terça-feira, 22 de março de 2011

Águas turvas no saneamento básico

Hoje, 22 de março, é comemorado o Dia Mundial da Água. A data foi criada no rastro da Eco-92, ocorrida no Rio de Janeiro há quase 20 anos. Trata-se de boa ocasião para se discutir as calamitosas condições do sistema de saneamento básico existente no Brasil. É uma verdadeira tragédia no país que é dono da maior bacia hidrográfica e detém 12% da água doce do planeta.

Segundo a PNAD, 36 milhões de brasileiros não têm acesso à rede de água. Em vastas regiões, a água fornecida aos cidadãos não é tratada. A maioria dos domicílios nacionais também não é atendida por rede de esgoto: 94 milhões de pessoas estão nestas condições. É emblemático que 8 milhões de habitantes não tenham sequer um banheiro em casa.

A péssima estrutura de saneamento básico também cobra seu preço em forma de insalubridade. Estima-se que 60% das internações de crianças no país estejam relacionadas a doenças de veiculação hídrica. Se os serviços já estivessem universalizados no país, cerca de 1.300 mortes decorrentes de infecções gastrintestinais – metade delas no Nordeste e principalmente de crianças – poderiam ser evitadas anualmente.

Estudo a ser divulgado hoje pela Agência Nacional de Águas (ANA) indica que o risco de falta d’água nos espreita. Mais da metade (55%) dos 5.565 municípios brasileiros pode ter problema de abastecimento já nos próximos quatro anos, mostrou O Estado de S.Paulo em sua edição de ontem. “Olhando para os dados nacionais, o que percebemos é que, desde 2005, o panorama ficou estável, ou seja, não melhorou”, diz Sérgio Ayrimoraes, superintendente da ANA, segundo o Valor Econômico de hoje.

Estima-se que, para levar abastecimento de água e esgotamento sanitário a todos os lares brasileiros, seria necessário investir R$ 250 bilhões. Como a média atual não passa de R$ 5 bilhões ao ano, será preciso mais 50 anos para que os serviços de saneamento sejam universalizados entre nós.

O problema é que há um enorme descompasso entre o desafio que a universalização dos serviços de saneamento representa e as condições objetivas que o poder público fornece para alcançá-la. Convivemos com estruturas de financiamento inadequadas, políticas obsoletas, marcos institucionais incompletos.

A Constituição estabelece que a responsabilidade pela prestação de serviços de saneamento básico no país é dos municípios – em alguns casos, de maneira compartilhada com os estados. O governo federal não executa obras ou investimentos no setor, a despeito de toda a massiva e enganosa propaganda em torno do PAC.

A realidade é que, dos R$ 40 bilhões anunciados no PAC para o período 2007-2010, apenas 30% referiam-se efetivamente a recursos do Orçamento da União – o resto compunha-se de financiamentos e contrapartidas dadas por estados e municípios. Mesmo assim, os desembolsos no período não passaram de metade disso.

Na prática, o governo do PT pouco fez em prol da melhoria do saneamento no país nestes últimos anos. As linhas de financiamento do BNDES e da Caixa, por exemplo, cobram taxas de juros muito altas, em se tratando de uma atividade em que o retorno do capital é baixo.

Como poucas concessionárias públicas têm condições de obter empréstimos para investir em saneamento – as de São Paulo, Minas Gerais e Paraná são algumas delas – os entes federados ficam na dependência de repasses do Orçamento, sempre irrisórios. Não existe um plano integrado de ação e os recursos liberados pela União acabam se pulverizando.

Assim, não surpreende que remanesça intocado um sistema constituído por empresas mal estruturadas, mal geridas e endividadas. Uma mostra das ineficiências: 40% da água produzida para consumo humano se perde ao longo da rede de distribuição antes de chegar ao consumidor final.

Tentativas de desafogar as empresas concessionárias e expandir os serviços pararam no paredão do governo Lula. Uma delas previa desonerar investimentos em saneamento de PIS e Cofins. Seria suficiente para liberar R$ 2 bilhões anuais para aplicar na melhoria do atendimento, mas foi vetada pela equipe econômica petista.

Diz-se no mundo político que governante não gosta de investir em saneamento porque ninguém vê canos e manilhas escondidos sob a terra. Nos últimos anos, a máxima parece ter prevalecido. Mas país que se pretende desenvolvido não pode conviver com uma realidade como a nossa. País sem saneamento é país pobre.

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