quarta-feira, 4 de abril de 2018

O risco da impunidade

A decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve tomar nesta quarta-feira extrapola o caso específico de Luiz Inácio Lula da Silva. Terá implicações sobre o estado de espírito geral da população, num momento em que a nação clama por justiça e por uma correção que permita aos brasileiros voltar a sonhar com um país mais justo e equilibrado.

Estará em questão amanhã se um condenado em duas instâncias, ou seja, por um juiz isoladamente e por uma decisão colegiada posterior, pode ou não ter sua sentença executada para começar a cumprir a pena na prisão. A alternativa a este entendimento é uma autoestrada escancarada para a certeza de que, para quem pode pagar, a punição jamais virá.

Advogar que a execução da pena só é cabível após a decisão transitar em todas as looongas instâncias do nosso Judiciário é pavimentar o caminho para a impunidade. Sobretudo de quem tem bons e caros advogados capazes de dar nó em pingo d'água, de torcer pelo avesso a interpretação das nossas leis e de dobrar magistrados com sua boa lábia.

“Se o STF mudar o entendimento e estabelecer que o início do cumprimento da pena será apenas após se esgotarem todos os recursos possíveis na última instância, será impossível condenar um culpado em crime de colarinho-branco, que são os crimes que em geral não deixam prova material. Nesses casos a regra será a prescrição, em razão das inúmeras oportunidades de protelação”, bem resumiu o físico e economista Samuel Pessôa na edição de domingo da Folha de S.Paulo.

A maior parte dos países no mundo adota a possibilidade de prisão após a segunda instância – há casos em que ela ocorre até mesmo apenas com base na decisão do juiz inicial. Por uma razão que parece cristalina e insofismável: nestas rodadas já terá havido produção de provas e exercício suficiente do contraditório para firmar-se convicção de culpa ou inocência.

Estender o processo até as calendas, como acontecerá se a interpretação da lei brasileira mudar, servirá apenas a protelações que visam livrar culpados do cumprimento de suas penas. É, pois, um atestado de impunidade dado num momento em que a sociedade brasileira mais clama pelo mais básico: que quem errou pague pelo que cometeu.

É curioso que mais de 3 mil juristas e causídicos que ontem divulgaram abaixo-assinado pela mudança da jurisprudência só tenham resolvido se insurgir agora contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Enquanto mais de 230 mil pessoas estão presas sem sequer terem sido julgadas, muito menos condenadas, isso não os estimulou a se manifestar. Mas bastou a iminência de reclusão de Lula para que exercitassem sua indignação. Por quê?

Em termos políticos e eleitorais, a prisão, por contraditório que possa parecer, pode acabar sendo mais benéfica do que maléfica para o ex-presidente. Ajudará a envergar em Lula a vestimenta que ele mais gosta: a de vítima. Paciência. É mais importante que a lei se cumpra e se prove que ninguém está acima dela.

Os eventuais dividendos eleitorais do petismo não superam o poder pedagógico, profilático e redentor que significa levar à cadeia um ex-presidente da República que foi acusado, devidamente julgado e duplamente condenado por ter cometido crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Importa menos sobre quem recairá a decisão que o STF tomará amanhã – se sobre A, sobre B ou sobre Lula. Importa tudo que se consolide no país um ambiente estável, equilibrado, perene e seguro de aplicação da lei. Mudar a jurisprudência ao sabor das circunstâncias não interessa a quem preza o fortalecimento do Estado de direito e a prevalência da democracia.

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