quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Violência suprema

O cerne do Estado de direito é o respeito à Constituição, a observância dos ritos processuais legais, a preservação da ampla defesa e a garantia de que o equilíbrio que vigora entre os poderes da República não será ameaçado. A decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar Aécio Neves do exercício das funções de senador colide com todos estes valores fundamentais da nossa democracia.

Não há precedente na história da República brasileira de determinação desta natureza, já que três dos cinco ministros que compõem a 1ª Turma do STF também estabeleceram que o parlamentar mineiro cumpra recolhimento noturno. Se isso não é uma medida coercitiva de liberdade, nada mais é.

A Constituição brasileira prevê, em seu artigo 53, que um parlamentar só pode ser preso ou alvo de medida desta natureza em caso de flagrante de crime inafiançável. Não é, obviamente, o caso de Aécio. Tanto que também ontem a mesma turma negou pedido de prisão feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por entender que ele não cometeu nenhum delito com estas características.

A decisão tomada no Supremo transcende o aspecto individual de Aécio. O que houve foi ato que agride mandato parlamentar emanado das urnas. Os ministros exorbitaram de suas prerrogativas ao praticamente cassar quem foi escolhido pelos eleitores. É um risco considerável para a democracia brasileira. A este respeito, vale registrar o que disse o ministro Marco Aurélio Mello, um dos dois que votaram contra a punição ao senador.

“Sejam quais forem as denúncias contra o senador mineiro, não cabe ao Supremo, seu plenário, muito menos por ordem monocrática, afastar um parlamentar no exercício do mandato. Trata-se de perigosíssima criação jurisprudencial que afeta de forma significativa o equilíbrio e a independência dos três poderes. Mandato parlamentar é coisa séria e não se mexe impunemente em suas prerrogativas”.

A decisão dos três ministros do STF se baseia em elementos que, a cada dia, se revelam mais frágeis e inconsistentes. As “provas” assacadas contra Aécio são gravações feitas – sabe-se, desde as últimas semanas, de maneira fraudulenta – por Joesley Batista, no âmbito do acordo de colaboração negociado com a PGR por caminhos tortuosos, como tem ficado claro pelas últimas revelações. Que houve armação da parte dos delatores, em conluio com procuradores, é evidente, mas os três ministros do Supremo a aceitaram de barato para tomar sua decisão.

Na prática, a turma do STF fez pior: julgou e puniu Aécio sem que sequer o contraditório fosse exercitado, sem que o acusado pudesse ter exercido seu amplo direito de defesa. Houve completa inversão dos processos legais, com os ministros decretando medida sequer prevista em lei, ou seja, o afastamento do mandato, mas na prática executando uma cassação temporária branca. Agir assim é agir como em regimes de exceção.

Aécio não é sequer réu, está ainda na condição de investigado. Como alguém nestas circunstâncias pode ser punido de maneira tão vigorosa – ou há algo tão danoso para um homem público quanto um afastamento como o imposto ontem ao senador?

Pode-se gostar ou não do parlamentar tucano, mas o que está em jogo é um pilar da democracia, uma regra básica do funcionamento dos poderes. Nada justifica que se o avilte a Constituição e que, na prática, pela vontade de três ministros se casse o voto dado por 7 milhões de eleitores ao senador eleito por Minas Gerais em 2010.

O Senado Federal tem a chance de impedir que esta violência suprema avance, ao deliberar por negar-se a cumprir a decisão da 1ª Turma. O próprio STF também, caso acate recurso da defesa que obrigue o plenário, com seus 11 ministros, a se manifestar sobre a matéria – algo que, só pela sua relevância, já o justifica. Por tudo o que a punição imposta ontem a Aécio Neves representa de ameaça à democracia e aos direitos de qualquer cidadão brasileiro, ela não pode prosperar.

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