segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Consumidor paga o pato

Ao longo dos últimos anos, a oposição tem apontado os malfeitos que o governo do PT perpetrou na estrutura do Estado brasileiro. Não é sempre que a ação destes cupins se torna visível, mas, mesmo subterrâneo, o estrago continua a ser feito. Em algumas ocasiões, o descalabro mostra-se com todas as cores: é o que acontece com as agências reguladoras.

Neste fim de semana, O Estado de S.Paulo mostrou como a qualidade dos chamados serviços essenciais vem despencando no país. Energia elétrica, internet, TV a cabo, telefonia e transportes (aéreo e terrestre) viraram dor de cabeça para usuários e consumidores, sob olhar complacente dos órgãos de regulação, a quem caberia zelar pelo interesse público e pela boa prestação destes serviços.

A insatisfação tem se traduzido no aumento acentuado do número de reclamações. “Só na Fundação Procon-SP, as queixas relacionadas aos chamados serviços essenciais cresceram 425% entre 2005 e 2009, de 4.502 para 23.674. O segmento representou 38% de todas as reclamações feitas no órgão no período. Nas agências reguladoras, que fiscalizam boa parte desses serviços, o descontentamento também cresceu: 123% na telefonia, 85% em energia e 127% em transportes”, informa o jornal.

Não é mera coincidência que, no mesmo período em que a qualidade dos serviços prestados piorou tremendamente, as estruturas públicas destinadas a garantir o cumprimento das obrigações contratuais pelas empresas tenham sido depauperadas pelo modo petista de governar.

O governo Lula foi marcado por repetidas ações para enfraquecer e garrotear a atuação das agências reguladoras. Desde a ocupação desenfreada dos cargos de direção por quadros partidários sem qualquer conhecimento e experiência técnica à reiterada supressão de verbas, tudo foi feito para minar o trabalho de regulação.

O PT de Dilma e Lula não gosta das agências. Acha que elas defendem os interesses das empresas em detrimento do dos consumidores. Sábios petistas: iluminados por esta visão, retiraram o oxigênio dos órgãos reguladores e deixaram as prestadoras agir como bem entendessem. Os balcões abarrotados dos Procons mostram quem de fato perdeu com isso.

Nas telecomunicações, por exemplo, a média de cumprimento das obrigações dos planos de metas de qualidade caiu assustadoramente. Em 2005, as empresas cumpriam 97,5% dos padrões mínimos estabelecidos pela Anatel. Em 2009, o percentual diminuíra para 82,9%. Não é de espantar os “caladões” que vez ou outra assolam grande parte do país.

As agências foram criadas no rastro do programa de privatizações brasileiro. Serviriam para assegurar a boa prestação de serviços públicos agora concedidos à exploração privada. Mas nos anos Lula estes órgãos foram transformadas em prêmio de consolação para políticos amigos. Tornaram-se o exemplo mais vistoso de como o PT aparelha o Estado em prol de seus interesses mais mesquinhos.

A ANP, por exemplo, transformou-se num feudo do PCdoB e viu sua capacidade de interferir no setor de petróleo minguar a cada dia, suplantada pelos interesses da Petrobras e pela estrutura estatal criada para cuidar do pré-sal. Já a Anac tem demonstrado reiteradamente sua incompetência para evitar os abusos a que são submetidos os usuários de aviação civil no país.

Na ANTT (Transportes Terrestres), temos um dos casos mais emblemáticos: lá o governo do PT forneceu abrigo para Jorge Luiz Macedo Bastos. Quem vem a ser? Um expert em logística e transportes? Nada disso: Bastos era dirigente de um time de basquete do ex-senador Wellington Salgado, suplente do ex-ministro Hélio Costa.

Num primeiro momento, quando o objetivo era expandir a prestação dos serviços, as novas concessionárias de serviços essenciais apresentaram realizações relevantes para a população. Passada esta fase, o que tem sido visto é a expressiva queda na qualidade do que é ofertado. Fica fácil mostrar à sociedade que quem deixou isso acontecer preferiu cuidar do seu próprio umbigo, mandando às favas o interesse público: é assim que age o PT.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Olho vivo no déficit externo

O Banco Central divulgou ontem o resultado do balanço de pagamentos do país em 2010. O fato de os investimentos estrangeiros terem sido, surpreendentemente, suficientes para cobrir o rombo nas transações correntes não deve retirar o foco nem as preocupações sobre o déficit recorde registrado.

