quinta-feira, 4 de maio de 2017

Líder de facção

Para um país que luta para combater e ver extirpado o maior esquema de corrupção de que se tem notícia na sua história, nada poderia soar tão decepcionante quanto a libertação do ex-ministro José Dirceu, determinada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Soltar um criminoso reiterado e contumaz tem poder simbólico destrutivo sobre o moral da sociedade.

Segundo os três ministros que lhe deram os votos favoráveis, que se orientam pelo viés chamado “garantista”, Dirceu foi beneficiado porque foi condenado apenas em primeira instância. A letra fria da lei colide com a realidade de um cidadão triplamente apenado: como chefe da quadrilha do mensalão, a 17 anos e 10 meses de prisão; como beneficiário do petrolão, em duas sentenças que somam 32 anos e um mês de cadeia.

Pior ainda, ontem, horas antes de obter decisão favorável no STF, Dirceu tornou-se denunciado pela terceira vez na Lava Jato, novamente por recebimento de propina, que agora somam R$ 15,5 milhões no total.

Nunca devemos esquecer que os delitos desnudados no âmbito da operação em marcha foram cometidos sempre quando Dirceu já estava condenado pelo mensalão – condenação extinta em outubro do passado por decisão do ministro Luís Roberto Barroso. Em favor de Dirceu, o ministro Gilmar Mendes afirmou que lhe favorece a “presunção da inocência”. Diante da ficha corrida do petista, parece escárnio.

Aberta a porteira, os petistas se aninam em ver outros próceres da facção hoje atrás das grades soltos em breve, como Antonio Palocci e João Vaccari Neto. Outros 83 presos podem ser beneficiados, segundo o Valor Econômico.

A defesa argumentou que Dirceu não representa riscos, pois estaria afastado da atividade política e não tem mais o poder de czar que tinha durante o governo do PT. A alegação não resiste a um sopro da realidade, como deixa claro uma carta recente escrita pelo ex-ministro cujos trechos foram publicados na edição de hoje d’O Estado de S. Paulo.

Em 14 páginas, Dirceu é o velho Dirceu de sempre. Seu ativismo político transparece intacto. Incita a truculência, pede ao PT que gire à esquerda e avança contra instituições da Justiça. E se manifesta convicto de que se verá livre da cadeia: “Sairei da prisão e serei absolvido. Trata-se de processo político, sumário, de exceção”. Premonitório.

A liberdade de Dirceu pode durar pouco. A sentença proferida há pouco menos de um ano pela Justiça Federal em Curitiba será agora apreciada pelo Tribunal Regional Federal em Porto Alegre, o que não costuma demorar e, em geral, tende a confirmar o veredicto do juiz Sergio Moro. Lugar de gente como Dirceu, comandante de quadrilha e líder de facção, é na cadeia. Em liberdade, ele será sempre o “guerreiro do povo brasileiro”.

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