sexta-feira, 24 de março de 2017

Da mão pra boca

A revisão periódica das contas públicas confirma as imensas dificuldades que governo federal terá para trazer as finanças do país de volta à sanidade. De cada porta de armário que se abre saltam esqueletos que aumentam o rombo e esfregam na cara de quem ainda duvida – por ignorância ou, mais provavelmente, por má-fé – da situação pré-falimentar do Brasil.

A previsão oficial é de que, pelo quarto ano seguido, o governo tenha déficit nas suas contas. De tão repetitivo, está parecendo algo normal, mas não pode ser. O problema é que, passados menos de três meses do ano, descobriu-se que o buraco à vista para 2017 é bem mais fundo.

Uma das razões é que a previsão de crescimento da economia caiu a um terço; outra é que os gastos, principalmente com pessoal, continuam subindo mais que a inflação e tornando ainda mais difícil a aplicação do teto.

O déficit inicial projetado para o ano é de R$ 139 bilhões. Ontem, porém, o governo anunciou que, para que a meta, que está longe de ser louvável, seja atingida, ainda será necessário arrumar mais de R$ 52 bilhões. Parece um saco sem fundo.

A luta agora é encontrar toda sorte de fontes de dinheiro para cobrir a diferença e evitar que as despesas discricionárias – leia-se os ralos investimentos que ainda cabem no orçamento público – sejam poupadas. Recorde-se que, dados os gastos incontornáveis com folha de pessoal e Previdência, entre outros, cerca de 90% das despesas públicas são intocáveis.

O governo mendiga todo tipo de alternativas que podem engrossar suas receitas no ano e evitar um rombo ainda mais explosivo. Serve dinheiro de usina hidrelétrica relicitada, de depósito judicial que deveria pagar precatório a cidadãos, de leilões incertos de ativos e o que mais puder ser vendido.

Mas nem assim será suficiente: vai sobrar para nós contribuintes. Entre as possibilidades de aumento de receita está a elevação de impostos. Possibilidade é apenas excesso de zelo retórico; a alta virá. Cabe agora debater como, e evitar que a conta seja paga por quem já está soterrado por obrigações tributárias. A decisão sai na próxima terça-feira.

Entre as hipóteses está a revisão de políticas de desoneração postas em prática pelos governos do PT, cujos resultados em termos de incentivo ao crescimento econômico foram a produção da maior recessão da história brasileira. Aí vale.

Mas há também a chance de alteração da sistemática de cobrança de PIS/Cofins, com impacto direto e relevante sobre prestadores de serviços. A mudança atingiria principalmente profissionais liberais e a classe média, em forma de alta cavalar de alíquotas – que podem mais que dobrar. Aí não vale.

O cenário ilustra a precariedade das nossas finanças públicas. O governo – e este ainda se preocupa e se esforça em zelar pela solvência do país e em construir algum futuro, algo de que os petistas já haviam desistido há muito tempo – vive da mão para a boca, catando soluções ao léu, onde dá.

É mais um motivo, se é que ainda precisa, para que avancem as reformas estruturais, em especial a da Previdência – cujo déficit neste ano deverá beirar os R$ 190 bilhões. E de preferência sem que sejam ainda mais desidratadas pelo caminho, como já começou a acontecer, com 86% dos servidores públicos do país excluídos das novas regras em discussão no Congresso. A bilionária dimensão do desafio não dá margens a recuos nem à contabilidade de padaria que os opositores das mudanças propalam por aí.

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