quinta-feira, 11 de abril de 2019

Na boca do jacaré

Os cem primeiros dias de governo podem ser apenas uma efeméride boboca, quase sem sentido, dado o tempo exíguo em relação aos anos de mandato. Mas servem para que o governante mostre seu cartão de visitas e, quando é o caso, reavalie rumos trilhados no início da arrancada. É o que deveria fazer o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Até agora, a nova administração dilapidou tempo precioso, que deveria ter sido empregado para acelerar a necessária e desejável agenda de reformas estruturantes com a qual Bolsonaro pretende marcar sua passagem pelo poder. Em circunstâncias assim, o período inaugural de gestão é ainda mais valioso.

Não adianta ficar alegando – e seus seguidores reproduzindo o argumento em redes sociais – que o tempo até agora foi curto para remediar a herança maldita de três mandatos e meio do PT. Ninguém tem dúvida disso. Mas os dias iniciais são aqueles em que o governo entrante tem melhores condições de fazer o que bem entende. Não é exagero dizer que a atual gestão desperdiçou-os quase integralmente.

Seus dois grandes, e únicos, feitos até agora foram os envios da proposta de emenda constitucional que muda a Previdência e o projeto de lei com o chamado pacote anticrime. Uma coisa, porém, é apresentá-los ao Congresso e outra, bem mais árdua, é defendê-los da pancadaria e fazê-los aprovar por deputados e senadores. É o que cabe ao presidente conseguir agora.

O momento é propício para Bolsonaro realinhar estratégias e direcionar seus maiores esforços para o que o país realmente necessita: garantir a sobriedade das contas públicas para fincar alicerces firmes que permitam à nossa economia voltar a crescer com força e, assim, gerar empregos e oportunidades para os 13,1 milhões de desocupados atuais.

Neste sentido, duas pesquisas de opinião divulgadas desde domingo reforçam alertas ao presidente da República.

O Datafolha mostrou-o como o mandatário mais mal avaliado num início de mandato desde a redemocratização (não existem pesquisas do instituto anteriores ao governo Collor). Na média, 30% classificam sua gestão até aqui como ruim ou péssima, ante 32% de ótimo e bom.

Mais significativo, contudo, é que as maiores rejeições ao governo estão entre os brasileiros com ensino superior (35% de ruim ou péssimo) e com renda acima de dez salários mínimos (37%). Ou seja, são, justamente, os estratos em que tendem a estar os tomadores de decisões, aqueles que vão resolver se apostam ou não dinheiro grosso num destino melhor para o país.

Num recorte mais específico, pesquisa da XP Investimentos divulgada na terça-feira mostrou o azedume dos deputados em relação ao novo governo. Entre fevereiro e agora, saltou de 12% para 55% o percentual de parlamentares que considera ruim ou péssima a relação entre a Câmara e o Palácio do Planalto. Só 16% a classificam como ótima ou boa.

O recado aqui é mais ou menos o mesmo da pesquisa do Datafolha: goste ou não o governo da “velha política”, é aos parlamentares que caberá aprovar ou não as propostas de Bolsonaro. Ele depende tanto dos investidores quanto dos votos dos representantes do povo para fazer seu governo deslanchar. Sem eles, sem chance.

O alento é que, desde a semana passada, o presidente fez importante inflexão no seu modo de ser e abriu seu gabinete para, pela primeira vez em três meses, receber lideranças partidárias. Demorou. É assim que se governa: ouvindo e conversando com todos para buscar as melhores soluções, ainda mais fundamentais num país em estado de penúria como ainda se encontra o Brasil.

Espera-se que Jair Bolsonaro persevere nesta trilha e desista de dobrar apostas em pautas ideológicas (e inócuas) que só servem para agradar à militância mais fanática do ex-capitão do Exército. A escolha do novo ministro da Educação e a razia na Apex, tomada pelo bolsonarismo mais rastaquera, não foram auspiciosas neste sentido.

Se enveredar pelo caminho do dogmatismo e da radicalização, o presidente corre risco de ver as curvas de aprovação e desaprovação de seu governo cruzarem-se. Quando isso acontece, os analistas de pesquisas costumam dizer que a boca do jacaré se abriu – e seu destino, quase sempre, é engolir o governante.

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