O governo federal não parece saber ao certo o que fazer para enfrentar o grave problema do consumo de crack no país. Ontem, lançou mais um plano de combate à devastadora droga, envolvendo uma montanha de dinheiro. É a terceira iniciativa em menos de dois anos, sem que nenhum resultado tenha sido obtido. A gestão petista está tão desnorteada quanto os usuários.
O plano lançado ontem prevê gastos de R$ 4 bilhões para atacar o crack, cujo uso se dissemina hoje por todo o país – dos maiores centros às áreas rurais e pequenas cidades do interior. Com base na experiência pregressa do governo do PT, é difícil acreditar que as medidas saltarão agora do papel para a realidade.
Em 20 de maio de 2010, o então presidente Lula lançou, com estardalhaço, o “Plano de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas”. A motivação era puramente eleitoral: sua pupila Dilma Rousseff debutava na campanha e se via sem discurso – e, obviamente, sem ação alguma para mostrar – sobre o grave problema que aflige milhões de famílias brasileiras.
Na ocasião foram destinados R$ 410 milhões para o tal plano, apelidado de “PAC do Crack”. Mostrou-se tão vazio quanto o PAC-pai: 2010 acabou sem que sequer um terço do valor tivesse sido investido. E hoje, 19 meses depois, boa parte do dinheiro continua sem ter sido usada: 27% dos recursos direcionados ao combate ao crack por Lula não foram aplicados.
O Orçamento da União para 2011 previa outros R$ 33,5 milhões para ações relacionadas à política antidrogas. Destes, apenas R$ 5 milhões foram executados até ontem, de acordo com dados extraídos do Siafi. Dá 15% do total autorizado. Diante destes números, como acreditar que o bilionário programa anunciado ontem por Dilma decolará?
Em fevereiro passado, já como presidente da República, ela requentou as medidas de Lula e prometeu uma “luta sem quartel” contra o crack. Esqueceu, porém, de pôr a tropa na rua. Na ocasião, foi anunciada a instalação de 49 Centros de Referência em Crack e Outras Drogas, cujo objetivo seria capacitar 14 mil profissionais de saúde e dar assistência social para lidar com viciados e familiares. Até hoje, no entanto, ninguém sabe, ninguém viu quantos foram treinados – se é que foram.
O plano também previa implantar 2,5 mil novos leitos exclusivos para tratamento de dependentes – o que, ainda assim, equivaleria a menos de meia vaga por município do país. O mesmo número voltou a ser anunciado agora, com requinte de precisão: 2.462. Continua tão insuficiente quanto antes.
Vale dizer que, até junho passado, o governo não conseguira abrir sequer 300 leitos para tratamento dos drogados dentro do plano de combate lançado por Lula e continuado por Dilma. Com a inação oficial, hoje já há um déficit de 7,5 mil leitos para atendimento de pacientes em fase de desintoxicação. Em contrapartida, desde 2003 o número de dependentes químicos que procuraram atendimento no SUS multiplicou-se por dez.
O país vê batalhões de zumbis vagando nas ruas das cidades depauperados pelo uso do crack. Mas o poder público sequer consegue estimar o tamanho do problema, muito menos quantos são os dependentes que precisam de tratamento.
Estimativas da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados e da Polícia Federal falam em algo como 1,2 milhão de usuários de crack no Brasil. O governo encomendou a um grupo de cientistas da Fiocruz uma pesquisa para mapear a situação, mas só deverá ter os resultados no fim de 2012.
Enquete divulgada pela Confederação Nacional de Municípios em novembro revelou que 90,7% de um total de 4.430 municípios consultados registram consumo de crack. Em pelo menos mil cidades, o uso foi classificado como “alto”. Mais: 64% das prefeituras que responderam o questionário disseram que enfrentam problemas na área da saúde em decorrência do consumo de crack e 58% informaram que se veem diante de ameaças sérias à segurança.
Um dado positivo é que agora pelo menos o ministro da Saúde admite que a situação é grave e assemelha-se à que o país enfrentou nos anos 1980 com o surgimento da aids: “No conceito técnico, estamos diante de uma epidemia de crack no país”, disse Alexandre Padilha ontem. Até então, a única posição oficial publicamente conhecida era a da secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, para quem ver o crack como epidemia era rotunda “bobagem”.
Espera-se que o governo petista tenha mais clareza sobre o que fazer agora para enfrentar a praga em que o crack se transformou nos últimos anos no país. Até agora, a atitude federal foi absolutamente complacente, agravada pelo deszelo com que as fronteiras – por onde a droga inunda o Brasil – são tratadas. Repetir promessas vãs e planos mirabolantes não vai ajudar nada.
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