrotar a inflação nos anos 90, o PSDB está mostrando que tem capacidade para aniquilar a chaga que hoje mais amedronta a sociedade brasileira: a violência.

Neste fim de semana, foram divulgados os resultados sobre a criminalidade em São Paulo no primeiro trimestre deste ano. O estado já está abaixo do índice considerado epidêmico pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é, de longe, o mais seguro do país. É a primeira vez que isso acontece no Brasil.

A proporção de homicídios caiu a 9,52 por 100 mil. No fim dos anos 90, o índice no estado chegou a ser de 35,3. Ou seja, a queda nestes dez anos supera 70%. Isso representa mais de 40 mil vidas poupadas ao longo dos anos. Apenas neste primeiro trimestre, a diminuição de homicídios na capital foi de 41% e no estado como um todo, de 19%, em relação ao mesmo período do ano passado.

Em uma visão mais retrospectiva, pode-se constatar que os índices de violência paulistas voltaram ao patamar dos anos 60. A política tucana de combate ao crime alia aumento vigoroso de investimento em segurança (são R$ 12 bilhões por ano), maior rigor contra criminosos, uso de modernas tecnologias, maior esclarecimento de crimes e aumento das prisões. A retirada de armas de circulação é outro importante fator.

Esta é uma receita que tem mostrado que dá certo e, infelizmente, contrasta com o fiasco da política federal de combate à criminalidade. A violência está no centro das preocupações das famílias brasileiras, que temem não apenas ser vítimas de delitos como também ver a vida de um dos seus dilacerada pelas drogas.

Enquanto em São Paulo o combate ao crime levou os índices de criminalidade a um declínio contínuo e vertiginoso, as médias nacionais não têm se alterado. Hoje a taxa de homicídios no país oscila em torno de 25 para cada 100 mil habitantes. Atualmente, ocorrem 43 mil assassinatos por ano no Brasil, ou 117 por dia.

A promessa do governo petista era reduzir o índice de homicídios pela metade até 2010. Mas o que se viu foi aumento do tráfico, expansão do uso de entorpecentes e interiorização da violência. A criminalidade é particularmente explosiva em estados do Nordeste: na última década, o índice de assassinatos multiplicou-se em estados como Maranhão (297%) ou Bahia (237%).

As atribuições federais no combate ao crime são limitadas pela Constituição. Mas algumas de suas funções precípuas são cuidar de nossos mais de 16 mil quilômetros de fronteiras, combater o tráfico de drogas e o contrabando de armas, que alimentam a violência nos grandes centros e espraiam o vício por todo o país – como constatado por pesquisa feita recentemente pela Confederação Nacional dos Municípios e por reportagem de O Globo neste domingo.

É tudo o que o governo do PT não vem fazendo. Em sua edição de hoje, a Folha de S.Paulo mostra que o corte orçamentário obrigou a Polícia Federal a reduzir o contingente nas fronteiras brasileiras, porta de entrada de armas e drogas no Brasil. O Ministério da Justiça perdeu R$ 1,5 bilhão dos R$ 4,2 bilhões previstos no Orçamento – ou seja, 36%.

“Os cortes comprometeram a Operação Sentinela, feita com a Força Nacional de Segurança e a Polícia Militar nos Estados. A ação combate crimes como tráfico internacional de drogas, entrada de armas, contrabando e imigração ilegal. Houve redução do efetivo desde a Amazônia até o Rio Grande do Sul”, registra o jornal.

Delegacias da PF como as de Corumbá e Ponta Porã, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, estão à míngua, com redução de 60% no efetivo. No Rio Grande do Sul, importante ponto de combate à entrada de armas, o número de agentes também caiu à metade. Confrontado com tal realidade, o ministro da Justiça repetiu que segurança pública é “a prioridade do governo Dilma Rousseff”. Imagine se não fosse...

Frente ao que ocorre no Brasil, números como os de São Paulo mostram que o PSDB é o partido com mais condições de enfrentar o drama da violência no país. O contraste com os petistas é o mesmo que se observa na preservação da estabilidade da moeda, tão duramente conquistada no governo tucano e tão ameaçada na gestão Dilma. São estas as batalhas cotidianas que precisam ser vencidas todos os dias no país, mas para as quais o PT não demonstra ter qualquer preparo ou disposição.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Tem muita coisa errada por aí

O PT tem gastado muita saliva – e bilionária verba publicitária pública – para vender aos brasileiros a ideia de que está construindo um país de sonhos. Na campanha eleitoral do ano passado, o mundo cor-de-rosa cintilou dia após dia nos programas de TV da candidata Dilma Rousseff. Demorou pouco para que toda esta fantasia desbotasse.

Ninguém se esquecerá dos grandiosos eventos para divulgar o Minha Casa Minha Vida. Das festas para comemorar as conquistas da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Todos também se lembrarão das caravanas para visitar canteiros e inaugurar pedras fundamentais de obras do PAC protagonizadas por Lula e uma penca de ministros. Quase nada disso existe no mundo real.

Comecemos pelas obras da Copa, objeto de estudo oficial divulgado ontem pelo Ipea. Lá está dito que 9 dos 13 aeroportos das cidades brasileiras que vão sediar os jogos em 2014 não estarão prontos a tempo para o evento. É o caso de Manaus, Fortaleza, Brasília, Guarulhos, Salvador, Campinas, Cuiabá, Confins (Belo Horizonte) e Porto Alegre.

Quando (e se) estiverem terminadas, as intervenções já não serão suficientes para dar conforto aos passageiros. Chegarão já ultrapassadas. Não se diga, porém, que não houve tempo hábil para as autoridades agirem: o Brasil foi escolhido sede da Copa em outubro de 2007, mas desde então a situação só piorou.

Nos dois últimos anos, aponta o Ipea, passamos a ter 14 dos 20 principais terminais operando em condição crítica, ou seja, acima da capacidade. Até então, eram “apenas” 11. Nenhum aeroporto melhorou e o governo do PT nada fez, a despeito da escalada de uso de transporte aéreo no país verificada nos anos recentes.

O governo federal anunciou nesta semana que chamará governadores e prefeitos das cidades-sede às falas para cobrar-lhes agilidade nas obras. Antes disso, a presidente da República – que chefiou a Casa Civil por quase cinco anos e deveria ser, portanto, responsável pelo bom andamento dos trabalhos – deveria olhar para o próprio umbigo.

Somente 44% da verba autorizada para a Infraero entre 2003 e 2010 foi aplicada. Nos últimos oito anos, a média de investimentos da estatal nos nossos aeroportos foi de R$ 430,3 milhões. Isso significa que, para fazer frente aos R$ 5,6 bilhões necessários à preparação para a Copa, terá de triplicar o ritmo nos próximos três anos. Alguém crê nisso?

