quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um ministério ficha suja

A presidente eleita concluiu hoje a indicação dos nomes que irão compor seu ministério a partir do próximo dia 1º de janeiro. Noves fora a brutal influência do presidente que sai – com Lula atuaram 13 dos “novos” ministros, ou mais de um terço da “nova” equipe – o que mais chama a atenção é o envolvimento dos escolhidos com denúncias e escândalos. Dilma Rousseff parece ter dado de ombros à Lei da Ficha Limpa.

Comecemos pelo andar de cima. Para o cargo mais poderoso da estrutura, a chefia da Casa Civil, foi indicado Antonio Palocci, defenestrado da gestão Lula depois de envolver-se em tenebrosos episódios numa casa do Lago Sul brasiliense e, uma vez descoberto, ordenar a violação do sigilo bancário do caseiro que o dedurara. Antes, seu governo em Ribeirão Preto fora acusado de fraudar milionárias licitações de coleta de lixo e até mesmo de compra de molho de tomate para merenda escolar.

Descendo um pouco na hierarquia, mas ainda dentro do coração do poder, Dilma escolheu Gilberto Carvalho para a Secretaria-Geral da Presidência. Tendo ocupado por oito anos a chefia de gabinete de Lula, em outubro Carvalho e o PT viraram réus num processo em que são acusados de participar de uma quadrilha que cobrava propina de empresas de transporte na prefeitura de Santo André (SP). O esquema, da época da gestão do prefeito assassinado Celso Daniel, teria desviado R$ 5,3 milhões dos cofres públicos e seria o precursor do mensalão petista no governo federal, segundo O Estado de S.Paulo.

A lista é longa. Inclui também o futuro ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Ele é alvo de ação penal proposta no último dia 14 pelo Ministério Público de Minas Gerais. Segundo a denúncia, publicada hoje nos jornais, irregularidades em um programa de instalação de câmeras de vigilância nas ruas de Belo Horizonte quando Pimentel era prefeito da cidade causaram prejuízos de mais de R$ 5 milhões ao erário.

No rol dos enrolados em falcatruas também figura o futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante. Nas eleições de 2006, quando foi candidato a governador de São Paulo, assessores diretos dele envolveram-se na compra de um dossiê para supostamente incriminar tucanos. O episódio ficou conhecido como “escândalo dos aloprados”, como a eles se referiu o presidente Lula, e terminou sem que nenhuma das pessoas pilhadas pela Polícia Federal com um R$ 1,7 milhão em dinheiro sujo fosse punida.

O “roçado de escândalos” – para usar uma impagável expressão do ex-futuro ministro Ciro Gomes para se referir à aliança política que elegeu Dilma – abriga também um dos indicados pelo PSB da família Gomes para o novo governo: Fernando Bezerra Coelho, que ocupará a pasta de Integração Nacional. Ele é acusado de ter orientado o pagamento de mesada a líderes comunitários em troca de apoio político, quando era prefeito de Petrolina (PE).

Entre os que retornam ao governo sob as bênçãos de Lula e a conivência da presidente eleita está Alfredo Nascimento. Ele é alvo de denúncia da Procuradoria Regional Eleitoral do Amazonas por compra de votos nas eleições de outubro, quando disputou e perdeu o governo do estado. Em 2006, quando se elegeu senador pelo PR, já fora objeto de outras acusações de irregularidade, como falsificação fiscal, compra de votos e abuso do poder econômico.

Já outro que também retorna é Edison Lobão, que volta ao Ministério de Minas e Energia logo depois de O Globo ter divulgado gravações que o envolvem com empresários suspeitos de chefiar uma quadrilha de sonegadores de impostos no setor de combustíveis no Rio. O filho do futuro ministro e seu suplente no Senado, Edison Lobão Filho, também já fora denunciado por sonegação fiscal no Maranhão.

Para finalizar, a cereja do bolo também vem do Maranhão: o futuro ministro do Turismo, Pedro Novais, foi flagrado por O Estado de S.Paulo apresentando notas fiscais de um motel para justificar despesas junto à Câmara e ser reembolsado: R$ 2.156 foram gastos numa “festa com bastante gente, uma comemoração, (...) vários casais, várias pessoas”, segundo relato do jornal.

