domingo, 6 de novembro de 2011

Direção certa

O Brasil é um país de trânsito selvagem. É um dos locais onde mais se morre em consequência de acidentes causados por automóveis, situação agravada pela péssima condição de nossas estradas e pela deficiente fiscalização nas nossas cidades. Por isso, é mais que bem-vindo o endurecimento de leis que punem motoristas que dirigem bêbados.

Uma destas decisões foi tomada em fins de setembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas só veio a conhecimento público nesta semana. Por ela, motoristas flagrados embriagados, mesmo que não causem acidentes, responderão criminalmente pelos atos. Ou seja, em termos mais claros: em quaisquer circunstâncias, dirigir bêbado é crime, passível de detenção.

Parece algo óbvio, mas foi preciso o STF se pronunciar sobre o assunto para que o artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito fosse interpretado da forma correta. Ele prevê “detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” para quem “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

A decisão vem no momento em que a Lei Seca, com pouco mais de três anos completados, vai se mostrando incapaz de combater a selvageria no trânsito brasileiro. Depois de uma estreia triunfal, em que, pela primeira vez desde 2000, o número de mortes causadas por acidentes automobilísticos caiu no país, a situação voltou a piorar, e muito, no ano passado.

Em 2010, nada menos que 40.610 pessoas morreram no Brasil em decorrência de acidentes de trânsito em rodovias e ruas. Trata-se de aumento de 8% em relação ao ano anterior, o que, em números absolutos, equivale a mais 3.016 mortes. É o “maior número registrado pelo Ministério da Saúde em ao menos 15 anos”, sintetizou a Folha de S.Paulo no sábado. São 111 mortes por dia no trânsito ou uma a cada treze minutos.

O Brasil vive situação oposta à de outros países que, muito antes de nós, tornaram as leis de trânsito mais rigorosas e vêm conseguindo impor a civilidade na direção. No Brasil, o número de acidentes com vítimas fatais cresce a uma taxa média anual de aproximadamente 3%, aponta o Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes (IPC-LFG). “Na última década, enquanto nos países da comunidade europeia as mortes no trânsito decresceram em 41%, no Brasil verificou-se um crescimento de 40%”, revelou a revista IstoÉ desta semana.

Não fosse pela inaceitável perda de vidas humanas, os custos desta insanidade também são astronômicos. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), foram R$ 14 bilhões só no ano passado, ou mais do que o governo federal investe na área rodoviária. Só o INSS gasta R$ 8 bilhões por ano com vítimas de acidentes.

Para enfrentar o problema das mortes no trânsito, seria preciso atacar pelo menos três frentes. Em primeiro lugar, melhorar a legislação, já que, na prática, a Lei Seca acabou abrindo brechas na possibilidade de punição aos infratores, ao exigir a comprovação, por meio do teste do bafômetro, do nível de álcool no sangue dos motoristas.

Como o cidadão pode se recusar a produzir provas contra si e não fazer o exame, muitos, mesmo visivelmente embriagados, não são punidos com o rigor devido. Sujeitam-se apenas ao pagamento de multa de R$ 957,70, suspensão da carteira de habilitação e apreensão do veículo. Aguarda-se para breve pronunciamento do STF sobre se a polícia pode usar outros métodos para aferir embriaguez de motorista que se recusa a passar pelo bafômetro.

Urge, também, tornar a fiscalização mais rigorosa. Como é visível nas grandes cidades – porque nas pequenas elas inexistem – as blitze para flagrar bebuns ao volante são cada vez mais raras. Com isso, os motoristas se sentem à vontade para beber. Segundo a PM de São Paulo, neste ano, até outubro, 1.167 pessoas foram flagradas na capital paulista com álcool no organismo em quantidade que caracteriza crime de trânsito, número 32% maior do que os 879 registrados em todo o ano passado.

Um último ponto diz respeito à qualidade das nossas estradas, cenário da maior parte das mortes no trânsito. A Pesquisa CNT de Rodovias 2011 mostra que 57,4% delas têm deficiências e 27% estão em condições críticas. O número de pontos críticos nas rodovias subiu de 109 para 219 desde o último levantamento, feito pela entidade no ano passado. É uma situação inaceitável.

O Brasil ostenta o triste título de detentor de um dos mais altos índices de mortes no trânsito por habitante. É hora de uma mobilização sem precedentes para mudar este quadro, a começar pela recuperação do espírito original da Lei Seca, tornando-a um instrumento efetivo para prevenir acidentes. Da parte do governo federal, cabe transformar nossas estradas em algo decente e não no palco macabro que são hoje. Assim, começaremos a tomar a direção correta.

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