Passemos agora ao PAC, em estado de virtual paralisia. Mostra hoje O Estado de S.Paulo que, dos R$ 40,1 bilhões de gastos autorizados para o programa neste ano, apenas R$ 102 milhões (0,25%) foram pagos até agora. São, portanto, mais de cem dias sem nada fazer – até por isso mesmo, o PAC tem sido convenientemente esquecido pelo atual governo...

Ações propaladas como carros-chefes do PAC durante a campanha eleitoral de Dilma até hoje não avançaram um centímetro. É o caso, para citar apenas algumas, das 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPA), das unidades básicas de saúde, dos postos de polícia comunitária.

Tem mais coisa parada por aí. A Folha de S.Paulo mostra o castelo de areia que tem se revelado o Minha Casa Minha Vida. O programa do governo federal completou dois anos sem entregar nenhum imóvel às famílias de São Paulo com renda até três salários mínimos. Estão previstas 40 mil unidades na cidade, mas somente 3 mil estão sendo construídas.

A situação não é específica da capital paulista. Neste ano, nenhum contrato para famílias que recebem até três salários mínimos foi assinado pela Caixa em todo o Brasil, mostrou o Estadão em fins de março. O governo admite o problema e informa que o programa só deverá ser retomado em julho.

Não espanta que, diante de tanta incapacidade para “cumprir todas as metas estabelecidas, com planejamento, metas claras e muito trabalho”, como Dilma prometeu na campanha eleitoral, o governo do PT esteja apelando a chicanas jurídicas, como revela O Globo hoje.

No projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012, que enviará hoje ao Congresso, o governo deve estipular “regras mais flexíveis” para a realização das obras da Copa e das Olimpíadas. Segundo interlocutores da área econômica ouvidos pelo jornal, pretende-se agilizar processos de licitação “como (se) faz em situações de emergência”.

Driblar a fiscalização, calar críticos e dar margem a imensos desperdícios de recursos públicos é algo recorrente nas administrações do PT. Em 2010, o governo Lula já havia modificado regras para desimpedir certo tipo de obras. Nem assim conseguiu realizá-las. Se continuar nesta toada, vai ser preciso torrar muita verba de publicidade para esconder que tem muita coisa errada acontecendo por aí.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Inflação escancarada

O governo federal parece estar se dando conta de que caiu no conto do vigário ao fiar-se nos prognósticos sobre inflação feitos pelo ministro da Fazenda. Está ficando cada dia mais claro que Guido Mantega e sua equipe econômica trabalharam ao longo dos últimos meses com um diagnóstico errado acerca do comportamento dos preços no mercado nacional. O pior foi a presidente da República ter embarcado na tese deles.

Dois jornais dão destaque hoje a ações e manifestações oficiais sobre a inflação. Em ambas, o tom é o mesmo: a situação é pior do que imaginávamos. O descontrole é evidente e a incerteza quanto aos instrumentos de controle adotados pelo governo, crescente.

A Folha de S.Paulo informa que o governo petista passou a trabalhar com a possibilidade de que a inflação acumulada em 12 meses ultrapasse o teto da meta já no mês que vem. Já se dava de barato que isso aconteceria em algum momento deste ano, mas até agora o discurso oficial não admitia que isso fosse ocorrer tão cedo.

O Banco Central vem trabalhando com uma inflação de 5,6% neste ano, posição expressa em seu mais recente relatório sobre o tema. Essa projeção deve, porém, ser alterada em junho, diz a Folha. Já o Ipea enxerga ascensão maior nos preços, principalmente por causa da alta dos serviços, que soma 8,5% nos últimos 12 meses.

Só uma parte mais alienada do governo ainda alimenta ilusões quanto à possibilidade de manter a inflação minimamente bem comportada neste ano. Nesta semana, o boletim Focus do Banco Central trouxe, pela primeira vez, a previsão de que o índice oficial de preços fechará o ano acima do limite superior da meta. Instituições cujos prognósticos são mais certeiros – os chamados Top 5 – preveem IPCA de 6,55% em 2011 e de 5,3% em 2012.

O Valor Econômico também trata da inflação na manchete de sua edição de hoje. Mostra que a situação dos preços “assustou” e levou o BC a “abrir diálogo com os ministérios”. “O que mais assustou o BC foi a constatação de que há uma alta disseminada nos alimentos, com vários produtos subindo ao mesmo tempo. O ‘sinal vermelho’ acendeu porque os preços já estão em alta desde 2010 e a expectativa de que recuariam em fevereiro não se confirmou”, informa o jornal. Um grupo de especialistas foi montado pelo BC para monitorar de perto a variação dos preços das commodities e dos alimentos básicos.

Bom, vale relembrar que quem disseminou a expectativa de que os preços “recuariam em fevereiro” foi ninguém menos que o ministro da Fazenda. O equívoco teria sido menos grave se a própria presidente da República não tivesse comprado a tese, conforme manifestou na entrevista que deu ao Valor em 17 de março. Vejamos o que disse Dilma Rousseff.

“Nós não achamos que ela (a inflação) é de demanda. Achamos que há alguns desequilíbrios em alguns setores, mas é inequívoco que houve nos últimos tempos um crescimento dos preços dos alimentos, que já reduziu. Teve aumento do preço do material escolar, dos transportes urbanos, que são sazonais (passageiros, temporários).”

Não é preciso ir longe para desmentir o diagnóstico impreciso abraçado por Dilma. Por exemplo, o mais recente índice de preços divulgado pela FGV, o IPC-S, comprovou que nada menos que 68,33% dos bens e serviços pesquisados ficaram mais caros nos últimos 30 dias. A alta é, pois, disseminada, além de persistente.

Quem tem de ir ao mercadinho da esquina ou à feira já percebeu há tempos que os preços estão em escalada. O dinheiro do salário compra hoje menos do que comprava há um mês. Como uma praga, a expectativa de alta da inflação vai se espraiando e se auto-alimentando: quando o ambiente fica assim, o dia de amanhã é sempre pior que o de hoje.

Até agora, baseados nesta visão míope do problema, BC e Fazenda veem optando por combater a inflação com medidas de contenção de crédito e encarecimento dos financiamentos. Nada indica que a profilaxia esteja funcionando.

Diante disso, ninguém mais duvida que venha nova alta dos juros na reunião que o Copom realiza na semana que vem. Ou seja, Dilma Rousseff ainda não conseguiu começar a atacar um problema ao qual se propôs – o de reduzir nossa taxa de juros campeã mundial – mas está conseguindo cevar outro, que o esforço de anos da sociedade brasileira conseguira debelar: o retorno da inflação.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Da China, até agora só vento

É preciso ser versado em “diplomatiquês” para enxergar resultados significativos na visita da presidente Dilma Rousseff à China. Outra opção é recorrer a porta-vozes oficiais prontos para traduzir em versões convenientes ao governo brasileiro as embromações que constam do comunicado conjunto firmado ontem entre os dois países. Muito do que lá está é puro vento. A começar pelo “apoio”, segundo algumas leituras, supostamente dado pelos chineses à pretensão brasileira por um assento no Conselho de Segurança da ONU.

