terça-feira, 31 de maio de 2011

Cinco meses de um varejo sem fim

Nos desdobramentos da crise envolvendo o enriquecimento do ministro da Casa Civil, a discussão do momento é sobre o aumento do peso do PMDB no núcleo de poder. O partido de Michel Temer sente-se confortável para cobrar mais pelo apoio parlamentar, sob ameaça de deixar que alguns de seus senadores tornem a CPI do Palocci uma realidade. O balcão de negócios do Planalto está a pleno vapor.

Três dos principais jornais destacam hoje a fatura que os pemedebistas estão apresentando ao governo. Para O Estado de S.Paulo, em manchete, “com Palocci fraco, PMDB quer nova articulação política”. Segundo a Folha de S.Paulo, o “PMDB cobra mais poder de decisão no governo Dilma”. Até o Valor Econômico, que vinha dando menos destaque ao caso, informa, em primeira página, que “Dilma revê coordenação política”.

Uma das conclusões em comum é que o PMDB deverá partilhar mais das decisões do governo e Dilma Rousseff irá intensificar os contatos com as lideranças governistas no Congresso. Tudo isso seria decorrência da derrota na votação do Código Florestal, na qual o PMDB não seguiu as ordens do Palácio, e do acirramento das relações ao longo da crise em torno de Antonio Palocci. Também seria uma forma de reconstruir a abalada autoridade da presidente.

É claro que o governo, qualquer governo, depende de uma boa articulação política para funcionar melhor. Mas, no caso de Dilma, isso é uma dependência química. A inabilidade e a inexperiência políticas da presidente justificam parte das dificuldades. Mas o modo como o condomínio de poder se organiza sob o PT explica muito mais.

Dilma termina hoje o quinto dos 48 meses da sua gestão. Neste período inicial, os governos costumam ser marcados por gestos ousados, pela apresentação dos projetos mais arrojados, pela proposição das mudanças mais significativas para a vida de um país. O que fez o governo da presidente neste sentido até agora?

Não há uma única reforma efetivamente em discussão. Dos principais projetos que tramitaram no Congresso, um trata de assunto corriqueiro na vida da nação – a fixação do salário mínimo – e o outro serviu mais para nos jogar numa encruzilhada do que para apontar novos caminhos – o do Código Florestal. É muito pouco para um governo que se dizia estar “em lua de mel” com o país.

Dilma Rousseff não apresentou, nem parece dedicada a desenvolver, um projeto para o país que tenha força suficiente para galvanizar apoios no Parlamento e na sociedade. É um governo dedicado à administração cotidiana da burocracia, à política miúda, ao curto prazo. Um governo de um varejinho sem fim.

Para funcionar, governos com esta natureza dependem fundamentalmente do “é dando que se recebe”. O balcão do fisiologismo tem de estar aberto diuturnamente. A articulação política que Dilma promete azeitar doravante se presta a garantir que estas engrenagens funcionem melhor – o que não significa que tenham parado de funcionar um instante sequer.

“Como contentar o PMDB? Cedendo espaço na máquina governamental que possibilite bons negócios. Rentáveis para efeito privado e péssimos para o interesse público. O governo postergou, até o momento, a partilha do butim, não pela defesa da moralidade pública. Longe disso. Está testando o partido para ver até que ponto é possível negociar”, escreve Marco Antonio Villa n’O Globo.

A intervenção de Lula na semana passada serviu justamente para reafirmar a prevalência dos princípios fisiológicos no condomínio gerido por Dilma sob a tutela do ex-presidente. Ele veio lustrar o balcão. Fica muito evidente que esta é a regra que vale para os governos do PT. Basta agirem assim, para saírem sorridentes nas fotos...

A assessoria da presidente cuida de disseminar que a atuação de Lula “desagradou” Dilma. Bobagem. A intervenção é parte do jogo que ela aceitou jogar, mas não estava tendo habilidade para conduzir. A interferência do ex-presidente serviu para apaziguar os ânimos e garantir que os canais não serão obstruídos – pode-se imaginar o que flui por intermédio deles.

A correria do governo para atender prontamente os comensais do PMDB e da base aliada também sugere a pouca confiança nas explicações dadas pelo ministro da Casa Civil sobre o crescimento exponencial da sua fortuna. Busca exorcizar investigações, mas a crise está longe de acabar – o Valor chega hoje a cogitar nomes de possíveis sucessores de Palocci: Fernando Pimentel, Paulo Bernardo e Alexandre Padilha.

Pode ser que o Planalto aposte que, no fim das contas, o episódio sobre o enriquecimento suspeito de Antonio Palocci não passe de um “acidente”, como aliados do PT do quilate de José Sarney já consideram ter sido o impeachment de Fernando Collor. No fundo, a intenção acaba sendo esta mesma: igualar todos. Por baixo.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A crise não sairá da agenda

O governo dá início hoje a um esforço concentrado destinado a demonstrar que está tudo normal no centro do poder. Depois de semanas de imobilismo, Dilma Rousseff programou atividades públicas diárias até sexta-feira com intuito de mostrar trabalho e tentar desviar o foco do enriquecimento de Antonio Palocci. Não será assim que conseguirá escapar de dar as explicações ainda devidas sobre o escândalo e sepultar a crise.

A presidente vai hoje ao Uruguai para uma visita de cinco horas, adiada três vezes desde janeiro, assinar um monte de papéis. Os 14 acordos que a chancelaria brasileira alardeia como justificativa para a visita são absolutamente secundários.

O evento em Montevideo só tem um objetivo: dar oportunidade a Dilma de transferir – por esta enormidade de tempo – o governo para Michel Temer. O que importa é a pose sorridente para os fotógrafos, como o próprio vice-presidente admitiu no sábado.

É a maneira que a presidente imaginou para transmitir ao público a ideia de que a relação com o PMDB está pacificada. Não está. Na semana passada, Dilma ameaçou demitir todos os ministros pemedebistas, levando Temer e Palocci a travarem uma áspera discussão por telefone. Os condôminos se engalfinhavam pelo butim.

A “agenda anticrise” prossegue amanhã com uma reunião com governadores sobre o andamento das obras da Copa do Mundo de 2014, que Dilma prometera realizar tão logo tivesse voltado da China, há um mês e meio. Tudo bem que a pneumonia a tenha impossibilitado de cumprir alguns compromissos, mas há prova mais evidente de paralisia do governo do que o estado de penúria que há meses ronda as obras?

Na quarta-feira, a presidente abrirá espaço na agenda para recepcionar os senadores do PMDB. Divulga-se que discutirá com eles o Código Florestal, que agora tramita no Senado. Mas o objetivo, novamente, é outro: evitar que parte da bancada assine requerimento para a criação da CPI do Palocci. Como? Escancarando, claro, o balcão fisiológico que move as relações entre governo e aliados na era petista.

A lista de compromissos da semana inclui, ainda, o lançamento do programa “Brasil sem Miséria”, apresentado como “vitrine do governo”. É chocante como uma iniciativa que deve ser séria – a de atender os 16 milhões de miseráveis existentes no país – seja tratada como uma simples peça da estratégia de marketing palaciana para fugir da crise. Começando assim, o programa corre risco de ter o mesmo destino do Fome Zero...

Para completar a semana, Dilma lança no Rio mais uma plataforma da Petrobras, a P-56. Seria uma boa oportunidade para a presidente dar uma olhada nas precárias condições das demais estruturas da empresa. Na quinta-feira passada, foi suspensa a operação da plataforma P-65, às voltas com uma série de normas de segurança não seguidas pela estatal. Em agosto de 2010, também fora interditada a P-33 por problemas de manutenção.

Esta avalanche de espuma não livrará o governo do PT de explicar o inexplicável: como o patrimônio de seu principal ministro multiplicou-se por pelo menos 20 vezes em apenas quatro anos.

Na sexta-feira, Palocci enviou ofícios à Procuradoria Geral da República, mas, pelo que se divulgou, não informou o essencial: para quem prestou tão valiosos serviços de “consultoria”. Aí está a “variável-chave” para o desenrolar da história. “A lista de clientes e preços de Palocci pode ser uma resposta ou a pá de cal”, comenta Carlos Alberto Sardenberg hoje n’O Estado de S.Paulo.

Mas a defesa do ministro desdenha de dar explicações, e chega a lançar mão de argumentos de um cinismo ímpar. Em artigo publicado hoje na Folha de S.Paulo, o advogado José Roberto Batochio diz que os R$ 20 milhões descobertos até agora – será só isso mesmo? – redundariam em “uma receita mensal bruta de R$ 416 mil” ao longo de quatro anos. Ele acha pouco.

Omitindo que assina o artigo como advogado de Palocci, o que Batochio faz é distorcer os fatos. Os R$ 20 milhões vieram num único ano e não em quatro. Pior: metade disso veio quando Palocci coordenava a transição de governo e tinha acesso a todas as informações relativas às decisões do governante que saía, bem como às intenções da gestão que entrava, mostrou a Folha ontem.

Igualmente cínica é a posição da Controladoria-Geral da União, que se recusa a investigar o enriquecimento de Palocci, contrariando decreto assinado pelo então presidente Lula em junho de 2005, no auge da crise do mensalão. “Para não investigar o caso, a CGU alega que Palocci não era ‘agente público’ na época em que recebeu os pagamentos feitos à empresa Projeto”, informa o Estadão.

Fica claro que o maior esforço do governo é por escapar de dar as explicações ainda devidas sobre o escândalo, impedir apurações, turvar a compreensão do caso pela opinião pública e usar a máquina de propaganda para dar ares de normalidade a uma situação absolutamente anormal. A menos que, no balcão de negócios que o condomínio do poder opera, tráfico de influência e operações suspeitas sejam considerados meros compromissos na agenda oficial.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Presidente teleguiada

Onze dias depois de revelado o espetáculo do crescimento do patrimônio do ministro Antonio Palocci, Dilma Rousseff saiu do armário ontem para defendê-lo. Não foi, convenhamos, uma defesa das mais enfáticas; as atitudes e os argumentos usados foram canhestros. A presidente da República portou-se como boneco do ventríloquo Lula.

Dilma só fez reproduzir os mesmíssimos argumentos que o ex-presidente pôs para circular no mundo político nos últimos dias. Seguindo a velha tática diversionista do PT, culpou a oposição pela revelação de que seu ministro da Casa Civil ficou milionário quando era deputado. Acusou os oposicionistas de “politizarem” o caso. Nada que corresponda à realidade.

A presidente da República usou ontem mesmíssimas frases empregadas por seu chefe de gabinete dois dias antes. Tanto quanto seu subordinado, ela agiu a mando de Lula, chancelando a leitura corrente de seu apequenamento precoce no cargo mais importante da República.

Disse ela ontem, segundo O Globo: “Agora se negam a discutir o vazamento dos sigilos e só querem discutir o conteúdo dos sigilos”. Dissera Gilberto Carvalho na terça-feira: “Em 2010 houve a quebra de sigilo dos dados de familiares de [José] Serra e o foco do noticiário foi a quebra de sigilo em si, e não o conteúdo. Agora é tudo para o conteúdo e nada para a quebra de sigilo”.

