Esta é mais uma das excentricidades do sistema político brasileiro. A legislação em vigor coíbe a mudança de partido, como forma de forçar o respeito à vontade expressa pelo eleitor na urna. Afinal, os mandatos emanam do voto popular e, em parcela esmagadoramente predominante, dos excedentes do coeficiente eleitoral, dentro do sistema proporcional. São razões mais que suficientes para cobrar fidelidade partidária.
Dos 513 deputados em exercício, apenas 36 obtiveram o mínimo de votos necessários para se eleger em 2014, segundo o El País. Os demais 477 devem sua vaga na Câmara à divisão da soma dos votos dados pelos eleitores a todos os postulantes da coligação pela qual disputaram a eleição. Ou seja, 93% dos parlamentares se elegeram em função das legendas, e não de si próprios. Também por esta razão, a lei coíbe a troca de partido e ameaça com perda de mandato quem não a respeitar.
Mas a política achou um jeitinho de contornar o empecilho. É a tal janela que se encontra aberta até o próximo dia 7 de abril, quando faltarão seis meses para as próximas eleições. Até agora, o site da Câmara registra oito movimentações parlamentares, ou seja, mudanças de partido, ocorridas desde o começo do prazo, na última quarta-feira. Mas possivelmente haverá muito mais nos próximos dias.
Neste ano, um fator adicional estimula migrações: deputados que buscarão a reeleição esperam contar com verba maior do fundo eleitoral, criado no ano passado para ser distribuído pelos partidos para bancar candidaturas nestas eleições. A avidez pelos recursos, um naco de R$ 1,7 bilhão do Orçamento da União, explica boa parte do troca-troca.
Trata-se de decorrência direta da proibição do financiamento das campanhas por parte de pessoas jurídicas, ou seja, empresas. Como as doações de pessoas físicas são tímidas no Brasil, o fundo tornou-se a tábua para salvar financeiramente campanhas. Terá sido a melhor saída?
A presente situação desnuda pelo menos duas disfuncionalidades do sistema político-eleitoral brasileiro. A primeira diz respeito ao próprio financiamento. Pela primeira vez, nestas eleições estamos experimentando o modelo custeado com recursos públicos. Seria, segundo os que o defendem, uma forma de moralizar as eleições. O troca-troca partidário não parece corroborar a tese, bem como a vívida possibilidade de que candidatos muito ricos destoem na disputa e mesmo de que o famigerado caixa dois continue sobrevivendo.
A outra distorção vem do modelo proporcional de escolha dos mandatários. As campanhas para cargos no Legislativo federal são disputadas tendo o território da respectiva unidade da federação como campo de batalha. São milhares de proponentes em busca de algumas dezenas de vagas que se digladiam em imensos colégios eleitorais.
Numa situação assim, as campanhas tornam-se muito mais caras e onerosas – no sistema ora vigente, para os cofres públicos. E, pior: a representação legislativa acaba muitíssimo fragmentada, de péssima qualidade. Hoje há 25 partidos representados na Câmara, outros dez registrados no TSE e uma inacreditável lista de 72 legendas à espera de autorização da Justiça Eleitoral para existir.
Num sistema em que o mandato parlamentar respeitasse mais fielmente a vontade expressa pelo eleitor ao votar, a janela partidária não deveria existir. Tampouco haveria a fragmentação partidária – afinal, não há tantas ideologias assim a serem representadas... O retorno do financiamento eleitoral advindo de empresas, desde que as doações sejam transparentes, bem regulamentadas e fiscalizadas, retiraria um incentivo à infidelidade surgido nestas eleições e estimulado pela repartição dos recursos do fundo público.
A proibição de coligações em eleições proporcionais – resultado de emenda constitucional de autoria dos senadores tucanos Aécio Neves e Ricardo Ferraço já sancionada, com vigência a partir de 2020 – e a adoção do voto distrital misto – proposta pelo senador José Serra, já aprovada no Senado e à espera de apreciação pela Câmara – podem mudar esta situação para melhor.
Num sistema assim, o Parlamento e as bancadas eleitas tendem a representar melhor a população, bem como criar ambiente que dê maior governabilidade aos eleitos para o Executivo, com maiorias legislativas mais estáveis. O que parece certo é que o modelo político em vigor não é bom. E nem é preciso abrir nenhuma janela para perceber isso.
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