O trecho do comunicado mais destacado pela imprensa brasileira sobre o assunto foi este: “A China atribui alta importância à influência e ao papel que o Brasil, como maior país em desenvolvimento do hemisfério ocidental, tem desempenhado nos assuntos regionais e internacionais, e compreende e apoia a aspiração brasileira de vir a desempenhar papel mais proeminente nas Nações Unidas.”

O Estado de S.Paulo tratou o assunto em manchete. Disse que “Pequim deu um passo adiante ao tratar da defesa do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU”, mas lembrou que tal apoio já vem de tempos atrás e nunca passou de mera “retórica”. Já a Folha de S.Paulo lembrou que “trata-se de posição semelhante à adotada há cerca de um ano, quando o dirigente máximo da China, Hu Jintao, visitou o Brasil”, ainda no governo Lula. Até hoje, não passou disso. Na leitura do jornal, o Brasil até agora “não obteve o respaldo chinês” à vaga na ONU.

Já segundo O Globo a declaração chinesa teria sido “a segunda vitória de Dilma em relação ao tema”. O jornal escorou-se na “avaliação de um alto funcionário do Itamaraty” para chegar a esta conclusão. Só podia. Dentro desta visão, edulcorada no mais puro diplomatiquês, a “primeira vitória” teria sido a declaração de Barack Obama, durante visita ao país em março, de “apreço” pela pretensão brasileira. Vitórias de Pirro, como se vê.

O comunicado conjunto também é frouxo naquilo que mais interessava aos brasileiros: melhorar os termos das trocas comerciais entre os dois países. Diz o texto diplomático que “a parte chinesa manifestou disposição de incentivar suas empresas a ampliar a importação de produtos de maior valor agregado do Brasil”. Nada poderia ser mais etéreo.

Foi preciso que a presidente brasileira reforçasse a leitura positiva do texto, em entrevista à imprensa, na tentativa de dar ares mais verossímeis à possibilidade de os chineses alterarem alguma coisa de sua política de comércio com o Brasil. Disse ela que “o que valer para o Brasil, vale para a China e vice-versa”.

Difícil crer, como já havia demonstrado anteontem Robson Andrade, presidente da CNI e um dos quase 250 empresários que compõem a missão brasileira à China: “Os chineses definem o que querem importar e da maneira que querem”. Ou como desnuda um diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China ouvido por Miriam Leitão: “A visita de Dilma não vai levar a nenhuma mudança drástica nas relações comerciais entre os dois países. O Brasil continuará vendendo commodities e a China, manufaturados”.

Um dos itens mais comemorados foi o anúncio – que saiu da boca de um ministro brasileiro pré-candidato às eleições de 2012 – de que uma gigante chinesa aportará US$ 12 bilhões para fabricar telas de cristal líquido no Brasil. Não se sabe muita coisa a respeito, exceto que na planta que tal empresa mantém em Shenzhen, perto de Hong Kong, nove trabalhadores se mataram em razão das péssimas condições de trabalho...

Afora isso, os chineses, por exemplo, “não deram resposta à reivindicação dos produtores de aço brasileiro, que se queixam da recusa em autorizar investimentos no setor siderúrgico chinês” – que responde por 44% da produção mundial, segundo o Valor Econômico. Em contrapartida, prometeram concluir “de forma expedita” os trâmites burocráticos para autorizar produtores brasileiros a vender “gelatina, milho, folha de tabaco da Bahia e de Alagoas, embriões e sêmen de bovinos e frutas cítricas”. Com tamanha generosidade chinesa, do que mais o Brasil poderia se queixar?

Já sobre a defesa dos direitos humanos, que Dilma quer alçar à condição de marca de sua política externa, o comunicado conjunto também não trouxe quase nada. A referência ao tema foi “genérica e lacônica”, de acordo com o Estadão. “O assunto é abordado como se fosse uma questão de garantir a inclusão social e a distribuição de renda. Em nenhum momento se trata da falta de liberdade de expressão e das violações nessa seara”, registra o jornal.

Até agora, não houve qualquer referência de Dilma ou do Itamaraty à mais nova onda de repressão chinesa contra dissidentes políticos, desencadeada desde fevereiro por Pequim como uma espécie de salvaguarda contra o risco de que as manifestações pró-democracia no mundo árabe também seduzissem os chineses. Diz O Globo que “organizações chinesas de defesa dos direitos humanos calculam que, nas últimas quatro semanas, cerca de 50 pessoas foram presas ou desapareceram sob a custódia de autoridades”. A missão brasileira deu de ombros.

Felizmente, o Itamaraty também utilizou sua habilidade de versar em diplomatiquês para não alimentar a pretensão chinesa de ter sua economia reconhecida como “de mercado”. Trata-se de algo que Lula prometeu em 2004, mas até hoje não saiu do papel. Se os chineses já inundam as prateleiras brasileiras com suas quinquilharias, se ganharem tal reconhecimento não sobrará empresa brasileira em pé para fazer-lhes frente.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Espelhinhos chineses

A presidente Dilma Rousseff está desde ontem na China, para visita oficial que durará cinco dias. É a terceira viagem internacional dela no cargo e a mais importante até agora. O governo brasileiro indica estar pondo em marcha uma espécie de “diplomacia de resultados”, mas é bom ficar de olhos bem abertos para não voltar do Oriente carregando espelhinhos na bagagem.

A China tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil, numa velocidade nunca antes vista. Dez anos atrás, a corrente de comércio entre os dois países somava US$ 2 bilhões. No ano passado, já atingira impressionantes US$ 56 bilhões.

A China é a maior compradora de produtos brasileiros exportados – foram US$ 30,8 bilhões em 2010, ultrapassando em quase 60% o comércio com os EUA – e a segunda maior origem das nossas importações – compramos US$ 25,6 bilhões deles. O fluxo ainda é favorável ao Brasil, mas não se sabe por quanto tempo.

O maior problema é a composição da pauta comercial entre os dois países. Nada se assemelha tanto ao que ocorria no período colonial do que as atuais relações bilaterais Brasil-China. Eles levam nossas riquezas naturais e também nos entopem de quinquilharias.

Segundo a Fiesp, 97,5% das importações brasileiras vindas da China em 2010 foram de bens manufaturados, numa lista liderada por aparelhos transmissores e receptores e dispositivos de LCD. Em contrapartida, 80% das vendas do Brasil para os chineses concentram-se em apenas três produtos: minério de ferro, soja em grãos e celulose – todos, portanto, matérias-primas.