As contas externas registram as transações comerciais, de serviços e transferências de renda do Brasil com o exterior. Em 2010, o déficit em conta corrente ficou em US$ 47,5 bilhões, o maior em termos absolutos para a série iniciada em 1947. Vale frisar: é o mais alto valor em 63 anos.

Entre 2009 e 2010, o rombo saltou de US$ 24,3 bilhões (1,52% do PIB) para US$ 47,5 bilhões (2,28% do PIB). Ou seja, praticamente dobrou em um ano. Foi o terceiro déficit seguido. Neste ano tem mais.

O aumento no déficit de transações correntes deve-se, principalmente, ao fato de o país consumir acima de suas possibilidades de produção – algo que o dólar barato só incentiva: as importações cresceram 42% no ano passado. Outro exemplo são os gastos de brasileiros no exterior: US$ 16,4 bilhões em 2010, um novo recorde, com alta de 51% sobre 2009.

As contas externas só não fecharam no vermelho porque no finzinho do ano os chineses fizeram uma megaoperação ao adquirir participação de US$ 7,1 bilhões na petrolífera Repsol Brasil. Coincidência ou não, também o setor de petróleo dera ao país, com operações fechadas pela Petrobras no apagar das luzes de 2010, o recorde de exportações do ano passado.

No total, os investimentos estrangeiros diretos somaram US$ 48,5 bilhões em 2010. São, porém, cada vez mais concentrados em poucas empresas e setores, destaca O Globo. Em 2010, o setor de extração de petróleo respondeu por 19% do total de recursos produtivos que entraram no país; produtos químicos, por 14%; e extração de minerais metálicos, por 12,7%. Um terço das operações envolveram mais de US$ 1 bilhão (em 2009, menos de 6% dos casos tiveram esta característica).

Em geral, os chineses estão por trás destes negócios: estima-se algo como US$ 17 bilhões, ou um terço dos ingressos para operações de participação no capital, segundo estudo da Sobeet divulgado pelo Valor Econômico. “O mundo e o Brasil estão ficando um pouco reféns da China”, resume Antônio Correa de Lacerda, da PUC-SP.

Além da componente dos investimentos estrangeiros, quem tem permitido que o déficit ainda seja financiável é a balança comercial. Mas é preciso considerar alguns aspectos – todos declinantes – deste componente.

Neste ano, o superávit comercial deve despencar dos US$ 20,3 bilhões de 2010 para menos da metade, conforme previsões colhidas pelo BC. A pauta brasileira está cada vez mais concentrada em commodities – tanto que nossa maior exportadora, a Vale, exibe saldo na sua venda de minérios ao exterior maior do que todo o superávit do país.

Hoje, dadas as condições macroeconômicas globais, a maior preocupação não é com o tamanho do déficit em conta corrente em si, mas com a velocidade do aumento. Para 2011, o prognóstico é de um rombo externo ainda maior, atingindo US$ 67 bilhões ou 3% do PIB. (Nesta base, o pior resultado continua a ser o de 2001: 4,19% do PIB.)

Desta vez, porém, não se deve esperar que os investimentos estrangeiros cubram o rombo: a estimativa é de ingresso de apenas US$ 40 bilhões. Restará ao governo Dilma fazer a lição de casa e esfriar o consumo, segurando as despesas públicas.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Portas fechadas para a emancipação

A área social é considerada um dos grandes trunfos da gestão Lula-Dilma. São recorrentes as citações aos “milhões de brasileiros” que ultrapassaram a linha de pobreza nos últimos anos. Trata-se de algo que merece aplausos, mas é igualmente verdade que o governo do PT tem sido completamente ineficaz em ajudar os mais carentes a andar com as próprias pernas.

Exemplos dessa limitação podem ser vistos em algumas das principais vitrines dos governos passado e atual, como os programas Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, e a política nacional de reforma agrária. Retirada a névoa da máquina de propaganda, o que se vê, na maioria das vezes, são ações que preservam a tutela do Estado sobre os mais necessitados – situação perversamente conveniente para quem tem um projeto de poder e não de país.

