segunda-feira, 20 de maio de 2019

Conceição amava Bulhões — e o que o Brasil tem a ver com isso

No fim de semana passado, o Brazil Journal publicou depoimento de Roberto Campos que integra o primeiro volume de “No Calor das Ideias – Breviário do Bem Pensar”, editado pela Insight Inteligência. A verve de um dos nossos liberais mais ferinos e argutos funciona como chamariz e tanto para o livro.

Mas quem se dispuser a baixá-lo – ele está disponível de graça na internet e é altamente recomendado – provavelmente se surpreenderá ao ver que a cereja do bolo vem de alguém de espectro ideológico oposto ao de Bob Fields: uma entrevista dada por Maria da Conceição Tavares em 2001.

O depoimento de Conecição é uma aula de civilidade e de respeito a ideias e pessoas com posições antagônicas, um tipo de postura que hoje soaria como conto da carochinha, embora seja tudo aquilo que mais nos faz falta nestes tempos atuais.

Conceição talvez dispense apresentações. Mas para o bom desenrolar desta conversa, é melhor situá-la na história.

Ela compôs o primeiríssimo time dos chamados economistas desenvolvimentistas brasileiros, caudatários de Celso Furtado e Caio Prado Junior. Cepalina, devota de Raúl Prebisch, foi voluntária do governo socialista de Salvador Allende no Chile. Crítica extrema e extremada do modelo econômico adotado pelo regime militar brasileiro, dedicou-se como professora, na UFRJ e na Unicamp, a formar gerações de economistas de viés progressista – hoje chamados, sem muito sopesar e quase nenhuma nuance, economistas “de esquerda”.

No fim da ditadura, Conceição integrava a Executiva Nacional e o núcleo de economistas do PMDB. Envolveu-se em políticas e planos de estabilização monetária como o Cruzado, a ponto de derreter-se em lágrimas diante de câmeras de TV em defesa dele.

Cansada daqueles choques heterodoxos à base de congelamento de preços, em 1994 mudou-se de mala e cuia para o PT, partido ao qual se mantém filiada até hoje. Criticou com fervor a única experiência anti-inflacionária que deu certo no país, o Plano Real, engrossando o coro de erros daquele partido. Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, naquele ano elegeu-se deputada federal pelo Rio de Janeiro. Cumpriu mandato até 1999 e desistiu da política, mas se manteve firme no debate nacional pela década seguinte. Hoje, aos 89 anos, aquietou-se.

Foi esta Conceição que, em 2001, concedeu a Coriolano Gatto e Luiz Cesar Faro um depoimento destinado a fornecer relatos e memórias para uma biografia sobre Octávio Gouveia de Bulhões que a Inteligência acalentava produzir. O livro não saiu, mas a entrevista foi ao prelo na edição n° 14 da revista. Mas, afinal, o que há de tão sensacional nisso? O título que encima o texto publicado há 18 anos — e agora transformado em um dos 27 capítulos de “No Calor das Ideias” — talvez permita bom entendimento: “Por que amei Octávio Bulhões”.

Nas 37 perguntas e interpelações dos entrevistadores à entrevistada, Conceição derrama-se em elogios àquele que foi um dos artífices do pensamento econômico conservador brasileiro. Junto com Roberto Campos, Bulhões forjou as reformas ortodoxas que formaram os alicerces da política econômica dos governos militares e seu posterior milagre do crescimento. Ele era, de seus ralos fios de cabelo até o dedinho do pé, um liberal de quatro costados. Em suma, portanto, o antípoda de Conceição, o exato oposto de tudo pelo que ela se esgoelava.

No entanto, foi com Bulhões que ela aprendeu boa parte dos cânones da ciência econômica, ao graduar-se na Fundação Getulio Vargas – depois de chegar de Portugal, onde se formara em matemática. Era 1957. Também naquela escola, logo depois, Conceição se tornaria assistente do professor e, anos depois, assumiria, por concurso, a cadeira de macroeconomia que fora dele.