Ontem, a diplomacia brasileira comemorou o anúncio de alguns acordos com os chineses. O principal deles permite a venda de um dos modelos de avião fabricados pela Embraer em solo chinês. Travas impostas pelos camaradas de Pequim deixaram a fábrica erguida pela empresa brasileira lá quase inoperante – maldição da qual não escapou a Marcopolo, que abandonou seu projeto para produzir ônibus por falta de aval do governo chinês.

Também foram permitidas vendas de carnes suínas. Correspondem a mais ou menos uma migalha: no ano passado, o setor apresentara uma lista de 26 estabelecimentos brasileiros para serem inspecionados pelo governo chinês, mas apenas 13 foram visitados em novembro e somente três finalmente credenciados ontem.

É positivo que o Itamaraty empenhe-se na defesa dos interesses comerciais brasileiros na China. Conseguirá fazer, porém, apenas leve contraponto à agressividade comercial que os chineses exibem com muito mais desenvoltura. Não apenas aqui, como em todo o mundo.

Outro estudo da Fiesp constatou que, em uma década (até 2009), o Brasil perdeu US$ 18,2 bilhões para os chineses nos dois maiores mercados do mundo: EUA e União Europeia. O dano espraiou-se por dezenas de segmentos da economia e acentuou-se nos dois últimos anos. A diplomacia companheira ficou vendo a caravana passar...

Mesmo entre empresários nacionais é difícil achar quem aposte no êxito da nossa diplomacia no sentido de melhorar a qualidade do comércio entre os dois países. Diz Robson Andrade, presidente da CNI: “Os chineses definem o que querem importar e da maneira que querem”. Desde 2008, a invasão chinesa já levou ao fechamento de 46 mil vagas na indústria nacional.

Além de comprar o que querem, vender o que desejam e empurrar o produto brasileiro para fora de mercados suculentos, os chineses agora estão tomando ativos no Brasil de assalto. Desde 2003, US$ 37 bilhões foram investidos aqui, dos quais praticamente a metade (US$ 18 bilhões) em setores ligados à extração e à produção de matérias-primas, como petróleo, gás e mineração. No ano passado, dos US$ 17 bilhões investidos, 84% destinaram-se a produzir commodities.

É desproporcional a força das duas economias, embora o Brasil goste de encenar o teatrinho dos Brics com os coleguinhas chineses. Há uma quase unanimidade em reconhecer que as condições de produção na China são imensamente mais favoráveis que aqui: impostos menores, juros inexistentes, mão-de-obra tão abundante quanto desumanamente barata.

Para enfrentar esta batalha desigual, seriam necessárias reformas mais profundas na nossa estrutura produtiva. Nada que Dilma esteja disposta a fazer, a julgar pelos seus cem primeiros dias no cargo. A “diplomacia de resultados” será pouco para compensar esta falta de resultados.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Cem dias sem o que comemorar

A passagem do 100º dia de governo costuma ser carregada de simbolismo. Menos pelo que efetivamente se fez no período, que é curto, e mais pelos rumos que o novo administrador costuma imprimir à condução da gestão iniciante. Os cem primeiros dias de Dilma Rousseff à frente do Palácio do Planalto, completados ontem, foram recebidos com certo entusiasmo por parte da opinião pública. Mas é um erro imaginar que essa exibição de boa vontade signifique que ela faça um grande governo. Ao contrário.

Assombra a falta de ímpeto demonstrada por Dilma até agora, as contradições em relação ao mundo cor-de-rosa que vendeu aos eleitores no ano passado, as indecisões em relação ao enfrentamento de problemas que se agigantam.

Uma análise mais detida mostra que o enaltecimento a Dilma se deve, principalmente, a correções de rumo de excessos do governo Lula. Abandonou-se o caráter estridente e espalhafatoso em nome da acertada austeridade pessoal. Isso é bom. Também deixaram de existir o alinhamento automático a ditadores fratricidas e o antiamericanismo da nossa política externa. É alguma coisa, mas muito pouco.

A louvação ao governo atual acaba servindo para turvar a visibilidade de seus muitos equívocos. O pior deles é a tibieza com que a inflação tem sido combatida. A equipe econômica de Dilma não tem sabido enfrentar com eficácia o crescimento de um monstro com potencial de arruinar nossas formidáveis conquistas sociais das últimas décadas.

Outro problema sério, a apreciação excessiva do real junto ao dólar não tem sido atacada de maneira apropriada. Medidas como o aumento de impostos para empréstimos feitos no exterior se mostraram inúteis – embora tenham, convenientemente, servido para engordar o caixa do governo federal. Resta claro que governo não sabe se ataca a inflação ou a valorização cambial, que corrói a indústria nacional, mas serve para segurar os preços. Bate-se cabeça.

Com conveniente discrição, promessas anunciadas durante a campanha de 2010 vão sendo, uma a uma, deixadas de lado. Para começar, a pretensão de acabar definitivamente com a miséria no país já foi colocada na geladeira pela presidente, de maneira trivial, como quem não quer nada...

Sobriamente, muitos outros compromissos parecem ter ido para o arquivo morto, como a ideia de incluir eletrodomésticos no Minha Casa Minha Vida. Na realidade, o governo fez o contrário: paralisou o programa para famílias mais carentes.

A política habitacional é apenas um entre os muitos casos de descarte de compromissos firmados com o eleitor no período de busca aos votos. Logo após a eleição, O Globo listou 190 deles. Boa parte ainda não passa de palavras vãs.

Está na relação, por exemplo, a promessa de “não fazer o ajuste fiscal”. O compromisso, como se sabe, foi quebrado com o anúncio de uma tesourada de R$ 50 bilhões no Orçamento, feito em fevereiro. Sabe-se que a necessidade de adequação das finanças deve-se aos excessos de gastos praticados no governo anterior com intuito quase exclusivo de garantir a cadeira presidencial para Dilma.

Outra palavra empenhada em campanha, “trabalhar fortemente para diminuir os juros”, já foi quebrada duas vezes neste ano e nossa taxa continua sendo a mais alta do mundo. Já a promessa de “privilegiar critérios técnicos para definir as nomeações” ficou de lado frente à fúria fisiologista de alguns aliados: quase um terço dos ministros escolhidos por Dilma deve alguma explicação por envolvimento em escândalos.

Os cem primeiros dias do atual governo também se notabilizaram pela tentativa de fazer o Estado controlar a iniciativa privada, da qual o caso da troca de comando na Vale pode ser apenas a ponta do iceberg. Concomitantemente, dentro da nova filosofia, bilhões de reais dos brasileiros correm o risco de virar pó em aventuras sem lastro, como a construção do trem-bala (outra promessa eleitoral que não para em pé).

Do PAC já nem se fala mais. Seja por causa da lentidão e da inoperância que marcam o programa, seja até por constrangimento. Vai se conhecendo, aos poucos, as condições degradantes que vigoram nos canteiros de obras das ações do programa, como ficou patente tanto nos movimentos reivindicatórios nascidos nas usinas de Rondônia, quanto no centro desenvolvido do país, como mostra a edição de hoje da Folha de S.Paulo.

