O PT tem um histórico de aversão a leis e instituições. Até chegar ao poder, durante 22 anos o partido recusou-se a aceitar as regras do jogo. Só o fez às vésperas da primeira vitória de Lula, rasgando um documento programático que lhe servia de guia e sugestivamente intitulava-se “A ruptura necessária”.
Nunca é demais lembrar que a Constituição sob a qual vivemos não foi assinada pelo PT, que se recusou a referendá-la em 1988. Vira-e-mexe, petistas ressuscitam teses favoráveis à adoção de mecanismos de democracia direta, aquela que prescinde de representação formal, como o Congresso Nacional. Sob o signo da bênção das massas, o PT acredita que pode mandar mais.
Este cacoete marginal sobrevive. E se expressa de maneira mais evidente na questão agrária. Quanto o assunto é invasão de propriedades ou esbulho possessório, os petistas desdenham solenemente da lei: a prerrogativa e os privilégios, defendem, cabem aos invasores; aos invadidos, as batatas – apodrecidas, bem entendido.
A condescendência com as invasões revelou-se, mais uma vez, no programa de governo apresentado por Dilma Rousseff no início de julho. Defendiam os petistas que reintegrações de posse ficassem subordinadas ao aval de uma instância de arbitragem, espécie de soviete que sujeitava decisões da Justiça ao seu bel entendimento. Criticada, a proposta foi retirada dos papéis que a petista diz ter rubricado sem ler.
Mal sabíamos que o que o PT ora propunha transformar em diretriz de governo já existe na forma de manual de procedimentos adotado há mais de dois anos no seio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Coube ao professor de filosofia Denis Rosenfield trazê-lo a público, em artigo publicado na edição de segunda-feira de O Estado de S. Paulo.
Trata-se de um documento singelo na extensão – tem apenas quatro páginas – mas de pretensões tão desmedidas quanto seu título: “Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva”. Pode ser lida na íntegra aqui e destina-se, nobremente, a “evitar os embates fundiários decorrentes do cumprimento de ordens judiciais”.
Editado em abril de 2008 e assinado pelo desembargador Gercino José da Silva Filho, o ouvidor agrário nacional, o texto pretende ser um guia que para as “desocupações” de terra determinadas pela Justiça aconteçam de forma menos traumática. Na prática, abre caminho para que as invasões promovidas pelos sem-terra se eternizem.
Logo nas linhas iniciais, uma inversão capciosa dá o tom do que virá a seguir: o MDA considera os mandatos de reintegração de posse uma das “causas” da violência no campo. A lógica mandaria dizer que a ação judicial é apenas uma consequência. Mas para o MST e esse pessoal lógica é apenas mais uma invenção burguesa, ora, bolas!
Mas isso é só o começo. Segundo o manual, a reintegração de posse determinada pela Justiça só deve ocorrer após articulação com “os demais órgãos da União, Estado e Município”. Aí abre-se um rol interminável de instâncias: Ministério Público, Incra, Ouvidoria Agrária Regional do Incra, Ouvidoria Agrária Estadual, Ouvidoria do Sistema de Segurança Pública e, no mínimo, outras sete entidades.
Isso significa que o cumprimento de decisões judiciais de reintegração de posse ficaria submetido ao crivo deste interminável conselho de sábios. É exatamente a mesma linha que previa o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e que foi depois mimetizada no programa de governo de Dilma, antes de ser flagrada e apagada. Alguém crê que, vigorasse o que está no manual, alguma propriedade invadida conseguiria ser reavista pelo seu dono?
Dilma Rousseff pode até alegar – como é de seu feitio – que não tem nada a ver com isso, que desconhece o manual, etc. Mas não terá como negar que o PT convidou o MST para ajudar na elaboração de seu programa de governo, conforme revelou a Folha de S. Paulo em outubro do ano passado.
Mais difícil ainda será ela explicar o que fazia com o boné do MST enfiado na cabeça em plena ofensiva de invasões do chamado “Abril Vermelho”, evento anual dos sem-terra. Assim como rubricou sem ler, a candidata alega que colocou o boné “sem ver”, um dia depois de dizer que não o faria. Pretende governar o país sem nada saber?
A violência agrária campeia no governo petista. Após forte baixa ocorrida na gestão Fernando Henrique – graças à MP que proibia, por dois anos, a vistoria para fins de reforma agrária de propriedades invadidas – as invasões de propriedade voltaram a subir sob Lula: de 103 casos em 2002, escalaram ao pico de 327 dois anos depois e ficaram em 173 no ano passado.
Tudo financiado com gordos repasses públicos, uma dinheirama que já chega a R$ 160 milhões. Tratando os sem-terra a pão-de-ló, chá e torradas, o PT demonstra, mais uma vez, que, em seu governo, o crime compensa.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
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