Jogos de futebol
deveriam se limitar ao que se passa dentro de campo, entre as quatro linhas. Mas
a exaustiva exploração que envolveu e envolve a realização da Copa do Mundo no
Brasil autoriza analisar o que aconteceu ontem no Mineirão sob o aspecto das vinculações
que cercam esporte e política. Na alegria e na tristeza.
A histórica derrota
sofrida pela seleção pode servir como lição para que o Brasil se torne um país
melhor. A vitória alemã representa o triunfo da técnica, da disciplina, do método
e do rigor sobre o improviso, o descompromisso e a fé em que, no fim, tudo vai
dar certo, porque, afinal de contas, Deus é brasileiro e conosco ninguém pode.
A Copa começou para
o Brasil com um gol contra e terminou com a maior – em vários e diferentes aspectos
– goleada da história do futebol mundial. Um vexame de proporções homéricas. Será
que isso não nos diz algo sobre o que acontece quando abdicamos de fazer o que
é certo apostando que, ainda assim, no fim nada vai dar errado?
Diz-se que a derrota
de 1950 para o Uruguai foi uma tragédia que marcou a alma brasileira e impingiu-nos
certo complexo de vira-latas. Quem sabe a humilhação de 2014, com o êxito da
racionalidade germânica, não nos faça acordar para a premente necessidade de
levarmos as coisas mais a sério e nos tornarmos, enfim, a grande nação que
podemos chegar a ser?
O pior que pode
acontecer agora é ignorar que o fiasco da seleção deve muito à forma com que os
problemas são enfrentados no país. Improvisa-se um Bernard em campo, sem sequer
testá-lo antes no time em um treino tático, achando-se que, assim, engana-se o
técnico adversário e logra-se a vitória. Sem maiores esforços, sem sacrifícios.
É o cúmulo da cultura da esperteza, que só nos afunda, mas não está presente apenas
no esporte. Pelo contrário.
O marketing político
tornou-se expert em apropriar-se de sentimentos desta natureza e insuflá-los. No
caso específico da Copa, quantas vezes, ao longo de sete anos, não ouvimos autoridades
federais dizendo que o “jeito brasileiro” de fazer as coisas seria um sucesso, como se organização,
planejamento e método fossem atributos indesejáveis para uma nação tão criativa
quanto a nossa?
Nos últimos dias, com
oportunismo, cresceu o ímpeto do governo federal em associar-se aos belos
espetáculos vistos dentro de campo por seleções tão improváveis quanto a da
Costa Rica. A gestão petista sentiu-se autorizada a surfar na onda da
satisfação do público com o que via nos gramados, como se, a cada lance genial
de Robben ou Müller, correspondesse uma obra de mobilidade urbana ou de
infraestrutura realizada.
Ao longo de sete
anos, a gestão petista tentou transformar a Copa num ativo político. Fez isso
com mais ou menor ímpeto ao sabor dos humores que captava do público. Tentou
desvincular-se do torneio depois dos protestos de junho de 2013 da mesma forma
que tenta agora dizer que não tem nada a ver com o fracasso de ontem. Aproximou
seus palanques dos gramados enquanto o futebol encantava.
De fato, evidentemente,
o governo não pode ser responsabilizado pelo futebolzinho que a seleção jogou no
Mineirão. Mas precisa, sim, responder por tudo o mais que a Copa do Mundo deixou
de entregar: desde as promessas frustradas até o desperdício de recursos
públicos que certamente teriam sido melhor empregados em algo mais premente
para a população do que elefantes brancos apelidados de arenas.
Houve, sim, bons
resultados durante a Copa, a partir de esforço gigantesco e compartilhado de
diversas instâncias de poder, assim como de empenho privado, compromissos coletivos
e participações individuais. O brilho que cerca o torneio é obra coletiva, mas
daí a dizer que, no fim das contas, foi tudo uma “belezura”
vai imensa distância.
Na retórica oficial,
criticar a má preparação, o desperdício de dinheiro público, os compromissos
não honrados, as promessas negligenciadas foi sempre considerado crime de
lesa-pátria, como torcida contra, como coisa de “urubus” e “pessimistas”. Jamais
se encarou a crítica como legítima colaboração a fim de se produzir mais e melhores
benefícios para a população.
O sucesso ocasional
visto em vários aspectos da Copa – mas, repita-se, longe de ser um triunfo
geral – só ressalta a constatação de que o país pode ir muito mais longe. Se
fez bem durante 30 dias para não fazer feio para o mundo, por que não faz
sempre assim para fazer bonito para os brasileiros?
Que a derrota das
derrotas sofrida para a Alemanha seja um aprendizado. O país que precisamos
construir não cabe em slogans bobocas como o que tenta nos convencer de uma “Copa
das Copas” que, assim como o Brasil da propaganda oficial, nunca existiu.
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