É certo que cem dias pode ser cedo para cobrar o cumprimento de promessas firmadas em uma campanha eleitoral. Mas é tempo suficiente para perceber que, em muitas ações fundamentais, o Brasil corre na contramão do que se anunciava e se exige.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Realengo e a violência nossa de cada dia

A estupidez do ataque a crianças ocorrido ontem em uma escola de Realengo, na zona oeste do Rio, deve servir para atrair mais atenção para a violência que nos assola todos os dias. Mais especificamente para os crimes envolvendo jovens. As primeiras reações à barbárie levam à defesa de uma nova rodada de desarmamento no país, o que é desejável e correto. Mas a criminalidade que campeia entre a juventude brasileira parece demandar algo mais.

É evidente que o atirador que ceifou a vida de dez meninas e dois meninos da Escola Municipal Tasso da Silveira não era uma pessoa minimamente equilibrada e normal. Trata-se de um caso de “surto psicótico paranoide delirante alucinatório”, na definição de um psiquiatra forense. Não pode ser tomado como regra; era mais uma deplorável exceção. Pelo que deixou escrito numa espécie de carta-testamento, também vivia intoxicado por misticismos e crenças.

Mas jovens aptos a violências e barbarismos, como o assassino de Realengo, formam hoje o grosso das estatísticas de criminalidade no país. É o que mostra o “Mapa da Violência 2011 – Os Jovens no Brasil”, elaborado pelo Instituto Sangari em parceria com o Ministério da Justiça. Devem, pois, ser alvo preferencial de políticas e estratégias de combate ao crime.

Segundo o relatório, dos 50.113 homicídios registrados no país em 2008 (ano-base do levantamento), 37% tiveram como vítima pessoas com idade entre 15 e 24 anos. Uma média de 18 mil jovens são assassinados todos os anos no Brasil – ou seja, são 50 por dia, todos os dias.

A taxa de homicídios entre jovens é exatamente duas vezes maior do que a média geral: 53 por cada 100 mil habitantes. A estatística mais estarrecedora sobre as mortes nesta faixa etária é a que mostra que 63% das vítimas com idade entre 15 e 24 anos falecem de maneira violenta: ou seja, assassinadas, em acidentes de trânsito ou de suicídio. Na população em geral, apenas 2,8% têm morte violenta.

Segurança pública é uma das três áreas da gestão Dilma Rousseff mais mal avaliadas pela população. Segundo a primeira pesquisa de opinião sobre o atual governo divulgada pelo Ibope, 49% desaprovam a atuação da presidente neste quesito, ante 44% que aprovam. Impostos (53% a 36%) e saúde (53% a 41%) são as outras duas.

Tanto antes como agora, o governo do PT fez pouco para nos livrar da violência e restabelecer a paz. Estudiosos sobre segurança pública apontam a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, em 2004, como um marco no combate ao crime. Houve, sim, efeitos benéficos na criminalidade, mas é forçoso reconhecer que, infelizmente, os resultados ficaram muito aquém do desejável.

A média de homicídios no país praticamente não se alterou desde então: está agora em 26 por 100 mil habitantes, a despeito de o governo petista ter destinado R$ 6,1 bilhões ao Pronasci, também chamado de PAC da Segurança. Desde 2006, quando o programa foi lançado, as taxas de homicídios subiram em 15 estados e no Distrito Federal e caíram apenas em cinco unidades da Federação.

Embora o número de assassinatos no país seja hoje tão alto quanto antes das campanhas de desarmamento, isso não invalida que seja feito esforço redobrado para tirar armas de circulação.

Segundo a CPI do Tráfico de Armas, realizada na Câmara dos Deputados, 86% das armas usadas por criminosos no estado do Rio têm origem legal, ou seja, foram compradas livremente em lojas. As demais 14% foram adquiridas pelo poder público e desviadas para o crime. Há que se estabelecer uma trava neste comércio da morte.

“Avançou-se neste quesito [ações de controle de armas] com a edição do Estatuto do Desarmamento, mas há brechas na lei que ainda permitem a circulação de armamento em perigosa escala. Junte-se a isso a inexplicável omissão da Polícia Federal no rastreamento de armas e munição que, compradas no comércio legal, acabam sendo desviadas para o arsenal do banditismo”, aponta O Globo em editorial hoje.

Logo no início da atual gestão, a presidente da República prometeu lançar-se com força no combate à criminalidade. Disse que iria aliar-se aos estados na estratégia. Nada aconteceu até agora, completados 98 dias de governo. Sequer uma reunião em que deveria receber governadores para discutir o tema, prevista para início de fevereiro, ocorreu, e agora nem data marcada tem.

A segurança também foi castigada com corte de R$ 840 milhões no orçamento do Ministério da Justiça, decorrente do ajuste fiscal anunciado em fevereiro. A tesourada corresponde a 20% da verba destinada à pasta, “já atingiu o Pronasci e, nos próximos meses, deverá ter impacto nas operações de combate ao crime organizado da Polícia Federal”, informou O Globo na segunda-feira.

Quem sabe a tragédia de ontem no Rio sirva para que o governo federal retome a agenda que, desde a campanha eleitoral, Dilma Rousseff se propôs a cumprir na área de segurança e que todos esperam ver bem sucedida para, quem sabe, um dia voltar a viver em paz. Brasileirinhos e brasileirões agradecerão.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Conta-gotas entupido

O governo federal prossegue na sua política de tentativa e erro em busca de uma forma de conter a queda do dólar. Ontem, voltou a elevar a tributação incidente sobre operações financeiras feitas fora do país. Uma equipe econômica que refaz uma medida que ela mesma havia tomado uma semana antes não parece saber o que está fazendo.

Nesta quarta-feira, o Ministério da Fazenda estendeu a cobrança de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) mais alto, à alíquota de 6%, para empréstimos tomados no exterior com prazo de até dois anos. Oito dias atrás, o mesmo tributo já havia sido aumentado, mas apenas para operações de até 360 dias – medida que, vê-se agora, demorou apenas uma semana para mostrar-se inócua.

Guido Mantega explicou como funciona sua, digamos, estratégia: “A gente vai fazendo por aproximação. A gente toma a medida e vê o efeito dela e pode estendê-la na medida da necessidade. Achávamos que um ano [para a cobrança de IOF mais alto] era suficiente e agora estamos passando para dois”. Parece experimento de laboratório.

A intenção declarada da Fazenda é desestimular a tomada de crédito lá fora e, principalmente, segurar a queda do dólar. Durante o dia de ontem, a informação de que haveria o anúncio de um “pacote de medidas na área cambial” foi antecipada pelo governo como forma de assustar o mercado financeiro. Não adiantou muito – o dólar subiu só 0,3% ao longo do pregão – e tudo indica que o que foi divulgado também não adiantará.