Declara a polemista exaltada, a desenvolvimentista, a cepalina, a estatista, a esquerdista, a economista heterodoxa, a parlamentar e militante petista sobre o “Dr. Bulhões”, o homem cordial, ortodoxo, conservador, liberal, privatista, fiscalista e esteio dos governos direitistas militares: “Eu tenho muito respeito pelo velho, sim. A independência dele vis-à-vis o establishment. Por quê? Porque ele era servidor público, com “S” e “P” maiúsculos. (...) Foi um grande mestre, um inesquecível ser humano. Faz muita falta hoje”.

Octávio Gouveia de Bulhões morreu em 1990. Serviu a todos os governos brasileiros de Dutra a Costa e Silva, passando por Café Filho, Juscelino, Jânio, Jango e Castelo Branco, quando, em parceria com Roberto Campos, levou adiante o Paeg, ousado pacote de reformas econômicas que pôs ordem nas finanças públicas, domou a inflação e, com isso, abriu as portas para o crescimento recorde do PIB nacional que viria na década seguinte – além de ter criado, na mesma levada, o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional, o FGTS e o BNH.

Mas o que tudo isso, de remotas décadas atrás, tem a ver com os dias de hoje?

A entrevista de Conceição é um libelo de tolerância que ensinará muito aos que se dispuserem a lê-la nos tempos atuais. É a prova de que opostos podem – e devem – conviver, dialogar, discutir e discordar, civilizadamente, sempre que devotados a um bem maior: o interesse comum da nação. Tanto o professor quanto a aluna dão exemplo de convivência e coexistência pacífica, ambos se aceitando, se respeitando e, por que não?, se amando.

O respeito era mútuo. Rememora Conceição na entrevista: “Eu fiz a minha tese de livre docência para poder disputar o cargo de titular [na FGV]. Era dezembro de 1974, e fui examinar a política Bulhões/Campos. É claro, obviamente, que não concordava! E disse com muita elegância que não concordava. E aí, ele [Bulhões] me respondeu por escrito. Isso é que eu acho fantástico! Como é que o cara se deu ao trabalho de fazer dois artigos para a revista Visão, reafirmando as posições dele sem nenhuma crítica?”

Até de prisão pelos militares o Dr. Bulhões foi capaz de livrar Conceição, com intervenção direta do Presidente Geisel e de seu ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen: “Você não vai sozinha para o aeroporto,” obstou o decano, evitando que ela fosse em cana ao embarcar no Galeão para uma missão no México.

Esse Brasil ainda existe?

A recíproca era verdadeira. Bulhões também reservava palavras públicas respeitosas para sua ex-aluna ruidosa e contestadora. Entre abril e novembro de 1989, ele concedeu uma série de 20 entrevistas destinadas ao projeto “Memória do Banco Central do Brasil”. Numa delas, perguntaram-lhe os pesquisadores: “Na FEA [Faculdade de Economia e Administração da FGV] o senhor vai ter uma assistente conhecida, e meio surpreendente que tenha sido sua assistente, que é a Maria da Conceição Tavares. Como é que o senhor escolhe a Conceição para ser sua assistente?” Bulhões responde, sem nenhum rodeio: “Porque ela conhecia bem os assuntos e sabia expor. De modo que ela foi escolhida. Eu escolhi.” Ponto. Mais adiante, Bulhões foi instado a listar seus alunos mais brilhantes e, de novo de pronto, incluiu Conceição num curto rol, não sem antes classificá-la como “excelente”.

É de se perguntar: por que algo que deveria ser tão básico na vida de uma nação virou moeda rara, numa época tão pobre e carente tanto de cabeças brilhantes quanto de soluções pragmáticas?

O que aconteceu desde que Conceição concedeu aquela entrevista não é novidade: o convívio entre diferentes foi se esgarçando, as concordâncias foram se estreitando e as partes se afastando até que nos sobrassem apenas as margens extremas contra as quais nossas costas estão hoje dolorosamente esmagadas.

A semente da intolerância não brotou agora. Vem sendo cultivada sobretudo a partir da ascensão do PT ao comando do país. Com sua sanha em forma de guerra santa pela hegemonia política, econômica, cultural e intelectual, o petismo foi cindindo os brasileiros entre bons e maus, entre eles e nós. Deu no que deu. A despeito de tentar apresentar-se como novidade, o bolsonarismo apenas persevera e aprofunda essa colheita maldita, dando-lhe, em certos casos, cores ainda mais vívidas. São, portanto, décadas de descaminho e demonizações. Até onde isso vai?