Pesquisa patrocinada pelo Ministério do Desenvolvimento Social mostrou que beneficiários do Bolsa Família têm dificuldade de se manter empregados. Como mostrou o Estadão na semana passada, metade das pessoas que recebem a bolsa perdem a ocupação até um ano após serem contratadas. Uma vez alijados do mercado de trabalho, menos de 25% serão recontratados nos quatro anos seguintes, atestou o estudo oficial.

Ou seja, resta provado que, tal como está, o maior projeto social do governo petista é absolutamente ineficaz no objetivo de dar ao cidadão condições de viver do próprio trabalho.

Na gestão tucana, quando o programa de bolsas foi criado, um dos aspectos mais importantes era exatamente a contrapartida dos beneficiários por meio da frequência à escola, uma forma de dar-lhes melhores condições de emanciparem-se e progredir sozinhos. Essa visão libertadora foi deixada de lado pelo petismo.

No campo, setor que deveria garantir comida e sustento para milhões de brasileiros, mais revezes. Informações também oficiais reunidas pelo Incra mostram que 38% das 924 mil famílias instaladas nas fazendas desapropriadas não conseguem obter sequer um salário mínimo de renda por mês.

A situação nos assentamentos é de penúria: 58% não contam com estradas de acesso razoáveis, 56% não têm energia elétrica e apenas 5% dos colonos possuem segundo grau completo. A consequência evidente é a falência do modelo agrário distributivista e a perpetuação da pobreza no campo.

Já o Minha Casa Minha Vida também começa a exibir as limitações de um programa concebido muito mais para dar votos para o PT do que teto para quem precisa. Boa parte dos beneficiados, conforme mostrado pelo Estadão, não tem conseguido pagar as prestações mensais de R$ 50. Sinal de que o modelo não para em pé sem a mão do Estado, a inadimplência já preocupa os órgãos oficiais.

Pelo que se pode ver, a situação social de milhões de brasileiros ainda é precária. Os mais otimistas podem dizer que o governo buscou, sim, dar mais soberania dos cidadãos. Um exemplo seria a expansão das universidades públicas. Mais uma ilusão.

Reportagem publicada na edição da revista Época desta semana mostra que a condição das novas instituições federais de ensino superior criadas no governo passado é claudicante. Não há estrutura física, professores e nem planejamento suficiente para as aulas. Alunos precisam se espremer em galpões alugados.

Das 14 universidades inauguradas por Lula, apenas quatro são realmente novas e dez já existiam como expansões. Não por acaso, das 88 mil novas vagas abertas na gestão passada 46 mil foram criadas em 2009, véspera de ano eleitoral. No mundo petista, até educação é vítima da política eleitoreira.

A triste constatação é de que o governo do PT, de uma maneira deturpada, foi eficaz em transformar em política pública os versos imortalizados por Luiz Gonzaga e Zé Dantas em “Vozes da Seca”: “Seu doutor, uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. No coronelismo pós-moderno do PT, todas as portas de saída ficam trancadas.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Metamorfose ambulante

Dilma Rousseff tem se esforçado para criar símbolos que a diferenciem do presidente anterior. Um dos mais notáveis é o estilo, e este pelo menos é um aspecto positivo: o exagero verborrágico de Luiz Inácio Lula da Silva vai dando lugar à discrição. Entretanto, a postura da presidente tem muito mais de estratégia diversionista do que de mudança verdadeira.

Ao tentar dissociar-se de Lula, na realidade o que Dilma busca é distanciar-se dos malfeitos perpetrados no país nos últimos oito anos. Trata-se de uma verdadeira herança maldita da qual ela foi sócia-gerente. Provavelmente mais má gerente do que sócia benemérita.

A máquina de marketing petista trombeteou por anos a competência de Dilma para bem administrar as lides de governo. Poderia ser só estratégia publicitária de quem viveu de slogans. Mas a agora presidente corroborou o tratamento ao transformar sua suposta capacidade gerencial num dos “atributos” que vendeu aos eleitores nas eleições do ano passado.

