quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O futuro das delações

O Supremo Tribunal Federal (STF) decide hoje como tratar elementos apresentados por meio de colaborações premiadas. A definição é relevante por envolver diretamente acusações feitas no âmbito do caso JBS implicando tanto o presidente Michel Temer quanto o senador Aécio Neves (PSDB).

Para começo de conversa, importante salientar que delação em si não é prova. É tão somente uma técnica especial de investigação com objetivo de desmantelar organizações criminosas e descobrir crimes ditos invisíveis, como descrito pela procuradora Samantha Chantal em entrevista publicada por O Estado de S. Paulo nesta semana.

Ou seja, para processar e condenar, delação não é suficiente; para oferecer denúncia tampouco é o ideal ou o mais prudente. No caso específico da JBS, tais cuidados se mostram ainda mais necessários, uma vez que, tal como vem ficando cada dia mais claro, a estratégia para produzir elementos para implicar os denunciados foi eivada de irregularidades, ilicitudes e suspeitas.

Desde que vieram a público áudios indicando que Joesley Batista e sua turma haviam manipulado gravações para obter perdão irrestrito e imunidade ampla, novas revelações reforçaram os questionamentos sobre o conteúdo de suas delações. O principal deles, a participação decisiva do então procurador Marcelo Miller nas tratativas.

Relatório da Polícia Federal concluiu que a atuação de Miller era do conhecimento de Rodrigo Janot, algo que o então procurador-geral da República sempre negou. Mensagens de e-mails também revelam que o procurador coabitou os dois lados do balcão, como servidor público e como futuro advogado de banca, enquanto os Batista armavam a delação.

Resta evidente que os delatores foram orientados dentro da PGR sobre como grampear e enredar os acusados – um dos objetivos era derrubar Temer, como dito pelo procurador Ângelo Goulart Villela em entrevista à Folha de S.Paulo anteontem. O próprio Janot lançou dúvidas sobre a participação de Miller na delação dos Batista ao pedir a anulação do acordo que lhes concedeu imunidade e a consequente prisão dos envolvidos, executada no fim da semana retrasada.

Nas últimas semanas, a preservação ou não das “provas” obtidas a partir da delação dos Batista foi alvo de intenso debate no meio jurídico. A maior parte defende que elas continuam valendo, com uma ressalva: se tiver havido manipulação e irregularidade na sua produção, como, por exemplo, a participação de Miller – a chamada teoria da “árvore envenenada”. É precisamente o que ocorreu no caso em tela.

Não se discute a validade e a importância do instituto da colaboração premiada, regulamentada no país por meio da lei n° 12.850. Os resultados do julgamento de hoje no STF, quaisquer que sejam, não se prestam a pôr as delações sob suspeição, mas sim a deliberar sobre um caso isolado, específico, em que elas foram severamente desvirtuadas.

O que se questiona é a deturpação de uma prática valiosa para o combate à corrupção no país, a adulteração de seus objetivos e a manipulação de seus resultados. Nas investigações envolvendo Joesley Batista e sua turma, resta evidente que a delação está eivada de vícios, de falcatruas, de ilegalidades. Neste caso específico, ela não serve para nada e deveria ser, pois, integralmente descartada.

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