Será que Dilma não tem um pingo de luz própria? Será que, a cada crise, precisará chamar o síndico para dar bronca nos vizinhos do condomínio de poder? Recusará a dar transparência à administração, usando as mesmas manobras que notabilizam seu partido?

Em sua primeira manifestação após a divulgação de que o patrimônio de Palocci multiplicou-se – na melhor das hipóteses – por 20 em quatro anos, a presidente sequer se comprometeu com a integridade do seu principal ministro. Ela afirmou apenas assegurar que ele “está dando todas as explicações necessárias”. A quem?

Até agora, a única coisa que Palocci fez foi divulgar uma nota na qual dizia que fez o mesmo que outros fizeram – sem considerar que a condição dos outros não era a de todo-poderoso junto ao governo de plantão. Ontem, na “defesa” que apresentou aos senadores, também confirmou que, sim, foi muito bem pago para dar conselhos a ricaços quando era deputado.

A presidente acusou a oposição de estar buscando um “terceiro turno”, politizando o caso. Nada mais falso. O que a oposição fez até agora foi tentar investigar – coisa que o governo fez de tudo para impedir. “Cada requerimento negado, cada CPI sepultada é um tijolo a mais no edifício da suspeita”, escreve Fernando Gabeira no Estadão.

Ressalte-se que as revelações sobre o show dos milhões de Palocci foram feitas pela imprensa e nunca foram negadas por ele. “As duas revelações fundamentais do novo caso Palocci – a compra multimilionária de imóveis e a colheita gênero megassena logo em seguida à eleição de Dilma – foram publicadas pela Folha e elaboradas como notícias objetivas. Sem qualquer extrapolação excedente aos fatos”, comentara Janio de Freitas ontem na Folha de S.Paulo.

Na realidade, para tentar se defender o governo começou a praticar nesta semana um expediente típico de quem está metido em enrascada, o chamado “spin”. É uma forma de torcer a informação de forma a torná-la conveniente a seus interesses. Como estava encurralado, sob fogo de seus próprios “amigos”, o governo passou, dia após dia, a tentar desviar o foco para a oposição.

“Numa conjuntura em que a oposição não tem número sequer para aprovar um requerimento, a iniciativa [de culpar a oposição], além de desprovida de foco, é um acinte à inteligência dos aliados governistas”, observa Maria Cristina Fernandes no Valor Econômico.

As suspeitas quanto à atipicidade das atividades de Palocci estão longe de ser vãs, como fica mais uma vez claro hoje com a notícia, publicada pela Folha, de que o Ministério Público Federal abriu investigação para investigar se o ministro enriqueceu ilicitamente. “O foco da ação é apurar se a evolução patrimonial do ministro é compatível com os ganhos de sua empresa. Caso contrário, Palocci pode responder por improbidade administrativa”.

Ele terá 15 dias para enviar cópia da declaração do imposto de renda da sua empresa de consultoria aos promotores. A Projeto terá que informar a relação de seus clientes e serviços prestados, com cópia de pareceres e registros de reuniões. Numa outra frente, apura-se a prática de tráfico de influência, o que ensejaria investigação na área criminal.

Como se vê, o caso cresce – e não é por culpa da oposição, mas dos fatos. Dilma Rousseff demorou a dirigir-se à nação num episódio da mais extrema gravidade. Quando o fez, dedicou-se muito mais a confundir do que a explicar. Fez, ela sim, politicagem. Lançou acusações vazias, portou-se como se estivesse em cima de um palanque. Fez tudo como mandou o chefe e reforçou a percepção de que sua vocação é ser sempre teleguiada.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Vazio de governo

Lula magnetizou as atenções nos últimos dois dias, depois que se lançou de volta à ribalta política brasiliense. Veio a campo num momento em que as denúncias sobre o enriquecimento astronômico de Antonio Palocci encontravam-se em fogo brando. Com suas bravatas de sempre, o ex-presidente conseguiu dois resultados: voltar a aquecer a polêmica e reduzir a pó a estatura política de Dilma Rousseff.

Os jornais de hoje sustentam que, com a série de reuniões que protagonizou desde terça-feira, Lula comandou uma “intervenção branca” no governo, segundo O Globo. Para a Folha de S.Paulo, o ex-presidente ocupa-se em preencher o “vazio político” reinante em Brasília. Mais correto seria dizer que há um vazio de governo.

A presidente da República encontra-se em seu pior momento, decorridos apenas 146 dias de seu mandato. Ela mesma conduziu-se à atual condição, isolando-se, omitindo-se e, quando contrariada, irritando-se, como na reação à derrota do governo na votação do Código Florestal – em que, comenta Dora Kramer, teria ameaçado demitir todos os ministros do PMDB.

Dilma está que é um destempero só. A ponto de seus “aliados” dizerem que ela se porta como uma “czarina” e mesmo seu fiel escudeiro José Sarney afirmar que, de forma incomum para quem ocupa o cargo máximo da República, a presidente age como “sacerdotisa do serviço público”. Num momento de instabilidade politica, isso não é um elogio...

É lícito afirmar que, a despeito das inabilidades da presidente, o empurrãozinho de Lula foi providencial para que Dilma rolasse ladeira abaixo. A desenvoltura do ex-presidente foi mais que suficiente para revelar um governo sem comando, uma base política sem unidade e nada convicta da inocência de um ministro diante de suspeitas faraônicas. A reentré do petista-mor serviu para desnudar a rainha.

Quem mais colabora para a fragilidade e a desestabilização do governo Dilma são seu próprio partido e sua base de “apoio” parlamentar – e Lula em especial. Segundo participantes da reunião com o ex-presidente ontem no Senado, ele próprio disseminou a tese de que o caso Palocci pode desembocar em uma “crise institucional”, chegando a sugerir a criação de um “Ministério do Vai Dar M...”.

Lula teria dito que o episódio do enriquecimento do ministro “pode levar o governo a uma crise de dimensões imprevisíveis se não for bem administrado”, informa o Valor Econômico. “O presidente Lula tem uma sensibilidade política mais aguçada e deu sinais claros de que a crise do Palocci é muito grave, não sai da mídia, e que pode caminhar para uma crise institucional de dimensões preocupantes e futuro imprevisível”, relatou um senador aliado a O Globo.

Se já está claro que os governistas não colaboram para debelar as suspeitas em torno do ministro, o Valor Econômico vai mais adiante e diz que, na visão do Planalto, a debacle de Palocci “interessa mais a setores do PT do que a outros aliados”. Dá até nome aos bois: grupos identificados com José Dirceu e os deputados Ricardo Berzoini e João Paulo Cunha.

“O enfraquecimento de Palocci ocorre no momento em que o governo começou a fazer, discretamente, mudanças no rumo da política econômica, tornando-a mais à feição do ministro da Casa Civil, isto é, menos intervencionista e mais liberal”, especula o jornal.

Ressalte-se que, até agora, a oposição restringiu-se a seu papel institucional: defender a convocação do ministro para que ele se explique, investigar e trazer a público novos elementos para elucidar o caso.

Como o PSDB fez ontem, ao divulgar que a WTorre – cliente de Palocci na Projeto – recebeu ressarcimentos da Receita Federal (R$ 9,2 milhões) tão logo doou recursos para a campanha de Dilma (R$ 2 milhões). Um episódio em tudo suspeitíssimo, seja pela celeridade nos trâmites (44 dias após o protocolo e quatro dias após o primeiro turno das eleições presidenciais), seja pela extemporaneidade das cobranças (dois anos após os fatos geradores).

Aliás, a WTorre e a Amil não estão mais sozinhas na lista de clientões já conhecidos da Projeto. Também o Santander contratou Palocci quando ele ainda era deputado federal para ouvir seus aconselhamentos, revela O Estado de S.Paulo. Especula-se que toda a polpuda carteira da consultoria tenha pelo menos 20 nomes.

Passadas quase duas semanas das primeiras denúncias, até agora o ministro apenas confirmou a veracidade das revelações de que seu patrimônio cresceu pelo menos 20 vezes em quatro anos e de que embolsou a fortuna de R$ 20 milhões no ano em que coordenou a campanha vitoriosa do PT à Presidência da República – metade deles quando a eleição já estava liquidada e ele virtualmente escolhido primeiro-ministro.

O caso Palocci está servindo para revelar o pouco compromisso do governo Dilma com a transparência na administração e com a defesa do interesse público. Mais que isso, está mostrando ao país que aquilo que vinha sendo comemorado como discrição – o comportamento mais comedido da presidente em comparação com a histrionice de seu antecessor – não passa de tibieza, imobilismo, incompetência. No vácuo de seu governo, Dilma vai se evaporando. E Lula sentiu o cheiro.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Chamaram o síndico: por que o temor?

Demorou, mas o PT acionou ontem sua velha estratégia de guerra: posar de vítima quando acusado. E fez isso não por meio de um qualquer, mas na pessoa de seu principal líder, o ex-presidente Lula. A atitude desnuda o temor gigantesco em esclarecer, de uma vez por todas, as atividades da empresa de “consultoria” de Antonio Palocci.

O PT acusa a oposição de insuflar a crise em torno do ministro, mas são os próprios petistas que têm se ocupado em jogar gasolina no fogo. A semana começou sem novidades retumbantes sobre o enriquecimento faraônico de Palocci, mas o governo deu de ombros e acelerou: ligou trator, rolo compressor, retroescavadeira e o que mais tivesse para atropelar os oposicionistas.

Anteontem escalou ministros e governadores, além da tropa de choque de sempre no Congresso. Deve ter achado pouco e ontem dobrou a aposta. Chamou Lula e acionou Gilberto Carvalho para fazer acusações infames na velha tática do batedor de carteiras: furta e sai gritando “pega ladrão”. Conclusão lógica: só quem deve muito, teme tanto.

O governo está tentando, como sempre, turvar a compreensão do caso. Conhecido – e reconhecido – o enriquecimento do ministro, inventa agora a hipótese de que informações fiscais tenham vindo a público por meio de quebra de sigilo na prefeitura de São Paulo. De acusado, faz-se de vítima. Inverte as responsabilidades, numa tática que é recorrente no PT.

“Com esse estratagema, o governo pretende, também, transferir a crise, gerada por suspeitas acerca do aumento patrimonial de Palocci, para uma disputa no campo da política, entre governo e oposição. Na análise de governistas, isso contornaria a necessidade de explicações mais profundas do que aquelas que Palocci vai prestar à Procuradoria-Geral da República”, observa o Valor Econômico.

Os jornais mostram que o ex-presidente saiu a campo para “assumir a articulação política do Planalto” e “pedir unidade” aos petistas. Mandou sua turma ir para o “ataque”, no relato d’O Globo. Evidente que só se assume articulação daquilo que não tem comando; só se pede unidade quando ela não existe; só ordena ataque quem se sente acuado.