O governo que perdurou de 2003 a 2010 era tanto de Lula quanto de Dilma; vivemos agora seu terceiro ato. A conclusão lógica é que as responsabilidades pelo que não foi feito no passado também cabem à atual presidente. Este governo não começou no dia 1º de janeiro: o PT assumiu o comando do país há oito anos e desde então Dilma está lá – só no Planalto já são seis anos.

Deve-se, pois, debitar na conta petista e, portanto, tanto de Lula, quanto de Dilma, a incúria para prevenir a tragédia que já matou mais de 700 pessoas na região serrana do Rio de Janeiro. Muitos dos flagelos que lá ocorrem poderiam estar sendo evitados se o governo federal tivesse agido nos últimos anos.

Na segunda-feira, o governo anunciou a criação de um Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais. Ótimo. Mas tal previsão consta de compromisso assumido em 2005 pelo país perante a ONU em decorrência de medidas exigidas pelo órgão multilateral após o tsunami da Ásia.

O governo Dilma promete oferecer o novo sistema até o fim de 2014. Ou seja, terão sido decorridos nove anos entre a promessa e a possível realização. Será isso um cartão de visitas da boa capacidade gerencial da presidente? Quantas vidas mais se perderão em razão de tamanha ineficiência?

Também motivo de espanto é o que está acontecendo no Ministério da Educação. Mais uma vez, o sistema de seleção para ingresso em universidades públicas falhou e dados que deveriam ser sigilosos vazaram, conforme mostra O Globo em sua edição de hoje.

Diante de colossal incompetência, o Enem, uma boa ideia, está sendo varrido para lixo. A administração de Fernando Haddad – escalado por Lula e mantido no cargo por Dilma – está corroendo o sonho dos jovens como se fosse vírus de computador.

Na economia, a gestão Dilma tem de correr para tentar remediar problemas que ela própria semeou no governo passado, ao soltar as rédeas dos gastos públicos e jogar gasolina na fogueira da inflação. Hoje o Comitê de Política Monetária do Banco Central deve começar a impor ao país o pagamento da fatura, por meio do aumento dos juros, ampliando a liderança brasileira neste quesito no mundo.

“Em termos práticos, por enquanto Dilma só tem conseguido lidar com problemas herdados. O que estaria dizendo da herança que recebeu se o governo que acabou em 31 de dezembro fosse da hoje oposição?”, resume Alon Feuerwerker na edição do Correio Braziliense de hoje.

Recorramos às palavras de um funcionário do governo – tanto do atual quanto do passado – para obtermos a melhor e mais perfeita síntese da era petista: “A gente falou muito e fez muito pouco”, disse Luis Antonio Barreto de Castro, do Ministério da Ciência e Tecnologia. Nenhuma metamorfose ambulante, como a que Dilma está pretendendo protagonizar, é capaz de dar jeito nisso.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Gerência catastrófica

Os danos e o rastro de mortes causados pelas tempestades dos últimos dias atestam a incapacidade do país para lidar com desastres da natureza. As tragédias se repetem a cada ano e as desculpas são sempre as mesmas. As formas com que o poder público age, porém, não se alteram.

O que se vê hoje na região Serrana do Rio de Janeiro é basicamente o mesmo filme que Angra dos Reis e Niterói assistiram há um ano; Alagoas e Pernambuco sentiram na pele há sete meses e Santa Catarina vivenciou em 2008. O que muda é o nível de horror e o espanto por, mesmo com todo este histórico, o poder público continuar despreparado como sempre para lidar com catástrofes.

Fica claro que nossas autoridades preferem remediar a prevenir, numa triste inversão do ditado que nós, simples mortais, preferimos ter como norma, mas que o governo insiste em desafiar.

Mostrou a ONG Contas Abertas que as ações da defesa civil brasileira têm muito de socorro e pouco de previdência. Em 2010, o investimento em prevenção foi 13 vezes menor do que o gasto de maneira emergencial para responder a desastres.

Ao longo do governo Lula, o Ministério da Integração Nacional deixou de investir quase R$ 1,8 bilhão na prevenção de danos e prejuízos provocados por desastres naturais em todo o país. O valor é a diferença entre o orçamento autorizado para o programa de “prevenção e preparação para desastres” e o que foi, de fato, desembolsado, informa hoje a Contas Abertas.

