O dia de hoje marca uma greve como nunca se viu. Desta vez, aqueles que costumam ser responsáveis por julgar a legalidade de paralisações de trabalhadores é que irão cruzar os braços. São milhares de juízes, magistrados, promotores e procuradores berrando por aumento de salário e manutenção de benefícios. É o ápice do motim de privilegiados que, aqui e acolá, vêm tentando bloquear a reforma do Estado brasileiro.
O cerne da questão do momento é o penduricalho salarial chamado auxílio-moradia. Concebido para ser pago a magistrados transferidos para atuar em locais onde não possuam casa própria, acabou incorporado ao que todos eles recebem, independente de serem sem-teto ou não.
São R$ 4.377,73 a mais por mês – o dobro do salário médio do brasileiro – na conta de cerca de 31 mil funcionários altamente graduados do Estado brasileiro, segundo a Consultoria Legislativa do Senado. Aí estão juízes, desembargadores, promotores, procuradores, conselheiros e procuradores de contas e ministros dos próprios tribunais superiores, como o STF e o STJ.
O que pode parecer exagero a qualquer mortal – e é – torna-se um pouco mais escandaloso quando visto à luz das condições salariais reservadas ao pessoal do andar de cima do Judiciário. São os mais bem pagos do serviço público, em quaisquer instâncias (exceto a Justiça Eleitoral), em qualquer nível da federação.
Graças ao Conselho Nacional de Justiça, esta realidade pode se conhecida em detalhes. O Judiciário brasileiro custou 1,4% do PIB no ano passado. Salários, aposentadorias e pensões, acrescidos dos chamados penduricalhos remuneratórios, sorveram R$ 76 bilhões para pagar 442 mil pessoas.
A extensão do extra a todos os juízes do país decorre de decisão do ministro Luiz Fux, do STF, dada em caráter liminar em setembro de 2014. Desde então, R$ 5,4 bilhões foram despendidos com pagamento de auxílio-moradia no serviço público, calcula o Contas Abertas. O benefício virou penduricalho na carteira, e sequer é gravado por imposto de renda, por ser considerado verba indenizatória.
A greve de hoje é uma faca posta no pescoço do Supremo em razão do risco de a benesse ter fim. Isto porque, na semana que vem, os ministros do STF julgam o caso e a tendência é o auxílio-moradia voltar ao que nunca deveria ter deixado de ser: uma prebenda paga a quem de direito, em situações particulares e excepcionais, ligadas à “transitoriedade de domicílio”. Proprietário de imóvel na mesma localidade em que trabalha não se encaixa em qualquer destes casos – a despesa fere, também, a LDO e é, portanto, não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público.
Os juízes alegam perda salarial de 40% acumulada desde 2005 para justificar a greve. O auxílio seria, segundo este discurso, mera compensação pela defasagem acumulada. Seus vencimentos, porém, já estão acima do máximo permitido pela Constituição. Entre os mais de 17 mil de juízes e desembargadores do país, 71% receberam acima do teto constitucional, de R$ 33,8 mil, em 2017, mostrou O Globo em dezembro. Em média, são R$ 47,7 mil mensais.
Se já ganham mais que a lei que juraram defender estabelece como topo, como querem aumentar ainda mais o que já é, ou deveria ser, inconstitucional?
O levante dos juízes revela-se parte da reação de corporações encrustadas no serviço público brasileiro à necessária revisão de privilégios que desequilibram ainda mais a injustíssima distribuição de renda no país. Sim, eles devem e merecem ser muito bem remunerados. Mas não merecem ganhar o céu.
Tais corporações, com reforço de integrantes muito ativos do Ministério Público, também estiveram na linha de frente da resistência à reforma da Previdência desde o ano passado. Exceto eles, perdemos todos no país com o arquivamento, ainda que momentâneo, da proposta. Assim como o motim daqueles que impediram que o Estado brasileiro dispusesse de um sistema de aposentadorias um pouco menos injusto e um pouco mais eficaz, a greve dos juízes hoje merece repúdio, inclusive por ferir a Constituição.
sexta-feira, 16 de março de 2018
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário