terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ilusões e a dura realidade do pré-sal

Há 14 dias vaza, ininterruptamente, óleo de um poço perfurado no Campo do Frade, na faixa oceânica do litoral fluminense. O acidente ambiental, causado pela petrolífera americana Chevron, e seus desdobramentos posteriores mostram quão despreparado o país está para enfrentar os desafios que advirão com a exploração do pré-sal.

Passadas duas semanas, nenhuma autoridade brasileira é capaz de afirmar ao certo quanto petróleo já vazou no mar. A petroleira tentou reduzir o ocorrido a uma gota no oceano. Um organismo de observações por satélite disse que o derramamento poderia ser pelo menos dez vezes maior do que o sabido até agora. Órgãos do governo brasileiro não fazem a menor ideia do tamanho do estrago.

A Chevron estima um volume total de 882 barris (ou 14 caminhões-pipa) de petróleo derramados. Já a ONG americana SkyTruth avalia o vazamento em 15 mil barris ou quase 238 caminhões-pipa. A Agência Nacional de Petróleo presumiu algo entre 1.400 a 2.310 barris. Se os cálculos da ONG, uma das primeiras a precisar a dimensão do acidente ocorrido em 2010 no Golfo do México, estiverem certos, este é o pior incidente do gênero já registrado no Brasil.

Independentemente da extensão da tragédia, é bastante insatisfatório o sistema nacional de prevenção, controle e fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição brasileira. O arcabouço em vigor data de 2000 e já deveria ter sido atualizado, à luz de desastres recentes no mundo e, principalmente, em razão do início da exploração em águas superprofundas do pré-sal.

Mas, como é tônica no governo do PT, grupos de discussão criados para estabelecer novas regras não saíram do lugar. O país não conta com um plano nacional de contingência abrangente. No início da gestão Lula, ele começou a ser elaborado, mas não foi adiante. No ano passado, após a tragédia ambiental do Golfo do México, causada pela British Petroleum, as discussões foram retomadas. Mas até hoje nada saiu do papel.

Se o acidente com a Chevron for maior do que se tem notícia até agora – o que, felizmente, parece não ser o caso – ninguém saberia como proceder para estancá-lo. Os planos existentes no país do pré-sal são de âmbito individual, ou seja, cada empresa cuida da área que explora.

“Para acidentes de proporções superiores à capacidade de resposta de determinada petroleira, não se conhece a cadeia de responsabilidades de estados, municípios, Marinha, ANP e órgãos ambientais”, ressalta o Valor Econômico. Para complicar, a proposta discutida pelo governo envolve uma quantidade indesejável de ministérios.

Outra evidência gritante da fragilidade do arcabouço legal existente para lidar com o problema no país é o valor da multa máxima que poderá ser aplicada à Chevron, de R$ 50 milhões. Para se ter ideia, 11 anos atrás a Petrobras foi multada no mesmo montante, em decorrência de um vazamento na refinaria de Duque de Caxias. Apenas a atualização do valor pela inflação já implicaria numa penalidade de R$ 116 milhões.

No país que sonha com o pré-sal, a perspectiva de aumento dos incidentes ambientais é uma ameaça tristemente concreta. Segundo o Ibama, acidentes em plataformas de petróleo no país triplicaram desde 2008. Mais de 20 deles são notificados por ano ao órgão. Pouca gente fica sabendo disso.

A distância entre o sonho do pré-sal, apregoado pelo ostensivo marketing petista, e a dura realidade também se mede pelas dificuldades que o país terá para explorar suas riquezas. A Petrobras – que, por lei, está obrigada a participar de toda e qualquer empreitada nas águas superprofundas – não tem tido fôlego sequer para levar adiante seus atuais investimentos, que já caíram 30% no trimestre passado e ficarão aquém do estimado para o exercício.

O incidente no Campo do Frade apenas reforça que, para alcançar o futuro venturoso que o país almeja, não bastam meras palavras ao vento. É preciso preparar-se, buscar as melhores soluções e trabalhar sério. A exploração das riquezas do pré-sal foi tratada até agora, seja pelo governo Lula, seja pelo de Dilma Rousseff, como uma dádiva dos céus. A realidade, porém, tem se mostrado bem mais amarga e viscosa como óleo.

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