Não espanta que, conforme mostrou O Estado de S.Paulo em sua edição de ontem, o Brasil esteja “despreparado para tragédias”. Não se trata de uma constatação externa ou uma avaliação da oposição; trata-se de análise do próprio governo federal feita em novembro do ano passado e enviada à ONU.

“A maioria dos órgãos que atuam em defesa civil está despreparada para o desempenho eficiente das atividades de prevenção e de preparação”, diz o documento. Segundo a Folha de S.Paulo, só uma de cada cinco cidades brasileiras dispõe de serviços organizados de defesa civil.

Sempre se poderá argumentar que a natureza é senhora do destino e contra seus rompantes pouco se pode fazer. É fato que as mudanças climáticas têm acelerado os desastres relacionados a fenômenos climáticos: em todo o mundo, as ocorrências passaram de 317 para 828 desde 1980.

O que não é aceitável é o poder público não estar minimamente preparado para prevenir o pior. Há dois anos está previsto no Orçamento federal a instalação de um Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres. Mas até hoje ele não saiu do papel. Ainda espera o quê?

Na semana passada, a presidente anunciou a liberação de R$ 780 milhões para serem usados emergencialmente pela Defesa Civil. É, mais uma vez, o cachorro correndo atrás do próprio rabo: programas de prevenção tinham R$ 137 milhões previstos para este ano, o que equivale a menos de um terço do autorizado para 2010. Já o programa de resposta a desastres não tinha nada autorizado para ser gasto no Orçamento atual e agora terá R$ 600 milhões.

Não custa lembrar que, ao longo de anos, Dilma Rousseff foi apresentada ao distinto público como “a gerente” do governo Lula, a quem, supostamente, deveriam ser creditados os eventuais louros da gestão passada. Se assim era, lícito concluir que a responsabilidade pela incúria vista na aplicação de recursos públicos para prevenir catástrofes também cabe à agora presidente. Vale de alerta.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

União no combate ao crime

A cada dia fica mais evidente a distância entre o mundo róseo que Dilma Rousseff vendeu aos eleitores na campanha do ano passado e as cores sombrias da realidade. A presidente elegeu-se cercada de mistificações e agora está tendo de se haver com a dureza dos fatos. É o que está acontecendo, por exemplo, com a segurança pública.

Em dez dias de nova administração, diversas propostas de enfrentamento do problema vieram a público. Dia após dia, o Ministério da Justiça jogou na mesa uma agenda de ações para combater o crime. Se vão funcionar, ainda é cedo para saber – mas pelo menos serviram para tentar desviar a atenção das brigas políticas entre petistas e peemedebistas pelo butim governista...

Segurança pública merece, sim, estar no topo das prioridades dos governantes brasileiros. A triste realidade de violência está aí para comprovar e a população a experimenta na pele: segundo a PNAD 2010, 47,2% dos brasileiros se sentem inseguros no país.

Não foi outra a razão para o candidato da oposição ter proposto criar um ministério específico para cuidar da segurança pública, jogando o peso da União no combate à criminalidade. O crime não tem fronteiras e o fato de a nossa Constituição delegar aos estados – e, em menor medida, aos municípios – a competência pela segurança não pode servir para eximir o governo federal de lançar-se na questão. Se preciso for, altere-se a norma constitucional.

Atestam as estatísticas que a criminalidade brasileira deriva, principalmente, do tráfico de drogas e armas. O foco de combate evidente está nas nossas permeáveis e mal policiadas fronteiras, notadamente aquelas que limitam com Colômbia, Bolívia e Peru. São estes os principais produtores mundiais de cocaína, da qual deriva o crack que hoje se alastra por quase todos os municípios do Brasil.

Mas o que até militares de alta patente atestavam não parecia ser um problema para Dilma na campanha do ano passado. Para ela, a ação da Polícia Federal e a compra de algumas aeronaves estavam dando conta do recado. Puro esoterismo: soube-se, depois, que tais veículos sequer decolavam do hangar. Já a PF tem muito de espetáculo...

Tanto a questão das fronteiras é grave e central no combate ao crime que agora o Ministério da Defesa anuncia a intenção de instalar um sistema de monitoramento ao longo dos mais de 16 mil km dos nossos limites territoriais. É coisa para R$ 10 bilhões, conforme se divulgou há alguns dias. Mas o país não pode esperar o prazo que o Exército estipula para implantar o equipamento, que entraria em operação apenas em 2019. É preciso agir antes, e rápido.