A entrada de moeda estrangeira no país continua cada vez mais vigorosa. No trimestre, vieram US$ 35,6 bilhões líquidos, segundo o Banco Central. Trata-se do maior valor verificado desde o início da série, em 1982. Mais: o volume de ingresso de dólares registrado apenas nestes três primeiros meses de 2011 supera em 46% tudo o que entrou no país em todo o ano passado. É mais que uma enxurrada, é um tsunami.

Desde o ano passado, a equipe econômica – quanto de Lula quanto de Dilma Rousseff – pôs em prática sua estratégia de enfrentar a queda do dólar no Brasil a conta-gotas. O efeito foi nulo até agora. A moeda brasileira é a que mais se valorizou no mundo nos últimos tempos: só neste ano, até ontem, o dólar já tinha caído mais 3,2%.

Analistas de mercado ouvidos pelos jornais são unânimes em afirmar que a mais nova medida da equipe econômica petista também será inócua para segurar o dólar. A principal razão para este fracasso é que o motor central da especulação com a moeda americana no país continua girando a todo vapor: os juros altos.

O Brasil continua liderando com folga o ranking mundial de taxa de juros reais. Pratica-se aqui algo como 6% ao ano, ou o triplo do que é usual nas melhores economias – na média de um conjunto mais amplo, de 40 países, a taxa chega a ser hoje negativa. Este bife suculento continua sendo servido, e custou R$ 38,4 bilhões ao setor público apenas no primeiro bimestre.

Uma das estratégias adotadas no país para segurar o dólar tem sido acumular reservas em dólar. Elas hoje superam US$ 320 bilhões, o que representa 15% do PIB. Empilhar verdinhas no BC custa muito caro: no ano passado, o custo de carregamento, também considerada a variação cambial, atingiu R$ 48,6 bilhões – ou seja, quase quatro Bolsa Família. Vale a pena?

Há razões conjunturais globais que explicam por que o dólar está tão barato. A política de expansão de crédito praticada pelos EUA para fugir da recessão é apenas uma delas. A desvalorização da moeda americana ocorre em todo o mundo, mas aqui ela tomou proporções desmesuradas.

Não parece difícil ver que há incongruências na política econômica brasileira que colaboram para piorar o quadro. A mais gritante delas é, claro, os juros. Mas eles são decorrência de uma série encadeada de malfeitos, a começar pelos elevados gastos públicos, acelerados nos dois últimos anos para eleger Dilma. Mas nisso o governo do PT não parece disposto a mexer, tanto que até agora não se viu a cor dos cortes no Orçamento anunciados há mais de um mês. Pelo contrário.

Tanto quanto o recrudescimento da inflação, o problema da valorização da nossa moeda é grave, e mortal para setores econômicos como a indústria nacional. O pior é que o nó em que a política petista nos meteu acarreta efeitos contraditórios de uma na outra: se a desvalorização do dólar se reverter, os índices de preço subirão ainda mais. A estratégia de um passo adiante, dois para trás que o governo Dilma vem adotando não está nos levando a lugar algum. Este conta-gotas está entupido.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Fios desencapados no setor elétrico

O setor elétrico brasileiro continua a produzir curtos-circuitos. São problemas que percorrem o país de norte a sul: desde as intermináveis e justificadas polêmicas em torno das obras de construção da usina de Belo Monte, no Pará, à iminente votação da revisão do tratado de Itaipu, presente de pai para filho que o governo brasileiro prepara-se para dar ao Paraguai.

Belo Monte está novamente no centro de pendengas. Ontem, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) solicitou oficialmente ao governo brasileiro a suspensão do processo de licenciamento da hidrelétrica, sob acusação de desrespeito a direitos indígenas. A OEA quer que comunidades atingidas pela obra sejam ouvidas, sob pena de levar o Brasil a julgamento por violação de direitos humanos.

A megausina, que pode vir a ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, é caso único de imprudência explícita. Suas obras começaram na segunda-feira de Carnaval – envergonhadamente, portanto – sem que o Ibama tivesse concedido a licença de instalação e sem que se tivesse notícia de que as 40 condicionantes ambientais e sociais impostas ao projeto tivessem começado a ser cumpridas.

Para que a licença de Belo Monte andasse, quatro cabeças rolaram no Ibama. O processo de licenciamento foi tratorado pela Casa Civil, então ocupada por Dilma Rousseff, no governo passado – que, no entanto, parece não ter se importado com o aumento de quase 40% nos custos da obra, agora estimados em R$ 26 bilhões. “O país precisa de energia limpa, mas todo o processo de construção da usina de produção de energia tem que ser limpo também”, cobra Miriam Leitão n’O Globo de hoje.

Mas não são só a OEA e ambientalistas que estão incomodados com a hidrelétrica do rio Xingu – que, com a interferência direta do Planalto, passará agora a ter a Vale como uma das sócias, em substituição ao cambaleante grupo Bertin. Relata o Valor Econômico que a insatisfação também atinge prefeitos de municípios do Pará que serão direta ou indiretamente afetados pelas obras da usina de Belo Monte.

“Há um descontentamento generalizado entre as prefeituras, que cobram a execução de compromissos assumidos durante a fase de elaboração do projeto. Essa lista de cobranças é encabeçada por uma nova exigência do governo paraense, uma demanda que, caso não seja atendida, pode complicar de vez o andamento do projeto”, informa o jornal.

O que os municípios paraenses argumentam é que uma série de providências que o consórcio construtor deveria tomar a título de compensação pelas obras no Xingu não foram respeitadas. São ações e benfeitorias cujo custo pode chegar a R$ 3 bilhões, incluindo construção de centros habitacionais, escolas, hospitais e obras de saneamento.

Já o governo do Pará cobra das empreiteiras investimento de R$ 250 milhões em segurança pública na região de Altamira. Sem isso, Belo Monte pode se tornar a Jirau de amanhã, ou seja, um barril de pólvora prestes a explodir, numa região notória por produzir fagulhas.

Mas o choque elétrico não para aí. Está para ser votada hoje na Câmara dos Deputados proposta de revisão do tratado firmado entre Brasil e Paraguai em torno de Itaipu. O projeto de decreto legislativo nº 2600/10 triplica o que é pago ao governo paraguaio pela energia cedida ao Brasil: o valor passaria de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões anuais. O impacto financeiro da proposição atinge R$ 5 bilhões até 2023, prazo remanescente de vigência do tratado.

O presente paraguaio será um presente de grego para os brasileiros. O governo petista garante que não repassará os custos adicionais para as tarifas de energia, o que significa que a conta da bondade será rateada por todos nós, contribuintes. Mas fazer caridade com chapéu alheio, ajudando os vizinhos, “não tem preço”, segundo o palaciano Marco Aurélio Garcia...