A entrevista de Conceição nos lembra um tempo em que adversários eram só isso: adversários, e não inimigos mortais. Um tempo em que esquerdistas compunham governos de tucanos – como era notório, por exemplo, com os sanitaristas engajados do Ministério da Saúde de José Serra – ou liberais insofismáveis davam expediente no Ministério da Fazenda do PT ao lado de Antonio Palocci. No Congresso, cerravam fileira, entre outros, em favor dos medicamentos genéricos ou da mudança das regras de aposentadoria de servidores públicos.

Esse tempo — o tempo do diálogo, do respeito e da racionalidade — infelizmente ficou para trás. Mas não significa que não possa voltar. Basta que estejamos dispostos a novamente abrir espaço para o conflito educado (ainda que duro) de ideias, a convivência pacífica, o respeito mútuo e a busca do bem comum. Não é difícil. Conceição e Bulhões nos ensinam que é possível.

Artigo publicado originalmente no Brazil Journal em 19 de maio de 2019.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Na boca do jacaré

Os cem primeiros dias de governo podem ser apenas uma efeméride boboca, quase sem sentido, dado o tempo exíguo em relação aos anos de mandato. Mas servem para que o governante mostre seu cartão de visitas e, quando é o caso, reavalie rumos trilhados no início da arrancada. É o que deveria fazer o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Até agora, a nova administração dilapidou tempo precioso, que deveria ter sido empregado para acelerar a necessária e desejável agenda de reformas estruturantes com a qual Bolsonaro pretende marcar sua passagem pelo poder. Em circunstâncias assim, o período inaugural de gestão é ainda mais valioso.

Não adianta ficar alegando – e seus seguidores reproduzindo o argumento em redes sociais – que o tempo até agora foi curto para remediar a herança maldita de três mandatos e meio do PT. Ninguém tem dúvida disso. Mas os dias iniciais são aqueles em que o governo entrante tem melhores condições de fazer o que bem entende. Não é exagero dizer que a atual gestão desperdiçou-os quase integralmente.

Seus dois grandes, e únicos, feitos até agora foram os envios da proposta de emenda constitucional que muda a Previdência e o projeto de lei com o chamado pacote anticrime. Uma coisa, porém, é apresentá-los ao Congresso e outra, bem mais árdua, é defendê-los da pancadaria e fazê-los aprovar por deputados e senadores. É o que cabe ao presidente conseguir agora.

O momento é propício para Bolsonaro realinhar estratégias e direcionar seus maiores esforços para o que o país realmente necessita: garantir a sobriedade das contas públicas para fincar alicerces firmes que permitam à nossa economia voltar a crescer com força e, assim, gerar empregos e oportunidades para os 13,1 milhões de desocupados atuais.

Neste sentido, duas pesquisas de opinião divulgadas desde domingo reforçam alertas ao presidente da República.

O Datafolha mostrou-o como o mandatário mais mal avaliado num início de mandato desde a redemocratização (não existem pesquisas do instituto anteriores ao governo Collor). Na média, 30% classificam sua gestão até aqui como ruim ou péssima, ante 32% de ótimo e bom.

Mais significativo, contudo, é que as maiores rejeições ao governo estão entre os brasileiros com ensino superior (35% de ruim ou péssimo) e com renda acima de dez salários mínimos (37%). Ou seja, são, justamente, os estratos em que tendem a estar os tomadores de decisões, aqueles que vão resolver se apostam ou não dinheiro grosso num destino melhor para o país.

Num recorte mais específico, pesquisa da XP Investimentos divulgada na terça-feira mostrou o azedume dos deputados em relação ao novo governo. Entre fevereiro e agora, saltou de 12% para 55% o percentual de parlamentares que considera ruim ou péssima a relação entre a Câmara e o Palácio do Planalto. Só 16% a classificam como ótima ou boa.

O recado aqui é mais ou menos o mesmo da pesquisa do Datafolha: goste ou não o governo da “velha política”, é aos parlamentares que caberá aprovar ou não as propostas de Bolsonaro. Ele depende tanto dos investidores quanto dos votos dos representantes do povo para fazer seu governo deslanchar. Sem eles, sem chance.