Antonio Palocci não tem a seu favor o benefício da dúvida. Sua experiência pública pregressa o desabona, como fica mais uma vez claro hoje com a revelação, feita pela Folha de S.Paulo, de que o responsável pela violação do sigilo de Francenildo dos Santos Costa em 2006 foi efetivamente o gabinete do então ministro da Fazenda.

Quem diz isso é a própria Caixa, em recurso apresentado em processo de indenização movido pelo caseiro: “O domínio do fato [o vazamento] pertencia ao ex-ministro da Fazenda [Palocci], apontado como mentor intelectual e arquiteto do plano, sobre o qual a Caixa não possui qualquer poder de mando. Ao contrário: é o ministro que possui poderes sobre a Caixa”.

A Lusitana rodou, e o ministro se viu de novo enredado em encrencas. Diante de um retrospecto destes, quem tem que provar o quê?

O mais incrível é que, em situação de tal gravidade, envolvendo o principal ministro do governo, a presidente da República até hoje não tenha se manifestado publicamente. Não é com silêncio e omissão que se resolvem os problemas – como, aliás, restou mais uma vez comprovado ontem na Câmara, onde governo e PT foram fragorosamente derrotados na votação do novo Código Florestal.

Segundo o Valor Econômico, com base na aprovação do Código ontem, os aliados de Dilma Rousseff consideram que com ela “funciona a tática da faca no pescoço”. Inerte, a presidente está se apequenando. A reestreia de Lula na ribalta política a fez menor ainda. A quem interessa isso?

O que parece claro é que os petistas viraram suas baterias para o oposição porque não têm convicção da lisura das atividades do ministro-chefe da Casa Civil. Tanto que, quando instados por Lula a ir para o embate, desfilaram “um rosário de reclamações sobre a ausência total de interlocução com o Planalto e com o próprio Palocci para que eles façam sua defesa”.

O que a oposição tem cobrado são esclarecimentos. Esclarecimentos que, dez dias depois de reveladas as primeiras suspeitas, até hoje ninguém deu. O que a oposição, dentro dos princípios republicanos, faz é oferecer ao ministro a oportunidade e a ocasião adequadas para explicar o caso ao público: no Congresso, onde é apropriado o questionamento, a discussão e o debate.

A permanência da dúvida só é prejudicial a Antonio Palocci, porque suscita dúvidas, permite ilações. “O que parece inquestionável é que um homem público deva prestar contas à opinião pública (...) para que a empresa Projeto, de propriedade do ministro, não possa vir a ser comparada à EPC, de PC Farias, que se apresentava como uma empresa de consultoria destinada a alimentar o esquema de corrupção do governo Collor”, escreve o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias na Folha de S.Paulo.

Se o PT viu necessidade de chamar o síndico, é porque as suspeitas devem estar longe de serem infundadas.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Tropa do cheque

Fica cada vez mais clara a falta de convicção do governo quanto à lisura das atividades público-privadas de Antonio Palocci. Só isso explica a escalação de uma verdadeira tropa de choque para blindar o ministro, como a que se viu em campo ontem. O que interessa é garantir que os cheques continuem rolando para os poderosos cofres petistas.

Na semana passada, o alvo da ofensiva governista foi a Câmara, com o fechamento de comissões, arregimentação de leões de chácara para constranger parlamentares da oposição e acionamento do rolo compressor chapa-branca para evitar a aprovação da convocação do ministro. Hoje o campo de batalha deve se transferir para o Senado.

Ministérios e governadores de Estado também viraram joguete nas mãos do poder petista, a fim de proteger o ministro suspeito. Ontem, cinco governadores saíam a campo para defender Palocci. A manifestação não foi de todo desinteressada: os mesmos mandatários também aproveitaram a ocasião para pedir a rediscussão de suas dívidas com a União. Apoio tem preço.

Simultaneamente, para fingir que o governo “está trabalhando e não foi contaminado pelas denúncias”, a presidente convocou quatro ministros para reunião no Planalto. O pretexto era discutir o andamento das obras da Copa, calamidade que já vem de longuíssima data. O contexto, porém, era cobrar-lhes fidelidade canina à defesa de Palocci.

Coincidência ou não, os quatro ministros convocados por Dilma Rousseff ontem são os declaradamente “políticos”, ou seja, os diretamente indicados pelos seus respectivos partidos em troca de apoio ao governo, como bem observou O Globo: Alfredo Nascimento (Transportes), Carlos Lupi (Trabalho), Mário Negromonte (Cidades) e Orlando Silva (Esportes). Voto tem preço.

Palocci – o mesmo acusado de ordenar a quebra de sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa por causa de uma operação de R$ 24 mil – continua sem explicar o seu show dos milhões. Promete para breve apresentar respostas às perguntas algo vagas que a Procuradoria-Geral da República, considerada “pouco incômoda” na atual quadra, lhe enviou na semana passada.

Se a vida pregressa de Palocci fosse um mar de rosas, até poderia caber-lhe o benefício da dúvida, como advogou ontem o ministro José Eduardo Cardozo. Mas seus negócios mal explicados em Ribeirão Preto, cidade da qual foi prefeito dez anos atrás, continuam sem esclarecimento, flutuando como ectoplasmas.

As negociatas ribeirão-pretanas envolvem suspeita de manipulação de licitação para compra de merenda escolar – só ganhava quem pusesse ervilha misturada no molho de tomate – e desvios reiterados das empresas prestadoras de serviços de limpeza urbana para os cofres petistas. Nada muito diferente, por exemplo, do que está acontecendo em Campinas neste exato momento.

Não é mera coincidência que o PT se veja novamente às voltas com escândalos de subtração de dinheiro público para bolsos partidários – os mesmos que envolveram Palocci em Ribeirão e agora implicam petistas campineiros abrigados na administração do prefeito Hélio dos Santos (PDT).

As fontes são sempre vistosas: prefeituras de gordas arrecadações. Campinas já rendeu até assassinato de um prefeito petista e agora os cupins de lá arremetem contra o cofre da companhia de saneamento local. Estão metidos na encrenca desde o vice-prefeito (petista) até a primeira-dama, além de mais 18 nomes. Amigos do ex-presidente Lula também estão na embrulhada, revela O Estado de S.Paulo.

Para quem pensa que pode ser caso isolado, outra notícia publicada pelo jornal hoje é esclarecedora: “Contra a ofensiva da promotoria criminal que mira aliados importantes do ex-presidente Lula, o PT entrou em cena. No domingo à noite, até o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu desembarcou em Campinas para uma reunião às pressas com vereadores e lideranças do partido”.

Palocci e a máfia campineira são faces de uma mesma moeda: a que busca garantir que os cofres do PT sejam permanentemente irrigados para financiar o projeto de poder do partido. Sempre que este projeto está ameaçado, o governo grita alto e manda chamar sua tropa do cheque. Tem sempre um monte de mercenários à disposição.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Taxa de influência

Antonio Palocci começa a semana tendo muito mais a explicar do que o governo gostaria. Duas novas informações divulgadas no fim de semana dão à “consultoria” dada pelo ministro seus contornos definitivos. Por tudo o que se sabe até agora, a principal mercadoria que a Projeto tinha na prateleira para vender aos clientes chama-se tráfico de influência.

A empresa de Palocci nunca faturou tanto – pelo menos pelo que se sabe até agora – quanto no período entre a eleição e a posse de Dilma Rousseff, cuja vitoriosa campanha foi coordenada pelo dono da consultoria. Entre novembro e dezembro, entraram no seu caixa R$ 10 milhões, revelou a Folha de S.Paulo em sua edição de sábado.

Pelo que se sabe até agora, a bolada representa metade do que a Projeto faturou em todo o ano passado. A justificativa apresentada pela empresa é que seus clientes se anteciparam ao encerramento das atividades da consultoria e ofereceram-se para recompensá-la pelo “sucesso” obtido a partir dos conselhos adquiridos.

Palocci operava sua consultoria com base na obtenção de resultados palpáveis, numa taxa de sucesso, conforme admitiu a Projeto a O Globo no sábado: “A empresa negociou o encerramento de todos os seus contratos, inclusive daqueles com cláusulas de sucesso. Esta negociação com os clientes implicou quitação antecipada pelos serviços prestados. Como a situação obrigava a interrupção dos contratos, a empresa aceitou as propostas dos clientes quanto a estes pagamentos”.

Da conjunção destas duas informações, resulta que Palocci tem muito mais a esclarecer do que se supunha até a semana passada. Ele mais faturou quando a eleição da qual foi um dos principais artífices estava decidida, a seu favor. Mais ganhou quando já se sabia que ele seria o homem forte do novo governo. Mais embolsou quando menos teria trabalhado. Em troca de quê?

Parece evidente que a “experiência única” – conforme a nota que a assessoria do ministro divulgou e depois renegou na semana passada – que teria levado a Projeto a faturar como as gigantes da consultoria financeira do país é menos a pregressa do que a futura. Ao que tudo indica, os clientes da empresa do ministro pagavam para abrir as portas da esperança do novo governo.

“Qual será o valor de mercado de quem tem a oferecer, além da ‘experiência única’, a credencial de ter permanecido como protagonista de primeira grandeza na esfera das decisões do governo? Palocci sabia não apenas como funciona o poder, mas que rumos o poder tencionava tomar em matérias de interesse direto do empresariado e do sistema financeiro”, comentou O Estado de S.Paulo em editorial no sábado.

Também em outro aspecto o caso da Projeto é original no mundo dos negócios. Pagou-se mais justamente quando o serviço deixou de ser prestado e, pelo que informou a empresa no sábado, por sugestão dos próprios pagadores – uma vez que a Projeto teria “aceitado” receber seus milhões, presumivelmente de bom grado. É tudo o que normalmente não se vê no mercado.

A consultoria mais arrecadou quando seu proprietário ainda não era ministro-chefe da Casa Civil de direito, mas já o era de fato. Em 24 de novembro do ano passado, todos os principais jornais do país divulgaram que Palocci assumiria a pasta a partir de 1º de janeiro. É possível que, nestes 37 dias até a posse, nunca os cofres da Projeto tenham visto tanto dinheiro...

A base governista sabe que há muito a esclarecer e faz de tudo para impedir a elucidação do caso. Diz o Estadão hoje que a prioridade dos aliados no Congresso é “barrar a tentativa de convocação de Palocci para depor no Senado e impedir que a oposição avance na coleta de assinaturas para a abertura de uma CPI sobre o caso”. Já O Globo informa que o “Planalto usará cargos para blindar Palocci”. Se o governo tem tanta convicção da lisura das atividades privadas do ministro, por que resiste tanto em permitir que ele se explique?

Antonio Palocci aferra-se a uma das cláusulas dos contratos firmados com seus contratantes para não prestar os esclarecimentos que a sociedade cobra. Diz que obedece à exigência de confidencialidade firmada entre as partes. O ministro demonstra ter mais apreço pelo homens do dinheiro do que pelos princípios éticos e morais da República.