O que esperar de uma equipe ministerial com uma ficha corrida como esta? Veremos a partir de janeiro.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O piloto sumiu, de novo

Começou o pesadelo. Os aeroportos brasileiros viveram um fim de semana de caos, numa triste rotina que se repetiu ano após ano da gestão Lula sem que as autoridades aeroportuárias mexessem uma asa para mudar a situação. Há um mês, o governo anunciou que estava se preparando para evitar o pior; não conseguiu entregar a encomenda.

De acordo com a Infraero, até as 19h de ontem, 16,4% dos pousos e decolagens domésticos apresentavam atrasos com mais de 30 minutos. Nos principais terminais do país, a situação era ainda pior. Em Brasília, por exemplo, um de cada quatro voos não saiu no horário previsto. Cumbica, em Guarulhos, registrou 21,9% de atrasos e o Galeão, 20,4%.

Justiça seja feita, quando anunciou seu plano de voo para o fim de ano, nas entrelinhas a Anac já preparava o usuário para o purgatório. Na reunião de um mês atrás, avisou que esperava uma média de atrasos e cancelamentos nos mesmos patamares de 2009. Era uma espécie do que se pode chamar de “política Tiririca”: “Pior do que tá num fica”. Ficou.

Em um ano, fomos de mal a pior. Segundo O Globo, no fim de semana da véspera de Natal do ano passado 9,45% dos voos previstos atrasaram. Ou seja, os índices de desempenho pioraram 73%. O limite considerado tolerável pela Aeronáutica é de 10% e a média dos aeroportos americanos, de 8%.

Os atrasos nos aeroportos do Brasil não são pontuais, são rotina. Em sua edição de ontem, O Estado de S.Paulo mostrou em manchete que a média de atrasos acima de meia hora foi de 20,7% na primeira quinzena de dezembro. Para comparar: em novembro, havia sido de 12,6% e no mesmo período de dezembro de 2009, de 19,2%.

Mas os índices médios camuflam situações ainda mais precárias, que ocorrem justamente nos terminais mais movimentados do país. Em Guarulhos, neste mês o percentual de voos que chegaram ou partiram com atrasos superiores a 30 minutos está em 26,4%. O aeroporto de Natal ocupa a segunda posição no ranking da demora, com 24,5%, seguido pelo Galeão (24,1%) e por Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, com 21,6%.

Voo que sai na hora é miragem na paisagem dos aeroportos brasileiros. Ainda de acordo com o Estadão, neste mês 37% deles atrasaram até 15 minutos; 12,2% demoraram mais de 45 minutos e 7,5%, pelo menos uma hora além do horário marcado para sair do chão. Mas o quadro pode ficar pior com a já anunciada intenção dos aeroviários de deflagrar greve na próxima quinta-feira em prol de melhores salários.

Nada disso, porém, parece sensibilizar o governo do PT. À página 121 do caderno sobre Logística de Transportes de seu alentado balanço de fim de gestão, está escrito que “o governo federal, por intermédio da Infraero, pautou seus investimentos nos aeroportos buscando a manutenção da qualidade, da segurança, do conforto e da eficiência operacional da rede”. Conta outra.

A fila de contratempos que os brasileiros estão enfrentando neste fim de ano nos aeroportos do país são cortesia de Lula e seus subordinados. Uma soma de improvisos que vem de longe, presente daquele senhor de barba branca que se veste de vermelho, a mesma cor do partido do presidente da República. Ho-ho-ho.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vitória contra o jogo sujo

A postura coesa dos partidos de oposição foi fundamental para barrar o projeto de legalização dos bingos que a bancada lulista no Congresso tentou aprovar no apagar das luzes. A proposta foi derrotada ontem na Câmara por 212 votos. Outros 144 deputados votaram a favor e cinco se abstiveram. Os derrotados prometem ressuscitar a infame proposta tão logo a nova legislatura seja empossada. Olho vivo neles.