Para tanto, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz querer a parceria dos estados no enfrentamento da criminalidade em todo o país. A direção é correta: unir esforços. Mas é muito mais tímida do que propôs José Serra na campanha eleitoral.

A razão é que – ao contrário da oposição, que defendia que a União puxasse para si a responsabilidade – o governo federal talvez tema não dar conta do recado. Torna-se, assim, conveniente buscar desde já álibis para um eventual fracasso – o histórico petista na área é extenso, a começar pelos pífios resultados do Pronasci na redução da violência.

Independente disso, desde já o ministro Cardozo deveria rever um dos focos das ações que pretende levar adiante em parceria com os governadores. Ao contrário do que defende, não devem ser as UPP o modelo a ser seguido em todo o país, até porque a específica realidade, inclusive topográfica, do Rio de Janeiro não se reproduz na maioria dos principais centros brasileiros.

São Paulo e Minas Gerais têm um modelo muito mais bem sucedido de procedimentos que podem ser facilmente replicados em todo o país, com resultados palpáveis na redução da criminalidade. Sistemas de mapeamento do crime, que direcionam ações das polícias, têm levado a diminuições consideráveis nos índices de homicídio – em São Paulo, por exemplo, a queda foi de 70% em 11 anos, trazendo o indicador para níveis internacionais. O caminho é este, sem mistificações.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O dragão está voltando?

Na sexta-feira, foi divulgado o índice oficial de inflação referente ao ano de 2010. O IPCA alcançou sua maior marca desde 2004, ficou distante do centro da meta estipulada pelo Banco Central, mas se manteve abaixo do teto da faixa de variação admitida. De qualquer forma, é algo que exige cuidado e uma urgente reversão de comportamento por parte do governo federal.

O vilão de 2010 foram os alimentos, que subiram 10,4%, o triplo do verificado no ano anterior. Alguns exemplos da escalada vieram das carnes (29,5%) e do feijão carioca (60%). Outros produtos comuns na mesa dos brasileiros, como farinha de mandioca, leite, açúcar e frango, registraram altas de mais de 14% no ano.

Embora haja um movimento mundial de alta de preço dos alimentos, no Brasil um dos principais combustíveis para a inflação tem sido o excessivo gasto do governo federal. Não é desconhecida de ninguém a irresponsabilidade com que a gestão Lula se pôs a torrar recursos públicos para turbinar e eleger Dilma Rousseff. A conta veio salgada.

O IPCA fechou 2010 em 5,91%. No acumulado do governo Lula, o índice somou alta de 56,7%. Ou seja, a inflação anual média dos últimos oito anos foi de 5,8%, patamar bastante elevado em relação ao padrão mundial. Há quem defenda que o país passe a perseguir metas mais austeras para evitar que o dragão ressuscite.

Entre os mais pobres, a inflação acelerou-se ainda mais no ano passado. Quanto mais baixa a renda, mais o encarecimento dos alimentos dói no bolso. De acordo com o INPC, que mede a evolução dos preços para famílias com renda de até seis salários mínimos, houve alta de 6,47% em 2010. Na capital paulista, por exemplo, a cesta básica já tinha aumentado 16% no ano até novembro, segundo o Dieese.

Na prestação de serviços, a inflação já roda numa velocidade ainda mais acelerada. O IGP-M de 2010 ficou em 11,32%. Os primeiros a sentirem o peso da escalada deste indicador no bolso são os inquilinos: o índice serve como indexador da maior parte dos contratos de aluguel no país. Vale lembrar que em 2009 o IGP-M registrara deflação de 1,7%.

O mau resultado da inflação no ano passado reforça as apostas numa provável elevação dos juros pelo Copom, cuja primeira reunião deste ano acontece na próxima semana. A autoridade monetária tem sido obrigada a esfriar a fervura acessa pelas labaredas da política fiscal perdulária do governo federal. Quem paga a fatura acaba sendo toda a sociedade, na forma de carestia e de juros mais altos.

