É consenso nas avaliações
sobre as ações anunciadas na segunda-feira – voltadas, basicamente, a esvaziar
os abarrotados pátios das montadoras de automóveis – que o governo Dilma
Rousseff tomou a estrada errada. Catapultar o consumo é modelo que já deu o que
tinha que dar, num momento em que os devedores já estão com a corda no pescoço
e a água pelo nariz.
São números oficiais
que comprovam isso. O endividamento das famílias já representa 43% da renda
anual do brasileiro, informa O
Globo. Comparado com outros países, pode até não soar alto. Mas, dadas
as particularidades do nosso mercado de crédito, chega a ser insalubre: aqui os
juros são muito mais elevados que em qualquer lugar do mundo – só perdemos para
a Rússia – e os prazos para pagamento, mais curtos.
No contracheque do
mês, em média 22% já estão comprometidos com pagamento de parcelas de dívida.
Quando se considera que o brasileiro médio ainda tem que pagar caro pela
escola, pela saúde e pelo transporte que o Estado não lhe provê como
contrapartida aos impostos que recolhe, conclui-se que sobra pouco para
consumir, como gostaria o governo petista.
Vale comparar com o
que acontece na economia americana, por exemplo. Em 2008, auge da crise das
hipotecas, que lançou o mundo no buraco do qual ainda não saímos, a renda
comprometida com o serviço da dívida estava em 14% lá. No Brasil, já naquela
ocasião o percentual chegava a 18% e agora escala aos 22%. Não é pouca coisa.
A contrapartida ao
sufoco nas contas a pagar que o brasileiro tem de honrar vem na forma de calote.
De acordo com a Serasa, em abril a inadimplência do consumidor em geral subiu
4,8% em relação a março, no maior salto para o mês desde 2002.
Só no cheque
especial já há R$ 22 bilhões no negativo. E, apenas no mercado de veículos,
outros R$ 10,5 bilhões estão em atraso, o que equivale a 150% acima do verificado
no início de 2011. Numa situação assim, quem se arriscará a tomar mais empréstimos?
Nem de graça...
“O brasileiro está
ficando com menor renda disponível pelo excesso de dívidas, e num momento em
que houver dificuldade no mercado de trabalho e a renda não crescer haverá
problemas”, analisa Miriam Leitão n’O Globo.
Diante da reação
negativa ao sétimo pacote baseado na mesma receita e voltado a beneficiar o
mesmo setor industrial, Guido Mantega disse ontem que, para facilitar a vida do
devedor, o governo estuda medidas para permitir que eles troquem a dívida velha
por nova e mais barata, com suspensão ou adiamento de tributos cobrados na renegociação.
Nenhuma palavra do
ministro, porém, sobre o que interessa: ações para alavancar os investimentos,
aumentar a produtividade e a competitividade do parque produtivo nacional. “O
que emperra o crescimento neste ano, afora os famosos ‘fatores estruturais’ de
sempre, é a impressionante contenção do investimento das empresas e a ainda
fraca retomada do investimento do governo”, comenta Vinicius Torres Freire na Folha de S.Paulo.
A opção preferencial
do governo Dilma Rousseff pelos automóveis também afronta os preceitos da nova
economia, que se baseia em modelos de baixa emissão de carbono. Com as recentes
medidas, o país – que muito contribui para a sustentabilidade do planeta por
meio do etanol – simplesmente está se chocando com a direção para a qual todo o
resto do mundo aponta, e justamente às vésperas de sediar a Rio+20.
Ao contrário do
Brasil, onde os governos petistas lançaram sete planos, digamos, de “alto
carbono”, a grande maioria dos programas lançados no mundo nos últimos anos
atrela a redução de impostos à eficiência energética e ao controle de emissões.
Enquanto o resto do planeta, de maneira acertada, despeja incentivos em carros
elétricos, no Brasil são eles os que recolhem a maior carga de impostos, relata
o Valor
Econômico.
Não falta apenas
ousadia ao governo Dilma para executar as mudanças mais profundas na estrutura
produtiva pelas quais o país clama. Falta também uma percepção mais acurada do
momento pelo qual passamos. Seja por incentivar endividamento num momento de inadimplência
em alta, seja por privilegiar alternativas poluentes, a gestão petista
mostra-se totalmente alheia à realidade. Alguma coisa está muito fora da ordem.
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