quarta-feira, 9 de junho de 2010

Muito lenha na fervura pode dar queimadura

Depois de amargar no ano passado a primeira recessão desde o governo Collor, a economia brasileira voltou a crescer no primeiro trimestre. Não é ainda um ritmo efetivamente chinês: enquanto lá a expansão foi de 11,9%, cá foram 9%, ambos calculados sobre igual período de 2009. Trata-se de um resultado a ser saudado, embora emprenhado de sinais preocupantes.

A primeira constatação a fazer é que a impressionante marca – a maior para este tipo de comparação desde 1996 – foi obtida sobre uma base de comparação deprimidíssima. No primeiro trimestre do ano passado, auge da crise econômica, a economia brasileira recuara 2,1%. Ponderados estes dois extremos, o resultado alcançado agora ficaria mais ou menos no nível do início de 2008. Ainda assim bom, embora não tão exuberante.

O crescimento da economia foi impulsionado por uma política fiscal francamente expansionista, adotada pelo governo no ano passado. Equivale a dizer que houve mais gastos e corte de alguns impostos – portanto, mais grana para consumo, tanto do poder público quanto das pessoas e das empresas.

Em paralelo, o nível dos investimentos ainda continua baixo para ancorar uma economia que queira crescer em velocidade efetivamente asiática: com toda a alta deste início de ano, aquilo que o economês chama de “formação bruta de capital fixo” ou FBCF corresponde agora a 18% do PIB.

Bom? Vejamos: no início do bombástico 2008, os investimentos estavam em 18,1%. Ou seja, apenas voltaram ao mesmo patamar de dois anos atrás e, retroagindo um pouco mais, encontram-se também no mesmo nível de 2001, ano reconhecidamente difícil para a economia mundial. (Em todos os demais anos do governo Lula, o percentual esteve abaixo deste padrão. Nunca é demais lembrar que a promessa do PAC era elevá-lo a 25% do PIB...)

Resultado é que a economia do país roda hoje num ritmo maior do que sua estrutura produtiva comporta. Tenta ser Ferrari com carcaça de fusquinha. O problema é que, se não há investimento suficiente, os gargalos afloram, os preços sobem, a inflação recrudesce (basta olhar os alimentos, com a terceira maior alta desde 1995 para os cinco primeiros meses do ano, conforme divulgado há pouco).

Onde se veem estes contratempos com total clareza? Olhe ao redor e não será difícil perceber: estradas cada vez mais abarrotadas e perigosas; aeroportos em petição de miséria; transportes públicos de qualidade insuficientes ou mesmo inexistentes; dificuldade para encontrar mão-de-obra para tocar qualquer obrinha ou serviço.

Para complicar a equação, há também a insuficiência da nossa poupança. No trimestre, a sua correlação com o PIB foi a 15,8%, bem abaixo, também, do nível anterior à crise, quando oscilou em torno de 17,5%, chegando ao pico de 18,2% em 2004. Como o Brasil, principalmente o setor público, poupa pouco (o paradigma chinês neste quesito alcança 40% do PIB), vê-se obrigado a recorrer a dinheiro de fora. Com isso, fica dependente do humor do capital externo, nem sempre seguro.

Isso fica claro no descompasso entre o crescimento das importações e das exportações no trimestre. Enquanto as primeiras subiram 13% ante o último trimestre de 2009, as nossas vendas ao exterior expandiram-se apenas 1,7% no mesmo período. Disso resulta uma necessidade de financiamento externo da economia (via ingresso de dólares) que deve chegar a US$ 48,5 bilhões este ano, a maior da história.

Tudo considerado, a expansão do crédito, de benefícios assistencialistas e dos gastos públicos aponta para a continuidade do ritmo de crescimento do consumo, com a geração de potenciais desequilíbrios. Trata-se de uma bomba H de demanda, que eleva a temperatura da economia e exige do Banco Central doses mais cavalares de juros já altos – como deve sair da reunião de hoje do Copom. O risco é derraparmos na curva do superaquecimento e tocar fogo no que pode dar muito certo.

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