Não custa frisar: o Brasil já é o país onde se praticam as mais altas taxas de juros reais do mundo. Com a possível elevação da Selic pelo BC, aumentará também o potencial de atração de capitais externos, valorizando ainda mais o real e prejudicando as exportações brasileiras. Nossos concorrentes agradecem.

Está claro que os juros não podem ser a única arma a ser usada para debelar a inflação. Um firme ajuste nos gastos públicos faz-se mais que necessário e urgente: o Estado brasileiro já se agigantou demais nos anos de gestão petista e precisa agora começar a controlar seu peso.

É ponto pacífico que a estabilidade econômica é a conquista mais valorizada pela sociedade brasileira. Um esforço de anos, iniciado com a bem-sucedida experiência do Plano Real, não pode ser posto em risco. O governo Dilma deve apressar-se em desarmar mais uma das bombas de efeito retardado que Luiz Inácio Lula da Silva gentilmente lhe legou.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Balança descalibrada

Em meio ao turbilhão da posse do ministério do novo governo, passou meio despercebida a divulgação, no início da semana, de um dos principais indicadores econômicos do país: os resultados da balança comercial em 2010. O destaque foi o patamar alcançado pelas exportações, que atingiram US$ 202 bilhões, recorde histórico, com providencial ajudinha das vendas da Petrobras ao exterior nos últimos dias do ano.

O que à primeira vista pode parecer um desempenho venturoso esconde algo bem perverso. Como as importações cresceram num ritmo muito mais vigoroso que o das exportações brasileiras, o saldo comercial despencou e foi a US$ 20,3 bilhões. Com queda de 20% em relação a 2009, representou o pior resultado do governo Lula. Mas deve piorar.

As previsões de mercado captadas pelo boletim Focus do Banco Central prognosticam superávit comercial de apenas US$ 8 bilhões para este ano. Se confirmada, será a pior marca para o indicador em uma década.

Em 2010, enquanto as exportações avançaram 31%, as importações cresceram 42%. A previsão oficial é de que as exportações se expandam 13% neste ano – ou seja, pouco mais de um terço do avanço anotado em 2010. Em contrapartida, com menor crescimento do PIB as importações tendem a crescer menos desta vez.

O mais grave é a diferença entre a composição (e, portanto, o valor) daquilo que o país compra e do que vende: no primeiro caso, produtos sofisticados e mais bem acabados, como automóveis, máquinas e equipamentos; no segundo, matérias-primas, alimentos e commodities em geral, mais baratos por natureza.

Pela primeira vez desde 1978, o Brasil exportou mais commodities do que produtos manufaturados. No ano passado, a participação das matérias-primas na pauta saltou de 40,5% para 44,6%, enquanto os bens manufaturados fizeram caminho inverso, caindo de 44% para 39,4% do total embarcado. Visto numa perspectiva mais ampla, a reversão é ainda mais impressionante: no início do século, manufaturados perfaziam 57% das exportações brasileiras.

Ocorre que, na época da maior bonança financeira mundial, o Brasil engatou os vagões do seu comércio exterior na locomotiva chinesa e relegou a segundo plano mercados para onde tradicionalmente exporta bens de maior valor agregado, como os Estados Unidos e a União Europeia. Como resultado, cultivamos hoje uma relação quase colonial com a potência emergente da Ásia.

A China, para onde seguiram 15% das exportações brasileiras no ano passado, consome avidamente matérias-primas, alimentos e commodities minerais brasileiras. Processa-as e nos vende de volta bens acabados como aço, eletrônicos e até café torrado e moído – não esquecer que o Brasil é o maior produtor mundial da bebida.

Pendurado no vigor chinês, o Brasil também está cada vez mais dependente da escalada das cotações internacionais – minério de ferro e açúcar, por exemplo, estão em pico histórico – para não ver seu saldo comercial escorregar para o vermelho. Até outubro, segundo a Funcex, enquanto o valor exportado pelo país aumentara 20% no ano, a quantidade embarcada crescera apenas 8%.

O comércio internacional é uma das principais alavancas para o desenvolvimento econômico de uma nação. O que parece claro é que, nos últimos anos, o aproveitamento que o Brasil vem fazendo deste empuxo tem estado aquém do potencial exportador do país. Com o mercado de consumo interno em ebulição, a preferência tem sido por importar como nunca. Pode sair caro.