O setor elétrico brasileiro tem sido fonte de reiteradas dores de cabeça. Nos últimos anos, a matriz energética nacional tornou-se mais suja; a insegurança no suprimento aumentou, com os seguidos apagões; as megahidrelétricas do rio Madeira geraram um coquetel de distúrbios sociais e trabalhistas em Rondônia; e as tarifas cobradas dos consumidores estão entre as mais caras do mundo.

Nada disso veio por geração espontânea: nasceu de um modelo adotado no setor por imposição da hoje presidente da República, então ministra de Minas e Energia do governo Lula. Tem muita gambiarra e fio desencapado.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Atenção especial para quem é especial

Soube-se na semana passada que o governo federal se prepara para fechar dois dos mais respeitados serviços voltados à educação de pessoas com necessidades especiais do país: o Colégio de Aplicação do Instituto Nacional de Surdos (Ines) e o serviço de ensino fundamental para deficientes visuais do Instituto Benjamin Constant (IBC).

O PT quer impor sua visão única das coisas também na educação de pessoas com deficiência; quer tratá-las igualmente, quando o que necessitam é de atenção e cuidados especiais.

Quando o assunto vazou, o Ministério da Educação recuou e negou a intenção. Mas documento assinado pelo ministro Fernando Haddad no ano passado permite o fechamento de instituições como o Ines e o IBC, que juntas atendem cerca de 800 alunos com necessidades especiais, do maternal ao ensino médio.

A resolução nº 4 de 2010 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação “recomenda que alunos deficientes sejam matriculados na rede regular de ensino, deixando o atendimento educacional especializado como complementar”, mostra O Globo em sua edição de hoje.

Hoje à tarde, haverá reunião em Brasília entre o MEC e as diretorias do IBC e do Ines para discutir o futuro das duas instituições. Fundadas ainda no século 19 no Rio, ambas têm atuação secular no ensino de pessoas com necessidades especiais.

Foi o Ines, aliás, que desenvolveu a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e para lá todos os anos se dirigem alunos surdos de todo o país. Já o IBC ensina estudantes com deficiência visual e abriga a Imprensa Braille, além de capacitar professores e promover a reabilitação social de cegos.

A celeuma em torno de como tratar os alunos e as pessoas com necessidades especiais não é nova. Brotou também na campanha eleitoral do ano passado, quando o candidato tucano José Serra escancarou para o país o descaso que o governo petista vinha reservando a este expressivo segmento – estima-se que existam 29 milhões de pessoas com alguma deficiência no país.

A bandeira do tratamento especial é empunhada por Apaes de todo o país e entidades como o Instituto Pestalozzi. O que se defende é que pessoas especiais necessitam de cuidados, pedagogia e atenção especiais. Sob este ponto de vista, o Sistema Nacional de Educação deve continuar ofertando ensino em escolas especiais, sem descartar que pessoas com deficiência também possam optar por escolas regulares. Os dois sistemas poderiam, portanto, conviver harmoniosamente.

Na cartilha do PT, porém, só cabe uma linha única: a da matrícula dos estudantes especiais na rede regular de ensino. Seria, dizem, uma forma de “integrá-los” ao restante da sociedade. Trata-se de uma fórmula com a qual muitos não concordam.

“Os colégios públicos e também os privados não estão preparados para receber os alunos com necessidades especiais, tanto na questão de acessibilidade quanto pedagógica. Já temos ações nesse sentido”, disse um defensor público da União ouvido por O Globo na semana passada.

A falta de integração das ações da saúde, educação e assistência social resulta na pouca participação de crianças e jovens com deficiência no Sistema Nacional de Educação. Apenas 875 mil estavam matriculados em 2009, de acordo com o Censo Escolar daquele ano. Isso dá apenas 1,6% do contingente existente nas nossas escolas.

Com base na totalitária visão petista, o financiamento às atividades especiais vem sendo garroteado pelo MEC, tanto sob Lula quanto na gestão Dilma Rousseff. Levantamento feito pelo deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) mostra que o governo do PT vem executando parcela pífia dos orçamentos destinados ao “desenvolvimento da educação especial”.

Em 2009 e 2010, o governo federal pagou apenas 46% do que estava prometido no Orçamento da União para estas despesas: foram R$ 138 milhões de um total de R$ 299 milhões previstos, de acordo com o Siafi. Neste ano, não mais que 4% do previsto saiu dos cofres da União até agora: foram R$ 8 milhões de uma dotação de R$ 211 milhões. O descaso é evidente.

Uma política séria para inclusão de pessoas com deficiência deveria promover a articulação entre Estado e entidades civis que cuidam deste numeroso grupo de indivíduos. Contar com a atuação de organizações como as Apae e as Pestalozzi é uma garantia de dignidade para estes brasileiros que precisam e merecem cuidados e atenção especiais da nossa sociedade.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

As malas pretas do mensalão

Quando estava prestes a deixar o cargo que ocupou por oito anos, Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que se dedicaria a uma nova causa: provar que o mensalão não passara de uma “farsa”. Não contava que, no meio do seu caminho, haveria uma pedra: um minucioso e oficialíssimo relatório de 332 páginas produzido pela Polícia Federal sobre o caso. O calhamaço confirma, com riqueza de provas, a existência do maior escândalo da história política brasileira.

Neste fim de semana, a revista Época divulgou em detalhes as conclusões da investigação promovida pela PF sob o comando do delegado Luís Flávio Zampronha, por determinação do ministro Joaquim Barbosa, relator do caso do mensalão no STF. O relatório escancara as malas pretas que alimentaram o esquema de corrupção e compra de votos implantado pelo PT.

Seis anos após as primeiras denúncias, a PF concluiu que o mensalão não apenas existiu, como envolveu grosso desvio de dinheiro público. A maior parte dos recursos roubados saía do Banco do Brasil – mais especificamente, de um fundo de publicidade chamado Visanet, destinado a ações de marketing de um cartão de crédito.

Os operadores do mensalão conheciam bem o caminho das pedras: o Visanet era submetido a quase nenhuma vigilância e fiscalização; era, portanto, presa fácil para o bote dos mensaleiros petistas. Dali, saíram pelo menos R$ 68 milhões de dinheiro do povo brasileiro. A maior parte foi parar nas mãos de parlamentares comprados pelo PT.

A investigação da PF também chegou ao que a revista chama de “o elo mais grave do esquema do valerioduto: a conexão com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Trata-se de repasse de R$ 98 mil para Freud Godoy, segurança pessoal do líder petista. Marcos Valério remeteu-lhe um cheque, por correio, como pagamento a serviços de proteção ao então candidato durante a campanha e na transição à Presidência da República em 2002.