A despeito disso, o que resta explícito é que o principal item da relação entre a Projeto e seus clientes não era a confidencialidade. O que contava mesmo era a possibilidade de os demandantes serem bem-sucedidos em ver seus interesses influenciarem as decisões do governo. As cláusulas de sucesso escamoteavam a taxa de influência exercida pelo ministro. No mundo dos negócios, isso vale milhões.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Show dos milhões

Continuam a pleno vapor as revelações sobre o espetáculo do crescimento do patrimônio de Antonio Palocci. Soube-se hoje que a Projeto, sua firma de consultoria agora convertida em administradora de fortuna, faturou uma bolada ao mesmo tempo em que ele coordenava a campanha de Dilma Rousseff à presidência da República. Que tipo de prestação de serviço milionária terá sido esta?

A Folha de S.Paulo revela que o faturamento da Projeto ultrapassou R$ 20 milhões no ano passado. A proficiência da empresinha – afinal, tinha apenas um único funcionário conhecido – é ilustrada pelo salto nos negócios: quatro anos antes, quando foi aberta, a consultoria arrecadara R$ 160 mil com a prestação de serviços. É o show dos milhões.

Fazendo uma conta rápida, deduz-se que a multiplicação dos peixes na cesta de Palocci foi muito mais prolífica do que se sabia até agora. Se, em 2006, o patrimônio declarado do ministro não chegava a R$ 400 mil e se, na pior das hipóteses, em toda a sua meteórica existência a Projeto só tiver faturado os R$ 20 milhões de 2010, o salto terá sido de 50 vezes – e não 20, como se falava até agora, já com suficiente espanto.

Palocci continua recusando-se a revelar para quem a Projeto trabalhou, o que fez e quanto recebeu enquanto ele dava expediente como deputado no Congresso. Quanto mais escorrega, mais corre risco de tombar.

Enquanto ele se mantém calado, a imprensa vai cuidando de descobrir não só que os valores praticados eram astronômicos, mas também que a carteira de clientes da Projeto era rechonchuda.

Informa O Estado de S.Paulo que pelo menos 20 empresas, incluindo bancos, montadoras e indústrias, contrataram a firma de Palocci. Em documento que deve enviar à Procuradoria-Geral da República, segundo o jornal, o ministro explica que “boa parte dos pagamentos foi concentrada entre novembro e dezembro do ano passado quando anunciou aos clientes que não mais atuaria no ramo de consultoria”.

Naquela altura, pelo menos 70% dos serviços de consultoria e análises de mercado já estariam concluídos, o que explicaria os altos montantes recebidos nesse período. Para a Projeto, assessorada agora por marqueteiros dedicados a “gestão de crises”, nada mais “natural” do que o crescimento dos contratos em 2010. Será?

A firma do ministro está se revelando uma gigante de mercado e um extraordinário case de sucesso no mundo das consultorias econômicas. Maior até do que concorrentes vistosas do ramo. Também a Folha informa que “o faturamento da empresa de Antonio Palocci está no mesmo patamar do das maiores consultorias econômicas do país, empresas com dezenas de funcionários, especializados em diferentes áreas”.

O jornal cita duas: a LCA Consultores (o LC da sigla é associado a Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES) e a Tendências, do ex-ministro Maílson da Nóbrega. Embora líderes de mercado, não chegam nem perto da produtividade da Projeto e seu faturamento obtidnum único funcionário.

“A Folha apurou que a LCA Consultores, líder do mercado, fatura pouco mais de R$ 20 milhões por ano. Sua equipe é de mais de cem pessoas e atende quase cem empresas. A segunda maior, Tendências, fatura de R$ 13 milhões a R$ 15 milhões, tem cerca de 70 funcionários e cem clientes”.

Igualmente profícua é a lista de temas sobre os quais a Projeto dava consultoria aos que a procuravam. Um investidor na Ásia contratou Palocci para “para opinar sobre a viabilidade financeira de negócios na região e estabilidade da moeda no respectivo país”, informa o Estadão.

Outro cliente da lista, revela Mônica Bergamo na Folha, a empresa de planos de saúde Amil o contratou para palestras de prevenção na época do surto da gripe suína. Mas Palocci não disse que o que “proporciona uma experiência única que dá enorme valor no mercado” foi sua passagem pelo Ministério da Fazenda? Ah, de quebra, a Amil também pagou por aconselhamento para expansão dos seus negócios no Nordeste. Está explicado...

Completa a lista de clientes conhecida até agora o grupo WTorre, que, entre 2006 e 2010, fez negócios avaliados em R$ 1,3 bilhão com fundos de pensão de estatais (Previ e Funcef) e com a Petrobras. Logo, logo vai se ficar sabendo que a Projeto também esteve por trás, digamos, da criação do estado da Gurgueia...

Com carteira tão extensa e com tanto dinheiro em caixa, também entende-se agora porque a empresinha que só tem um funcionário na sua lista de empregados contratou a gestora de recursos de um bancão para cuidar de sua fortuna. A Projeto já se mostrou, por si só, uma instituição financeira.

Se quiser manter-se como lugar-tenente da presidente da República, Antonio Palocci precisará ser cada vez mais como a mulher de César: não só precisa ser como parecer honesto. Por tudo o que se soube até agora, não conseguiu nem uma coisa nem outra. O homem que já se viu enredado em ervilhas superfaturadas, lixo mafioso e humildes sigilos devassados está longe de conseguir livrar-se das suspeitas sobre suas faraônicas pirâmides de dinheiro.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Blindagem do Palocci

Para que serve uma base parlamentar do tamanho de um bonde, como a de que dispõe a presidente Dilma Rousseff? A resposta foi dada ontem, numa deprimente exibição na Câmara dos Deputados: para evitar que escândalos e malfeitos sejam investigados, para impedir que a sociedade saiba o que ocorre nas entranhas do poder petista.

O governo acionou seu trator ontem, mas nada disso foi suficiente para deter as suspeitas em torno do espetáculo de crescimento da riqueza de Antonio Palocci, que a cada dia se avolumam. Tudo ainda está por ser esclarecido e nada até agora foi elucidado, embora o governo esperneie para encerrar o caso na marra.

Dia após dia vai ficando mais difícil ao ministro se explicar. Um novo ingrediente foi adicionado ao escândalo hoje: informa O Estado de S.Paulo que a Projeto, firma de Palocci, fez uma operação financeira suspeita na compra de um imóvel de uma empresa que estava sob investigação policial. A movimentação foi identificada pelo Coaf e informada à Polícia Federal há cerca de seis meses, a partir de dados repassados pelo banco que intermediou a transação financeira.

“O comunicado do Coaf à PF se enquadra no tipo de ‘movimentação atípica’, ‘operação suspeita’. Funciona da seguinte maneira: os bancos informam ao Coaf sobre transações financeiras fora do padrão. Em cima dessas informações, o órgão da Fazenda repassa à PF e ao Ministério Público relatórios quando uma empresa ou uma pessoa sob investigação aparece nos comunicados dos bancos. No caso de Palocci, o nome da Projeto surge nas transações atípicas envolvendo uma empresa que está sob investigação pela PF”, informa o jornal, em manchete.

Tudo indica que, possivelmente, a evolução patrimonial do todo-poderoso ministro de Dilma supera em muito a escalada configurada no apartamentão de luxo de R$ 6,6 milhões e no escritório de quase R$ 1 milhão. Mais: se, formalmente, a Projeto dedica-se hoje apenas à “administração de imóveis” – os dois acima citados –, conta com uma gestora contratada para cuidar de seus demais recursos financeiros.

Na mensagem enviada aos líderes parlamentares na terça-feira, Palocci informa que “a gestão dos recursos financeiros da empresa [a Projeto] foi transferida a uma gestora de recursos, que tem autonomia contratual para realizar aplicações e resgates”. Admite, pois, que sua fortuna deve ser muito maior, a ponto de justificar sua terceirização para a tal gestora (o Bradesco, segundo Sepúlveda Pertence).

“Durante os quatros anos como deputado, de 2007 a 2010, o hoje ministro teve também ganhos em dimensão que justifica a entrega, sob a forma de ‘recursos financeiros’ e não de imóveis, à gestão de empresa especializada ‘com autonomia para aplicações e resgates’, como é próprio de patrimônio em títulos ou espécie”, observa Janio de Freitas na Folha de S.Paulo.

Deve ser por saber que há muito mais a ser revelado que o governo do PT manobra com tanto vigor para conter as investidas da oposição para investigar o caso e abri-lo à ação desinfetante da luz do sol.

“Base parlamentar tão ampla e incongruente montada pelo governo Dilma no Congresso não existe para aprovar algum projeto importante e nem mesmo para dar ao governo uma base programática ou ideológica sólida. Existe, sim, para não deixar votar convocações de CPIs que possam colocar o governo em situação delicada ou o convite a ministros que possam se ver em situação delicada, como é o caso de Palocci”, escreve Merval Pereira n’O Globo.

Ontem a sanha anti-investigação foi tanta que a tropa de choque parlamentar ganhou o “reforço” dos leões de chácara que cuidam da segurança do Congresso: a Polícia Legislativa foi usada pelo governo para impedir que deputados da oposição votassem a convocação do ministro.

Num caso único na história recente, salas de comissões foram fechadas e seguranças ficaram na porta para impedir parlamentares de se reunir. A ordem governista era bloquear tudo. Logo às 10h44 a presidente interina da Câmara, Rose de Freitas (PMDB-ES), deu início à ordem do dia, algo totalmente atípico para o horário, e suspendeu a sessão de 12 comissões temáticas.

Tudo isso revela temor e fragilidade da parte do governo Dilma. Diz O Globo que “a avaliação entre os principais aliados da presidente é que ela está excessivamente fechada, e seu governo, sem comando na área política”. Até Palocci já recorre a empresas de marketing que se apresentam como especialistas em gestão de crise, informa a Folha.

Quanto mais o ministro-chefe da Casa Civil demorar a explicar-se, mais terá a esclarecer. Sua estratégia de defesa até agora foi meramente de fuga e escapismo. Sua única ação – a divulgação da nota – foi uma tentativa torpe de constranger as críticas. Não colou, e ontem sua assessoria disse ter se “enganado” ao distribuir o texto. Quem não admite mais ser enganada e enrolada é a sociedade, que diz não à blindagem que o Planalto tenta, truculentamente, impor em torno de Antonio Palocci.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Explicar e não confundir

Antonio Palocci não está mais sozinho na lista de suspeitos. O ministério de Dilma Rousseff está coalhado de titulares que mantêm empresas de consultoria mesmo estando no primeiro escalão da República. Já é hora de o ministro-chefe da Casa Civil e o governo petista deixarem de lado sua estratégia de apenas tentar confundir e começarem logo a se explicar.

