quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Princípios do fim

Proclamado o resultado da votação desta quarta-feira na Câmara, o atual governo provavelmente entrará na sua fase derradeira. Surgirá daí a melhor oportunidade que Michel Temer terá para fazer história ou não. Sua condição política não é das melhores, mas pode estar aí a chave para fazer o que realmente precisa ser feito pelo país nestes 14 meses que ele tem pela frente.

O que para um presidente da República com maiores ambições poderia ser problema intransponível para Temer pode funcionar como impulso. Ele é o presidente com mais baixa popularidade de que se tem registro, mas mantém base parlamentar extensa. Além disso, não parece ter pretensão maior do que completar o mandato presidencial. Reeleição, claro, nem pensar.

Tal situação dá a Temer condição de levar adiante iniciativas que, fosse outro o mandatário, dificilmente teriam como sair da gaveta. A busca por popularidade e por novos mandatos costuma funcionar como barreira quase intransponível para medidas quase sempre amargas, ainda que necessárias, nas etapas finais de governo. Este constrangimento o atual presidente não terá.

O ideal seria Michel Temer concentrar todas as energias de sua gestão numa agenda clara de ajuste da economia, posto que esta é a seara em que é incontroversa a necessidade de reformas e em que os primeiros resultados, decorrentes do que foi feito neste último ano e meio, já começaram a despontar. Dois triunfos ele já garantiu: a inflação baixa e a taxa de juros na sua mínima histórica.

Claro que não há unanimidade em relação às opções à mão, mas a dominância de alguns consensos relativos sobre alguns temas já dá ao governo condição suficiente para avançar bem mais do que avançou até agora.

Ainda é o caso, para ficar no exemplo mais imperioso, da reforma da Previdência. Só piadistas ou gente mal intencionada – o pior é que elas existem e não têm o menor constrangimento em se manifestar – é capaz de negar a necessidade de mudanças. Fazer as alterações é brecar privilégios e consertar iniquidades que o sistema atual carrega. Desde que não se limite a meros remendos, vale a briga.

Também merece maior ímpeto a aprovação de alguma reforma tributária. Há aí um manancial para corrigir distorções, atacar a regressividade (pobres pagam proporcionalmente mais que ricos), dar maior competitividade às empresas brasileiras e atacar a irracionalidade do cipoal que é pagar tributos hoje no Brasil.

As medidas econômicas de ajuste anunciadas em agosto também deveriam ser abordadas sem maiores delongas. Incluem aumento de alíquota de contribuição previdenciária para o funcionalismo e suspensão de aumentos salariais para servidores. Mais do que necessárias para segurar o rombo orçamentário do ano que vem, são corretas e justas tanto do ponto de vista fiscal quanto de justiça social.

Temer deveria manter distância, contudo, de temas mais controversos que exigem maturidade maior no debate. Assuntos comportamentais, ambientais e polêmicas sociais estão nesta lista. São exemplos desta natureza a portaria sobre trabalho escravo, a anistia a multas ambientais e a possibilidade de permissão de reajustes dos planos de saúde de idosos.

São erradas? Talvez não, mas demandam, no mínimo, discussão mais aprofundada antes de serem adotadas, sob pena de o governo ter que voltar atrás, como está acontecendo – não sem antes sofrer enorme desgaste. São, sobretudo, vespeiros que apenas uma administração legitimada pelas urnas será capaz de enfrentar. Não é caso de serem abordadas agora. Na mesma situação estão indesejáveis iniciativas tidas como populistas.

Haverá os que irão querer pintar com tintas de “fim de festa” os meses que Temer tem pela frente, transformando o presidente em um “pato manco”. Errado. É tempo suficiente para realizar muito – é quase o mesmo que ele teve até agora desde que tomou posse provisoriamente em maio de 2016. É tempo capaz de aprontar a casa para quem vier depois, ainda mais usando a impopularidade e a falta de pretensões eleitorais do presidente a favor.

Entretanto, não será alimentando o fisiologismo, distribuindo cargos a granel, transformando o orçamento público em moeda de troca ou engavetando reformas que precisam ser feitas que Michel Temer prestará melhores serviços ao país e carimbará seu passaporte para a história. Está nas mãos dele usar os pouco mais de 400 dias que tem adiante para entregar ao sucessor um Brasil melhor, mesmo diante de toda a reação e resistência que terá de enfrentar.

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