quarta-feira, 29 de junho de 2011

O BNDES e seus campeões nacionais

O dinheiro público vai servir, mais uma vez, para irrigar cofres privados. Em sua estratégia de eleger “campeões nacionais”, o BNDES colocará até R$ 4,5 bilhões na megafusão das operações do Pão de Açúcar com a parte brasileira do Carrefour, anunciada ontem. Como sempre, ficará para o cidadão brasileiro pagar a conta.

Se prosperar, a transação resultará na criação de uma empresa que dominará 32% do setor de supermercados e 27% do varejo nacional. Será, portanto, uma gigante sem concorrentes à altura. Terá poder suficiente para esfolar consumidores, fornecedores e funcionários.

Percentuais acima de 20% de concentração de mercado indicam a existência de potencial anticompetitivo, de acordo com padrões usados pelo Cade. Quanto maior a concentração do setor, menor a competição por preços. Não há, portanto, ganhos à vista para os consumidores brasileiros.

“Em um país que quer desesperadamente controlar sua inflação, qual o sentido de reduzir ainda mais a competição empresarial? Por que um banco público deveria apoiar uma operação problemática em termos antitruste? Não seria preciso atentar para o bem-estar do consumidor?”, critica Sérgio Lazzarini, professor do Insper, no Estadão.

Pelo desenho conhecido, a BNDESPar ficará com 18% do capital da nova empresa, a NPA. A justificativa oficial do banco – em parca nota divulgada ontem – é permitir a “internacionalização do Pão de Açúcar, (...) abrindo caminho para maior inserção de produtos brasileiros no mercado internacional”. A NPA teria 11,7% do capital da matriz francesa do Carrefour.

Extraoficialmente, porém, porta-vozes do BNDES justificam mais este aporte-monstro pela necessidade de garantir que o varejo supermercadista no Brasil não seja dominado por estrangeiros. Esta visão fia-se no temor de que, em vez do Pão de Açúcar, o Walmart venha a abocanhar o Carrefour e os franceses da Casino assumam a rede brasileira, conforme acordado em negociação feita no passado.

O Valor Econômico desnuda, porém, a tolice do discurso nacionalista do governo: ao final da engenharia financeira montada agora e conhecida ontem, os franceses (Carrefour mais Casino) deterão 65% do capital da empresa operacional constituída com o dinheiro do BNDES. Nada de empresa verde-e-amarela, portanto.

A desculpa de formar “campeões nacionais” é sempre assacada pelo BNDES para justificar sua política de auxílio a grandes conglomerados capitalistas-mas-nem-tanto. Foi assim na composição do JBS-Friboi, na Oi-Brasil Telecom, na VCP-Aracruz, na Sadia-Perdigão. Mas alguém é capaz de apontar algum benefício para a sociedade decorrente da criação destas megacorporações?

Pelo contrário, no caso da empresa de carnes o que se viu foi quebradeira de empresas frigoríficas menores espalhadas pelo interior do país. Já a megaempresa de comunicação resiste a oferecer serviços mais baratos de celular ou internet.

Ao contrário das grandes, empresas pequenas e médias não têm obtido guarida no BNDES. De janeiro a abril deste ano, grandes companhias ficaram com 55% do valor desembolsado em financiamentos pelo banco oficial de fomento. Esse dinheiro foi concentrado em apenas 6% das operações.

Nos últimos anos, o Tesouro já se endividou em R$ 260 bilhões – incluindo R$ 30 bilhões neste ano – para financiar o BNDES nas suas operações. Na maior parte destes negócios, o BNDES enterrou dinheiro público em buracos sem fundo, sempre em volumes cavalares. Poderá ser assim também no Pão de Açúcar-Carrefour.

No fim do ano passado, informa O Globo, a matriz da rede francesa descobriu um rombo de R$ 1,2 bilhão na filial brasileira, e desde então enfrenta pressão dos acionistas para se desfazer do negócio no Brasil. Pelo jeito, os franceses acabam de achar um alegre interessado disposto a levar o mico para casa.

“Por que o dinheiro público, coletado dos impostos, deve ser utilizado para financiar fusões de interesse privado? Quando uma empresa subsidiada pelo BNDES quebra, quem fica com a conta são os consumidores. É o socialismo invertido: o lucro é privatizado e os prejuízos são socializados”, escreve Diogo Costa, professor do Ibmec, na Folha de S.Paulo.

O governo do PT terá dificuldade para justificar mais esta parceria regada a farto dinheiro público em prol de largos benefícios privados. Uma coisa é certa: a sociedade brasileira não tem nada a ganhar com mais este meganegócio. Exige, pelo menos, não ser chamada a pagar a conta.

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