O Estado de S.Paulo revela hoje que “pelo menos” cinco ministros “têm empresas de consultoria que continuam ativas em pleno exercício do cargo”. São eles: Fernando Pimentel (Desenvolvimento), José Eduardo Martins Cardozo (Justiça), Moreira Franco (Assuntos Estratégicos), Leônidas Cristino (Portos) e Fernando Bezerra Coelho (Integração).

A situação das empresas foi confirmada pelo jornal junto à Receita Federal. Todas estão com o registro “ativo” para atividades de consultoria.

Fernando Pimentel é dono de 99% da P21-Consultoria e Projetos Ltda, com sede em Belo Horizonte. O objeto social da empresa é “consultoria, projetos, palestras, cursos e pareceres na área econômica, tributária e de gestão público”.

José Eduardo Cardozo é sócio da Martins Cardozo Consultores S/S Ltda, com sede em Santos. Ele tem 50% das cotas e seu pai, a outra metade. Exerce “atividades de consultoria em gestão empresarial”.

Leônidas Cristino é dono da Ejos Construções e Consultoria, com sede em Fortaleza. Já Fernando Bezerra Coelho é sócio da Manoa Empreendimentos e Serviços Ltda, que, a partir de Petrolina (PE), presta “consultoria em gestão empresarial” – mesma atividade da Aptus Consultoria e Participações, de Moreira Franco.

Palocci pelo menos converteu o objeto da sua firma de consultoria em “administradora de imóveis” dois dias antes de assumir a Casa Civil. Seus colegas nem isso. Procurados pelo Estadão, os cinco ministros confirmaram a participação nas empresas e, seguindo o script de praxe, negaram conflitos de interesse ou atuação paralela ao exercício do cargo. Devem sentir-se à vontade na estratégia de tergiversar, como fez Palocci na mensagem que divulgou ontem.

Para justificar seu estratosférico enriquecimento, o ministro da Casa Civil citou ex-ministros – quase todos da gestão tucana. Citou também levantamento que mostrou que 273 deputados federais e senadores da atual legislatura são sócios de estabelecimentos comercial, industrial, de prestação de serviços ou de atividade rural.

Abertamente, quis juntar toda a farinha num mesmo saco. Subliminarmente, pareceu querer ameaçar. Não é a melhor estratégia para quem ainda deve muita explicação. Há distâncias amazônicas entre a condição de todo-poderoso exibida por Palocci e os casos que listou.

Pérsio Arida, André Lara Resende, Pedro Malan, Maílson da Nóbrega, Armínio Fraga, Henrique Meirelles e Alcides Tápias (por que Palocci não citou José Dirceu, que se enquadra no mesmo figurino de ex-ministro e consultor?) não exerceram cargo legislativo. Nenhum deles advogava ao mesmo tempo em que o partido ao qual serviram estava no poder. Nenhum deles voltou a ser ministro. Não eximem, pois, Palocci de dar as explicações devidas.

Mais que isso: qual teles, em qualquer tempo, desfrutou do poder e da desenvoltura política exibida por Palocci nos círculos de poder petista? “Não estamos falando de uma pessoa qualquer. Ele é o ministro mais importante do governo”, corrobora a senadora Marta Suplicy.

Palocci argumenta que não pode revelar para quem a Projeto, sua firma de consultoria, prestou serviços por questões de confidencialidade. Mas cláusulas contratuais não podem se sobrepor à Constituição, que, em seu artigo 54, impede parlamentares de “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público”.

“Isso quer dizer que sua empresa de consultoria teria limitações para prestar serviços de qualquer natureza, sendo necessário, portanto, que o ministro esclareça que não infringiu a lei”, cobra Dora Kramer no Estadão.

Como parlamentar, Antonio Palocci tinha, sim, condições especiais para interferir em decisões governamentais a favor de seus clientes. Lembra o Valor Econômico que, durante seus quatro anos de mandato parlamentar, “o petista exerceu alguns dos cargos mais importantes da legislatura 2007-2010 no Congresso Nacional: esteve à frente de discussões econômicas como o uso dos recursos do pré-sal, a reforma tributária, a regulamentação da previdência complementar e a manutenção da CPMF”.

Na disputa eleitoral de 2006, obteve uma das maiores receitas em doações para campanhas a deputado federal: R$ 2,4 milhões. Entre os doadores, destacam-se bancos e instituições financeiras, além de construtoras.

Tudo isso reforça a necessidade de “um olhar mais cuidadoso” sobre a desenvoltura empresarial de Antonio Palocci, como disse ontem o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Para ele, os dados disponíveis sobre o caso até agora são insuficientes para formar qualquer juízo. Qualquer um concorda com isso.

De nada vai adiantar o governo ficar escalando suas tropas de choque para evitar que o ministro manifeste-se abertamente sobre o imbróglio, como ameaça fazer hoje na sessão da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara que apreciará requerimento da oposição para que Palocci explique a evolução de seu patrimônio. É melhor começar a esclarecer ao invés de insistir em confundir.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Só quem deve teme

Qualquer pessoa que multiplique seu patrimônio por 20 num período de quatro anos será motivo de curiosidade alheia. Se o indivíduo é homem público, a curiosidade extrapola para a desconfiança. Se é o principal ministro de Estado de um governo, a situação passa a exigir escrutínio completo. É o caso de Antonio Palocci.

Não adianta os porta-vozes do governo e até mesmo a Comissão de Ética Pública da Presidência quererem dar o caso como “encerrado” na marra, quando nenhuma das dúvidas que cercam o meteórico enriquecimento do ministro foi esclarecida até agora. Palocci já caiu uma vez por ter tido suas versões desmentidas pela realidade. Vai cair de novo?

Em 2006, quando se elegeu deputado federal pelo PT, Palocci declarou à Justiça Eleitoral patrimônio estimado em R$ 375 mil: uma casa, um terreno e três carros, entre outros bens menores. Nos quatro anos em que exerceu o mandato de deputado, ele recebeu R$ 974 mil brutos em salários. Mas em 2009 e 2010, adquiriu dois imóveis (um apartamento e um escritório) no valor de R$ 7,5 milhões; comprou-os em nome da Projeto, firma de consultoria da qual possui 99,9% do capital. O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo na edição de domingo.

Ontem, os integrantes da Comissão de Ética decidiram não apurar a evolução patrimonial de Palocci. Justificativa: não compete ao órgão fazer levantamento sobre bens de ministros obtidos antes de tomarem posse. Para os conselheiros, “a investigação só caberia se Palocci tivesse mentido à Comissão”, informa O Globo. Parece ser, precisamente, o que ocorreu.

Segundo a edição de hoje da Folha de S.Paulo, a Comissão de Ética não foi informada pelo ministro sobre a evolução do patrimônio dele nos últimos anos. Sobre o conteúdo da Declaração Confidencial de Informações que Palocci encaminhou ao órgão, disse Sepúlveda Pertence, presidente da comissão: “Você só encontra as cotas da sociedade da empresa”.

Não foram levados a conhecimento da Comissão o apartamentão de R$ 6,6 milhões quitado em duas parcelas e o escritório de R$ 882 mil situado em área comercial de luxo em São Paulo.

Caiu, portanto, por terra a primeira versão divulgada pela assessoria de Palocci quando o imbróglio veio à tona. Questionado pela Folha, o staff do ministro informou que “todos os detalhes das atividades da Projeto [empresa de consultoria de Palocci] foram registrados na Comissão de Ética, inclusive, obviamente, a aquisição dos bens’”.

Como se vê, em seus desdobramentos a situação do ministro vai ficando cada vez mais rocambolesca. Se se recusa a esclarecer o caso por meio da imprensa, Palocci deveria comparecer ao Congresso para explicar-se. Em regimes democráticos é assim: aos ocupantes de cargos públicos exige-se transparência e lisura.

Há ainda muitas perguntas sem respostas: 1) para quais empresas a Projeto deu consultoria?; 2) quanto ela recebeu pelos serviços?; 3) quem prospectava clientes para a empresa?; 4) que atribuições Palocci exercia na firma?

Mas há outras esquisitices no caso. Procurada antes da posse, a Comissão de Ética orientou o futuro ministro a mudar o objeto da Projeto de serviços de consultoria para “administração de bens”, o que foi feito dois dias antes de Palocci chegar à Casa Civil. “Foi a fórmula feita por outros ministros”, explicou Pertence, segundo a Folha, que também informa que a Projeto é “administrada por uma empresa ligada ao Bradesco”.

Ou seja, surge daí que o principal ministro do governo Dilma tem um bancão como sócio nos seus milionários negócios privados e que outros ministros podem estar enredados em situações tão duvidosas quanto a de Palocci.

Palocci é o quarto ministro do governo atual atingido por suspeitas. Os demais foram Pedro Novais (Turismo), Orlando Silva (Esportes) e Ana de Hollanda (Cultura). Em todos os casos, as denúncias foram desdenhadas pela presidente da República.

Dilma Rousseff diz ver na denúncia da hora “um jogo político para desestabilizar o início da sua gestão”, informa O Estado de S.Paulo. Ela deve estar falando do que conhece. Não é segredo para ninguém que muito petista gostaria de ver Palocci em desgraça: segundo o Valor Econômico, há “insatisfação crescente na bancada (petista) com a condução da Casa Civil”.

O governo sustenta que o ministro é intocável, por ser “peça fundamental”, conforme disse o escudeiro Gilberto Carvalho. Ninguém está acima de qualquer suspeita. Na era petista, a Casa Civil concentrou os piores malfeitos, com José Dirceu e Erenice Guerra. Se não deve nada, Antonio Palocci não tem por que temer o escrutínio. Do contrário, pode acabar vendo-se na incômoda companhia destes deploráveis ex-ministros.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Escolinha do Professor Haddad

É comum ver governos de partidos como o PT tentarem reescrever a história, apagando dos livros os registros que lhes desagradam. Acontecia muito na União Soviética. O que é surpreendente é ver governos como o do PT pretenderem agora não apenas reescrever a história, mas mudar as regras da escrita. Na gramática petista pode tudo.

Soube-se neste fim de semana que cerca de meio milhão de jovens e adultos receberam do Ministério da Educação livros que lhes “ensinam” a comunicar-se erroneamente. Tudo em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), baixados pelo MEC para serem seguidos por todas as escolas e livros didáticos do país. Incapaz de melhorar a educação dos nossos estudantes, o PT agora faz pior: os deseducam.

O livro “Por uma Vida Melhor”, da ONG Ação Educativa, tida como “uma das mais respeitadas na área”, segundo a Folha de S.Paulo, defende que frases como “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” são aceitáveis. Outras frases citadas e consideradas válidas são “nós pega o peixe” e “os menino pega o peixe”. Para os autores do livro, deve ser alterado o conceito de se falar “certo” ou “errado” para o que é “adequado” ou “inadequado”.

Num capítulo em que trata das diferenças entre escrever e falar, o livro explica: “Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”. O livro foi distribuído a 4.236 escolas do país.

Vejamos o que dizem os tais PCN sobre este modo original de ensinar: “A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala. (...) Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos”.

