quinta-feira, 4 de abril de 2019

Uma reforma lançada aos leões

A principal constatação da audiência com Paulo Guedes na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara ontem é a de que a reforma da Previdência está órfã. Se não de pai, já que o ministro da Economia não se furtou a defendê-la com unhas e dentes, certamente de mãe: não há apoio parlamentar explícito à proposta.

Foram horas e horas daquilo que um comentarista de futebol chamaria de ataque contra defesa. Minoritária no Congresso, a oposição fez o que o governo – supostamente majoritário no Parlamento – ainda não demonstrou que saiba fazer: política.

Mesmo sem compostura, sem amparo na realidade e, sobretudo, sem razão em seus argumentos, as bancadas de partidos que até anteontem, e durante quatro gestões, mandaram no país deitaram e rolaram como se nada tivessem a ver com a ruína legada ao governo Bolsonaro.

Com disciplina e dedicação (seus deputados fizeram até fila na hora do almoço para serem os primeiros a questionar o ministro), a oposição ocupou toda a parte inicial da sessão. Dominou o noticiário e azedou o clima no mercado ontem à tarde. Cumpriu o que dela esperam seus eleitores.

A falta de traquejo político de Guedes completou o cenário para o circo da oposição – ver um filho de José Dirceu posar de herói é de matar, mesmo sabendo que descompostura é algo que lhe corre nas veias. Mas, paciência, política se joga assim.

Da parte dele, o governo não passou nem perto da CCJ. Lançado aos leões, Guedes teve que se virar praticamente sozinho – a despeito do que pensam os sectários das redes sociais do bolsonarismo, Rodrigo Maia foi a mais notável e solitária companhia do ministro. Praticamente ninguém se apresentou para servir-lhe de sparing.

Há muito tempo não se via governo em início de mandato tão fragilizado no Congresso e, portanto, apanhando tanto – Dilma Rousseff só virou saco de pancada no segundo mandato... Para uma gestão que depende de uma agenda profunda de reconstrução do país, a falta de apoio parlamentar é quase mortal.

Primeiro passo da tramitação da reforma, a sessão de ontem deveria servir de alerta àqueles que têm intenção de aprovar as mudanças necessárias no regime brasileiro de aposentadorias e pensões. Deveria, mais ainda, ser recebida como sinal por aqueles cujo governo depende da aprovação da proposta de emenda constitucional.

Do jeito que a situação está, a reforma da Previdência não vai avançar. Na melhor das hipóteses, vai ser aprovada tão desidratada que ficará irreconhecível – mudanças no Benefício de Prestação Continuada e nas aposentadorias rurais já ficaram pelo caminho.

O jogo é para profissionais, mas o Planalto parece achar que está a passeio. Não terá sido mera coincidência que partidos pró-reforma, mas achincalhados pelo discurso bolsonarista da “nova política”, tenham feito ouvidos moucos e dado de ombros à pancadaria que Guedes sofreu ontem na CCJ. É, antes, cálculo político.

Isto porque a partir da manhã desta quinta-feira o presidente Jair Bolsonaro começará a abrir sua agenda para ouvir líderes e presidentes de partido. Demorou quase cem dias para fazê-lo, aferrado a um dogmatismo estéril alimentado por rede social. Terá de fazer agora o que deveria ter feito desde o primeiro dia, depois de ter queimado três meses que poderiam ter sido de lua de mel.

A sessão de ontem na CCJ pode ter sido, pois, pedagógica. O recado, só não entende quem não quiser aprovar nada no Congresso: sem uma verdadeira articulação política, sem colocar quem de fato sabe se mover na selva que é o Parlamento, o governo vai naufragar. Brincar de Twitter, de live, de story é para adolescente ou celebridade, não para líderes.

Bolsonaro terá de demonstrar, após a rodada de conversas que patrocinará no Planalto, que entendeu a gravidade da situação e que está disposto a cumprir o papel que lhe cabe: o de principal fiador e articulador da aprovação da reforma – sem o papo furado de que “já fez a sua parte” e de que “a responsabilidade agora é do Congresso”. A responsabilidade é, sempre foi, intransferível: é do chefe de governo.

O presidente terá de mudar. É bom que perceba que precisa se cercar de quem sabe fazer política, quem sabe conduzir uma negociação, uma conversa, uma articulação. Até agora, seu governo não tem nada disso. E sem isso a reforma da Previdência continuará sem mãe e ainda correrá o risco de ficar também sem pai. O caminho vai ser árduo. Quem achava que seria um passeio pode já ir se acostumando: o jogo da política é bruto.

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