Enquanto PSDB, DEM e PPS, além do PSOL, votaram em bloco pela rejeição do projeto, PT, PSB e PC do B liberaram suas bancadas – o que significava apoio tácito à aprovação, com as bênçãos, inclusive, de Cândido Vaccarezza, líder governista na Câmara. As demais siglas posicionaram-se abertamente a favor da legalização da jogatina no país.

A leniente posição governista diante do tema tem lá sua explicação: tudo leva a crer que os partidários de Lula e Dilma Rousseff estavam pagando uma dívida de campanha contraída no pano verde da política suja. A documentação oficial corrobora a tese.

Na primeira mensagem encaminhada pelo presidente Lula ao Congresso, em 2004, constava compromisso explícito do Executivo com a legalização dos jogos. Está lá no capítulo “Cidadania e Inclusão Social”, à página 177 do documento: “A regulamentação da atividade dos bingos vai organizar o setor (esportivo) e assegurar recursos para o esporte social.”

Por azar do governo, dias depois de a intenção ser divulgada, veio à luz a gravação em que Waldomiro Diniz, então braço direito de José Dirceu na Casa Civil, aparecia recebendo propina de um bicheiro. O primeiro da série de escândalos do governo Lula fez submergir a proposta de legalização do jogo que o PT acalentava.

Mas tudo indica que o compromisso com a contravenção persistiu – tanto que investigações iniciadas na CPI dos Bingos em 2005, incluindo denúncias de doações de casas de bingo para a campanha de Lula, jamais foram aprofundadas – e ainda pode vir a fazer estragos.

Congressistas favoráveis à legalização – incluindo alguns dos mais empenhados apoiadores da campanha da presidente eleita entre as organizações sindicais – afirmam que ainda vão tentar votar outras versões da proposta em 2011. Com todo este histórico, é bom não baixar a guarda frente às possíveis tentativas de reinstalar a jogatina no país.

Para se ter idéia da nocividade da proposta, tão logo o tema da legalização voltou à discussão, em novembro, verificou-se uma corrida ao Ambulatório do Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Eram jogadores compulsivos temendo sofrer recaída com o retorno da facilidade de acesso às casas de jogos.

Pesquisas indicam que 4% das pessoas que começam a jogar terão algum tipo de problema, enquanto 1,5% desenvolve a dependência, conforme o Diário de S.Paulo. Estatísticas mais pessimistas falam em 6% de adolescentes que abusam de jogos de azar.

“Onde estaria a ‘droga’ do jogo? A resposta um tanto simplificada seria na aposta. O jogador torna-se um dependente da excitação causada pelo ato de arriscar dinheiro ou outra forma valor. Somente esta sensação já basta para envolvê-lo. Se em seguida ao ato de apostar, ele conseguir resgatar o prêmio – tanto melhor”, escreve Hermano Tavares, presidente da Associação Nacional do Jogo Patológico.

O vício é considerado questão de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde e causa, certamente, dano muito maior do que os benefícios que, supostamente, a legalização dos jogos no país poderia gerar: 250 mil empregos e R$ 7 bilhões anuais em tributos recolhidos, conforme sustentam seus defensores.

Felizmente, alguns órgãos federais também se mobilizaram contra a aprovação da legalização – que parecia prestes a acontecer depois que, na semana passada, o projeto ganhou direito a tramitar em regime de urgência na Câmara.

Segundo a Enccla – que reúne 19 órgãos voltados ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, como o Coaf, a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público, a Receita Federal e a Polícia Federal – o governo não tem mecanismos capazes de evitar que os bingos, caso legalizados, mantenham-se distantes do crime organizado. Em documento, ressalta “a altíssima vulnerabilidade do setor a organizações criminosas e a afinidade que possui com outras condutas ilícitas (sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico)”.