Os exemplares do livro que contém estas atrocidades não serão retirados de circulação, informa O Globo hoje. Para o MEC, o livro “estimula a formação de cidadãos que usem a língua com flexibilidade”. O propósito também é “discutir o mito de que há apenas uma forma de se falar corretamente”, defendeu a pasta.

Se há algum mito de que o MEC precisa se livrar é o da crença de que é possível educar por meio de barbaridades e incutindo preguiça em professores e alunos. A relação dos estudantes com os livros didáticos costuma ser de reverência. Se os sábios autores dizem que usar a língua de modo errado pode, que discernimento terá o aprendiz para pensar diferente, buscando aperfeiçoar-se e seguir a norma culta?

A julgar pelo diz em entrevista publicada hoje na Folha de S.Paulo, o ministro da Educação deve achar que a atuação de seu ministério está fazendo um bem ao país. “Em 2007, lançamos o Plano de Desenvolvimento da Educação, com uma série de metas. E concluímos o mandato do presidente Lula cumprindo o que foi compromissado.”

Haddad deve estar satisfeito não só com o ensino baseado em livros como “Por uma Vida Melhor”, mas também com o pífio desempenho do Brasil no Pisa – programa internacional que avalia estudantes de dezenas de países. Mas ninguém em sã consciência deveria estar, muito menos um ministro de Educação.

Na edição de 2010 do Pisa, em um ranking de 65 países o Brasil foi o 53º colocado em Leitura e Ciências e 57º em Matemática. A pontuação brasileira foi de 401, enquanto a da China, primeira colocada, totalizou 556 pontos. Se o Pisa fosse um campeonato de futebol, o Brasil estaria bem próximo da zona de rebaixamento.

Diante da placidez do professor Haddad, não espanta que o país também vá muito mal na alfabetização de adultos, como a Folha mostra em sua edição de hoje. Entre os brasileiros que tinham idade entre 20 e 49 anos em 2000, a taxa de analfabetismo era de 10%. Segundo o Censo 2010, dez anos depois essa geração terminou a década com percentual de 9,5% de analfabetos. Ou seja, em uma década a queda foi meramente residual, de 0,5 ponto percentual.

Não é apenas entre os mais velhos que o analfabetismo campeia. Na população entre 10 e 29 anos, a taxa de iletrados é de 3,22% e, entre 10 e 14 anos, de 3,91%. “Isso significa que a escola está ensinando a ler muito tarde e muito mal. Não haveria, em princípio, nenhum motivo para não conseguirmos proporções inferiores a 1% nessa faixa, como ocorre em países do primeiro mundo”, escreve Hélio Schwartsman na Folha.

A erradicação do analfabetismo na década passada era meta do Plano Nacional de Educação, promessa de campanha de Lula tocada pelo atual ministro. O fracasso decorreu também de mudanças nas políticas implementadas por Haddad: antes o MEC ia atrás dos analfabetos e pagava às prefeituras por adulto alfabetizado. Agora, o governo espera que os analfabetos procurem os cursos.

Pratica-se na escolinha do professor Haddad o pior tipo de pedagogia: a da preguiça em perseguir melhores resultados, melhor formação, a fim de termos brasileiros melhor capacitados para enfrentar uma realidade cada vez mais complexa. Na cartilha do PT, é mais fácil aceitar o errado do que ensinar o certo. Merece beijinho, beijinho e pau, pau.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Não se legisla sob tacão

A proposta do novo Código Florestal poderia ser uma bela oportunidade para exercício do debate político e para exibição de maturidade política. Da forma como está ocorrendo, porém, revela como o autoritarismo e a pouca disposição do Planalto para o contraditório vêm contaminando o ambiente parlamentar. Ao governo do PT só interessa os que dizem amém.

Na madrugada de quinta-feira, o governo manobrou sua base parlamentar para evitar que o relatório de Aldo Rebelo fosse a voto, contrariando acordo fechado horas antes pelas lideranças partidárias. Encontrou a resistência da oposição e de mais 88 deputados aliados que se recusaram a acompanhar a orientação da liderança governista.

Nesta matéria – como em todas as outras – há interesses muito divergentes em jogo, mas é inerente ao regime democrático a busca da conciliação, em prol do bem comum. A discussão do Código ainda se mantém um Fla-Flu, no qual se digladiam o PT e os partidos da base de apoio ao governo. A construção de um consenso vê-se prejudicada.

As confusões de quinta-feira – que incluíram a confissão de Rebelo de, como líder de Lula na Câmara, ter ajudado a acobertar irregularidades envolvendo o marido da então ministra Marina Silva – podem ter sido um basta dos parlamentares à forma truculenta com que as matérias têm sido impostas pelo Executivo ao Congresso. Com a gigantesca base de apoio de que dispõe, o governo Dilma Rousseff tem tentado transformar o Parlamento em mero carimbador de seus ditames.

“A principal lição da discussão do Código Florestal é que, a despeito da supermaioria do governo na Câmara, o governo não encontrará um Congresso subserviente”, analisa o professor Rafael Cortez na Folha de S.Paulo.

O Estado de S.Paulo antevê “esgarçamento da base” do governo, que estaria insatisfeita com a “centralização nas mãos do alto petismo das nomeações para cargos-chave”. Há dissidências e descontentamentos no PMDB, no PDT (ambos com cerca de 60% das bancadas contrárias à orientação do governo na votação do Código, segundo o jornal), no PP, no PR, no PC do B e até no PT (dois deputados do partido não seguiram as ordens do Planalto na quinta-feira).

O Código Florestal apenas ilustra a forma precária com que o petismo legisla. O modelo revela-se em todos os seus matizes na edição desbragada de medidas provisórias. São impostas aos montes ao Parlamento, misturam alhos com bugalhos, embutem contrabandos e tratam de maneira ligeira temas de enorme impacto na vida do país.

Atualmente, 11 medidas provisórias trancam a pauta da Câmara, algumas herança da gestão passada. Há desde a que espeta uma conta de R$ 50 bilhões nas tarifas de energia até a que se revela a mais deletéria delas: a 521, que dribla parte das regras da lei de licitações para as obras da Copa e das Olimpíadas.

O Planalto tenta impor as MP goela abaixo. Mas tem encontrado resistência não só da oposição – que apresentou e aprovou no Senado uma proposta que disciplina a tramitação das medidas provisórias – mas também de órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público.

Ontem, o grupo de trabalho criado no Ministério Público Federal para acompanhar as ações da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 manifestou-se contrariamente à MP 521, que afrouxa as regras para a realização destas obras. Considerou-a inconstitucional.

“As obras vão ficar mais caras, vão acolher muitos aditivos contratuais e o governo vai ficar refém das empreiteiras. É um cheque em branco. O Ministério Público não é contra, o que não pode é rasgar a Constituição para fazer a Copa”, afirmou à Folha de S.Paulo o procurador Athayde Ribeiro Costa, que integra o grupo.

A reação do governo foi típica. Para o líder do governo na Câmara, o parecer dos procuradores não passa de “um panfleto”. Já o advogado-geral da União está menos preocupado com o erário do que com o Brasil fazer feio na Copa: “Nosso problema é ‘timing’, não podemos adiar a Copa”, disse Luís Inácio Adams.

Em regimes democráticos sadios, Executivo e Legislativo dialogam na busca das melhores soluções para a sociedade. Não tem sido assim no Brasil da era petista. Reestabelecer o contraditório, adotar ritos condizentes com a importância das matérias, dar voz ao Parlamento poderia permitir um Código Florestal mais equilibrado e fechar a porteira para a excrescência em que se transformaram as medidas provisórias. Não se legisla sob tacão.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Apelo ao ilusionismo

A gestão Dilma Rousseff quer vender a ideia de que é capaz de governar com o gogó. Faz isso tanto no caso dos preços dos combustíveis, quanto na relação ambígua que estabelece com as prefeituras. Apela ao ilusionismo, em lugar de mostrar transparência, executar ações e cumprir compromissos.

Nesta semana, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, saiu a campo para ser porta-voz de uma mistificação. Cumprindo ordem da presidente da República, disse que jogaria o peso da BR Distribuidora para “forçar” os postos a “derrubar” os preços da gasolina e do etanol cobrados ao consumidor – e, assim, ajudar a segurar a inflação. Queria que acreditássemos que o mercado curva-se a todo-poderosas determinações de Brasília.

Quando Lobão abriu a boca na segunda-feira – depois de meses vendo os custos e a inflação escalarem – os preços dos combustíveis já vinham em queda livre. Obedeciam a uma lei tão simples quanto eficaz: a de oferta e procura.

Com o fim da entressafra de cana-de-açúcar, os valores cobrados pelos usineiros caíram com força nas últimas semanas. Desde o momento de pico, no fim de março, o etanol hidratado já diminuiu 60% nas usinas, enquanto o preço do anidro baixou quase 30%.

No atacado, a queda também já vem acontecendo. Segundo a Fecombustíveis, que reúne os revendedores de combustíveis, desde a semana passada os postos BR em todo o país receberam o litro do etanol com redução média de 12%. No preço da gasolina – que leva 25% de álcool anidro em sua composição – a queda foi de 5,7%, em média.

Coincidência ou não, Lobão disse ontem que os preços nas bombas cairão – aqui o verbo é no futuro – entre “6% e 10%”. Ou seja, praticamente os mesmos percentuais que já caíram – aqui o verbo é no passado – no atacado. O governo petista “anunciou” o que naturalmente já vinha acontecendo.

As declarações de Lobão podem ser inócuas, mas não são, infelizmente, inofensivas. Fragilizam ainda mais a governança de uma instituição pública como a Petrobras, dona da BR, manipulada ao bel-prazer de Brasília. Jogam mais incerteza no mercado de combustíveis e desincentivam a entrada de novos concorrentes. Quem se aventurará onde o Estado quer se mostrar manda-chuva?

Também na base da empulhação, o governo do PT tratou os prefeitos que marcharam a Brasília nesta semana – o encontro, com mais de 2 mil autoridades municipais, encerra-se hoje. Na terça-feira Dilma foi ao encontro da turma, mas lá só lhes vendeu vento.

Os municípios queriam a ampliação de prazo para usar os restos a pagar de Orçamentos passados; a regulamentação da emenda 29, que disciplina o repasse de verbas para a saúde; e a derrubada do veto do ex-presidente Lula à distribuição equânime dos royalties do petróleo. Não levaram nada disso.

Anteontem, Dilma só anunciou a liberação imediata de R$ 520 milhões para obras em andamento nos municípios e prometeu maior celeridade na liberação de verbas de convênios, além de um plano de saneamento em cidades de menor porte. O pacote que os prefeitos pleiteavam beirava R$ 28 bilhões.

Fica claríssimo que ao governo do PT interessa manter os municípios de joelhos. Ainda mais quando se sabe que as transferências constitucionais ou voluntárias representaram 68% do total das receitas de que as prefeituras dispõem.