“Em suma: um amigo de Lula, que sempre prestou serviços a ele, recebeu dinheiro ilegal para pagar suas despesas trabalhando para o ex-presidente. É a primeira vez em que se descobre uma ligação direta entre o esquema de Marcos Valério e alguém da intimidade de Lula”, revela Época. Freud também foi um dos principais envolvidos no chamado Escândalo dos Aloprados, que incluía a compra – com dinheiro de origem nunca descoberta – de um dossiê falsificado contra o então candidato a governador de São Paulo pelo PSDB em 2006, José Serra.

A investigação da PF abalroa outros grão-petistas da atualidade, como Fernando Pimentel, hoje ministro de Desenvolvimento e homem de confiança da presidente Dilma Rousseff. Também mostra que os operadores do mensalão, com José Dirceu, Marcos Valério e Delúbio Soares à frente, praticavam às largas no governo de Lula o achaque a empresas – como o grupo Opportunity, de Daniel Dantas, de onde teriam saído US$ 50 milhões para alimentar os dutos da corrupção. Como se vê, a intimidação ao capital privado está no DNA do PT.

Como a drenagem de recursos públicos e os repasses a parlamentares continuaram no mínimo até 2004, desmonta-se, cabalmente, a tese do governo petista de que o mensalão constituía “apenas” caixa 2. “O PT só reconheceu que era caixa 2, mas não levaram uma pessoa sequer na CPI para demonstrar isso”, reforçou ontem o deputado Osmar Serraglio, relator da CPI do Mensalão. Ao todo, as empresas de Marcos Valério receberam R$ 350 milhões do governo Lula, parte para uso pessoal dos envolvidos.

Com o passar dos anos, o PT vinha se dedicando a tentar transformar o mensalão numa “piada de salão”, seguindo o que vaticinara Delúbio Soares logo após ter se desligado da tesouraria do partido. Apostava-se no esquecimento do público e, mais concretamente, na prescrição do crime de formação de quadrilha, do qual 22 dos 38 réus do processo que tramita no STF são acusados.

Paralelamente, o PT cuidava de “reabilitar” seus próceres mensaleiros. Escalara João Paulo Cunha para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara; arrumara uma boquinha especial para José Genoíno no Ministério da Defesa; preparava-se para refiliar Delúbio e Silvio Pereira ao partido; e abrira portas de palácios e gabinetes para José Dirceu desfilar e negociar com desenvoltura. Em suma, pusera em movimento a verdadeira farsa.

Para a parcela da população que prefere o estabelecimento da Justiça, um escândalo como o do mensalão só pode ser superado com aplicação da lei, não com o ilusionismo que o PT persegue. Junto às mais de 42 mil páginas do processo de investigação que tramita no STF, o sobejo trabalho da PF será, certamente, fundamental para sugerir a condenação dos réus, como espera a sociedade. Contra a dura realidade dos fatos, Lula terá trabalho extra para montar sua peça de ficção.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Estado empresário, Estado perdulário

Nunca antes na história se viu tamanha ingerência do governo em empreendimentos privados no país. O alvo mais óbvio continua a ser a Vale, mas agora a interferência se estende até a empresas d’além-mar, como a EDP portuguesa. Sob o PT, o Estado transformou-se num enorme balcão de negócios, ora intrometendo-se diretamente no dia-a-dia de decisões que deveriam ser puramente empresariais, ora atuando como pronto-socorro de companhias remediadas. A conta fica para o contribuinte pagar.

A sobrecarga governista sobre a Vale continua, como revela em manchete a edição de hoje de O Estado de S.Paulo. “O Palácio do Planalto determinou ao Ministério da Fazenda estudar uma forma de taxar fortemente a exportação de minério de ferro e desonerar o aço. A ideia é reduzir a venda da commodity e aumentar a comercialização de produtos siderúrgicos brasileiros no exterior”.

A manobra governista é grotesca: visa forçar a Vale a desviar o minério de ferro que extrai no Pará e exporta para todo o mundo para a produção de aço em uma siderúrgica a ser construída naquele estado. Trata-se de queda de braço que vem desde os tempos de Lula e que Dilma Rousseff manteve – e foi uma das razões da substituição, ontem oficializada, de Roger Agnelli na presidência da companhia.

Pelo jeito, os petistas do governo se acham melhores empresários do que os próprios gestores de negócios privados do país... Seria melhor que, antes de levar qualquer bobagem adiante, ouvissem o que têm a dizer executivos dos dois setores afetados pela medida em gestação no Planalto. A desaprovação deles à pretensa sapiência petista é unânime.

“Os produtores de aço estão investindo em mineração e o governo quer forçar as mineradoras a investir em siderurgia. Não tem o menor sentido", disse um empresário do setor de mineração ao Estadão. Nem mesmo representantes da siderurgia aprovaram: “Quando a gente fala em desonerar, tem de ser para a cadeia como um todo”, defendeu Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil.

O problema é que produzir aço hoje é mau negócio, ao qual nenhuma empresa se lançaria a bel prazer. Há excedente na produção mundial – de 550 milhões de toneladas – a ponto de, no ano passado, as próprias siderúrgicas existentes no país terem desativado nove altos-fornos para evitar a superabundância. Será que o governo entende melhor do negócio do que elas?

Uma boa resposta aos desacertos e aos danos que a ingerência estatal está gerando sobre os negócios privados vem do comportamento dos fundos de ações da Vale no mercado. Também em manchete hoje, O Globo mostra que a “interferência política” tornou o FGTS-Vale a pior aplicação do mercado em março. Os fundos – nos quais, em 2002, 254 mil trabalhadores investiram parte de seu FGTS em papéis da mineradora – perderam 6,8% no mês até o último dia 28. No ano, o recuo é de 4,89%.

Não contente em ser apenas péssimo empresário, o Estado petista se mete a ser pronto-socorro de empresas em maus lençóis. Ontem, a Eletrobrás divulgou que analisa a compra de parte da EDP portuguesa. Seria uma forma de “internacionalizar” a empresa, dizem, embora a estatal brasileira esteja longe de conseguir sanear suas próprias subsidiárias mergulhadas em déficits pelo país afora.

À lista se juntam a possibilidade de os Correios aportarem dinheiro no desgovernado projeto do trem-bala – mais uma vez adiado por causa do risco de ir a leilão sem conseguir atrair o interesse firme de nenhum investidor privado – e o providencial socorro que a Petrobras deve dar ao grupo Bertin, às voltas com dívidas e compromissos não honrados no setor elétrico, como mostrou o Valor Econômico em sua edição de ontem.

A história de um estado empresário, de gigantescas proporções e tentaculares alcances, já foi vivenciada pelos brasileiros no passado. Desembocou num processo de descontrole fiscal, descalabro inflacionário e retrocesso generalizado na economia. São riscos que novamente voltam a nos assombrar. A sociedade sabe que esta é uma carteira de investimentos micada e não pretende ver seu dinheiro apostado nela.