Tudo somado, a experiência recente com os jogos de azar mostra que a atividade oferece muito mais danos do que benefícios. Os argumentos usados para reprovar o projeto que legaliza a atividade valem tanto agora como continuarão a valer caso os incansáveis defensores desta chaga levem adiante a ameaça de insistir na proposta. A contravenção não dá trégua.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Crescimento de má qualidade

A divulgação periódica dos resultados do PIB é sempre um bom momento para aferir a quantas anda a produção de bens e riqueza do país. Os números relativos ao terceiro trimestre, com expansão de 0,5% ante os três meses anteriores, mostram uma economia ainda vigorosa, mas desconjuntada. A qualidade do nosso PIB tem piorado: somos hoje um país glutão que consome muito mais do que consegue produzir.

Os números divulgados pelo IBGE revelam, mais do que escondem, sérios desequilíbrios. O mais evidente deles é que os brasileiros consumimos acima do que as empresas do país têm capacidade de fabricar. Resultado disso é que a demanda interna tem sido coberta cada vez mais por bens vindos do exterior: as importações subiram assustadores 40,9% em relação ao terceiro trimestre de 2009. É a maior alta desde meados de 1995.

Importar mais tem alguns aspectos positivos, como forçar os preços internos para baixo e segurar a inflação. Se não fossem as importações, provavelmente estaríamos pagando caríssimo por uma lista de produtos e serviços ou estaríamos sujeitos a uma taxa de juros reais ainda maior do que a atual – que, mesmo assim, se mantém como a mais alta do mundo.

Se importar ajuda em alguns aspectos, ao mesmo tempo impõe um custo ao país. Nossas firmas produzem menos, geram menos receita e menos empregos. Tudo isso pode ser expresso de várias maneiras, mas uma das mais eloquentes é quanto do PIB se perde quando se deixa de produzir internamente em favor de comprar no exterior.

Sem as importações, o crescimento do PIB no terceiro trimestre em relação a igual período de 2009 teria sido de 10,3% e não de 6,7% como foi, conforme mostrou o Valor Econômico. Em moeda sonante, estes 3,6 pontos percentuais significam R$ 114 bilhões a menos de riqueza produzida no país.

É fácil ver esta perda em exemplos cotidianos. Desde 2004, a fatia do consumo doméstico atendida por importados passou de 8% para 28%. Em setores como máquinas e equipamentos, o percentual já beira 50%, segundo a Abimaq. As compras de aço, setor no qual as siderúrgicas do país são vanguarda, cresceram 154% ao longo deste ano. Hoje, de cada empresa que exporta no Brasil, há duas que importam. O câmbio valorizado explica boa parte destes resultados.

Na outra ponta, o consumo das famílias cresce em parar há 28 trimestres, ou há exatos sete anos. A maior parte dos economistas entende que continuará assim no próximo ano. A consequência é que o Brasil continuará dependente da produção que vem de fora para atender seus ávidos consumidores. Com isso, suas contas com o exterior vão ficar ainda mais deficitárias e a inflação em alta permanecerá à espreita. Riscos que nenhum país gosta de correr.

Não são apenas as famílias as responsáveis pela demanda aquecida. Investimentos também crescem bem, mas explosivos mesmo são os gastos do governo. Nos oito anos da gestão Lula, a média anual de aumento das despesas públicas foi de 7% em termos reais, ou seja, acima da inflação, de acordo com O Estado de S.Paulo. Haja pressão sobre o consumo. Num quadro assim, não surpreende que a oferta nacional esteja longe de dar conta da demanda.

Na semana passada, o IBGE também divulgou os números revisados do PIB de 2009. A retração foi ainda maior do que já se sabia: passou de 0,2% para 0,6%. A “marolinha”, como Lula se referiu à recessão do ano passado, é o pior resultado desde 1990, ou seja, desde o governo Fernando Collor. Como a previsão para este ano é de um crescimento em torno de 7,4%, o governo do petista deverá terminar com o melhor e o pior resultado da série desde 1986.

Mais do que observar o retrato do momento, a divulgação do último PIB de Lula é propícia para avaliar os resultados do mandato do atual presidente numa perspectiva mais ampla. A média anual de crescimento econômico nestes oito anos ficará em 4%. É muito? É pouco? Para responder isso, deve-se ressaltar as circunstâncias mundiais – e, exceto o ponto fora da curva da crise de 2008/2009, elas foram exuberantes neste período.