Tanto no caso da Petrobras quanto no dos prefeitos, também desponta o velho desejo petista de sujeitar todas as instâncias – sejam econômicas, sejam políticas – à manipulação dos governantes. Trata-se de estratégias que, expostas à luz do sol, mostram-se tão falsas quanto uma nota de três reais.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Curto-circuito no bolso do contribuinte

Toda vez que o governo edita uma medida provisória é bom o contribuinte atentar para o bolso: sempre vem mais uma mordida. Isso é especialmente verdadeiro quando envolve o setor elétrico e acontecerá mais uma vez se prosperar a MP 517, que tramita no Congresso e tem votação prevista para os próximos dias.

A MP prorroga por mais 25 anos a vigência da Reserva Global de Reversão (RGR), um dos vários encargos embutidos nas contas de energia elétrica. Se aprovada como quer o governo, os consumidores deixarão mais R$ 50 bilhões nos cofres públicos até 2035. O pior é que isso é apenas uma pálida parcela do que pagamos todos os meses...

A cobrança da RGR deveria ter sido extinta em 31 de dezembro passado, depois de 53 anos de vigência. Não foi. Na undécima hora, o governo petista enfiou a prorrogação do encargo numa MP que estava sendo editada naquele dia para tratar de assuntos tão correlatos como internet banda larga, marinha mercante e usinas nucleares, entre outros. É assim que o PT legisla: à base de contrabandos.

O governo argumenta que a RGR financia o programa Luz Para Todos. Pelo menos admite agora que é o consumidor quem paga por uma das vedetes da propaganda petista, explorada à exaustão na campanha eleitoral passada como se fosse uma dádiva de Brasília. O problema é que apenas uma parcela do encargo serve para isso.

Boa parte da RGR funciona mesmo é para engordar o caixa do Tesouro e fazer superávit fiscal – como, aliás, acontece com outros fundos setoriais que deveriam cumprir nobres funções sociais, como o Fust, destinado à universalização das telecomunicações. Há R$ 15,6 bilhões do encargo de energia depositados nestas condições.

Criada em 1957, a RGR deveria permitir o pagamento de indenizações a concessionárias em caso do retorno dos serviços à União. Nunca foi usada para isso. Hoje uma das principais beneficiárias do encargo é a Eletrobrás. A estatal abocanha perto de 70% dos recursos da RGR a custos módicos e joga-os no saco sem fundo de suas subsidiárias deficitárias, mostrou o Valor Econômico em abril. Tudo devidamente arcado pelos consumidores de energia.

A RGR onera em mais 2,7% as contas de luz. É, porém, apenas um dos 11 encargos pendurados nas faturas, além dos 12 tributos embutidos nas tarifas do setor cobradas dos brasileiros. Tudo considerado, 45% do que é pago pelos consumidores de energia fica com o governo, tanto o federal, quanto os estaduais.

Isso faz do Brasil um dos países onde se paga uma das mais altas tarifas no mundo. A energia elétrica fornecida para residências no Brasil é mais cara do que em países como Estados Unidos, França, Suíça, Reino Unido e Japão – todos mais ricos e bem sucedidos que nós; por que será? No Brasil, o preço médio da energia elétrica residencial gira em torno de US$ 0,25/kWh. É um dos mais elevados do mundo e o dobro, por exemplo, do americano, mostrou o blog Radar Econômico.

Como se não bastasse, a RGR não é o único estorvo elétrico que o governo do PT briga para jogar nas costas do contribuinte. Nesta quarta-feira, o Senado deve apreciar projeto que prevê a ampliação dos pagamentos ao Paraguai pela energia gerada na usina hidrelétrica de Itaipu. A votação guarda proximidade com caprichos petistas: a presidente da República vai a Assunção no fim de semana e quer levar o presentinho ao presidente Fernando Lugo.

O projeto de decreto legislativo nº 2600/10 triplica o que é pago ao governo paraguaio pela energia cedida ao Brasil: o valor passaria de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões anuais. O impacto financeiro da proposição atinge R$ 6 bilhões até 2023, prazo remanescente de vigência do tratado. O governo garante que não repassará os custos adicionais para as faturas de energia – o que significa que, se não paga consumidor, paga o contribuinte.

Pressionado pela crescente constatação da sociedade de que paga muito mais do que deveria, o governo começou a falar em baixar os encargos do setor de energia. Demorou. As regras do setor elétrico estão em vigor há sete anos, gestadas pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. É hora de quem pariu Mateus o embalar. O pior é que de onde deveria partir luz pode sair, mais uma vez, apenas curtos-circuitos.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Vale-tudo contra a inflação

Vai mal um país que precisa importar porcas e parafusos. Vai muito mal um país cuja maior empresa vira um joguete nas mãos do governo de turno. Vai de mal a pior um país que tem de usar mecanismos tão díspares para conter um problema que seus próprios governantes, oportunisticamente, geraram. Vai mal o Brasil diante da inflação.

Facilitar a importação de componentes e abusar da Petrobras tornaram-se armas da gestão Dilma Rousseff para segurar os preços no país. Atira-se para todo lado. O governo está tendo de apelar para todo o tipo de arsenal depois que sua política anti-inflacionária de laboratório foi fazendo água. Vai, assim, impingindo custos adicionais e muitas vezes desnecessários à sociedade.

É o que está ocorrendo, por exemplo, com a Petrobras. O ministro Edison Lobão avisou ontem que vai usar a BR Distribuidora, subsidiária da estatal, para “forçar a queda dos preços dos combustíveis aos consumidores finais”, informa O Globo em manchete. Ele considera que, agindo assim, pode quebrar a espinha de um “um processo de cartelização” que estaria em marcha no setor.

É fato que os custos do etanol e da gasolina têm ajudado a empurrar a inflação para cima. Juntos, subiram 6,53% em abril e levaram o IPCA acumulado em 12 meses a romper o teto da meta estipulada pelo Banco Central. Mas é igualmente verdade que os aumentos aberrantes têm muito mais a ver com a ausência de uma política clara de combustíveis no país.

O ciclo funciona mais ou menos assim. Com base nas condições de mercado, os usineiros definem o que vão produzir com a cana: ora etanol, ora açúcar. Neste ano, o mercado estava um doce e a maior parte da garapa foi usada para fabricar açúcar. A oferta de etanol, então, diminuiu, os preços dispararam e o país teve de buscar combustível até nos EUA. Como gasolina tem álcool anidro na sua composição, o efeito se estende a ela.

O governo assiste, impotente, às decisões dos usineiros. Mas usa, prepotente, a Petrobras para tentar conter os preços na economia, uma vez que combustíveis são insumo básico de qualquer custo. A presidente da República e seu ministro da Fazenda recusam-se a permitir que a companhia reajuste seus preços, mesmo o barril de petróleo já tendo subido 22% no ano.

A manipulação da Petrobras como instrumento anti-inflacionário tem custado caro à empresa. Estima-se que, por não ter elevado os preços da gasolina e do óleo diesel na proporção em que as cotações de petróleo aumentaram no mercado internacional, a estatal tenha perdido R$ 1,65 bilhão neste ano.

Sofrem também os acionistas da companhia, entre eles os 310 mil que investiram parte de seu FGTS em seus papéis em 2000. Neste ano, suas ações já caíram 8,92% e são uma das principais razões para o fato de a Bovespa ser a bolsa com pior desempenho no mundo em 2011.

O índice Bovespa retrocedeu aos níveis de agosto de 2008 e acumula queda de 6,76% no ano. No mesmo período, o índice americano Standard & Poor’s 500 subiu 7,05%. A bolsa brasileira perde até mesmo em relação aos países emergentes, cuja alta média é de 0,96% no ano, compara o Valor Econômico.

Os analistas têm uma palavra empolada para tratar do problema da Petrobras: governança. Em linguagem simples, significa que, como acionista majoritário, o governo está metendo o bedelho na empresa e atravancando sua gestão. Subir ou não o preço do produto que vende deveria ser decisão empresarial, mas no Brasil petista não é.

Num ambiente desta natureza, procedimentos negociais e processos decisórios ficam muito mais sujeitos a humores político-partidários. Empresa assim não funciona bem, gasta mais, rende menos. O mesmo fantasma assombra a Vale, cujos papéis estão igualmente em baixa no mercado depois que o governo defenestrou o executivo responsável por levar a companhia a lucrar como nunca. Suas ações já caíram 6,55% em 2011.

Não bastasse isso, O Globo também informa que “o governo já recorre às importações para evitar altas ainda mais elevadas de preços em geral, mesmo reconhecendo que sua escolha pode impor sacrifícios ao crescimento da economia”. Será facilitada a compra no exterior de itens como algodão, porcas e parafusos. O aço pode ser o próximo a ter tarifa de importação reduzida.

É legítimo que o governo busque alternativas para combater o mal maior da inflação. O que não cabe é a adoção de medidas cada vez mais conflitantes. Com a escalada de preços, o PT vai conseguindo pôr o Brasil na incômoda companhia de países onde o descontrole já é total e onde o poder do Estado tornou-se tentacular, como a Argentina e a Venezuela. Talvez esteja se materializando, por vias transversas, o sonho da nossa diplomacia companheira.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Prédios em construção desabando

O PT tem uma tremenda dificuldade de passar das palavras à ação. Quando é criticado, culpa os outros. Quando realiza, o faz na base do improviso. O DNA palanqueiro sobrevive no sangue petista. O partido mostra-se incapaz de ser e agir como governo. Suas poucas realizações têm a marca da empulhação.

Tome-se o tão propalado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sua vistosa carteira de obras e ações continua a ser apenas isso: uma extensa lista de boas intenções. Os empreendimentos custam a sair do papel e, quando saem, lembram uma canção de Caetano Veloso: mal deixam de ser construção e já são ruína.

O jornal O Globo dedicou-se a excursionar pelas obras do PAC inauguradas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado ao lado da então candidata Dilma Rousseff. Encontrou um roteiro de empreendimentos parados ou inacabados. Dá até para oferecê-lo a uma agência de turismo, tantas são as atrações. Tem pedra fundamental com placa de cobre que não acaba mais. Mas coisa que funcione bem não tem.

O festival de obras inconclusas é até democrático: há ferrovias, conjuntos habitacionais, hospitais, aeroportos, obras de saneamento e rodovias. Em alguns casos, os empreendimentos foram paralisados tão logo terminara o comício da então candidata ou tão logo a caravana presidencial passara. Queimado o foguetório, sobraram poeira e degradação. O filho está tão feio que sua “mãe” agora nem fala mais dele...

Um dos exemplos mais gritantes é o da ferrovia Norte-Sul, ligando o Maranhão a Goiás. Pelo cronograma oficial, os últimos batentes deveriam ser fixados em dezembro passado. Foi o que anunciou o então presidente quando, a apenas 12 dias do primeiro turno das eleições, visitou a sonhada obra. “No dia 20 de dezembro preparem uma grande festa”, disse Lula em Porangatu (GO).

