quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Retrato da cultura de uma era inculta

Alguns artistas anunciaram ontem apoio à candidata do PT à Presidência da República. É do jogo democrático: a sociedade brasileira tem se mostrado radicalmente dividida neste momento.

Mas o que era para ser uma festa acabou por fornecer mais um retrato da maneira truculenta com que o governo federal tem atuado nestas eleições: nomes foram incluídos à revelia no manifesto e instituições de Estado foram utilizadas para constranger outros a participar.

O cineasta José Padilha pôs a boca no trombone. O diretor de “Tropa de Elite” desautorizou publicamente a campanha de Dilma Rousseff por tê-lo citado como um de seus apoiadores. Sem o consentimento dele, seu nome foi incluído na lista pelos coordenadores do tal manifesto, alguns deles de notória proximidade aos guerrilheiros colombianos das Farc (mas este é outro assunto).

Padilha – que informa ter resistido a apelos e constrangimentos de “uma blitz de um grupo que apóia Dilma” – pode ser apenas um entre muitos jabutis postos no alto desta árvore de papel.

Em sua coluna na edição de hoje de O Globo, Merval Pereira relata que “dirigentes da Ancine atuaram fortemente para que pessoas ligadas à indústria (do cinema) assinassem o documento” pró-Dilma. “Há indicações de que vários outros cineastas e atores, muitos inscritos à revelia, foram procurados pela Ancine na tentativa de engrossar a lista de apoiadores da candidatura oficial”.

A Ancine é o órgão regulador dos setores de cinema e audiovisual no país. Como tal, deveria obedecer a políticas de Estado, não a instruções de governos, menos ainda a ações de partidos políticos. Mas, como quase tudo na gestão do PT, teve sua atuação inteiramente desvirtuada nos últimos anos. Assim como outras instituições da República, transformou-se num aparelho político-partidário.

Era só o que nos faltava: além de oferecer à nação uma candidata de laboratório, o petismo agora nos apresenta um rol de simpatizantes e apoiadores de mentirinha, amavelmente coagidos a aderir ao governismo por meio da manipulação do poder do Estado e seu controle sobre polpudas verbas orçamentárias.

Basta dar uma olhada na lista de apoiadores da petista para ver que vários deles tinham motivo$ de $obra para assinar o papelucho: não são poucos ali os que vivem dependurados nas verbas de patrocínio de estatais como Petrobras, BNDES, Banco do Brasil etc.

Tirante o motivo sonante, teriam estes artistas algum outro mais palpável para incluírem-se no manifesto? Se o que importasse fosse a real atenção que o governo atual deu à cultura, sobrariam razões para estarem a léguas de distância.

Mostra O Globo de hoje que o presidente Lula esteve longe, muito longe de cumprir o compromisso assumido com a classe artística em 2002, a saber: elevar a verba destinada ao Ministério da Cultura a pelo menos 1% do Orçamento da União. Em oito anos, não passou nem perto disso.

Lula legará a seu sucessor um orçamento em que ao ministério ocupado até outro dia por Gilberto Gil caberá nada mais do que 0,16% da verba total, retrocedendo em relação ao pico de 0,23% a que se chegou neste ano. Em moeda sonante, são R$ 1,65 bilhão num mar de R$ 1,009 trilhão. Piores na fita só as pastas da Pesca e do Esporte.

A cultura só não esteve mais à míngua porque contou com as mãos amigas de parlamentares, que ano após ano garantiram-lhe no Congresso dotações sempre maiores do que o Executivo lhe destinava. Este ano, por exemplo, deputados e senadores aumentaram a verba do setor em mais de 60%, o que equivaleu a R$ 850 milhões extras.

Mas o despudorado uso da máquina estatal nas eleições não se limita a episódios como o do manifesto dos artistas. Pululam casos em que a mão pesada do Estado move-se em favor da candidata oficial, como mostrou a Folha de S. Paulo em sua edição de ontem: verbas da Petrobras e Banco do Brasil patrocinaram a publicação de uma revista da CUT com textos defendendo o voto em Dilma, o que é vedado pela lei eleitoral, que proíbe sindicatos de fazer campanha.

São exemplos eloquentes da forma como o PT apossou-se do Estado brasileiro, numa sub-reptícia e subterrânea privatização do patrimônio brasileiro. O dinheiro dos súditos, o petismo destina aos amigos do rei, que lhe retribuem na forma de assinaturas firmadas num papel. Nem todas elas, é verdade, de bom grado.

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