Pois mesmo com todo este céu de brigadeiro Lula termina seu governo com o país tendo crescido menos que sua média histórica, de 4,5%. Entre os 29 presidentes desde o início da República, 18 saíram-se melhor do que o petista, conforme mostrou O Globo em sua edição de sexta-feira.

Quando olhamos para o lado também vemos que o Brasil avançou muito aquém de outras economias emergentes – e até mesmo do que a média dos países latino-americanos. No continente como um todo, a média de crescimento econômico desde 2002 terá sido de 4,64%, de acordo com o FMI. Na China, o patamar foi de 10,95%; na Índia, 8,2%; e na Rússia, 4,8%. Ou seja, fomos os lanternas dos BRIC.

Diante deste cotejo, é correto concluir que o resultado alcançado por Lula é pouco mais que decepcionante para quem teve tantas e tão favoráveis condições de fazer o país alçar voos mais ambiciosos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

No fundo do poço

Não tinha como acabar bem a regulamentação do novo marco regulatório para exploração do petróleo no país. O último golpe foi a aprovação, na calada da noite, dos projetos que instituem o regime de partilha e criam o fundo social. No lusco-fusco da semana passada também foi alterada a forma de distribuição dos royalties do petróleo, suscitando uma verdadeira guerra federativa. Não há luz nas profundezas deste oceano.

Ontem, o presidente Lula disse que irá vetar as mudanças aprovadas pelos congressistas nas regras dos royalties. Comprou uma briga que ele mesmo semeara, ao transformar o pré-sal em bandeira política e em moeda de troca no toma-lá-dá-cá dos interesses partidários. Mexeu num vespeiro, está colhendo tempestades.

Tudo, ao longo deste um ano e três meses desde que as propostas do pré-sal foram enviadas ao Congresso pelo governo do PT, recendeu a improviso e a apropriação política. As discussões, se é que podem ser chamadas assim, desenrolaram-se de forma extemporânea e sem qualquer aprofundamento. Jogou-se no lixo uma das mais bem-sucedidas políticas de desenvolvimento adotadas no país nas últimas décadas.

O país corre o risco de ver comprometido algo que, bem conduzido, poderia representar nossa entrada definitiva no rol das nações mais desenvolvidas do mundo. A descoberta do pré-sal era a cereja do bolo de um modelo que, nos últimos 12 anos, transformou a indústria do petróleo num dos motores do crescimento econômico brasileiro.

O sistema de concessões adotado a partir de 1997 atraiu centenas de bilhões em investimentos para o país, criou centenas de milhares de empregos e transformou a Petrobras numa gigante mundial do setor – até então, nossa estatal sequer figurava entre as dez maiores. O petróleo responde hoje por cerca de 12% das riquezas brasileiras, quatro vezes mais que há 12 anos.

Travestida de um falso discurso nacionalista, a iniciativa do governo do PT substitui o ambiente da livre concorrência pelo controle mafioso dos contratos multimilionários do setor de petróleo. Troca-se a transparência de um regime testado, aprovado e bem-sucedido pela aposta nos riscos de um salto no escuro.

As consequências já não tardam a aparecer. Ativo cabo eleitoral de Dilma Rousseff, o próprio presidente da Petrobras agora reconhece: a capacidade de investimento no setor está atrofiada. Disse José Sérgio Gabrielli ao Valor Econômico: “O que pode vir a existir é uma limitação da capacidade do sistema produtivo de entregar o que precisamos. Não digo gargalos, mas há áreas críticas, estrangulamentos.”

E o que vai acontecer, segundo ele? Será “preciso modular o crescimento, mas ao mesmo tempo não pode ser muito rápido porque, se o for, chegaremos a uma situação em que a indústria nacional não conseguirá atender às necessidades. E, aí, teremos um problema de desindustrialização e de incapacidade para a indústria brasileira competir.”

