terça-feira, 15 de março de 2011

Prudência redobrada com o risco nuclear

O risco de uma catástrofe de proporções gigantescas no Japão, com a explosão de reatores das usinas de Fukushima, trouxe a opção pela geração nuclear para o centro dos debates em todo o mundo. No Brasil, que no governo Lula anunciou um mirabolante plano para a construção de 50 usinas nucleares até 2060, a discussão sobre a segurança, a confiabilidade e a conveniência do programa nacional para esta área mostra-se ainda mais imperativa.

Nos planos do governo brasileiro está construir, no mínimo, quatro novas usinas nucleares até 2030, agregando 4 mil megawatts (MW) ao parque gerador. O projeto nuclear nacional também prevê o término da construção de Angra 3, cujas obras foram retomadas no governo passado depois de 24 anos paradas.

Segundo o Valor Econômico, o Ministério de Minas e Energia vem “trabalhando em ritmo acelerado” no projeto de construção das novas usinas nucleares, que devem receber investimento de R$ 30 bilhões. Pretendia-se anunciar, ainda neste mês, os principais candidatos a sediar as quatro unidades.

Hoje, o Brasil tem duas usinas nucleares em operação: Angra 1 e Angra 2, que têm, juntas, 2 mil MW de potência. A participação da energia nuclear na matriz energética do país ainda é pequena: em 2009, representava 1,8% do total. A previsão é que salte para 3,4 mil MW, ou 1,9% do total, em 2019 com a entrada de Angra 3. Mas esta fatia corre o risco de crescer muito com o tresloucado plano petista.

Em fins de 2008, o governo Lula definiu como “prioritária” a retomada do programa nuclear brasileiro. Pelos planos, seriam construídas de 50 a 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos. Cada uma delas teria capacidade de geração de aproximadamente 1 mil MW. Ou seja, nossa matriz passaria a contar com 30 vezes mais energia nuclear do que conta hoje. Fukushima sugere um freio de arrumação nisso tudo.

O Brasil não destoará do resto do mundo se optar por fazer uma reanálise da sua opção nuclear. Ontem, países como Alemanha, Suíça, Inglaterra, Itália, Bélgica, Polônia, China e Índia anunciaram revisão de seus planos nesta área. Neste momento toda cautela é bem-vinda. Afinal, a atual tragédia está acontecendo num país de rara capacidade de prevenção a catástrofes, como é o caso do Japão.

Na Alemanha, parceira do projeto de usinas atômicas brasileiras nos anos 70, a chanceler Angela Merkel avisou que pode cancelar a decisão de reativar o programa nuclear daquele país. O governo da Suíça já foi mais longe e anunciou a suspensão de seus projetos de renovação de seu parque nuclear. Na Inglaterra, onde se prevê a construção de 11 novas usinas, o governo pediu reestudo imediato da empreitada.

Num mundo atemorizado, a reação das autoridades brasileiras foi, mais uma vez, lastimável. Edison Lobão, o ministro da energia, preferiu insistir que o Brasil tem “a melhor tecnologia existente” no planeta em termos nucleares e que as falhas registradas em usinas no Japão “não têm chance de ocorrer aqui”. Lobão é o mesmo que, no início do mês passado, disse que, assolado por mais um apagão, o sistema elétrico brasileiro é “o mais moderno do mundo”.

Talvez o governo de Dilma Rousseff não tenha entendido que o trágico momento exige prudência redobrada. Não existe risco zero, muito menos quando se trata do perigo radioativo. A repetição de calamidades, como as da região serrana do Rio no início deste ano, deixa claro que o Brasil não tem cultura de prevenção.

A usina de Angra 1 tem um histórico de 16 acidentes leves e médios registrados. Revela a Folha de S.Paulo que o país sequer tem um plano de contingência para esvaziar a cidade de Angra dos Reis caso um problema semelhante ao da usina japonesa de Fukushima ocorra.

“Os engenheiros não mentem quando dizem que os designs modernos são melhores. A maior parte do lixo nuclear e todos os grandes acidentes, incluindo este, vieram da geração mais antiga. Mas a energia nuclear, mais que qualquer outra, requer que o público confie nela, porque vem acompanhada da possibilidade de destruição invisível e imensa”, analisou ontem o jornal inglês Guardian.

O Brasil tem condições privilegiadas de reavaliar mais a fundo sua opção nuclear. Afinal, diferentemente de muitos outros países, conta com uma imensa fonte de energia hídrica, renovável, abundante e limpa. Sem falar em outras fontes igualmente renováveis, abundantes e limpas como a biomassa e a eólica.

O problema é que tudo o que o governo do PT fez até agora na área energética, com participação destacada da hoje presidente da República, foi em direção contrária: optou-se por sujar a matriz com fontes térmicas poluentes e por flertar com a temível energia que hoje mostra no Japão, mais uma vez, seus riscos.

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