Tudo parecia impecável. Mas, passado o pleito, a tal festa não teve motivo para acontecer. A inauguração prometida para dezembro foi transferida para abril, passou para julho e pode agora, quem sabe, ocorrer em algum dia do segundo semestre, conforme prevê a estatal que cuida da ferrovia.

Sem a Norte-Sul – que, por integrar zonas produtoras, é imensamente aguardada no Centro-Oeste, Norte e Nordeste – as empresas têm de se desdobrar para driblar os astronômicos custos logísticos incorridos em seus negócios em território brasileiro. O governo do PT desdenha disso e ainda se permite criticar quem busca soluções além-mar, como faz, por exemplo, a Vale.

Os exemplos de descompromisso não têm fim. Em agosto, em cima do palanque, Dilma e Lula anunciaram a construção de 700 casas populares em Campo Grande (MS). Nada aconteceu, como, aliás, tem sido a marca do Minha Casa Minha Vida – cujos financiamentos despencaram neste ano, como mostra hoje o Valor Econômico.

Na comunidade da Rocinha, no Rio, um dos cenários mais disputados pelos petistas durante a campanha, o conjunto habitacional entregue há cinco meses já apresenta rachaduras, infiltrações e falta de água. “Disseram que iam passar tinta por cima das rachaduras das paredes. Meu medo é que desabe tudo”, afirma uma moradora. É o que já aconteceu no Ceará na decantada obra da transposição do rio São Francisco.

O pior de tudo isso é que o PT dá mostras claras de não aprender com os erros. O grau de improviso assombra as obras associadas à Copa de 2014. Há duas semanas, o governo de Dilma anunciou que deixaria de lado seus dogmas e concederia os aeroportos à iniciativa privada. O processo, disse o ministro Antonio Palocci, seria rápido.

Bastaram 15 dias para que se percebesse que a tal celeridade não passa de enganação. Há uma miríade de providências a ser ainda tomadas e as concessões só devem sair em 2012, mesmo assim de maneira incompleta, como mostrou O Estado de S.Paulo no domingo. Obras premidas por cronogramas apertados são pasto para sobrepreços e corrupção, algo que o PT adora.

Durante os anos Lula, o PT aproveitou-se de avanços institucionais e estruturais legados pelas gestões anteriores. Esta herança esvaiu-se. Dilma Rousseff agora se depara com um país que está em construção, mas ao mesmo tempo já está desabando, porque foi muito pouco o que se fez pelo país nos últimos oito anos. Não dá mais para continuar improvisando. Não dá mais para continuar enganando. Muita coisa está muito fora da ordem.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Quanto vale a Vale

Roger Agnelli deixa o comando da Vale no próximo dia 21, mas fatos conhecidos ontem simbolizam os acertos e desacertos dos interesses em jogo que acabaram por afastá-lo da empresa. A maior mineradora do mundo divulgou um lucro recorde no primeiro trimestre, confirmando o sucesso da estratégia que vem perseguindo nos últimos anos. A Vale chegou aonde chegou fazendo tudo o que o governo do PT gostaria que ela não fizesse.

No último balanço com Agnelli no comando da companhia, o lucro líquido da empresa alcançou R$ 11,3 bilhões até março. Foi o maior da história de uma companhia aberta no Brasil para um primeiro trimestre. O ganho cresceu em todas as bases de comparação, chegando a ser 292% maior que o lucro atingido no mesmo período do ano passado. Pelo padrão contábil em dólares, o aumento foi ainda mais expressivo: 325%, para US$ 6,8 bilhões.

Nunca a Vale lucrou tanto num único trimestre. Foi o coroamento da gestão de dez anos com Agnelli à frente da companhia. Preveem analistas que o resultado no segundo trimestre será maior ainda. Isso por causa dos mecanismos empresariais que a Vale adotou. “Antes a Vale subsidiava a siderurgia mundial”, diz um analista ouvido por O Globo.

Agnelli deixa o posto daqui a 15 dias depois de ter se recusado a seguir diretrizes que o PT achava mais adequadas para a empresa. Entre suas decisões, esteve demitir 1,3 mil trabalhadores – durante crise em que mais de 700 mil pessoas foram postas na rua por empresas em todo o país – e exportar menos minério e mais aço, cujo preço hoje é francamente decadente em todo o mundo.

“Adicionar valor ao produto não significa adicionar valor à empresa e ao Brasil. Adicionar valor ao produto pode só representar menos valor ao acionista e menos desenvolvimento à empresa. Qualquer país pode investir em siderurgia; é só captar recursos para montar uma unidade e comprar minério. Mas poucos conseguem exportar matéria-prima. O recurso estratégico é justamente o minério”, analisa Sérgio Lazzarini, professor do Insper, na Folha de S.Paulo de hoje.

O lucro recorde foi divulgado no mesmo dia em que a Vale levou ao mar o primeiro cargueiro de uma frota de 19 embarcações encomendadas junto a estaleiros coreanos e chineses. Anunciada em 2008, a decisão de comprá-los no exterior, o que envolve US$ 2,35 bilhões, foi duramente criticada pelo então presidente Lula. Foi outro dos motivos de atrito entre Agnelli e o petismo.

O navio entregue ontem, o “Vale Brasil”, é o maior para minério do mundo. Saiu por US$ 110 milhões e foi feito na Coreia. A Vale preferiu os coreanos porque quis? Não, por uma questão de sobrevivência.

A Vale tentou que o navio fosse feito no Brasil, como gostaria Lula. Para tanto, procurou o Estaleiro Atlântico Sul – uma das vedetes da propaganda nacionalista petista – em Pernambuco e ouviu que o mesmo navio made in Brazil sairia por US$ 236 milhões e só poderia ser entregue em 2015. A Vale agradeceu e partiu pra luta; comprou-o na Ásia, pela metade do preço e com metade de prazo para entrega.

Brasileiro, o projeto de engenharia do “Vale Brasil” permite triplicar a capacidade de carregamento e acelera a operação. A economia gerada equivale a cortar dez de um total de 45 dias necessários para levar minério à China. Isso é crucial para a competitividade da Vale, já que o trajeto a partir da Austrália – por onde suas concorrentes BHP e da Rio Tinto escoam seu minério – demora cerca de 15 dias.

A decisão não trouxe benefícios apenas para a Vale. A empresa reduziu seus custos com fretes e pôde transferir os ganhos para os preços do minério que vende. Fez isso firmando contratos de longo prazo. Assim, a balança comercial brasileira engordou mais US$ 4 bilhões nos últimos dois anos.

Decisões empresariais são para ser tomadas assim, com base no que pode render mais. Ainda mais num mercado como o que opera a Vale, altamente competitivo e altamente sujeito a volatilidades – como ontem ficou claro, mais uma vez, quando o preço das principais commodities despencou, revertendo uma contínua ascensão de meses.

É escandaloso que, deixando um legado como este, Agnelli tenha sido defenestrado do comando da Vale. Se dependesse do petismo, provavelmente a mineradora não estaria hoje comemorando os resultados que alcançou. Estaria, talvez, explicando ao mercado por que seus custos com fretes foram altos ou por que teve de pagar tantos tributos – que teriam sido impostos à companhia como retaliação por ter contrariado as vontades de Lula e do PT.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Governando como biruta

Clareza de objetivos é condição necessária para o sucesso de qualquer política. Na área econômica, então, é crucial. Passados quatro meses do início da gestão Dilma Rousseff, clareza é tudo o que não se vê nas ações empreendidas até agora. O governo mostra-se errático; não sabe se tenta controlar o câmbio ou se segura a inflação. Na dúvida, não consegue fazer nem uma coisa nem outra.

Pelo menos duas reportagens dos jornais de hoje mostram que o governo está jogando na lata de lixo a receita que seguiu até agora. Dilma parece ter percebido que apostou no cavalo errado contra a inflação e está vendo o equívoco cobrar seu preço. Vê-se agora empurrada a apelar para a ortodoxia dos juros altos e a deixar o real valorizar-se para debelar a escalada dos preços.

Segundo O Estado de S.Paulo, o câmbio será usado agora como mais um instrumento de combate à inflação. Significa que serão abandonados os esforços para evitar que o dólar fique cada vez mais baratinho. Significa que o país terá mais dificuldades para exportar e que muitas das indústrias nacionais correrão o risco de sucumbir diante da concorrência estrangeira.

Com isso, o governo admite que foi um fiasco sua política de enfrentar problemas a conta-gotas – como os sucessivos aumentos de IOF para segurar o dólar e as ações para diminuir o crédito para conter a demanda e a inflação. Segundo um auxiliar da equipe econômica ouvido pelo Estadão, “não podemos ficar de medida em medida”. Já era tempo.

Vendo que sua equipe bate cabeça, a presidente da República teria decidido “pegar as rédeas da economia”, segundo o Valor Econômico em sua manchete de hoje. Em termos práticos, diz o jornal, isso teria significado optar pelo aumento de juros, pelo corte de investimentos e pelo abandono das ações para conter o dólar.

Durante viagem à China, Dilma teria percebido que sua política inicial teria chegado ao “fundo do poço”, nas palavras de um assessor graduado do governo reproduzidas pelo Valor. “Preocupada com a ineficácia da estratégia adotada [nos primeiros três meses de sua gestão], Dilma começou a mudá-la em meados de abril. A presidente considera maio o mês do verdadeiro início do seu governo”.

O objetivo único agora é combater a inflação – que só “profetas do caos” enxergam, segundo disse o ex-presidente Lula numa de suas milionárias palestras. Demorou. Durante vários meses, Dilma recusou-se a admitir que a carestia estava voltando a ser algo a merecer especial atenção do governo. Desdenhou o problema, baseada em falsas convicções – a mais grave delas a de que os aumentos refletiam apenas um movimento especulativo global em torno dos preços das matérias-primas.

Num momento em que era necessário redobrar a atenção, o governo da presidente optou por medidas de laboratório, como as chamadas “macroprudenciais”, com as quais preferiu restringir a oferta de crédito ao invés de agir para esfriar a demanda por meio da política monetária. A tese em si não é má, só é bastante inadequada pra situações de descontrole, como a que atravessamos.

Diante de um orçamento engessado e sobrecarregado pelo absurdo aumento dos gastos nos anos recentes, a atual gestão também opta agora por garrotear os investimentos, que cresceram 2,5% abaixo da expansão do PIB no primeiro trimestre.

É a velha má receita sendo posta em prática: em lugar de diminuir seus gastos correntes, o governo deixa de investir na melhoria da estrutura do país e cobra mais tributos dos contribuintes. Sem norte, também apela para que empresas não remarquem preços.

Governantes costumam começar seus mandatos atacando de cara os principais problemas. Não foi o que se viu na atual gestão. A dura realidade não convive bem com vácuos; quando menos se espera a tempestade já invadiu. À boca pequena, o governo já conta que a economia cresça neste ano metade do que cresceu em 2010. Não foi por falta de aviso.