Mas foram exatamente as incertezas semeadas pelo novo arcabouço legal proposto pelo governo do PT que desorganizaram o setor mais dinâmico da economia brasileira, paralisaram os investimentos privados e eliminaram qualquer traço de competição e concorrência nos negócios de petróleo, transformando todas as multimilionárias transações do setor em ações entre amigos.

Com as novas regras, a Petrobras fica obrigada a entrar em todos os negócios do pré-sal e as demais empresas tornam-se meras prestadoras de serviço contratadas. Isso significa que o Estado brasileiro, que é dono da maior fatia acionária da companhia, assume todos os riscos associados à delicada exploração das reservas situadas em águas ultraprofundas. No antigo modelo, era sócio dos lucros, apropriados por meio das participações especiais, que deixam de existir no regime de partilha, dos royalties e dos bônus de assinatura.

Não surpreendem, portanto, os frustrantes resultados que a Petrobras vem obtendo. O ritmo de expansão da produção de petróleo caiu a uma média anual de 4,2% desde 2002. Para comparar: no governo tucano, o avanço fora de 16% ao ano. O preço deste retrocesso é a sociedade brasileira quem está pagando. Na calada da noite e na escuridão do fundo do mar, vai ficando claro que o governo petista apostou o futuro do país no pano verde da política miúda.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Voo cego

Até pouco tempo atrás, a aproximação das festas de fim de ano era motivo apenas de comemoração e júbilo. Mas para os que usam aeroportos no país a data tornou-se também uma tremenda dor de cabeça. Voar pelo Brasil para comemorar o Natal e o Ano Novo ou para descansar numa praia ensolarada tornou-se uma aventura – sem nenhuma graça. Ninguém garante que não será novamente assim nas próximas semanas.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) diz que não há razão para temores. Será? Há duas semanas, o órgão enfileirou todos os seus dirigentes e os diretores de todas as companhias aéreas em torno de uma mesa para indicar que estava “pondo ordem” na casa. Não há dúvida de que tenha sido uma medida extemporânea, por tardia demais. Há quem diga que não passou de pirotecnia. Na melhor das hipóteses, serão paliativos.

Uma dos principais deliberações da Anac foi proibir o overbooking, prática pela qual as companhias de aviação vendem um número de bilhetes acima dos assentos disponíveis. Outra foi informar que a agência colocará todo o seu exército de funcionários vigiando a normalidade dos aeroportos. Nenhuma delas deve surtir qualquer efeito: uma semana depois, já tinha empresa apresentando problemas sérios; foi a terceira a falhar em quatro meses.

O overbooking não é exclusividade brasileira; é inerente ao setor aéreo. Como o índice de desistências é alto, sempre se vende mais do que o avião acomoda, para evitar perdas. Quase nunca fica gente de fora. Para fazer diferente, as passagens terão de ficar mais caras para todos. Assim, é possível que quem só agora está tendo o gostinho de voar de avião tenha que cair fora, numa cortesia do governo do PT.

Quanto ao aumento da fiscalização pela agência, mais parece piada. Quem teve algum problema num aeroporto recentemente sabe disso: teve de se queixar ao bispo, porque a Anac simplesmente desativou praticamente todos os balcões de atendimento que tinha nos terminais. Aos passageiros prejudicados, a agência oferece, gentilmente, a opção de reclamar por meio da internet ou de um 0800 da vida. Fará tudo diferente do que fez até hoje?

O problema central, a Anac não enfrenta: a deterioração da infraestrutura aeroportuária do país. É unânime a avaliação quanto ao estado de penúria atual e isso não é de hoje. Junte-se a isso o inexistente planejamento de nossas autoridades aéreas. Da soma, resulta o improviso que grassa no setor, para o qual muito colabora a incúria da tão mastodôntica quanto ineficiente Infraero.

Os “apagões aéreos” se instalaram na rotina dos brasileiros pelo menos desde fins de 2006. Neste meio-tempo, o fluxo de passageiros cresceu 50%, para 153 milhões neste ano. Mas parece não ter sido suficiente para que alguma ação estratégica fosse posta em marcha pelo governo Lula. O pouco que houve foram remendos, que estão fazendo água por todo lado.