O alento é que, desde a semana passada, o presidente fez importante inflexão no seu modo de ser e abriu seu gabinete para, pela primeira vez em três meses, receber lideranças partidárias. Demorou. É assim que se governa: ouvindo e conversando com todos para buscar as melhores soluções, ainda mais fundamentais num país em estado de penúria como ainda se encontra o Brasil.

Espera-se que Jair Bolsonaro persevere nesta trilha e desista de dobrar apostas em pautas ideológicas (e inócuas) que só servem para agradar à militância mais fanática do ex-capitão do Exército. A escolha do novo ministro da Educação e a razia na Apex, tomada pelo bolsonarismo mais rastaquera, não foram auspiciosas neste sentido.

Se enveredar pelo caminho do dogmatismo e da radicalização, o presidente corre risco de ver as curvas de aprovação e desaprovação de seu governo cruzarem-se. Quando isso acontece, os analistas de pesquisas costumam dizer que a boca do jacaré se abriu – e seu destino, quase sempre, é engolir o governante.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Uma reforma lançada aos leões

A principal constatação da audiência com Paulo Guedes na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara ontem é a de que a reforma da Previdência está órfã. Se não de pai, já que o ministro da Economia não se furtou a defendê-la com unhas e dentes, certamente de mãe: não há apoio parlamentar explícito à proposta.

Foram horas e horas daquilo que um comentarista de futebol chamaria de ataque contra defesa. Minoritária no Congresso, a oposição fez o que o governo – supostamente majoritário no Parlamento – ainda não demonstrou que saiba fazer: política.

Mesmo sem compostura, sem amparo na realidade e, sobretudo, sem razão em seus argumentos, as bancadas de partidos que até anteontem, e durante quatro gestões, mandaram no país deitaram e rolaram como se nada tivessem a ver com a ruína legada ao governo Bolsonaro.

Com disciplina e dedicação (seus deputados fizeram até fila na hora do almoço para serem os primeiros a questionar o ministro), a oposição ocupou toda a parte inicial da sessão. Dominou o noticiário e azedou o clima no mercado ontem à tarde. Cumpriu o que dela esperam seus eleitores.

A falta de traquejo político de Guedes completou o cenário para o circo da oposição – ver um filho de José Dirceu posar de herói é de matar, mesmo sabendo que descompostura é algo que lhe corre nas veias. Mas, paciência, política se joga assim.

Da parte dele, o governo não passou nem perto da CCJ. Lançado aos leões, Guedes teve que se virar praticamente sozinho – a despeito do que pensam os sectários das redes sociais do bolsonarismo, Rodrigo Maia foi a mais notável e solitária companhia do ministro. Praticamente ninguém se apresentou para servir-lhe de sparing.

Há muito tempo não se via governo em início de mandato tão fragilizado no Congresso e, portanto, apanhando tanto – Dilma Rousseff só virou saco de pancada no segundo mandato... Para uma gestão que depende de uma agenda profunda de reconstrução do país, a falta de apoio parlamentar é quase mortal.

Primeiro passo da tramitação da reforma, a sessão de ontem deveria servir de alerta àqueles que têm intenção de aprovar as mudanças necessárias no regime brasileiro de aposentadorias e pensões. Deveria, mais ainda, ser recebida como sinal por aqueles cujo governo depende da aprovação da proposta de emenda constitucional.

Do jeito que a situação está, a reforma da Previdência não vai avançar. Na melhor das hipóteses, vai ser aprovada tão desidratada que ficará irreconhecível – mudanças no Benefício de Prestação Continuada e nas aposentadorias rurais já ficaram pelo caminho.

O jogo é para profissionais, mas o Planalto parece achar que está a passeio. Não terá sido mera coincidência que partidos pró-reforma, mas achincalhados pelo discurso bolsonarista da “nova política”, tenham feito ouvidos moucos e dado de ombros à pancadaria que Guedes sofreu ontem na CCJ. É, antes, cálculo político.

Isto porque a partir da manhã desta quinta-feira o presidente Jair Bolsonaro começará a abrir sua agenda para ouvir líderes e presidentes de partido. Demorou quase cem dias para fazê-lo, aferrado a um dogmatismo estéril alimentado por rede social. Terá de fazer agora o que deveria ter feito desde o primeiro dia, depois de ter queimado três meses que poderiam ter sido de lua de mel.

