quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vitória contra o jogo sujo

A postura coesa dos partidos de oposição foi fundamental para barrar o projeto de legalização dos bingos que a bancada lulista no Congresso tentou aprovar no apagar das luzes. A proposta foi derrotada ontem na Câmara por 212 votos. Outros 144 deputados votaram a favor e cinco se abstiveram. Os derrotados prometem ressuscitar a infame proposta tão logo a nova legislatura seja empossada. Olho vivo neles.

Enquanto PSDB, DEM e PPS, além do PSOL, votaram em bloco pela rejeição do projeto, PT, PSB e PC do B liberaram suas bancadas – o que significava apoio tácito à aprovação, com as bênçãos, inclusive, de Cândido Vaccarezza, líder governista na Câmara. As demais siglas posicionaram-se abertamente a favor da legalização da jogatina no país.

A leniente posição governista diante do tema tem lá sua explicação: tudo leva a crer que os partidários de Lula e Dilma Rousseff estavam pagando uma dívida de campanha contraída no pano verde da política suja. A documentação oficial corrobora a tese.

Na primeira mensagem encaminhada pelo presidente Lula ao Congresso, em 2004, constava compromisso explícito do Executivo com a legalização dos jogos. Está lá no capítulo “Cidadania e Inclusão Social”, à página 177 do documento: “A regulamentação da atividade dos bingos vai organizar o setor (esportivo) e assegurar recursos para o esporte social.”

Por azar do governo, dias depois de a intenção ser divulgada, veio à luz a gravação em que Waldomiro Diniz, então braço direito de José Dirceu na Casa Civil, aparecia recebendo propina de um bicheiro. O primeiro da série de escândalos do governo Lula fez submergir a proposta de legalização do jogo que o PT acalentava.

Mas tudo indica que o compromisso com a contravenção persistiu – tanto que investigações iniciadas na CPI dos Bingos em 2005, incluindo denúncias de doações de casas de bingo para a campanha de Lula, jamais foram aprofundadas – e ainda pode vir a fazer estragos.

Congressistas favoráveis à legalização – incluindo alguns dos mais empenhados apoiadores da campanha da presidente eleita entre as organizações sindicais – afirmam que ainda vão tentar votar outras versões da proposta em 2011. Com todo este histórico, é bom não baixar a guarda frente às possíveis tentativas de reinstalar a jogatina no país.

Para se ter idéia da nocividade da proposta, tão logo o tema da legalização voltou à discussão, em novembro, verificou-se uma corrida ao Ambulatório do Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Eram jogadores compulsivos temendo sofrer recaída com o retorno da facilidade de acesso às casas de jogos.

Pesquisas indicam que 4% das pessoas que começam a jogar terão algum tipo de problema, enquanto 1,5% desenvolve a dependência, conforme o Diário de S.Paulo. Estatísticas mais pessimistas falam em 6% de adolescentes que abusam de jogos de azar.

“Onde estaria a ‘droga’ do jogo? A resposta um tanto simplificada seria na aposta. O jogador torna-se um dependente da excitação causada pelo ato de arriscar dinheiro ou outra forma valor. Somente esta sensação já basta para envolvê-lo. Se em seguida ao ato de apostar, ele conseguir resgatar o prêmio – tanto melhor”, escreve Hermano Tavares, presidente da Associação Nacional do Jogo Patológico.

O vício é considerado questão de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde e causa, certamente, dano muito maior do que os benefícios que, supostamente, a legalização dos jogos no país poderia gerar: 250 mil empregos e R$ 7 bilhões anuais em tributos recolhidos, conforme sustentam seus defensores.

Felizmente, alguns órgãos federais também se mobilizaram contra a aprovação da legalização – que parecia prestes a acontecer depois que, na semana passada, o projeto ganhou direito a tramitar em regime de urgência na Câmara.

Segundo a Enccla – que reúne 19 órgãos voltados ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, como o Coaf, a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público, a Receita Federal e a Polícia Federal – o governo não tem mecanismos capazes de evitar que os bingos, caso legalizados, mantenham-se distantes do crime organizado. Em documento, ressalta “a altíssima vulnerabilidade do setor a organizações criminosas e a afinidade que possui com outras condutas ilícitas (sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico)”.

Tudo somado, a experiência recente com os jogos de azar mostra que a atividade oferece muito mais danos do que benefícios. Os argumentos usados para reprovar o projeto que legaliza a atividade valem tanto agora como continuarão a valer caso os incansáveis defensores desta chaga levem adiante a ameaça de insistir na proposta. A contravenção não dá trégua.

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