Dilma Rousseff foi eleita presidente do Brasil na sombra de um mito. Isso produziu pouca luz e muita dúvida sobre sua figura. Pouco se sabe de suas ideias, de seus propósitos, de suas estratégias. Tudo isso terá de ser testado agora, ao longo do exercício do mandato. Se conseguiu sagrar-se vencedora na eleição presidencial deste ano sem uma proposta clara, também deixou pelo caminho uma lista infindável de promessas. Será cobrada pela oposição a cumpri-las, uma a uma.
No discurso que fez no domingo, logo após a proclamação dos resultados, Dilma assumiu como seu principal compromisso erradicar a miséria no país. Conseguirá? Significa tirar da pobreza 21,5 milhões de brasileiros. Causa nobríssima. Mas a petista se fia em resultados alcançados ao longo do governo Lula, produzidos sob condições mundiais de temperatura e pressão quase inéditos e provavelmente com pouca chance de repetirem-se.
Esquece-se também que os mais prósperos feitos da gestão petista que vai chegando ao fim, incluindo a redução da pobreza, valeram-se dos invejáveis avanços e reformas institucionais promovidos nos anos precedentes pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Neste campo, Lula e o PT pouco semearam, mais fizeram colher do que plantar. Sua sucessora encontrará terreno árido adiante.
O que valeu a Dilma seus mais de 55 milhões de votos foi tão-somente o aval do presidente Lula. Sua ficha de serviços prestados à nação não seria suficiente para convencer o eleitor: o Programa de Aceleração do Crescimento, que ela coordenou por mais de três anos, não entregou nem metade do que prometeu – isto se forem usados os critérios mais favoráveis ao governo. Alheia a isso, Dilma já prometeu fazer o PAC 2.
O programa “Minha Casa, Minha Vida”, que em abril de 2009 prometeu a construção de 1 milhão de moradias, conseguiu finalizar até agora cerca de 150 mil unidades. Para famílias realmente pobres, com renda de até três salários mínimos – que a presidente eleita diz serem o principal público-alvo de seu governo – tão-somente 1,2% das casas contratadas foram erguidas. Dando de ombros, Dilma diz agora que fará mais 2 milhões de casas e apartamentos.
É fácil ver que a distância entre o que Dilma promete e o que cumpre se mede em milhares de quilômetros, tantos quantos ela acena agora construir em forma de rodovias e ferrovias – incluindo o dispensável, precipitado e caro trem-bala, que custará pelo menos o dobro do que a petista estima investir em obras de transporte público.
Formalmente, a presidente eleita só apresentou à sociedade um anódino e genérico programa de governo. Composto por 13 tópicos, cumpriu muito mais as vezes de um panfleto do que de uma plataforma séria de gestão. Mas, na falta de algo mais definitivo da parte da campanha petista, o jornal O Globo cuidou de compilar as promessas que Dilma disseminou ao longo dos sete meses de campanha: chegou a 190 delas.
O gigantismo e o irrealismo de muitos compromissos assombram. Dilma prometeu fazer mais 500 UPA, mesmo número que Lula disse que faria, mas nem chegou perto de executar (a quantidade exata não está disponível nas informações divulgadas pelo Ministério da Saúde). A lista de promessas na área de saúde tem 21 pontos, algumas bem contraditórias com a prática de governo petista, como a ampliação do Saúde da Família e da produção de genéricos, sistematicamente boicotados pela gestão Lula.
O “promessômetro” de Dilma claramente não para em pé. É cobertor de menos para cama de mais. No que era necessário rigor, ela oferece platitudes, como em relação ao aperfeiçoamento institucional do país. Assim são tratadas as reformas política e tributária. Na Previdência, ela diz que não mexerá, tampouco na política fiscal. É evidente que eram ambas medidas necessárias, mas mais evidente ainda parece ser a indisposição do PT para promover avanços de longo prazo para o desenvolvimento sustentado do país.
A política de irresponsabilidade fiscal que Lula praticou ao longo do seu segundo mandato só conseguiu ir adiante porque a sociedade brasileira continuou sendo espoliada com tributos crescentes. Dilma promete agora reduzir os impostos. Não inova: Lula assumiu idêntico compromisso em 2002, mas a realidade é que a carga tributária global do país passou de 37% para 40,15% do PIB desde então.
Sugere-se ao eleitor que se prepare para cobrar com rigor a consecução do mundo cor-de-rosa choque que Dilma Rousseff e Lula venderam ao longo da mais extensa campanha eleitoral de que se tem notícia. Nestes mais de três anos em que frequentaram juntos palanques ao redor do país, os dois gastaram muito tempo fazendo promessas, mas, esquecidos de governar, fizeram muito pouco para que elas se tornassem realidade.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
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