A sessão de ontem na CCJ pode ter sido, pois, pedagógica. O recado, só não entende quem não quiser aprovar nada no Congresso: sem uma verdadeira articulação política, sem colocar quem de fato sabe se mover na selva que é o Parlamento, o governo vai naufragar. Brincar de Twitter, de live, de story é para adolescente ou celebridade, não para líderes.

Bolsonaro terá de demonstrar, após a rodada de conversas que patrocinará no Planalto, que entendeu a gravidade da situação e que está disposto a cumprir o papel que lhe cabe: o de principal fiador e articulador da aprovação da reforma – sem o papo furado de que “já fez a sua parte” e de que “a responsabilidade agora é do Congresso”. A responsabilidade é, sempre foi, intransferível: é do chefe de governo.

O presidente terá de mudar. É bom que perceba que precisa se cercar de quem sabe fazer política, quem sabe conduzir uma negociação, uma conversa, uma articulação. Até agora, seu governo não tem nada disso. E sem isso a reforma da Previdência continuará sem mãe e ainda correrá o risco de ficar também sem pai. O caminho vai ser árduo. Quem achava que seria um passeio pode já ir se acostumando: o jogo da política é bruto.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Conversar não dói

Nesta semana, Brasília parece ter finalmente começado a dar sinais de que resolveu desistir de pôr fogo no circo, acentuando crises. A boa política – nem velha, nem nova – está voltando a dar as cartas na relação entre Executivo e Legislativo.

Um dos primeiros testes desse novo tempo que se anuncia acontecerá nesta tarde, com a participação do ministro da Economia, Paulo Guedes, em audiência pública marcada para as 14h na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

É ali que a reforma da Previdência dará seu primeiro passo na longa e árdua tramitação que precisará vencer no Parlamento. Guedes tem o difícil desafio de aplainar o caminho até a aprovação da proposta de emenda constitucional. 

Com o vazio da articulação política do governo Bolsonaro, o ministro tem buscado cumprir funções que, numa situação normal, caberiam ao presidente da República. Merece aplausos. Mas seus méritos não eliminam deficiências de quem, ao longo de sua longa vida como profissional do mercado financeiro, jamais foi talhado no traquejo da política. 

Guedes não pode repetir hoje alguns dos maus momentos que protagonizou na semana passada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Não pode, por exemplo, cair em provocações da oposição, que costuma ser muito mais hostil entre deputados que entre senadores da República. 

Se possível, não deve repetir que tem mais o que fazer longe de Brasília se o Congresso não aprovar a reforma, isto é, tem de assegurar que estará na luta pela agenda de ajustes na alegria e na tristeza. Deve, enfim, ser mais político que técnico, numa casa em que a linguagem dos números nem sempre fala muito alto.

Paulo Guedes tem demonstrado méritos inegáveis, obrigado a remediar as lacunas deixadas pelo seu chefe do Executivo. 

Jair Bolsonaro passou os seus três primeiros meses no poder sem organizar sua base política, sem pacificar as discussões, sem dialogar com as partes e sem, em suma, assumir o figurino de presidente de todos os brasileiros. Pior: dedicou suas maiores energias a exacerbar discórdias tão inócuas quanto dispensáveis.

Tais atitudes acabaram por disseminar ceticismo em relação às chances de recuperação do país já no curto prazo. As diatribes do presidente adicionaram pitadas de dificuldades a uma retomada que naturalmente já seria árdua, dada a herança maldita que os governos do PT legaram ao país. 

Felizmente, a ficha parece ter começado a cair e Bolsonaro resolveu abrir sua agenda para o diálogo, recebendo líderes e presidentes de partidos políticos no Planalto amanhã. A ver como reagirão os sectários das redes sociais para quem dialogar equivale a vender a alma ao diabo e como o presidente da República responderá às possíveis pressões que surgirão de suas bases virtuais.

Seja com o presidente da República, seja com Paulo Guedes ou com quem mais tiver capacidade de articulação e disposição para combate, cabe agora ao governo desdobrar-se para fazer o que todos sabemos ser necessário para que a atual gestão não naufrague e leve junto o país: dialogar para transformar em realidade a necessária agenda de reformas que o Brasil exige. Conversar não dói.