O Iedi já vê o ano de 2010 como “um divisor de águas, por simbolizar uma penetração ímpar das importações industriais capaz de deslocar a produção nacional e deprimir o potencial de crescimento da indústria e da economia (brasileira) como um todo”.

Efeito cristalino disso pode ser visto no total de empresas brasileiras que exportam e importam. Enquanto o universo das importadoras cresceu 33% nos anos Lula, atingindo 34.033 até 2009 (os dados consolidados de 2010 ainda não estão disponíveis), o de exportadoras subiu apenas 5,4%, para 19.823.

Há evidências de todos os tipos à vista para que o novo governo aja e não continue a entregar o ouro do nosso comércio exterior para nossos concorrentes mais diretos. Perseverar nesta linha não é um negócio da China.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Ser ou o nada

Em seus primeiros discursos já como presidente empossada do Brasil, Dilma Rousseff pareceu buscar certo distanciamento de seu tutor. Será ótimo para o país se assim for: o governo poderá sair de cima do palanque onde esteve aboletado nos últimos oito anos para ganhar a sobriedade necessária para enfrentar as graves questões nacionais.

A primeira delas é a preservação da estabilidade econômica. Na posse, a nova presidente disse que se trata de “um valor absoluto” a ser rigorosamente mantido. É uma conversão e tanto para quem até pouco tempo atrás não via na escalada dos preços um dos males mais deletérios para o bem-estar social – nunca se deve esquecer a ferrenha oposição petista ao Plano Real, que extirpou a hiperinflação do nosso convívio.

Embora, como era de se esperar, Dilma não tenha admitido em seu discurso, o governo dela começa com um desarranjo de dimensões consideráveis nas contas públicas, agravado pela espada da “praga” da inflação rondando a cabeça. O índice oficial de preços referente a 2010 deverá encostar no teto da meta prevista para o ano passado, ou seja, 6,5%, a julgar pela prévia conhecida nesta manhã. Carece de remédio.

Não é a única herança maldita de Lula para sua pupila. O governo dele terminou apresentando o pior saldo comercial em oito anos e o pior resultado fiscal para o governo central desde 1998. Isso diminuirá a margem que o novo governo tem para, como Dilma anunciou nas semanas entre a eleição e a posse, diminuir a taxa de juro real brasileira. No próximo dia 19, o Copom deve fazer o contrário, elevando a Selic para diminuir o ímpeto inflacionário. Nota-se, pois, como discurso e prática diferem.

Na posse, a nova presidente acenou à oposição e às parcelas da sociedade que não votaram nela nas eleições do ano passado. Para tanto, parece disposta a renegar algumas de suas crenças recentes, distanciar discurso pretérito e prática presente. É o caso da inflação, mas é também do que pretende fazer para destravar o setor aéreo nacional, a julgar pelo que a Folha de S.Paulo publica em manchete em sua edição desta segunda-feira.

Informa o jornal que a nova presidente deverá editar medida provisória para conceder à iniciativa privada a construção e a operação de pelo menos dois dos principais aeroportos do país: Cumbica, em Guarulhos, e Viracopos, em Campinas. É a mesmíssima proposta que José Serra defendeu na campanha de 2010 e que abraçara desde que governava São Paulo. Levada pelo então governador ao presidente Lula, foi rechaçada – com apoio de Dilma, diga-se.

Como se pode ver, num ponto não há novidade na Dilma que chega agora ao poder máximo da República e seu antecessor: ambos repetem práticas de seu partido ao fazer no governo aquilo que antes criticavam, na maioria das vezes por puro oportunismo e conveniência político-eleitorais. As bravatas petistas de sempre não deixaram de existir.

Se é bom que a nova presidente esteja ensaiando passos autônomos em relação a Lula, é melhor ainda que ela abrace as causas da racionalidade, da moralidade e da ética no trato da coisa pública, como prometeu nos seus discursos de posse e suas primeiras intenções administrativas parecem sugerir.

A chance de o país avançar está na distância entre o governo que acabou no fim de semana e no que terá quatro anos pela frente para mostrar a que veio. Em muitos aspectos, este precisa ser a antítese daquele. A mesma distância separa as chances de Dilma Rousseff ser alguma coisa ou ser mera sombra, um nada.