Há mais gente com condições financeiras de tomar um avião no país, mas a estrutura aeroportuária é a de sempre. Resultado: a Anac já dá de barato que 18% das decolagens vão atrasar e 5% serão canceladas neste fim de ano. É o mesmo percentual de um ano atrás. Como um órgão regulador pode se dar por satisfeito com uma situação que se manterá tão ruim quanto há um ano?

O governo federal anuncia investimento de R$ 5,6 bilhões na melhoria de 13 dos nossos aeroportos com vistas à Copa do Mundo de 2014. Até agora, porém, quase nada foi feito: neste ano, até outubro, a execução estava em 22% do orçado e só dois terminais tinham obras. Nos de Goiânia e Vitória, por exemplo, elas não saem do papel por causa de irregularidades.

Não surpreende, portanto, que a Iata, que congrega as companhias aéreas de todo o mundo, considere que 13 dos 20 maiores terminais brasileiros não conseguem dar conta da demanda. É um “desastre crescente” que deixa antever um “vexame” daqui a quatro anos, diz.

Para o ministro da Defesa, isso não passa de “terrorismo” das empresas. Mas ele não tem a concordância nem de seus colegas de ministério. Entre os aeroportos mais abarrotados do planeta, estão vários brasileiros, como Santos Dumont (com a segunda maior alta no fluxo de passageiros no mundo em 2009, de 40,6%), Brasília, Confins e Salvador.

O próprio BNDES estima que nos próximos 20 anos a capacidade aeroportuária brasileira terá de ser multiplicada por 2,4 vezes: de 130 milhões para 310 milhões de passageiros por ano. Se tudo continuar como está, a bomba vai estourar bem antes.

Neste quadro de penúria, é positivo que a presidente eleita comece a falar em abrir o capital da Infraero e conceder os aeroportos brasileiros à exploração privada, numa experiência que começaria por sete terminais. Também é salutar tirar a administração da aviação civil da alçada da Defesa – o Brasil é um dos poucos países no mundo em que o Ministério dos Transportes não cuida de um dos modais de transporte. Resta ainda saber o que ela fará com a Anac, único órgão regular inteiramente implantado na gestão Lula e cuja atuação serve como exemplo de tudo o que não se deve fazer em prol do país.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Contas a pagar

Não se deve olhar o resultado das contas públicas divulgado ontem meramente pela ótica contábil. O emaranhado de cifras e conceitos é quase incompreensível para a população em geral. A questão é política: o que interessa é mostrar que a parcela crescente de recursos que o país compromete com gastos do governo é o preço que a gestão Lula impôs à sociedade para eleger Dilma Rousseff. São contas a pagar por muitos e muitos anos.

A despeito de toda a criatividade contábil empregada pelos técnicos oficiais para inflar as receitas do governo, é bem possível que a meta fiscal não seja atingida neste ano. Nos últimos 12 meses, o superávit primário está em R$ 99,1 bilhões ou 2,85% do PIB. O resultado de outubro (superávit de R$ 9,7 bilhões) foi o pior para este mês do ano desde 2005.

Até o mês passado, a meta de superávit para este ano era de 3,3% do PIB. Foi reduzida para 3,1% com a exclusão dos investimentos da Eletrobrás dos cálculos. A estatal é um sorvedouro de dinheiro público e, com sua gestão temerária, estava puxando o resultado das estatais para baixo. Ao invés de tentar saneá-la, o governo preferiu varrer seus gastos para debaixo do tapete.

Mas, mesmo emagrecida, nem Papai Noel é capaz de fazer a nova meta fiscal de 2010 ser alcançada. O resultado primário é tradicionalmente deficitário no fim do ano, quando o governo tem que arcar com pagamento de 13º salário do funcionalismo. No ano passado, o déficit nominal saltou de R$ 114 milhões em outubro para R$ 10 bilhões em dezembro.

