quarta-feira, 28 de julho de 2010

Uma nova teoria da dependência

Alguns indicadores são bastante úteis para medir as condições de temperatura e pressão vigentes na economia de um país. O PIB é o mais didático deles; o IDH, o mais completo. Mas, assim como nos procedimentos médicos, exames específicos é que permitem um diagnóstico mais acurado. É o que nos fornece, por exemplo, o balanço de pagamentos – este palavrão que indica como as contas de uma nação se relacionam com as do resto do mundo.

Nesta semana, o Banco Central divulgou o resultado registrado no primeiro semestre deste ano nas transações correntes do balanço de pagamentos. Os números foram assustadores. Entre o que entrou e o que saiu do país entre janeiro e junho em termos de comércio, serviço e rendas, fechamos no vermelho em US$ 23,76 bilhões. É muito? É pouco?

Para saber, basta fazer algumas comparações. O resultado negativo no semestre praticamente equivale ao rombo de todo o ano passado: US$ 24,3 bilhões. É a pior marca para o período em 63 anos e o triplo do primeiro semestre de 2009. Em proporção do PIB, já são 2,13%. Conclusão: é muito.

Os porta-vozes da equipe econômica repetem, mês a mês, a mesma ladainha: o déficit externo não preocupa. A cantilena vale até que uma onda forte bata na forma de ressaca na praia. A partir daí, passa-se a culpar o imprevisível mau tempo pelas agruras. O déficit previsto para este ano é de US$ 49 bilhões, recorde absoluto.

Nos últimos anos, dois componentes ajudaram a evitar o rombo: os saldos comerciais – resultantes do que exportamos além do que importamos – e a entrada de investimentos estrangeiros diretos (IED) – dinheiro que vem para expandir fábricas e abrir novos negócios. Ambos têm hoje comportamento cadente.

O saldo comercial é hoje apenas metade do que era há um ano, fruto da aquisição acelerada de bens e serviços no exterior, mais do que de perdas nas exportações. Quanto ao IED, deverá cobrir apenas 70% do déficit em conta corrente projetado para este ano. Tendo alcançado no semestre apenas um terço do que se prevê para todo o ano, desde 1997 o dinheiro do investimento não cobria tão pouco das nossas necessidades de financiamento.

“A diferença tem de ser coberta por fluxo de capital de curto prazo, que, ao contrário do IED, é volátil. Pode sair do país da noite para o dia”, avaliou a Folha de S. Paulo em sua edição de ontem. “Há um risco nada desprezível de que o déficit em conta corrente siga aumentando”.

Tomar apenas o resultado das contas externas não fornece ao leitor uma visão completa da situação. O déficit é a manifestação mais evidente de um processo vivo que se desenvolve no dia-a-dia do setor produtivo. E esta dinâmica indica certa fragilidade da nossa indústria, setor que tradicionalmente mais emprega e paga melhores salários.

Se o país vende menos ao exterior e é obrigado a importar mais, significa que o que tem produzido não tem sido suficiente para fazer frente a suas necessidades. Ou que está se especializando em produzir algum tipo de produto, mas mantém-se dependente da importação de outros. Estudo da UFRJ publicado na edição de hoje do Valor Econômico ilustra o quadro. Hoje, a indústria brasileira exporta praticamente o mesmo valor que importa. Não era assim: cinco anos atrás, as vendas eram 66% maiores do que as compras externas.

Sobre o resultado, comentou um especialista: “O país optou por uma taxa de câmbio mais valorizada, que amplia salários e o poder de compra. Consequentemente, ficou mais caro produzir internamente, porque aumentou o custo da mão-de-obra, e estimulou o consumo. O aumento das importações é inevitável”.

O governo petista gosta de bradar que, com Lula, o país tornou-se menos dependente do exterior. Onde mesmo, cara-pálida? Cada vez mais, o Brasil está à mercê dos recursos que vêm de fora; cada vez mais, a economia alimenta-se de bens importados; cada vez mais, o país sujeita-se ao capital especulativo para fechar suas contas.

Como se vê, o petismo tem uma visão original de dependência ou, quiçá, uma nova teoria. O BC de Lula e Meirelles já piscou: admitiu que, para fechar as contas, o país poderá ter de apelar por elevar sua dívida externa, segundo o Estadão. Nunca antes na história, a tal “independência” durou tão pouco.

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