Isso significa que o governo petista não executará neste ano o esforço fiscal necessário para reduzir a dívida pública. Se o passivo não cai, o espaço para o corte de juros fica menor, os gastos saudáveis com investimentos públicos não acontecem e o país mantém-se pagando caro para rolar sua dívida, que cresceu R$ 18,8 bilhões em outubro e atingiu R$ 1,64 trilhão.

O governo tenta defender a escalada de gastos dizendo que era preciso fazer frente à crise econômica. Isso poderia ser – e foi – válido para 2009. Mas, neste ano, acelerar a gastança foi pura e exclusivamente irresponsabilidade. Ou em português mais claro: uso descarado dos recursos da sociedade em favor de um projeto político. Gastou-se muito para eleger a sucessora de Lula, não para acelerar o crescimento.

O governo do PT está conseguindo jogar no limbo o arcabouço institucional que permitiu ao país emergir da descrença internacional que grassava até a década de 90 para um patamar respeitável. O firme tripé baseado em responsabilidade fiscal, controle da inflação e câmbio flutuante encontra-se trôpego.

No caso das contas públicas, o resultado deste ano só não é numericamente catastrófico porque a equipe econômica, sob as bênçãos do reconduzido ministro Guido Mantega, lançou mão de uma série de mandracarias para engordar as receitas.

Sem elas, os R$ 99 bilhões do superávit fiscal seriam um terço menores. O golpe mais vistoso foi desferido quando R$ 31,9 bilhões de uma dívida feita para capitalizar a Petrobras foram transformados em R$ 31,9 bilhões de receitas. Shazam! A União também garantiu outros R$ 1,4 bilhão com a venda de créditos que tinha na Eletrobrás para o BNDES e mais R$ 958 milhões com o pagamento antecipado, pela Caixa, de dividendos ao Tesouro.

Um dos vértices desta imensa criatividade contábil foi o BNDES: só nos dois últimos anos, recebeu R$ 200 bilhões em aportes do Tesouro, inflando a dívida bruta. A pretexto de não deixar as fontes de crédito estancarem, o banco foi turbinado para emprestar como nunca. Os critérios para isso foram, porém, bastante duvidosos, para dizer o mínimo.

Uma das operações mais esdrúxulas foram os empréstimos a frigoríficos, em especial ao grupo JBS/Friboi. Foram R$ 11,4 bilhões desde 2008, considerando também a compra de participação pelo BNDES no capital do JBS e do Bertin, hoje enfeixados no mesmo grupo empresarial, conforme análise de Mansueto Almeida. Isso tornou o JBS o segundo maior grupo privado nacional, atrás apenas da Vale – até 2005, o frigorífico goiano jamais figurara sequer entre as 200 maiores corporações brasileiras.

Quase ninguém entendeu a atração do BNDES pelo JBS – conglomerado privado onde o banco mais pôs dinheiro na sua história e do qual é hoje dono de 21%. A operação não aumentou a capacidade de exportação do país (mas elevou a dos EUA, onde o JBS adquiriu a Swift Foods), nem gerou um bife sequer de inovação tecnológica ou criou novos empregos – pelo contrário.

Mais eis que surge agora uma bela explicação para tamanha camaradagem oficial com o JBS: o grupo foi o maior doador da campanha vitoriosa de Dilma Rousseff. Foram nada menos que R$ 10 milhões, conforme mostra O Estado de S.Paulo em sua edição de hoje.

O valor supera até mesmo o de construtoras e bancos, dois dos setores mais satisfeitos com o governo do PT. Depois do JBS aparecem, nesta ordem, a Camargo Corrêa e a Queiroz Galvão. Ambas têm uma vistosa carteira de obras incluídas no PAC, algumas envoltas em suspeita de irregularidades e polêmicas, como a bilionária hidrelétrica de Belo Monte.

Fecha-se, então, o círculo: o governo abriu a torneira dos gastos, irrigou negócios amigos e recebeu em retribuição, na campanha eleitoral, o auxílio financeiro dos companheiros subsidiados. Com o país atolado neste “capitalismo estatal”, não surpreende que os resultados fiscais sejam cada vez piores. A conta da eleição de Dilma está sendo apresentada agora à sociedade. Quem vai pagar por isso?